Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Assento 1/82, de 7 de Abril

Partilhar:

Sumário

Determina que para efeitos de apresentação de candidaturas às eleições para a Assembleia da República, os partidos devem ser requisitados antes de se iniciar o prazo de apresentação de candidaturas, mesmo que seja domingo o 1.º dia do prazo.

Texto do documento

Assento 1/82

1 Relatório

Marcadas as eleições da Assembleia da República para 5 de Outubro de 1980, a apresentação das candidaturas cabia aos partidos políticos «desde que registados até ao início do prazo de apresentação de candidaturas» (artigo 21.º, n.º 1, da Lei 14/79, de 16 de Maio), início que teria lugar em 27 de Julho de 1980, por corresponder ao 70.º dia anterior à data prevista para as eleições (artigo 23.º, n.º 2).

A Força de Unidade Popular apenas se registou como partido político no dia 28 de Julho de 1980, e, por isso, o Acórdão da Relação de Coimbra de 26 de Agosto de 1980 considerou extemporânea a apresentação das candidaturas da FUP pelo círculo eleitoral de Viseu, com o fundamento de que os partidos políticos deviam ter efectuado a sua inscrição antes do dia 27 de Julho, apesar de o dia 27 de Julho ser um domingo.

Diversamente, o Acórdão da Relação de Évora de 29 de Agosto de 1980 declarou tempestiva a apresentação da lista dos candidatos da FUP pelo círculo de Santarém, por haver entendido que os partidos políticos podiam ainda registar-se durante o dia 28 de Julho, visto ser o 1.º dia útil do prazo de apresentação de candidaturas.

No presente recurso para o tribunal pleno interposto pelo Ministério Público, a 2.ª Secção deste Supremo Tribunal já se pronunciou no sentido de que os Acórdãos das Relações de Coimbra e de Évora, atrás indicados, foram proferidos no domínio da mesma legislação e adoptaram soluções opostas quanto ao problema da determinação do momento até ao qual os partidos políticos devem ser registados para o efeito de poderem apresentar candidaturas quando o 70.º dia anterior à data prevista para as eleições caia a um domingo (artigos 21.º, n.º 1, e 23.º, n.º 2, da Lei 14/79).

Neste Tribunal, o representante do Ministério Público é de opinião de que se deve tirar assento que consagre a necessidade de os partidos já estarem registados antes do início do prazo para a apresentação das candidaturas.

2 - Fundamentos

2.1 - Nota introdutória

Não são apenas de agora, nem exclusivo do mundo forense português, os inúmeros problemas que têm preocupado os juristas acerca do modo de contar os prazos.

Apesar da natural exiguidade de assentos tirados anualmente pelo Supremo Tribunal de Justiça, basta atentar que, entre nós, nos últimos 15 anos três deles debruçaram-se precisamente sobre esse tema: o Assento de 4 de Novembro de 1966 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 161, p. 229), que mandou observar o artigo 562.º do Código Civil de Seabra no cômputo do prazo estabelecido no artigo 46.º, § 1.º, da Lei de 11 de Abril de 1901; o Assento de 16 de Março de 1971 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 205, p. 115), que prescreveu a transferência para o primeiro dia útil seguinte ao encerramento da secretaria judicial do termo do prazo para se pedir a anulação ou suspensão de deliberações sociais, e o Assento de 5 de Dezembro de 1973 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 232, p. 37), segundo o qual a contagem do tempo de cumprimento da pena de prisão fixado em meses é feita nos termos da alínea c) do artigo 279.º do Código Civil.

A profunda divisão que se cavou nos tribunais franceses a respeito de saber se aos prazos de caducidade seria aplicável o artigo 1033.º, alínea 3), do Código de Processo Civil (que prolonga para o primeiro dia útil qualquer prazo de processo que finde em dia feriado ou num sábado) levou Michel Vasseur (Révue Trimestrielle de Droit Civil, 49.º, n.º 4, p. 472) a reconhecer: «La jurisprudence n'en saurait être incriminée. Le problème est d'ordre législatif.» Para evitar mais dúvidas e disparidades de tratamento, os Códigos Civis alemão e suíço optaram pela via de firmar regras unitárias sobre o cômputo dos prazos mais ou menos completas (Vaz Serra, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 105, p. 244), nesta linha de orientação se havendo também inspirado os artigos 279.º e 296.º do nosso Código Civil.

