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Acórdão 653/2005/T, de 6 de Janeiro

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Texto do documento

Acórdão 653/2005/T. Const. - Processo 157/2005. - Acordam no Tribunal Constitucional:

1 - Por decisão da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e Publicidade de 22 de Abril de 2004, foi aplicada à sociedade denominada Funerária das Aves - Alves da Costa, Unipessoal, Lda., a coima de Euro 6500 pela prática da contra-ordenação prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 16.º do Decreto-Lei 206/2001, de 27 de Julho, resultante da infracção à regra constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º do mesmo diploma, segundo a qual uma agência funerária tem de "manter ao serviço pelo menos quatro trabalhadores, nos quais se podem incluir os seus administradores ou gerentes".

Inconformada, a arguida recorreu para o Tribunal da Comarca de Santo Tirso.

Para o que agora releva, sustentou, na motivação de recurso, a inconstitucionalidade, orgânica e material, da norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei 206/2001, nos seguintes termos:

"2.ª Sucede, porém, que o supra-referido normativo legal é orgânica e materialmente inconstitucional.

3.ª As normas em apreço visam limitar e condicionar o acesso e exercício da profissão de agente funerário (o preâmbulo do diploma refere-se à definição de um conjunto de regras gerais para o exercício da actividade funerária) e todas elas estabelecem requisitos sem cujo cumprimento não é possível o exercício da referida actividade.

4.ª Está, assim, em causa a liberdade de exercício de profissão, prevista no artigo 47.º, n.º 1, da Constituição, integrando-se no título II da parte I da lei fundamental.

5.ª Deste modo, é aplicável às restrições a esta liberdade, ex vi o artigo 17.º, o regime orgânico previsto no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, isto é, está reservada exclusivamente à Assembleia da República a competência para legislar sobre tal matéria, salvo autorização do Governo.

6.ª O Decreto-Lei 206/2001, de 27 de Julho, foi aprovado pelo Governo, ao abrigo da sua competência legislativa prevista no artigo 198.º, n.º 1, alínea a), da Constituição (a chamada competência concorrencial).

7.ª Desconhece-se a existência de lei de autorização legislativa válida ao tempo da aprovação do decreto-lei em causa, sendo certo que a não invocação expressa de autorização legislativa pelo diploma em apreço sempre produziria uma desconformidade com a Constituição, por violação do artigo 198.º, n.º 3.

8.ª Tendo o Governo legislado em matéria da competência exclusiva da Assembleia da República, sem a respectiva autorização legislativa, as normas deste decreto-lei, que incidam sobre essa matéria, têm de ser consideradas como organicamente inconstitucionais.

9.ª Em consequência da declaração de inconstitucionalidade das normas em apreço hão-de ter-se por inconstitucionais todas as normas que apenas devem a sua subsistência àquelas, como sejam as que prevêem contra-ordenações para a violação das normas impugnadas e as que regulam procedimentos para o exercício da profissão em causa, designadamente as constantes do artigo 16.º do referido diploma legal.

10.ª A liberdade de escolha de profissão está consagrada no artigo 47.º da Constituição, o qual dispõe que '[t]odos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho', não se vislumbrando que o interesse colectivo imponha a necessidade de as agências funerárias se constituírem em qualquer das formas societárias legalmente permitidas e, muito menos, de manterem ao serviço um número de quatro trabalhadores a menos (porquê quatro e não três ou cinco?).

11.ª A maioria das agências funerárias em actividade fora das grandes cidades é de cariz familiar, empregando, em média, duas a três pessoas, sendo que o facto de ter quatro trabalhadores não defende melhor os interesses dos consumidores, quando esse número (e apenas para fazer número) pode figurar qualquer pessoa, mesmo inabilitada para o exercício da profissão.

12.ª O artigo 58.º da CRP consigna que todos têm direito ao trabalho e que incumbe ao Estado promover a igualdade de oportunidades na escolha da profissão e o Decreto-Lei 206/2001 cerceia, destarte, o direito ao trabalho e a liberdade de escolha de profissão.

[...]

21.ª Pelo exposto, devem ser consideradas inconstitucionais as normas contidas nos artigos 6.º, n.º 1, e 16.º, n.º 2, do Decreto-Lei 206/2001, de 27 de Julho, declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral ou, se assim não for considerado, aplicada à recorrente uma pena de admoestação, com o que se fará justiça!"

