Decreto Legislativo Regional 32/2000/A
Medidas cautelares de preservação e salvaguarda do património natural e cultural das fajãs da ilha de São Jorge
As fajãs da ilha de São Jorge constituem um modelo único de ocupação do espaço, do qual resulta uma paisagem de grande especificidade e beleza.
A geomorfologia das fajãs condiciona os locais disponíveis para construção e dificulta em extremo o transporte de materiais, pelo que as edificações tiveram, em geral, de se conformar à estrutura do terreno e aos materiais disponíveis localmente. Daí resultou uma forma típica de povoamento, associando socalcos ao aproveitamento de todas as superfícies planas disponíveis, e um tipo de arquitectura de grande sobriedade e funcionalidade, que contribuem de forma decisiva para o tipicismo das fajãs.
A sismicidade da ilha, associada à instabilidade das falésias ao longo das quais as fajãs se anicham, e ainda à configuração dessa zona costeira, torna o seu povoamento particularmente vulnerável às derrocadas. Daí que o povoamento das fajãs esteja sujeito a marcados ciclos desencadeados pelos fenómenos sísmicos, dos quais a própria existência das fajãs em boa parte depende. Na realidade, a configuração actual das fajãs de São Jorge deve-se em grande parte ao «mandado de Deus», nome pelo qual ficou conhecido o grande terramoto de 9 de Julho de 1757, que alterou toda a topografia da costa sul de São Jorge, provocando mais de um milhar de mortos e soterrando praticamente todas as povoações então aí existentes. Novamente em 1 de Janeiro de 1980, um sismo de grande intensidade levou ao abandono de boa parte das fajãs, destruindo a maioria das construções e provocando o abandono de grande parte dos terrenos de cultura então existentes.
Por outro lado, a costa de São Jorge, onde se inserem as fajãs, apesar de ser um território profundamente humanizado, pouco restando do seu coberto vegetal natural, mantém algumas áreas de especial interesse ambiental, nomeadamente os sítios de interesse comunitário para a conservação da natureza designados por PTJOR0013 e PTJOR0014, constantes da Resolução 30/98, de 5 de Fevereiro. Na área agora objecto de medidas cautelares situa-se também a zona de protecção especial à avifauna ZPE28, criada ao abrigo do Decreto-Lei 75/91, de 14 de Fevereiro. Acresce que nas fajãs dos Cubres e da Caldeira de Santo Cristo existem ecossistemas lagunares de particular interesse para a conservação da avifauna e de algumas espécies vegetais. Na laguna desta última fajã existe a única população de amêijoa comercialmente explorável nos Açores, tendo a mesma sido já objecto de medidas de protecção, instituídas através do Decreto Legislativo Regional 14/84/A, de 21 de Fevereiro, que criou a Reserva Natural Parcial da Caldeira de Santo Cristo, e do Decreto Legislativo Regional 6/89/A, de 18 de Julho, que criou a Área Ecológica Especial da Lagoa da Caldeira de Santo Cristo e lançou as bases da regulamentação da apanha e comercialização da amêijoa.
Após quase duas décadas de relativo abandono, resultado do sismo de 1 de Janeiro de 1980, há uma crescente tendência para a revitalização do povoamento das fajãs, resultado da melhoria generalizada da acessibilidade entretanto verificada, sendo cada vez mais comum a construção de segundas habitações e de outras estruturas, o que torna urgente a tomada de medidas de protecção daquela paisagem cultural.
Assim, considerando a necessidade da adopção de providências tendentes a salvaguardar a harmonia entre o património cultural no contexto de uma paisagem cultural de grande especificidade;
Considerando o inestimável valor e potencial turístico da paisagem das fajãs da ilha de São Jorge e fragilidade do seu equilíbrio paisagístico;
Considerando que, pela sua localização, as fajãs constituem, no seu conjunto, uma marca importante na paisagem global da ilha de São Jorge e dos Açores;
Considerando as alterações prejudiciais à paisagem que se têm vindo a verificar-se nos últimos anos, por via de novas construções completamente desenquadradas da arquitectura tradicional;
Considerando a necessidade de na revitalização das fajãs de São Jorge serem tidos em conta, para além dos aspectos arquitectónicos e de equilíbrio paisagístico, aspectos de protecção civil, que apenas podem ser salvaguardados mediante um correcto plano de ordenamento da orla costeira:
Assim, a Assembleia Legislativa Regional dos Açores, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição e da alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º da Lei 61/98, de 27 de Agosto (Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, decreta o seguinte:
CAPÍTULO I
Artigo 1.º
Objecto
Pelo presente diploma, são estabelecidas medidas cautelares para a preservação e salvaguarda do património natural e cultural das fajãs da ilha de São Jorge.
Artigo 2.º
Âmbito
1 - Para os fins do presente diploma, entende-se por fajã toda a área de terreno relativamente plana, susceptível de albergar construções ou culturas, anichada na falésia costeira entre a linha da preia-mar e a cota dos 250 m de altitude.
2 - As medidas cautelares estabelecidas pelo presente diploma aplicam-se às fajãs situadas na costa norte da ilha de São Jorge entre a Ponta dos Rosais e a Ponta do Topo e às fajãs situadas na costa sul daquela ilha entre a Ponta do Topo e a Ponta da Forcada, na freguesia da Ribeira Seca, e da fajã da Penedia, na freguesia da Calheta, até ao extremo poente da fajã das Almas, na freguesia das Manadas.
Artigo 3.º
Zona de protecção
Considera-se como zona de protecção às fajãs as falésias costeiras circundantes, desde o limite interior da zona interdital até ao rebordo superior da falésia.