Não obstante, aqui e além-fronteiras, as hesitações permanecem, constituindo o preço inevitável da diversificada legislação que a vida moderna obriga a publicar todos os dias.

Não deve, por conseguinte, causar surpresa que, mesmo em assunto de tamanha magnitude como o atinente às eleições para a Assembleia da República, uma contradição de julgados haja brotado.

2.2 - Interpretação do artigo 21.º, n.º 1, da Lei 14/79, de 16 de Maio

Segundo o artigo 23.º, n.os 1 e 2, da Lei 14/79, a apresentação de candidaturas pelos órgãos competentes dos partidos políticos deve fazer-se entre os 70 e os 55 dias anteriores à data prevista para as eleições, perante o juiz do círculo judicial, com sede na capital do círculo eleitoral. E como o artigo 21.º, n.º 1, estipula que «as candidaturas são apresentadas pelos partidos políticos, isoladamente ou em coligação, desde que registados até ao início do prazo de apresentação de candidaturas», suscita-se a questão de saber se o artigo 21.º, n.º 1, autoriza que a inscrição no Supremo Tribunal de Justiça de um partido ocorra no próprio dia em que se inicia o prazo de apresentação de candidaturas ou se, pelo contrário, o registo do partido político já deve estar feito quando se inicia esse prazo.

Para o Acórdão da Relação de Évora de 29 de Agosto de 1980 a expressão «até ao início do prazo de apresentação de candidaturas» deve ser interpretada no sentido literal, que inclui o próprio dia do início da entrega das candidaturas, porque, se outro tivesse sido o intuito do legislador, ter-se-ia utilizado a frase «desde que registados antes do início do prazo de apresentação de candidaturas».

Considere-se, antes de tudo, o significado gramatical da expressão.

A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira informa que a preposição até serve para indicar limite, ponto além do qual se não passa, tanto no tempo como no espaço ou nas acções.

Isto não basta, no entanto, para que se fique a conhecer o limite concreto no tempo ou no espaço que a preposição pretende exprimir, tudo dependendo do modo como se encontra redigida a frase e do contexto em que a preposição se insere. Assim, a frase «era moço de 12 até 13 anos» (Gaspar Correia, Lendas da Índia) está longe de querer rejeitar a eventualidade de o moço já haver completado os 13 anos. Diferentemente, quando Alves Redol relata, no romance Avieiros, que Linda «esteve para sair, caminhando na escuridão até ao rio» não teve certamente em vista que, nesse passeio nocturno, a Linda chegasse a mergulhar os pés na água do rio.

Em sintonia com estas passagens da literatura nacional, na linguagem corrente a preposição até pode igualmente proporcionar à frase os dois sentidos expostos.

Assim, quando alguém refere o propósito de regressar de uma viagem até dia 20 pode querer exprimir a ideia de que o regresso se efectuará ou até às 24 horas do dia 19, ou mesmo durante o dia 20. Que a frase comporta perfeitamente os dois sentidos demonstra-o a circunstância de o seu significado poder ser reforçado pelo aditamento dos advérbios inclusive ou exclusive, consoante esteja planeado ou não que o regresso possa ter lugar no próprio dia 20.

Já nas Ordenações Afonsinas (III, título 19, § único) se dizia «e recresce dúvida ao julgador, se aquele dia, em que se acaba o dito termo, se entenderá inclusive, ou exclusive, que quer tanto dizer como se compreenderá em o dito termo ou não».

Por isso, se o artigo 21.º, n.º 1, da Lei 14/79 facultasse a apresentação das listas dos candidatos pelos partidos políticos «registados até ao dia do início do prazo de apresentação de candidaturas», tal ainda poderia revelar a intenção de permitir a inscrição dos partidos no próprio dia do início do prazo de candidaturas, e tanto que à frase bem podia ser aditado o vocábulo inclusive.