Por sentença de 21 de Dezembro de 2004, a fl. 115, a arguida foi absolvida da prática da contra-ordenação referida, tendo a sentença recusado a "aplicação, no caso concreto, da norma contida na alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei 206/2001, de 27 de Julho, por violação do disposto na parte final do n.º 2 do artigo 18.º da CRP".

Após afastar a acusação de inconstitucionalidade orgânica feita pela recorrente, a sentença entendeu que a norma em causa impõe uma restrição ao direito de liberdade de escolha de profissão desproporcionada, porque não adequada à finalidade com que a lei disciplina o exercício da correspondente actividade, assim violando o "subprincípio da adequação", uma das exigências da regra da proporcionalidade.

Fundamentando este juízo de inconstitucionalidade, a sentença afirmou o seguinte:

"b) Da questão da inconstitucionalidade material do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei 206/2001, de 27 de Julho. - Dispõe o n.º 1 do artigo 47.º da CRP que 'Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade.'

Pretende a arguida/recorrente fazer valer a tese de que o n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei 206/2001, de 27 de Julho, e, mais precisamente, a sua alínea e), na parte em que exige um número mínimo de quatro trabalhadores para o exercício da actividade das agências funerárias, é inconstitucional, na medida em que consubstancia uma restrição não admissível da liberdade de escolha de profissão, consagrada no normativo supra-reproduzido.

Ora, da simples leitura do n.º 1 do artigo 47.º da CRP resulta que ele próprio admite a possibilidade de serem colocadas restrições à liberdade de escolha de profissão.

Para tal, ele remete, expressamente, para a lei ordinária a faculdade de restringir tal direito fundamental, completando tal remissão com a indicação do interesse e do critério que poderão legitimar a intervenção restritiva do legislador.

Sucede que, a par do conceito de restrição, outros existem, afins deste, que como ele traduzem uma ideia de afectação ou intervenção, por via legislativa ordinária, no âmbito dos direitos fundamentais, em sentido desvantajoso para os mesmos.

Tais conceitos são múltiplos, sendo que os mais frequentemente utilizados, tanto pela doutrina como pela jurisprudência, são os de delimitação, condicionamento, regulamentação, concretização e limite ao exercício.

De igual modo, são variados os entendimentos, doutrinais e jurisprudenciais, relativos à questão de saber se os requisitos que a Constituição da República Portuguesa impõe, nos n.os 2 e 3 do seu artigo 18.º, para as restrições aos direitos, liberdades e garantias também são aplicáveis, todos ou apenas alguns, em relação a todos ou, somente, a alguns daqueles conceitos.

Por outro lado, se, em teoria, a distinção entre tais conceitos e o de restrição se apresenta, aparentemente, pacífica, na prática o mesmo não sucede.

Ante o exposto, entendemos, acompanhando o entendimento perfilhado, acerca desta matéria, por Jorge Reis Novais (ob. cit. supra), que muito mais importante do que qualificar uma determinada norma ordinária como verdadeira restrição ou como qualquer outra figura afim desta é apurar se àquela se justifica, ou não, a aplicação dos requisitos impostos pela CRP para as restrições.

Como bem refere tal autor, a aplicabilidade dos requisitos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 18.º da CRP 'não deve depender de uma integração abstracta de uma dada regulação de direitos fundamentais num tipo conceptual livremente adoptado, mas ser essencialmente condicionada pela presença de elementos ou efeitos restritivos na normação em causa, ou seja, pela produção de consequências desvantajosas no acesso dos particulares a bens de liberdade jusfundamentalmente protegidos' (ob. cit. supra, p. 189).

Ou seja, desde que, de algum modo, se possa suscitar a presença, numa determinada norma ordinária, de elementos restritivos da categoria de direitos fundamentais 'direitos, liberdades e garantias', então também, independentemente da qualificação daquela como restrição ou outra figura afim desta, se deve suscitar a questão da aplicação daqueles requisitos.

Sendo que, sempre que tal aconteça 'a determinação concreta do tipo e densidade dos requisitos exigíveis deverá ser estritamente condicionada [...] pela extensão e intensidade dos efeitos restritivos' produzidos pela norma em causa 'no contexto dos interesses materiais em presença, avaliados e valorados à luz e em função dos fins especiais de protecção próprios de cada um daqueles requisitos' (ob. cit. supra, p. 189).

