Resolução do Conselho de Ministros n.º 46-A/98
O Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), em pré-aviso proferido a 11 do corrente mês, decretou para os dias 30 e 31 de Março e 1, 2 e 3 de Abril uma greve geral. A esta greve acresce a conversão em greve total, anunciada em pré-aviso de 27 de Janeiro deste ano, da greve parcial que o mesmo Sindicato vinha promovendo ao serviço nos tribunais de turno.
Atendendo à natureza das funções exercidas pelos funcionários de justiça, uma greve total acarreta a paralisação dos tribunais. A situação determinada por estas greves é incompatível com o respeito pelas necessidades sociais impreteríveis no domínio da administração da justiça.
Assim, o Governo efectuou reiterados esforços no sentido de alcançar um acordo com o SFJ sobre a revalorização remuneratória reivindicada. Todavia, por sucessiva rejeição das propostas apresentadas ao Sindicato, o acordo não veio a concretizar-se.
Atendendo aos valores sociais em questão, o Ministro da Justiça exarou um despacho para todos os tribunais e serviços do Ministério Público determinando quais os actos processuais que constituiriam serviços mínimos.
Mantendo-se a intenção de exercício do direito de greve, verificou-se que o SFJ declarou expressamente não haver serviços mínimos a assegurar.
Ora, a administração da justiça, enquanto função essencial do Estado de direito democrático, tem repercussões directas no respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Aos cidadãos é garantido o direito de acesso aos tribunais como forma de tutela efectiva, em tempo útil, dos direitos e interesses legalmente reconhecidos (artigo 20.º da Constituição), operando como instrumento essencial de segurança jurídica.
Por outro lado, há que assegurar o respeito do direito à liberdade (artigo 27.º da Constituição), nomeadamente o respeito pelo prazo de quarenta e oito horas para a apreciação judicial da situação de detenção (n.º 1 do artigo 28.º da Constituição), o respeito pelos prazos e condições legais da prisão preventiva e das demais medidas de coacção restritivas da liberdade (n.os 2, 3 e 4 do artigo 28.º da Constituição) e ainda a possibilidade de exercício do habeas corpus (artigo 31.º da Constituição).
A eficaz protecção dos direitos, liberdades e garantias acima enunciados justifica a existência de limitações ao direito à greve. É por todos reconhecido que o direito à greve não tem uma dimensão absoluta, admitindo o próprio texto constitucional a existência de restrições (n.º 3 do artigo 57.º e n.º 3 do artigo 18.º da Constituição).
Forçoso é, pois, reconhecer que abundam fundamentos que impõem ao Governo o recurso à requisição civil como forma de satisfazer necessidades sociais impreteríveis de justiça e segurança.
É imperativo assegurar o cumprimento de serviços mínimos nas matérias de maior relevo para a defesa dos cidadãos, que se entendem como as seguintes:
a) A apresentação de detidos e arguidos presos à autoridade judiciária e realização dos actos imediatamente subsequentes;
b) A realização de actos processuais estritamente indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas;
c) As providências cuja demora possa causar prejuízo aos interesses de menores, nomeadamente as respeitantes à sua apresentação em juízo e ao destino daqueles que se encontrem em perigo.
A conduta do Sindicato, com a recusa na prestação de serviços mínimos, contraria a Constituição e a lei, podendo mesmo implicar a responsabilização jurídica do Estado, designadamente quando seja excedido o prazo limite de quarenta e oito horas subsequentes à detenção sem que se verifique decisão judicial.
Neste sentido vai o parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República elaborado a pedido do Governo, através do Ministro da Justiça.
Importa, pois, adoptar medidas excepcionais para assegurar a administração da justiça.
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolveu:
1 - Reconhecer, ao abrigo do n.º 3 do artigo 57.º da Constituição, do n.º 1 do artigo 1.º e do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei 637/74, de 20 de Novembro, a necessidade de se proceder à requisição civil dos oficiais de justiça que venham a aderir à greve decretada para os dias 30 e 31 de Março e 1, 2 e 3 de Abril, bem como à greve decretada ao serviço nos tribunais, tudo no sentido de garantir, em relação à primeira, os serviços mínimos enunciados e, no respeitante à segunda, a realização do serviço definido na Lei 44/96, de 6 de Setembro.
2 - Autorizar o Ministro da Justiça a promover a requisição civil dos funcionários referidos no número anterior.
3 - Determinar a produção imediata de efeitos da presente resolução.
Presidência do Conselho de Ministros, 30 de Março de 1998. - O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.