Nesta linha de raciocínio, quando o artigo 9.º da mesma Lei 14/79 proíbe os candidatos que sejam presidentes das câmaras municipais de exercer as respectivas funções «desde a data da apresentação de candidaturas e até ao dia das eleições», quer patentear seguramente que a incompatibilidade afecta o próprio dia das eleições.

Simplesmente, o artigo 21.º, n.º 1, prescreve coisa bem diversa ao estabelecer a obrigação de os partidos se constituírem «até ao início do prazo de apresentação de candidaturas» - frase de sentido tão diferente da que autorizasse o registo dos partidos até o dia do início do prazo das candidaturas quando é certo que o texto do artigo 21.º, n.º 1, nem sequer comporta que, gramaticalmente, se lhe adite o advérbio inclusive.

Reconhece-se, em todo o caso, que, do ponto de vista literal, o artigo 21.º, n.º 1, também consentiria que os partidos se registassem na fase inicial do prazo de entrega das candidaturas.

Essa fase inicial é que não poderia restringir-se ao 1.º dia do início do prazo, já que a letra do artigo 21.º, n.º 1, o não permite de modo algum. Se o texto se não refere ao período de tempo dia, nem a qualquer outro, com que base se poderia autorizar a inscrição dos partidos no 1.º dia do início do prazo, e não no 1.º minuto, ou na 1.ª hora, ou mesmo na 1.ª semana do prazo de apresentação de candidaturas? Por outras palavras: o artigo 21.º, n.º 1, alude ao início do prazo, não indicando, porém, qualquer lapso de tempo respeitante a essa fase inicial, e, por isso, do ponto de vista do elemento literal, não há possibilidade de se interpretar o artigo 21.º, n.º 1, como facultando o registo dos partidos apenas no 1.º dia do início do prazo, e não no 1.º minuto, na 1.ª hora, ou até na 1.ª semana.

Mais ainda: como o prazo de entrega das candidaturas é de 15 dias (artigo 23.º, n.º 2), a análise gramatical do artigo 21.º, n.º 1, conduziria à faculdade de os partidos se registarem no 2.º, no 3.º, no 4.º dia, ou seja, durante aquele período de tempo que pudesse ainda estar compreendido na fase inicial do prazo.

Abdallah pôde certamente dizer: «Se os mensageiros dos levantados não chegarem até o anoitecer, não falemos mais nisso» (Herculano, em «O Alcaide de Santarém», Lendas e Narrativas, 2.ª edição, I, p. 8).

Não se concebe, todavia, que a lei fixe um termo ad quem com vocábulos ou expressões, tais como anoitecer ou fase inicial do prazo. Na verdade, o termo ad quem de um prazo há-de ser traduzido sempre por um momento determinado. Matéria que tem a ver, efectivamente, com a atribuição de direitos ou a sua recusa, um termo ad quem não pode ser expresso por um período de tempo um tanto vago, indefinido e incerto.

Em contrário poderá alegar-se que, sendo a palavra início sinónima de princípio, o início do prazo de apresentação de candidaturas, a que alude o artigo 21.º, n.º 1, corresponde ao 1.º dia desse prazo, porquanto o artigo 279.º, alínea a), do Código Civil prescreve que o termo referido ao princípio do mês ou do ano se entende reportado, respectivamente, ao 1.º dia do mês ou do ano, não havendo razão que impeça a submissão dos prazos previstos na legislação eleitoral às regras interpretativas constantes do artigo 279.º do Código Civil (cf. n.º 2.3.1).

A objecção não fica, porém, sem resposta.

Antes de mais, o artigo 279.º, alínea a), apenas declara o que se deve entender por princípio do mês e do ano. Logo, e até pela circunstância de a alínea a) haver omitido o significado da expressão princípio da semana [apesar de se tratar de um lapso de tempo especialmente contemplado nas alíneas c) e d) do mesmo artigo 279.º], não se pode inferir que, no pensamento da lei, o princípio de um prazo corresponda ao 1.º dia do prazo.