Ora, no que concerne, desde logo, aos requisitos de natureza material previstos, para as restrições, nos n.os 2 e 3 do artigo 18.º da CRP (princípio da proporcionalidade em sentido amplo, garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, princípio da igualdade), uma vez que 'decorrem de exigências do princípio do Estado de direito', devem os mesmos ser aplicados em relação a todas as normas que se traduzam numa afectação desvantajosa do conteúdo de um direito fundamental da categoria dos 'direitos, liberdades e garantias'.

Aqui chegados, importa salientar que, em face de todo o exposto, dúvidas não podem restar de que a alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei 206/2001, de 27 de Julho, na parte em que exige um número mínimo de quatro trabalhadores para o exercício da actividade das agências funerárias, é restritiva da liberdade de escolha de profissão.

Na verdade, a consagração de um tal requisito para o exercício daquela actividade tem efeitos claramente desvantajosos em matéria de acesso dos particulares à liberdade de escolha de profissão - daquela profissão.

Assim, independentemente da questão de saber se a alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei 206/2001, de 27 de Julho, na parte que supra se assinalou, consubstancia uma efectiva restrição, ou antes uma qualquer outra figura afim desta, da liberdade de escolha de profissão, o certo é que devem ser-lhe aplicáveis, desde logo, os requisitos de natureza material contidos nos n.os 2 e 3 do artigo 18.º da CRP.

Ora, no que se refere ao requisito 'princípio da proporcionalidade em sentido amplo', consagrado na parte final do n.º 2 do artigo 18.º da CRP, o mesmo implica que qualquer intervenção legislativa ordinária em matéria de direitos, liberdades e garantias deve ser adequada (apropriada), necessária (exigível) e proporcional (com justa medida).

Isto é, o princípio da proporcionalidade em sentido amplo comporta três subprincípios, a saber, o da adequação, o da necessidade e o da proporcionalidade em sentido estrito.

Ao primeiro 'é atribuído o sentido de exigir que as medidas restritivas em causa sejam aptas a realizar o fim visado com a restrição ou contribuam para o alcançar' (ob. cit. supra, p. 731).

Ao segundo é dado 'o sentido de que, de todos os meios idóneos disponíveis e igualmente aptos a prosseguir o fim visado com a restrição, se deve escolher o meio que produza efeitos menos restritivos' (ob. cit. supra, p. 731).

O terceiro, por seu lado, respeita 'à justa medida ou relação de adequação entre os bens e interesses em colisão ou, mais especificamente, entre o sacrifício imposto pela restrição e o benefiício por ela prosseguido' (ob. cit. supra, p. 731).

Descendo ao caso sub judice, dispõe o preâmbulo do Decreto-Lei 206/2001, de 27 de Julho, que 'Urge, pois, dotar este sector de medidas disciplinadoras que, sem prejuízo do livre acesso ao mercado, possam assegurar a transparência da actuação dos seus profissionais e garantir a qualidade dos serviços, tendo em vista, designadamente, a defesa dos interesses dos consumidores.'

Assim, a exigência de um número mínimo de quatro trabalhadores para o exercício da actividade das agências funerárias afigura-se-nos estar preordenada não apenas à obtenção daquelas transparência e qualidade, mas, em última instância, à defesa dos direitos dos consumidores.

Ora, desde logo, é possível afirmar não se mostrar tal exigência adequada nem a realizar aqueles fins nem a contribuir para os alcançar.

Efectivamente, por referência às regras da experiência e aos conhecimentos empíricos e científicos disponíveis quanto a esta matéria, não se vislumbra como é que a exigência de um número mínimo de quatro trabalhadores e não, por exemplo, de três ou cinco como requisito para o exercício da actividade das agências funerárias seja apta para, de algum modo, realizar tais fins ou, tão-só, contribuir para o seu alcance.

Na verdade, parece-nos que, no que aos trabalhadores concerne, adequada à prossecução dos supramencionados fins seria, desde logo, a adopção de um critério qualitativo de escolha dos mesmos e nunca a de um, tão-somente, quantitativo.

Ora, uma vez afastado o preenchimento, pela parte da alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei 206/2001, de 27 de Julho, que vem sendo considerada, do princípio da adequação, prejudicada fica, desde logo, a abordagem do princípio da necessidade.

Atento todo o exposto, por violação do princípio da proporcionalidade em sentido amplo, atento o não preenchimento do subprincípio da adequação, entendemos ser materialmente inconstitucional a alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei 206/2001, de 27 de Julho, na parte em que exige um número mínimo de quatro trabalhadores para o exercício da actividade das agências funerárias.

