Resolução da Assembleia Legislativa Regional n.º 23/2001/M
Proposta de lei à Assembelia da República
Altera o Decreto-Lei 468/71, de 5 de Novembro, relativo ao regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico
Nos termos do Decreto-Lei 468/71, de 5 de Novembro, que estabelece o regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico, entende-se por «margem» uma faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas, estatuindo-se que a margem das águas do mar tem a largura de 50 m ou, quando tiver natureza de praia, ainda que em extensão superior, a margem se estenderá até onde o terreno apresentar tal natureza. Por seu turno, determina-se que a largura da margem se conta a partir da linha limite do leito, ou seja, da linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais, ou a partir da crista do alcantil, se tal linha atingir arribas alcantiladas.
Sucede que em Portugal, e por força das normas do mesmo diploma, a margem das águas do mar é considerada do domínio público, excepção feita às suas parcelas que forem objecto de desafectação ou reconhecidas como privadas ou ainda, no que respeita às Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, aos terrenos tradicionalmente ocupados junto à crista das arribas alcantiladas das respectivas ilhas. Embora considerados objecto de propriedade privada, emana do texto legal uma presunção de dominialidade relativamente a tais terrenos, pelo que o reconhecimento de direitos de propriedade privada sobre parcelas da margem das águas do mar envolve - apesar da flexibilidade introduzida pelo diploma - um procedimento moroso, que coloca dificuldades por vezes inultrapassáveis pela insuficiência de meios de prova ao dispor dos seus titulares.
E a verdade é que, se já em 1971 - apesar dos interesses que, então, se visou salvaguardar - seria questionável a extensão territorial fixada para a margem das águas do mar relativamente às ilhas do arquipélago da Madeira, face à sua pequena superfície e acidentado relevo, ocorreu entretanto nesta Região Autónoma uma profunda alteração das condições demográficas, económicas e culturais, alterações essas que tiveram profundos reflexos sobre o litoral madeirense, revelando-se hoje inadequada para os seus específicos condicionalismos a dimensão que lhe é reconhecida e, de modo particular, o estatuto jurídico que para os respectivos terrenos lhe está ínsito.
Aliás, o âmbito do domínio público marítimo não é comummente delineado em termos de direito comparado, podendo afirmar-se que na Europa ocidental «Portugal é o país que integrou no seu domínio público maiores espaços conexos com o elemento hídrico» e referenciar-se, a título de exemplo, a Grécia, com as suas numerosas ilhas - e talvez por isso mesmo - em que só o leito litoral é considerado do domínio público, podendo esta faixa dominial, apenas em certos casos de necessidade pública, vir a ser alargada para além da linha do nível médio das marés.
Ora, na Região Autónoma da Madeira a realidade com que hoje nos defrontamos é a de que a margem, tal como se encontra definida, constitui uma extensão muito significativa das áreas com capacidade de uso urbano das suas ilhas, abrangendo, sem qualquer efeito útil, faixas da costa separadas do mar por uma via rodoviária pública.
E não faz qualquer sentido, na verdade, que, tendo visado a concepção do âmbito da margem do mar - e a decorrente genérica dominialidade dos seus terrenos - garantir um fácil acesso às águas correspondentes para defesa da utilidade pública dessas mesmas águas, se continue a aplicar uma fórmula que não tem em conta as especificidades orográficas e o desenvolvimento actual da Região, considerando-se margem terrenos que já não estão vocacionados para assegurar tal função, tendo nela sido substituídos por uma infra-estrutura de natureza pública.
Acresce que a ocupação urbana do litoral madeirense - desde que enquadrada por adequadas opções de planeamento urbanístico e de gestão do território - não pode continuar a ter de compadecer-se com o formalismo dos procedimentos administrativos inerentes ao reconhecimento do direito de propriedade privada sobre prédios integrados na margem do mar - ainda que tal direito esteja documentalmente titulado -, havendo que, pelo entrave ao desenvolvimento regional que tais procedimentos por vezes comportam, torná-los inaplicáveis, redimensionando a margem, verificados que sejam certos pressupostos.
Assim, na decorrência de quanto se expôs e da alteração introduzida pela recente revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, no que respeita à titularidade dos bens do domínio público, pretende-se com a presente proposta encurtar a profundidade da margem sempre que ela, de acordo com a extensão territorial que lhe está genericamente traçada, atingir uma via rodoviária pública.
Importa, a final, salientar que o estreitamento da largura da margem que ora se consigna não virá a ocasionar qualquer prejuízo ao interesse público, pois que o Decreto-Lei 468/71, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 89/87, de 26 de Fevereiro, faculta à Administração dispositivos de intervenção eficazes na designada «zona adjacente», visando a prevenção de acidentes que o avanço das águas possa provocar. Há que, para tanto, introduzir no diploma os necessários ajustamentos.
Nestes termos:
A Assembleia Legislativa Regional da Madeira, ao abrigo do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição da República e na alínea b) do n.º 1 do artigo 37.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei 13/91, de 5 de Junho, revisto e alterado pelas Leis 130/99, de 21 de Agosto e 12/2000, de 21 de Junho, apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.º
O Decreto-Lei 468/71, de 5 de Novembro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis 53/74, de 15 de Fevereiro, 89/87, de 26 de Fevereiro, 201/92, de 29 de Setembro, 46/94, de 22 de Fevereiro e 108/94, de 23 de Abril, é alterado nos termos dos artigos seguintes.
Artigo 2.º
Ao artigo 3.º é aditado um n.º 7, com a seguinte redacção:
«7 - Na Região Autónoma da Madeira, se a margem atingir uma via rodoviária pública, regional ou municipal, a sua largura só se estenderá até essa via rodoviária.»
Artigo 3.º
Ao artigo 4.º é aditado um n.º 3, com a seguinte redacção:
«3 - Na Região Autónoma da Madeira, se a linha limite do leito atingir uma via rodoviária pública, regional ou municipal, a zona adjacente estende-se desde o limite do leito até à linha convencional definida nos termos do número anterior.»
Artigo 4.º
O n.º 4 do artigo 5.º passa a ter a seguinte redacção:
«4 - Consideram-se objecto de propriedade privada, nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, os terrenos tradicionalmente ocupados junto à crista das arribas alcantiladas das respectivas ilhas.»
Artigo 5.º
Ao artigo 13.º é aditado um n.º 4, com a seguinte redacção:
«4 - Na Região Autónoma da Madeira, pode ser classificada como zona ameaçada pelo mar uma área contígua ao leito, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º»
Artigo 6.º
O artigo 36.º passa a ter a seguinte redacção:
«Artigo 36.º
Entidades competentes nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores
1 - Os poderes conferidos pelo presente diploma ao Estado cabem, nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, aos respectivos órgãos de governo próprio.
2 - Nas áreas sob jurisdição portuária e nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, as competências conferidas pelo presente diploma são exercidas pelos departamentos, organismos ou serviços a que legalmente estão atribuídas e, no caso das Regiões Autónomas, pelos departamentos, organismos ou serviços das respectivas administrações regionais autónomas com atribuições correspondentes.»
Aprovada em sessão plenária da Assembleia Legislativa Regional da Madeira em 25 de Julho de 2001.
O Presidente da Assembleia Legislativa Regional, José Miguel Jardim d'Olival de Mendonça.