Acresce que a alínea a) prevê a hipótese de o termo se referir ao princípio do mês e do ano. Ora, a situação regulada no artigo 21.º, n.º 1, é algo diversa, na medida em que esta norma não autoriza que os partidos efectuem o seu registo no início do prazo das candidaturas, mas, antes, até ao início desse prazo.

Por consequência, do ponto de vista da letra do artigo 21.º, n.º 1, mas sem ignorar o traço fundamental de precisão que deve caracterizar um termo ad quem, há-de convir-se que os partidos políticos não podem apresentar candidatos às eleições desde que o seu registo haja ocorrido depois de iniciado o prazo das candidaturas.

A Relação de Évora adverte, contudo, que a proibição de os partidos se constituírem no próprio dia do início do prazo apenas seria concebível caso a lei declarasse que o registo dos partidos devia ter lugar antes do início do prazo de apresentação de candidaturas.

Semelhante entendimento esbarra logo com o artigo 22.º, n.º 1, da Lei 14/79, ao preceituar que «as coligações de partidos para fins eleitorais [...] devem ser comunicadas até à apresentação efectiva das candidaturas [...] à Comissão Nacional de Eleições». Embora o artigo 22.º, n.º 1, pudesse realmente declarar que «as coligações de partidos para fins eleitorais [...] devem ser comunicadas antes da apresentação efectiva das candidaturas», a preferência pelo emprego da preposição até, e para mais logo no artigo imediato, corrobora de algum modo a interpretação atribuída ao artigo 21.º, n.º 1. Efectivamente, pode dizer-se que a preposição até foi usada nos artigos 21.º, n.º 1, e 22.º, n.º 1, com o mesmo significado, na medida em que o artigo 22.º, n.º 1, também utilizou a preposição para revelar que a comunicação à Comissão Nacional de Eleições devia preceder um momento muito preciso - o da apresentação efectiva das candidaturas.

A interpretação gramatical do artigo 21.º, n.º 1, harmoniza-se, de resto, com a sua ratio legis.

Que razão ponderosa terá levado o legislador a exigir que os partidos se constituam até ao início do prazo de apresentação de candidaturas, não se contentando com o sistema de a personalidade jurídica dos partidos ser adquirida até à apresentação efectiva das mesmas candidaturas? Na escolha dos candidatos a deputados, nenhum partido pode olhar, exclusivamente, para o seu seio e para o perfil dos seus candidatos. Como não pode deixar de ser, cada partido tem de tomar em consideração as demais forças concorrentes e o peso político dos outros eventuais candidatos em cada círculo eleitoral. Só o conhecimento de quais os partidos que existem no País e de qual a projecção política dos possíveis candidatos rivais possibilita a cada partido uma elaboração cuidada e conscienciosa das listas dos seus próprios candidatos.

Esta a razão por que o artigo 21.º, n.º 1, faz depender o direito de um partido apresentar candidatos da circunstância de o partido se encontrar constituído até ao início do prazo de candidaturas, e não até à apresentação efectiva da respectiva lista de candidatos.

Sendo assim, como logo no 70.º dia anterior à data das eleições qualquer partido pode indicar os seus candidatos, a razão de ser do artigo 21.º, n.º 1, aconselha que, nesse dia, cada um dos partidos já saiba quais são as restantes forças políticas que podem apresentar candidatos a deputados, e, por isso, os partidos já devem estar registados na altura em que se inicia o prazo de candidaturas.

Concretizando: como o prazo de entrega das listas de candidatos se iniciou a 27 de Julho, para fins do artigo 21.º, n.º 1, os partidos políticos deviam ter obtido o seu registo até ao fim do dia 26 de Julho.

2.3 - Se a inscrição dos partidos políticos pode ser diferida quando o dia do

início do prazo de candidaturas seja um domingo.

Por ser domingo o dia 27 de Julho de 1980, o acórdão da Relação de Évora sustenta que, mesmo que o registo dos partidos tivesse de ocorrer antes de início do prazo de candidaturas, a solução teria, no caso concreto, de ser diferente, devido ao preceituado nos artigos 296.º e 279.º, alínea e), do Código Civil e no artigo 144.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, na redacção do então vigente Decreto-Lei 323/70, de 11 de Julho.