CAPÍTULO II
Medidas de protecção, planeamento e ordenamento do território
Artigo 4.º
Medidas de salvaguarda
1 - Nas fajãs abrangidas pelo presente diploma não é permitida:
a) A construção, reconstrução ou ampliação de quaisquer edificações ou outras infra-estruturas;
b) A exploração de inertes e a realização de quaisquer acções que alterem a topografia das fajãs e suas zonas de protecção;
c) Alterações por meio de aterros ou escavações à configuração geral do terreno;
d) A destruição do solo vivo e do coberto vegetal, com excepção dos amanhos e granjeios tradicionais;
e) A abertura de novas vias de comunicação ou alteração das existentes, nomeadamente por correcção ou pavimentação;
f) A passagem de linhas eléctricas ou telefónicas;
g) A abertura de fossas;
h) Quaisquer outras actividades ou trabalhos que afectem a integridade e ou características da área delimitada.
2 - As acções descritas nas alíneas a), e), f) e g) podem ser licenciadas mediante parecer favorável da Secretaria Regional do Ambiente.
3 - O parecer referido no numero anterior é vinculativo para a entidade licenciadora.
4 - A título excepcional, devidamente fundamentado, nomeadamente quando esteja em causa a necessidade de implementar medidas de gestão ambiental, pode o Secretário Regional do Ambiente autorizar a pratica das actividades ou dos actos referidos nas alíneas b), c), d) e h) do n.º 1, ouvida a câmara municipal respectiva.
5 - As autorizações a que se referem os números anteriores deverão considerar aspectos de ambiência e integração paisagística, a qualidade ambiental e a valorização dos recursos naturais do meio.
Artigo 5.º
Planos de ordenamento
As fajãs abrangidas pelo presente diploma deverão ser dotadas de instrumentos de gestão territorial, designadamente de plano de ordenamento da orla costeira da ilha de São Jorge e planos de pormenor definidos na respectiva legislação.
CAPÍTULO III
Planos de grande vulnerabilidade ambiental
Artigo 6.º
Áreas sensíveis
Para efeitos do presente diploma, são consideradas áreas de particular vulnerabilidade e sensibilidade ambiental as seguintes:
a) A lagoa da fajã da Caldeira de Santo Cristo e uma faixa circundante de 30 m de largura, medidos desde a linha de preia-mar ao longo das margens da referida lagoa;
b) A lagoa da fajã dos Cubres e uma faixa circundante de 30 m de largura, medidos desde a linha de preia-mar ao longo das margens da referida lagoa.
Artigo 7.º
Medidas específicas de protecção
No interior das zonas definidas no artigo anterior é proibido:
a) O abandono ou depósito de quaisquer resíduos;
b) A realização de quaisquer trabalhos de construção civil, incluindo a edificação de muros ou tapumes;
c) As movimentações de solo, a extracção de inertes, as dragagens ou quaisquer outras operações que alterem a topografia dos terrenos ou dos fundos, excepto quando as mesmas se integrem em medidas de gestão ambiental autorizadas pelo Secretário Regional do Ambiente;
d) A introdução de quaisquer espécies animais ou vegetais, excepto em operações de repovoamento autorizadas pelo Secretário Regional do Ambiente;
e) A apanha ou remoção de qualquer espécie vegetal, excepto quando a mesma seja parte de medidas de gestão ambiental autorizadas pelo Secretário Regional do Ambiente;
f) A pesca, a caça, a apanha ou a remoção de quaisquer animais, excepto quando seja parte de medidas de gestão ambiental autorizadas pelo Secretário Regional do Ambiente, ou a apanha de amêijoa e esta apenas quando se faça no respeito pelos normativos em vigor;
g) O campismo e a realização de quaisquer actividades que possam perturbar a avifauna ou danificar a vegetação.
CAPÍTULO IV
Fiscalização e coimas
Artigo 8.º
Fiscalização
Sem prejuízo da competência legalmente atribuída a outras entidades, nomeadamente à câmara municipal respectiva, compete aos serviços da Secretaria Regional do Ambiente fiscalizar o cumprimento do estabelecido no presente diploma e elaborar os autos que se mostrem necessários.
Artigo 9.º
Coima
1 - A violação do disposto nos artigos 4.º e 7.º constitui contra-ordenação punível por coima de 500000$00 a 5000000$00.
2 - A negligência e a tentativa são puníveis.
3 - A competência para aplicação das coimas é do Secretário Regional do Ambiente.
4 - O Secretário Regional do Ambiente poderá proceder ao embargo administrativo de qualquer intervenção que não respeite o disposto no presente diploma, notificando de tal decisão o autor e a câmara municipal respectiva.
5 - Quando exista grave prejuízo para o património construído ou para o ambiente, poderá a administração regional, quando o proprietário, depois de notificado, o não faça, no prazo máximo de 30 dias, substituir-se a este na correcção de quaisquer intervenções ou na sua conclusão, exigindo-lhe o ressarcimento pelas despesas efectuadas.
6 - A cobrança das coimas e das quantias previstas no número anterior, quando não voluntariamente satisfeita no prazo de 30 dias após a notificação, é feita por execução fiscal, nos termos da lei.
7 - As quantias cobradas são receita da Região Autónoma dos Açores.
CAPÍTULO V
Disposições transitórias e finais
Artigo 10.º
Prazo de validade
As medidas constantes do presente diploma vigorarão pelo prazo de dois anos, prorrogável por mais um ano, durante o qual o Governo Regional aprovará o plano de ordenamento da orla costeira da ilha de São Jorge.
Artigo 11.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Aprovado pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores, na Horta, em 12 de Setembro de 2000.
O Presidente da Assembleia Legislativa Regional, Humberto Trindade Borges de Melo.
Assinado em Angra do Heroísmo em 3 de Outubro de 2000.
Publique-se.
O Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores, Alberto Manuel de Sequeira Leal Sampaio da Nóvoa.