Assim, ao abrigo do disposto no artigo 204.º da CRP e por violação do disposto no seu artigo 18.º, n.º 2, parte final, recusa-se a aplicação, no caso concreto, da norma contida na alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei 206/2001, de 27 de Julho, que exige um número mínimo de quatro trabalhadores para o exercício da actividade das agências funerárias.

III - Decisão. - Atento todo o exposto, decide-se, por recusa da aplicação, no caso concreto, da norma contida na alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei 206/2001, de 27 de Julho, por violação do disposto na parte final do n.º 2 do artigo 18.º da CRP, absolver a arguida Funerária das Aves - Alves da Costa, Unipessoal, Lda., da prática da contra-ordenação prevista e punida pelos artigo 6.º, n.º 1, alínea e), e 16.º, n.º 2, alínea a), ambos do Decreto-Lei 206/2001, de 27 de Julho."

2 - Veio, então, o Ministério Público recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro (LTC), com fundamento na recusa de aplicação por ser materialmente inconstitucional a "norma contida na alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei 206/2001, de 27 de Julho, por violação do disposto na parte final do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa".

O Ministério Público concluiu a sua alegação da seguinte forma:

"1 - Não é inconstitucional a norma constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei 206/2001, de 27 de Julho, enquanto exige um número mínimo de quatro trabalhadores para o exercício da actividade das agências funerárias, impondo uma dimensão mínima do estabelecimento comercial com vista à tutela dos interesses dos consumidores.

2 - Termos em que deverá ser julgado procedente o presente recurso."

3 - Cumpre conhecer do objecto do recurso.

O artigo 6.º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei 206/2001, de 27 de Julho (na redacção anterior ao Decreto-Lei 41/2005, de 18 de Fevereiro), é do seguinte teor:

"Artigo 6.º

Requisitos para o exercício da actividade

1 - Para o exercício da actividade referida no n.º 1 do artigo 4.º, deve cada agência funerária:

...

e) Manter ao seu serviço um número mínimo de quatro trabalhadores, nos quais se podem incluir os seus administradores ou gerentes, devendo aquele número ser acrescido de dois trabalhadores por cada sucursal ou agência."

Está em causa, neste recurso, a norma resultante da primeira parte da alínea e) transcrita, que a sentença julgou inconstitucional "por violação do disposto na parte final do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição".

O preceito constitucional citado prende-se com a proibição de restrições, por disposição de lei ordinária, aos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente protegidos e com a regra de que tais restrições, quando constitucionalmente permitidas, se devem limitar "ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos".

A decisão recorrida começou efectivamente por considerar a norma em questão como restritiva de um direito constitucionalmente protegido - a liberdade de escolha de profissão - e, depois, concluiu ser excessiva, por inadequação, a exigência de um número mínimo de quatro trabalhadores, regra que supôs violar o referido princípio da proporcionalidade na definição de uma restrição à liberdade de escolha de profissão, garantida no n.º 1 do artigo 47.º da Constituição.

São os seguintes os dois passos essenciais da decisão recorrida:

"Aqui chegados, importa salientar que, em face de todo o exposto, dúvidas não podem restar de que a alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei 206/2001, de 27 de Julho, na parte em que exige um número mínimo de quatro trabalhadores para o exercício da actividade das agências funerárias, é restritiva da liberdade de escolha de profissão.

Na verdade, a consagração de um tal requisito para o exercício daquela actividade tem efeitos claramente desvantajosos em matéria de acesso dos particulares à liberdade de escolha de profissão - daquela profissão."

E, mais, à frente:

"Ora, desde logo, é possível afirmar não se mostrar tal exigência adequada nem a realizar aqueles fins nem a contribuir para os alcançar.

Efectivamente, por referência às regras da experiência e aos conhecimentos empíricos e científicos disponíveis quanto a esta matéria, não se vislumbra como é que a exigência de um número mínimo de quatro trabalhadores e não, por exemplo, de três ou cinco como requisito para o exercício da actividade das agências funerárias seja apta para, de algum modo, realizar tais fins ou, tão-só, contribuir para o seu alcance.

Na verdade, parece-nos que, no que aos trabalhadores concerne, adequada à prossecução dos supramencionados fins seria, desde logo, a adopção de um critério qualitativo de escolha dos mesmos e nunca a de um, tão-somente, quantitativo."