Esta nova faceta do problema determina que a atenção incida, separadamente, sobre os artigos 296.º e 279.º, alínea e), do Código Civil e sobre o artigo 144.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

2.3.1 - Se os artigos 296.º e 279.º, alínea e), do Código Civil são aplicáveis no

caso vertente

O acórdão da Relação de Évora aplica à legislação eleitoral o disposto no artigo 279.º, alínea e), do Código Civil, em razão de o artigo 296.º prescrever a observância das regras constantes do artigo 279.º quanto aos prazos e termos fixados por lei.

Contrariando a posição assumida pela Relação de Évora, podia raciocinar-se: como o Código Civil é um diploma de direito privado, o artigo 296.º só pode ter tido o intuito de sujeitar às regras do artigo 279.º os prazos e termos fixados por norma de direito privado; seria, na verdade, deveras estranho que um diploma de direito privado se arrogasse explicitamente o papel de disciplinar outros ramos de direito.

Não merece censura esta possível objecção ao acórdão da Relação de Évora.

A propósito, dê-se a palavra a Freitas do Amaral (Direito Administrativo e Ciência da Administração, edição de 1978, pp. 41 e 42): «O facto de se dizer, e está certo, que a solução dos casos omissos do Direito Administrativo não deve, em nenhum caso, ser procurado nas soluções de direito privado não impede que por vezes suceda encontrar-se, no Código Civil ou noutros diplomas de direito privado, normas aplicáveis a um certo número de problemas de direito administrativo. Porquê? Porque, por vezes, alguns diplomas de direito privado contêm princípios gerais do direito, que são comuns, quer ao direito privado, quer ao direito público. E, doutras vezes, acontece mesmo que, por defeito do legislador, há diplomas de direito privado que estabelecem princípios gerais do direito público. Não deveria ser assim, mas por vezes o legislador aproveita um diploma de direito privado para estabelecer um princípio de direito público.» Foi o que se passou com o artigo 296.º do Código Civil, que intencionalmente incorreu na técnica defeituosa de submeter às regras do artigo 279.º os prazos e termos fixados por lei de qualquer espécie.

Durante os trabalhos preparatórios do Código Civil foi, efectivamente, sentida a necessidade de firmar regras unitárias sobre a contagem dos prazos (Vaz Serra, Boletim do Ministério da Justiça, n.os 50, p. 92, 105, p. 242, e 107, p. 249), havendo-se na oportunidade destacado que, no direito alemão, «as regras dos §§ 187.º a 193.º valem, não só para o direito privado, mas também [...] para todas as esferas do direito, valem, como diz o § 186.º, para os prazos e termos contidos nas leis, resoluções judiciais e negócios jurídicos, em especial também para [...] o direito político» (Vaz Serra, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 50, p. 93).

Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, 2.ª ed., ano I, p. 250) também reconhecem que, mercê do artigo 296.º, as normas do artigo 279.º se aplicam «tanto no campo do direito privado como no direito público», e outro não foi o entendimento do Assento de 5 de Dezembro de 1973 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 232, p.

37) ao ordenar a aplicação da alínea c) do artigo 279.º do Código Civil à contagem da pena de prisão fixada em meses - matéria que não ultrapassa a órbita do direito público.

Técnica defeituosa, sem dúvida, a de, em diploma de direito privado, se traçar o regime de outros ramos de direito; mas, de qualquer modo, orientação preferível à adoptada na Itália, onde a disciplina do cômputo do tempo estabelecida no Código Civil a respeito da prescrição é forçada a alargar-se a todos os casos em que o cômputo do tempo tenha relevância jurídica (Santoro-Passarelli, Teoria Geral do Direito Civil, trad. de Manuel de Alarcão, p. 87).

Face ao exposto, por ora pode dizer-se que, em caso de dúvida e na falta de disposição em contrário, o artigo 279.º se aplica aos prazos referidos na legislação eleitoral. Assim, por exemplo, deve ser observada a regra, prescrita na alínea b) do artigo 279.º, de se não incluir o dia em que ocorre o evento a partir do qual o prazo começa a correr.

Onde o acórdão da Relação de Évora claudica é na parte em que, com assento no artigo 296.º, faz intervir no debate a regra do artigo 279.º, alínea e), segundo a qual o prazo que termine em domingo ou dia feriado se transfere para o primeiro dia útil.

Apesar de ser domingo o dia do início do prazo das candidaturas, a invocação do artigo 279.º, alínea e), não se compreende de nenhum jeito.

Na realidade, no que toca ao prazo de apresentação de candidaturas, a alusão ao artigo 279.º, alínea e), é de todo descabida, porque a alínea e) só manda transferir para o primeiro dia útil os prazos que terminem aos domingos, sendo certo que na hipótese foi o dies a quo que caiu a um domingo.

No que respeita ao prazo para a inscrição dos partidos políticos, o artigo 279.º, alínea e), também se não pode aplicar pela razão muito singela de esse prazo haver findado a um sábado, dia da semana a que a alínea e) se não refere. Ainda que, por força do artigo 144.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, devesse ser adiado o termo do prazo para o registo dos partidos, não era o artigo 279.º, alínea e), que devia ser chamado à colação, mas única e exclusivamente o artigo 144.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, visto neste se preceituar: «quando o prazo para a prática de determinado acto termine ao sábado, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte».

2.3.2 - Se o artigo 144.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, na redacção do

Decreto-Lei 323/70, se pode aplicar na hipótese concreta.

Mais perturbador se revela o seguinte raciocínio da Relação de Évora: havendo o prazo de registo dos partidos terminado no sábado anterior ao domingo em que se iniciava o prazo das candidaturas, por imperativo do artigo 144.º, n.º 3, o registo dos partidos devia ser transferida para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, para a segunda-feira 28 de Julho, data em que efectivamente a FUP obteve o seu registo no Supremo Tribunal de Justiça como partido político.

Não obstante a sua aparente valia, o argumento é de rejeitar.

O n.º 3 do artigo 144.º, subordinado como está ao seu n.º 1, apenas se reporta aos prazos judiciais (neste sentido, Sá Carneiro, Revista dos Tribunais, ano 89.º, p. 192).

Ora, para Alberto dos Reis (Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 81.º, p. 38) o prazo judicial ou processual pressupõe necessariamente que já existe um processo, sendo função do prazo judicial regular a distância entre dois actos do processo. Nesta conformidade, quem adira à doutrina de Alberto dos Reis não poderá invocar o artigo 144.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, porque o prazo firmado na lei para o registo dos partidos políticos não visa regular a distância entre dois actos do processo. Aliás, verdadeiramente, os partidos não estão sujeitos a qualquer prazo para se constituírem, uma vez que a todo o momento podem ser registados. Sucede, apenas, que, por força do artigo 21.º, n.º 1, o acto de apresentação de candidatos a deputados pelos órgãos competentes dos partidos políticos depende de um requisito essencial:

os partidos devem mostrar-se registados antes do dia em que se inicia o prazo de candidaturas, ainda que esse dia seja um domingo.

Admitindo-se, ao invés, que há um prazo judicial sempre que o termo ad quem respeite a acto a praticar em juízo, nem assim se terá encontrado apoio seguro para submeter ao artigo 144.º, n.º 3, o prazo de registo dos partidos que pretendam indicar candidatos às eleições para a Assembleia da República.

Sem falar já que, no sábado 26 de Julho de 1980, os partidos políticos ainda podiam obter o seu registo no Supremo Tribunal de Justiça, visto as secretarias judiciais só terem passado a encerrar aos sábados a partir do dia 30 de Julho desse ano (cf. artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 450/78, de 30 de Dezembro, na redacção da Lei 35/80, de 29 de Julho), uma disposição da Lei 14/79 impede que o terminus do prazo seja transferido do sábado para o primeiro dia útil, ao abrigo do artigo 144.º, n.º 3, ainda que porventura tal sábado fosse dia feriado ou caísse em período de férias judiciais (artigo 279.º, alínea e), do Código Civil).