Mas, tal como sublinha o Ministério Público nas suas alegações, a exigência de que o estabelecimento tenha uma dimensão considerada mínima pelo legislador em nada contende com a liberdade de escolha de profissão dos titulares do referido estabelecimento. Esta é a razão pela qual deve ser afastada - como, aliás, bem se reconhece na sentença - a inconstitucionalidade orgânica apontada, desde logo por esta matéria não poder ser considerada como integrando o núcleo essencial de direitos, liberdades e garantias.

É, assim, totalmente inadequada a referência à liberdade de escolha de profissão para atacar a conformidade constitucional da norma impugnada.

De resto, sobre este tema, ou seja, a propósito da tutela constitucional da liberdade de escolha de profissão, o Tribunal Constitucional já se pronunciou por diversas vezes (cf., a título de exemplo, os Acórdãos n.os 255/2002 e 563/2003, publicados no Diário da República, 1.ª série-A, respectivamente de 8 de Julho de 2002 e de 25 de Maio de 2004) e sempre considerou que no seu âmbito de protecção estavam incluídas "a fixação de condições específicas para o exercício de determinada profissão ou actividade profissional" (Acórdão 255/2002) ou de "requisitos condicionantes do acesso, do exercício e da privação do exercício da profissão" (Acórdão 563/2003), condições e requisitos que não são minimamente afectados pela norma em causa.

Não estamos, portanto, perante norma que vise criar restrições a direitos, liberdades ou garantias constitucionalmente protegidos, razão pela qual se pode já concluir não ser aplicável ao caso o artigo 18.º da Constituição, do qual resulta a regra de que tais restrições, quando constitucionalmente permitidas, se devem limitar ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

Cabe, todavia, ainda sublinhar que a exigência resultante do artigo 6.º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei 206/2001, de 27 de Julho, não afecta o princípio da proporcionalidade, à luz do qual a questão foi apreciada na sentença recorrida.

Na verdade, conforme o Tribunal várias vezes observou, as exigências do princípio da proporcionalidade não decorrem apenas do n.º 2 deste artigo 18.º, mas também do princípio geral do Estado de direito, consignado no artigo 2.º (cf., neste sentido, o Acórdão 491/2002, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 22 de Janeiro de 2003).

Esta afirmação não significa, todavia, que se possa fazer um juízo de adequação nos termos constantes da sentença recorrida. Com efeito, sob pena de invadir a liberdade de conformação do legislador, só é possível avaliar a eventual existência de uma desadequação manifesta entre o objectivo pretendido (no caso, "garantir a qualidade dos serviços, tendo em vista, designadamente, a defesa dos interesses dos consumidores", como se explica no preâmbulo do diploma) e o meio utilizado (a exigência de um mínimo de quatro trabalhadores). Ora, tal não ocorre no presente caso.

Estas considerações evidenciam a sem razão do julgamento de inconstitucionalidade assumido na decisão em análise.

4 - Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, devendo ser reformada a sentença recorrida de acordo com o julgamento de não inconstitucionalidade a que agora se procede.

Lisboa, 16 de Novembro de 2005. - Carlos Pamplona de Oliveira - Maria João Antunes - Rui Manuel Moura Ramos - Maria Helena Brito - Artur Maurício.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1458763.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 2001-07-27 - Decreto-Lei 206/2001 - Ministério da Economia

    Estabelece um conjunto de regras reguladoras do exercício da actividade das agências funerárias, dispondo igualmente sobre a respectiva fiscalização , contra-ordenações e coimas a aplicar.

  • Tem documento Em vigor 2002-07-08 - Acórdão 255/2002 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 7.º, nº 1, alíneas a), b), c), d), e), f), g) e h), e 2, alíneas a) e b), e das normas dos nºs 1 e 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 231/98, de 22 de Julho, que regula o exercício da actividade de segurança privada (processo nº 647/96 e processo nº 624/99, incorporado).

  • Tem documento Em vigor 2004-05-25 - Acórdão 563/2003 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 23.º, n.º 1, 26.º, n.os 1 e 3, alínea b), 31.º, n.º 2, 32.º, n.º 2, 34.º, segunda parte, e 36.º do Decreto-Lei n.º 86/98, de 3 de Abril (aprova o regime jurídico do ensino da condução) (Proc. 578/98).

  • Tem documento Em vigor 2005-02-18 - Decreto-Lei 41/2005 - Ministério das Actividades Económicas e do Trabalho

    Altera o Decreto-Lei n.º 206/2001, de 27 de Julho, que estabelece as regras do exercício da actividade das agências funerárias.

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NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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