Na ideia dos juízes que subscrevem o Acórdão da Relação de Coimbra de 26 de Agosto de 1980 e do magistrado do Ministério Público junto deste Supremo, essa disposição seria o artigo 171.º da Lei 14/79, do teor seguinte: «Quando qualquer acto processual previsto na presente lei envolva a intervenção de entidades ou serviços públicos, o termo dos prazos respectivos considera-se referido ao termo do horário normal dos competentes serviços ou repartições.» Parece, no entanto, evidente que o transcrito preceito nenhuma influência exerce no tema equacionado, já que o artigo 171.º visou unicamente antecipar para o termo do horário normal das repartições públicas determinados prazos que, ao abrigo do artigo 279.º, alínea c), do Código Civil, só findariam às 24 horas do último dia dos respectivos prazos [alínea c) que, no dizer de Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100.º, pp. 87 e 367, igualmente funciona quando o prazo for de um certo número de dias].

Julga-se ser o artigo 173.º da Lei 14/79 o preceito que não autoriza que o dies ad quem assinalado no artigo 21.º, n.º 1, seja protelado, quer ao abrigo do artigo 144.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, quer mesmo do artigo 279.º, alínea e), do Código Civil.

Certo que o artigo 173.º diz simplesmente que «ficam revogados todos os diplomas ou normas que disponham em coincidência ou em contrário com o estabelecido na presente lei»; o seu alcance é, todavia, bem mais profundo do que a letra do artigo deixa transparecer, sob pena de ser havido como tautológico.

Com efeito, a possibilidade de, a coberto do artigo 144.º, n.º 3, do Código de Processo Civil ou do artigo 279.º, alínea e), do Código Civil, o registo dos partidos só ter lugar no primeiro dia útil subsequente ao sábado violaria frontalmente o comando do artigo 21.º, n.º 1, da Lei 14/79, segundo o qual os partidos já devem estar registados quando se inicia o prazo de entrega das candidaturas. Ora, para evitar o diferimento dos prazos (e eventualmente outros resultados) é que o artigo 173.º surgiu.

A tese da inaplicabilidade dos artigos 144.º, n.º 3, do Código de Processo Civil e 279.º, alínea e), do Código Civil ao prazo que os partidos usufruem para apresentar candidatos a deputados harmoniza-se, de resto, com a filosofia em que se apoiou o calendário das várias operações do acto eleitoral. É uma constante da Lei 14/79 a fixação, muito precisa e concreta, de curtos prazos, que se sucedem uns aos outros, desde que o Presidente da República marca a data das eleições com uma antecedência mínima de 80 dias (artigo 19.º, n.º 1) até à altura em que o tribunal da relação decide, no prazo de 48 horas, os recursos atinentes a irregularidades ocorridas no decurso da votação e no apuramento (artigo 118.º, n.º 2) ou em que a Comissão Nacional de Eleições aprecia a regularidade das receitas e despesas de cada partido político, no prazo de 60 dias a partir da proclamação oficial dos resultados das eleições (artigo 78.º, n.º 2).

Como se pode ver de todos os seus preceitos (cf., entre outros, os artigos 23.º, n.º 2, 26.º, n.º 2, 28.º, n.os 2, 3 e 4, 30.º, n.os 1 e 2, 31.º, n.º 1, 32.º, n.º 2, 35.º, 36.º, n.º 1, e 46.º, n.º 1), houve da parte da Lei 14/79 um grande rigor na indicação do dies a quo e do dies ad quem dos prazos e no modo como se fez a coordenação dos diversos actos no tempo, a fim de evitar sovrapposizioni, inversioni, accavallamento di atti o per garantire la possibilità di difesa e la lealtà del contradittorio od evitare che il processo si prolunghi all'infinito (Enrico Redenti, Diritto Processuale Civile, edição de 1949, ano I, pp. 161 e 162).

Desta sorte, a impossibilidade de se observar o disposto nos artigos 144.º, n.º 3, do Código de Processo Civil e 279.º, alínea e), do Código Civil quanto ao prazo estabelecido no artigo 21.º, n.º 1, da Lei 14/79 não constitui mais do que mero reflexo de um diploma naturalmente impregnado do propósito de evitar, na medida do possível, um alargamento dos prazos nele firmados. Se assim não fosse, a realização das eleições na data escolhida pelo Presidente da República poderia até ser facilmente posta em causa, mercê, por exemplo, da invocação de um qualquer justo impedimento mais longo (artigo 146.º do Código de Processo Civil) ou de certo acto dever ser adiado para o primeiro dia útil subsequente às férias judiciais atento o disposto no artigo 279.º, alínea e), do Código Civil.

3 - Decisão sobre o conflito de jurisprudência

Funcionando em plenário, o Supremo Tribunal de Justiça lavra o seguinte assento:

Para efeitos de apresentação de candidatos às eleições para a Assembleia da República, nos termos do artigo 21.º, n.º 1, da Lei 14/79, de 16 de Maio, os partidos políticos devem ser registados antes de se iniciar o prazo de apresentação de candidaturas, mesmo que seja domingo o 1.º dia do prazo.

Lisboa, 14 de Janeiro de 1982. - Américo Fernando de Campos Costa - Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos - Abel Vieira de Campos Carvalho Júnior - Manuel Arêlo Ferreira Manso - Manuel dos Santos Victor - António Miguel Caeiro - Avelino da Costa Ferreira Júnior - Aníbal Aquilino Fritz Tiedemann Ribeiro - António Furtado dos Santos - Manuel Alves Peixoto - Rui de Matos Corte Real - Sebastião de Barros e Sá Gomes - Amílcar Moreira da Silva - José Henriques Simões - João Augusto Pacheco e Melo Franco - João Solano Viana - José Fernando Quesada Pastor - Joaquim Augusto Roseira de Figueiredo - Orlando de Paiva Vasconcelos Carvalho - José Luís Pereira - Manuel do Amaral Aguiar - Manuel dos Santos Carvalho - Augusto Victor Coelho - Mário de Brito - José dos Santos Silveira - Manuel Baptista Dias da Fonseca - Pedro Augusto Lisboa de Lima Cluny - João Fernandes Lopes Neves - Antero Pereira Leitão.

Certidão

Certifico que o acórdão que antecede transitou em julgado em 2 do corrente mês de Fevereiro.

Secretaria do Supremo Tribunal de Justiça, 4 de Fevereiro de 1982. - O Escrivão da 2.ª Secção, José António dos Reis Palma.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1982/04/07/plain-142273.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/142273.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1970-07-11 - Decreto-Lei 323/70 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Confere nova redacção a alguns artigos do Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto lei 44129, de 28 de Dezembro de 1961, na linha de simplificar ou abreviar os actos do processo em matérias atinentes à competência do tribunal e recurso, prazos judiciais, suspensão, termo e modalidades do mesmo, requisitos externos dos autos e termos, direito dos mandatários judiciais a confiança dos processos, prazo e registo, notificação as partes e suas formalidades.

  • Tem documento Em vigor 1978-12-30 - Decreto-Lei 450/78 - Ministério da Justiça

    Reestrutura as secretarias judiciais e as carreiras dos funcionários de justiça.

  • Tem documento Em vigor 1979-05-16 - Lei 14/79 - Assembleia da República

    Aprova a lei eleitoral para a Assembleia da República.

  • Tem documento Em vigor 1980-07-29 - Lei 35/80 - Assembleia da República

    Ratifica, com emendas, o Decreto-Lei n.º 450/78, de 30 de Dezembro que reestrutura as secretarias judiciais e as carreiras dos funcionários de justiça.

Ligações para este documento

Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2012-05-21 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 4/2012 - Supremo Tribunal de Justiça

    Fixa a seguinte jurisprudência: o prazo de seis meses para o exercício do direito de queixa, nos termos do nº 1 do artigo 115º do Código Penal, termina às 24 horas do dia que corresponda, no 6º mês seguinte, ao dia em que o titular desse direito tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores; mas, se nesse último mês não existir dia correspondente, o prazo finda às 24 horas do último dia desse mês. (Processo n.º 148/07.0TAMBR.P1-B.S1- 3.ª)

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda