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Acórdão 14/97, de 21 de Junho

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Sumário

O artigo 9.º, n.ºs 1 e 2, - dispõe que os adquirentes da cortiça ficam obrigados a depositar na C.G.D., à ordem do IPF, a totalidade do valor da cortiça adquirida -, do Decreto-Lei n.º 260/77, de 21 de Junho, (Determina que as operações de extracção, transporte e comercialização da cortiça dos montados de sobro dos prédios nacionalizados, expropriados ou expropriáveis ao abrigo da Lei da Reforma Agrária fiquem submetidas a controlo estadual), tem carácter imperativo, ficando ferida de nulidade qualquer outra forma de pagamento de cortiça adquirida. (Proc.º n.º 358/96 - 1.ª Secção)

Texto do documento

Acórdão 14/97
Processo 358/96 - 1.ª Secção. - Acordam, em plenário das secções cíveis no Supremo Tribunal de Justiça:

1 - O Estado Português, representado pelo Ministério Público, interpôs recurso para o tribunal pleno do Acórdão deste Supremo de 11 de Dezembro de 1995 proferido na revista n.º 87581 da 1.ª Secção, em que foi recorrente Organizações Industriais Joaquim de Almeida Lima e Filhos, Lda., e recorrido aquele mesmo Estado e outros, invocando oposição daquele acórdão com o deste mesmo tribunal de 11 de Maio de 1995 proferido na revista n.º 86544, em que foi recorrente Amorim e Irmãos, Lda., e recorrido o Estado e outros, publicado na Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano III, t. II, p. 78.

Por Acórdão de 21 de Novembro de 1996 do plenário da 2.ª Secção, também deste Supremo, foi reconhecida a existência da alegada oposição, tendo por isso o recurso prosseguido a sua ulterior tramitação.

O recorrente terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:
1.ª O artigo 9.º do Decreto-Lei 260/77, de 21 de Junho, determina que os adquirentes da cortiça ficam obrigados a depositar na Caixa Geral de Depósitos (CGD), à ordem do Instituto dos Produtos Florestais (IPF), a totalidade do valor da cortiça adquirida;

2.ª Só esse depósito libera o adquirente da obrigação do pagamento do preço, de harmonia com o disposto no n.º 2 do mesmo normativo;

3.ª Dessas quantias depositadas na CGD, 35% serão entregues pelo IPF à entidade alienante, de harmonia com o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma;

4.ª Aquele artigo 9.º tem carácter imperativo;
5.ª Desse modo, pagamentos efectuados directamente à entidade alienante, mesmo cabendo naquela percentagem de 35%, não o liberam da obrigação do depósito da totalidade do valor da cortiça alienada na CGD, a favor do Estado, proprietário da cortiça alienada.

Pelo exposto, deve ser uniformizada a jurisprudência mediante a prolação de acórdão, para o qual se propõe a seguinte redacção:

«Nos prédios nacionalizados ou expropriados nas zonas de intervenção da reforma agrária e relativamente à campanha da cortiça de 1978, os pagamentos efectuados directamente pelo adquirente à entidade alienante, mesmo cabendo na percentagem de 35% a que se refere o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 260/77, de 21 de Junho, não o liberam do depósito do valor total da cortiça adquirida na CGD, à ordem do IPF, nos termos determinados pelo artigo 9.º, n.os 1 e 2, do mesmo diploma.»

Termos em que deve ser revogado, nessa parte, o douto acórdão recorrido.
Não houve contra-alegação da parte contrária.
2 - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, já que é de manter o acórdão que decidiu da oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento.

2.1 - Face às referenciadas conclusões - delimitativas do objecto do recurso nos termos dos artigos 684.º,n.º 3, e 630.º, n.º 1 e 3, do Código de Processo Civil, atentemos na problemática que encerram.

Sinteticamente alinhada, a questão que nos é posta consiste em saber se o artigo 9.º do Decreto-Lei 260/77, de 21 de Junho - quando determina que os adquirentes da cortiça ficam obrigados a depositar na CGD, à ordem do IPF, a totalidade do valor da cortiça adquirida -, tem ou não carácter imperativo.

Com efeito, não se vê que o acórdão recorrido - na parte em que altera a decisão da 2.ª instância - possa estribar-se noutra perspectiva jurídica que não seja a de que a mencionada norma tenha um carácter meramente facultativo. Deste modo, se aquela alternância se resolver pela afirmativa - ou seja, pela imperatividade -, afigura-se-nos como impossível defender a tese expendida naquele douto aresto.

2.2 - Antes de entrar na análise do problema, será de relembrar a oposição interpretativa entre os dois acórdãos que conduziu ao presente recurso:

a) As disposições aplicadas a ambos os casos - e com básico interesse para a solução do recurso - foram os citados artigos 9.º e 10.º daquele mesmo diploma, por força dos quais os adquirentes das partidas de cortiça ficaram obrigados a depositar na CGD, à ordem do IPF, a totalidade do valor da cortiça adquirida (artigo 9.º), devendo este IPF, posteriormente, entregar à entidade alienante 35% daquele mesmo valor (artigo 10.º);

b) Perante tais normativos, e aplicando-os, o acórdão recorrido entendeu, relativamente à campanha de 1978, que, como o IPF tinha de entregar à entidade alienante os ditos 35%, o montante que, prévia e directamente, fora entregue pelo adquirente àquela alienante entraria já por conta do pagamento, devendo, por isso, ser deduzido ao preço global da cortiça vendida desde que se contivesse dentro daquela mesma percentagem; por seu turno,

c) O acórdão fundamento, relativamente aos mesmos factos, entendeu, face às mesmas disposições, que qualquer entrega directa do valor do preço pelos adquirentes à alienante nunca seria liberatória, antes devendo todo aquele valor ser obrigatoriamente depositado na CGD, nos sobreditos termos, sendo o IPF que, posteriormente, entregaria à alienante a referida percentagem de 35%.

Foi dentro destes precisos limites que se verificaram as soluções opostas nos acórdãos em apreço.

E não será despiciendo relembrá-las porque sobre situações como a presente vem pairando a ideia de clamar pelo abuso de direito para corrigir eventuais excessos no seu exercício (artigo 332.º do Código Civil).

Ora - mesmo admitindo a possibilidade de conhecimento oficioso do instituto acabado de anunciar -, a verdade é que a questão da sua aplicação não pode inserir-se no âmbito deste acórdão pelo seguinte: aquela oficiosidade não dispensa um objecto sobre o qual se pronuncie e tal objecto, nos acórdãos uniformizadores - em casos de recursos para o tribunal pleno abrangidos pelo n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei 320-A/95, de 12 de Dezembro, como é o presente -, está estrita e perfeitamente balizado no artigo 732.º-A do Código de Processo Civil, na redacção do citado decreto-lei e no citado artigo 17.º, dos quais resulta que o acórdão a proferir tem de circunscrever-se à resolução em concreto do conflito com os efeitos uniformizadores daí decorrentes. Não se trata, pois, de resolver o caso concreto, mas antes e muito diferentemente de resolver o concreto conflito.

Como assim e como não há nos acórdãos em estudo qualquer conflito relativo ao abuso de direito - bem pelo contrário, ambos são coincidentes quanto à exclusão da sua aplicação e assim o decidiram -, não pode agora este acórdão debruçar-se sobre esse ponto sob pena de, desvirtuando os objectivos que lhe são permitidos, violar frontalmente aqueles dispositivos legais.

3 - Assim reequacionada a questão e definido o seu núcleo essencial, entremos na sua análise.

3.1 - Diga-se, antes de mais, que, para além da mera terminologia classificatória que temos vindo a denominar como «de imperatividade», o que interessa fundamentalmente é saber se a norma em apreço poderá ou não ser afastada pela vontade dos sujeitos, nomeadamente no que concerne ao princípio da liberdade contratual que o artigo 405.º do Código Civil consagra e que, in casu, aqueles se quiseram arrogar. E dizemos assim porque, como se sabe, nem todos os autores usam a denominação de «imperativas» para classificar as normas cogentes - as que impõem deveres -, antes lhes chamando «regras injuntivas», precisamente para evitar confusões com a imperatividade que, no fundo, assiste a todas as regras jurídicas justamente por ser um dos elementos integrantes da jurisdicidade, isto sem embargo de a própria «imperatividade» se apresentar como uma caracterização duvidosa para outros autores, dada a conotação voluntarista ligada ao vocábulo, conotação esta que há que ultrapassar. (Na linha do que acabámos de referir pode ver-se, v. g., O. Ascensão, O Direito - Introdução e Teoria Geral, 2.ª ed., pp. 205 e segs., e B. Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pp. 91 e segs.)

A consciência das aludidas oscilações conceituais não poderá, pois, deixar de servir para nos orientar no percurso essencial a percorrer, que, como se aludiu, não pode ser outro que não o de ir ao encontro da essência normativa do referenciado preceito, entendida esta enquanto susceptibilidade de poder ou não poder ser afastada pela vontade das partes. Isto, sem embargo de, não só por comodidade discursiva mas também por ir nesse sentido a doutrina dominante, se usar do referenciado termo classificatório denominado de imperatividade.

3.2 - Nesta linha de raciocínio logo se vê, todavia, como, antes de se aplicar aprioristicamente uma classificação às normas em apreço, haverá que seguir uma hermenêutica das mesmas no sentido de que, tendo em vista o particular caso decidendo, venha a encontrar-se uma solução para este que seja a mais consentânea com o texto e enunciado daquelas, bem como com a ratio legis que lhes está subjacente. O caso concreto problematicamente encarado à luz das normas aplicáveis será, assim, o cerne da tese interpretativa que vamos empreender. (No sentido de uma metodologia desta natureza - desde logo permitida, segundo nos parece, pelo artigo 9.º do Código Civil - que estará informada por um pensamento tópico-retórico, v., v. g., A. Varela, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 126.º, pp. 120 e segs., e ano 124.º, pp. 291 e segs., reproduzindo nesta última a comunicação apresentada na homenagem à memória do Prof. B. Machado, e sobre a importância fulcral que na moderna interpretação jurídica assume o caso concreto decidendo, v., v. g., Castanheira Neves, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 125.º, pp. 69 e segs.)

4 - O desenvolvimento da nossa posição pressupõe, dentro da perspectiva focada, uma análise da factualidade acontecida e do direito que como lhe foi aplicada nos arestos opostos, sendo através dessas situações fáctica e jurídica que chegaremos, depois, à solução de direito que entendemos como a mais rigorosa. Os acórdãos recorrido e fundamento funcionarão, assim, como objecto de uma indagação crítica que, no seu caminho argumentativo e fundamentante, assumirá uma natureza de índole tendencialmente dialéctica, em que o primeiro será a tese e o segundo a antítese, para chegar à síntese que será, afinal, a nossa decisão. Assim, vejamos:

4.1 - A delimitação dos contornos fácticos do caso concreto:
Tal como se disse já no acórdão que decidiu a questão preliminar, o essencial das duas situações em apreço nos acórdãos em causa é que ambas as adquirentes da cortiça da campanha de 1978 entregaram, nos termos que acordaram, às entidades alienantes - respectivamente a CPADO e a UCP -, directa e imediatamente e contra a entrega da cortiça, uma parte do respectivo valor como se fosse por conta do respectivo preço, tendo depositado o restante na CGD, e à ordem do IPF; perante e não obstante esse comportamento das adquirentes e das alienantes, o Estado peticionou, em ambas as acções respectivas, o pagamento da totalidade do preço da cortiça.

4.2 - O direito aplicado:
Em ambos os acórdãos, a legislação basicamente aplicável foi os Decretos-Leis n.os 260/77, de 21 de Junho, seus artigos 2.º, 9.º e 10.º, e 98/80 e - só quanto ao acórdão fundamento e a um nível meramente argumentativo - o Despacho Normativo 106/78, de 12 de Maio, que veio permitir ao IPF a dedução da importância de 35% do valor global do contrato às quantias ilegalmente pagas directamente pelo comprador à entidade alienante de que tivesse conhecimento.

Perante o exposto, aliás já aludido no n.º 2.2, alínea b), o acórdão recorrido, ao considerar como liberatório o pagamento directamente feito pelas adquirentes às entidades alienantes, desde que contido naqueles 35%, não pode, a nosso ver, deixar de ter partido de uma interpretação das normas em causa - especialmente do citado artigo 9.º - no sentido de lhes atribuir uma natureza meramente permissiva ou facultativa, muito embora não argumentasse expressamente com tal classificação.

Passou-se o contrário com o acórdão fundamento, que, aliás, classificou expressamente aquele artigo 9.º como sendo uma norma de natureza imperativa.

5 - Posição que defendemos:
Será de referir, antes de mais, que o conflito a resolver apenas diz respeito às decisões - pois só aí poderá existir oposição de soluções - e não às suas motivações.

Além do que, de todo em todo, a essência das motivações não está nas qualificações que expressamente lhes possam ser atribuídas, mas antes no conteúdo que realmente encerram e nas concretas decisões a que ele conduza, valendo aqui, mutatis mutandis, as considerações que começámos por fazer no início do n.º 3.2. Posto isto, vejamos:

Permitir que as partes contratantes fixassem o modo de pagamento, seus termos e a quem deveria ser feito, corresponde a respeitar - nas compras e vendas em análise - o princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 405.º, n.º 1, do Código Civil. Só que esse princípio tem os limites da lei - como logo começa por restringir a disposição acabada de citar -, importando, assim, saber se existiam ou não tais limites à autonomia da vontade privada.

Ora, atentemos como a interpretação das normas aplicáveis leva à conclusão de que tais limites efectivamente existem.

5.1 - Desde logo o preâmbulo do Decreto-Lei 260/77, de 21 de Junho, reitera o controlo estatal sobre a comercialização da cortiça em termos de, tratando-se, como se trata, de uma riqueza nacional - sendo Portugal o primeiro produtor mundial de cortiça, segundo esse mesmo preâmbulo -, ser indispensável providenciar sobre o seu fomento a fim de assegurar nos mercados estrangeiros uma presença permanente altamente qualificada e, a nível nacional, criar estruturas que propiciem a distribuição equitativa dos benefícios respectivos pelo maior número de trabalhadores e agricultores que defendam o sector corticeiro. E esta filosofia intervencionista foi mais tarde readoptada no preâmbulo do Decreto-Lei 98/80, de 5 de Maio, que, aliás, no seu artigo 22.º, e pelo que respeita aos contratos de comercialização de cortiça amadia das campanhas corticeiras de 1977, 1978 e 1979, veio ressalvar e manter em vigor a aplicação do Decreto-Lei 260/77, ressalva esta que abrange o nosso caso, uma vez que se trata da campanha de 1977. Aquele preâmbulo, para o que ora nos interessa, refere expressamente o seguinte: «Devido à publicação e entrada em vigor da legislação sobre a reforma agrária, advieram, por expropriação e nacionalização ao património do Estado, prédios rústicos com montado de sobro. [...] Não pode o Governo ficar alheio a tão importante riqueza» e, mais adiante: «Compete ao Governo sanar a situação, defendendo as entidades vendedoras, definindo a sua situação legal e pondo ao seu dispor, com a necessária rapidez, as verbas a que têm direito, protegendo igualmente as receitas que, por serem provenientes de prédios rústicos integrados no património do Estado, são pertença do povo português, devendo, como tal, por ele ser usufruídas.»

5.2 - Pois o articulado do Decreto-Lei 260/77 - que ora particularmente nos interessa - não fez mais do que consagrar, normativizando-a, essa mesma filosofia.

Essa normativização vai ao ponto de podermos ser levados a concluir que a comercialização da cortiça fica de tal modo pautada e regulamentada que a compra e venda da mesma, apesar de respeitar os esquemas legais das disposições do Código Civil e do Código Comercial aplicáveis, acaba por seguir um ritualismo mais apertado - no sentido de limitar, o mais possível, o princípio da autonomia da vontade privada aos interesses do Estado -, ritualismo esse todo ele potenciado para conferir aos negócios em causa um carácter como se de contratos nominados se tratassem e cuja disciplina própria, designadamente no que concerne ao pagamento do preço, está regulamentada pelas leis em referência a um nível que não admite comportamentos negociais das partes que atentem contra ele. Para tal concluir bastará atentar no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do citado Decreto-Lei 98/80, o qual determina expressamente o seguinte: «Os adquirentes de cortiça amadia às entidades referidas no artigo 1.º ficam sujeitos às seguintes obrigações: a) Efectuar o contrato de compra e venda de cortiça amadia nos termos do artigo 4.º deste diploma», e o seu artigo 4.º, por seu turno - aliás semelhantemente ao que se passa no artigo 4.º do Decreto-Lei 260/77 -, regula em pormenor, designadamente quanto à forma, os termos em que os negócios relativos à cortiça do Estado devem ser efectuados. (Sobre contratos nominados, no sentido expendido, v., v. g., Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, 3.ª ed., pp. 382 e segs., e A. Varela, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 127.º, pp. 179 e segs.)

5.3 - Aliás, o artigo 2.º do Decreto-Lei 260/77 fixa pormenorizadamente as obrigações decorrentes dos contratos em apreço e o teor do seu texto é nitidamente injuntivo, desde logo quando afirma: «1 - Os órgãos ou entidades singulares ou colectivas, gestores em nome ou por conta própria ou alheia, de estabelecimentos agrícolas que contenham montado de sobro ficam sujeitos às seguintes obrigações: [...]», e, mais adiante: «2 - Os intervenientes directos ou indirectos em negócios jurídicos que tenham por objecto a cortiça devem [...]» E o artigo 9.º, n.º 1, não pode ser mais categórico quando afirma que «os adquirentes de partidas de cortiça ficam obrigados a depositar na Caixa Geral de Depósitos, à ordem do Instituto dos Produtos Florestais, nos prazos estabelecidos no respectivo contrato, a totalidade do valor da cortiça adquirida» e, logo a seguir, no seu n.º 2: «Só o depósito referido no número anterior ou o cumprimento da obrigação prevista no artigo 8.º, ou ambos, sendo caso disso, liberam o adquirente da obrigação do pagamento do preço.» (Sublinhado do relator.)

5.4 - Para além disso, acresce ainda uma circunstância, que se nos afigura de primordial importância, que é a de saber qual teria sido a intenção da lei ao determinar a entrega pelo IPF às entidades alienantes da referida percentagem do depósito do preço.

É que o Decreto-Lei 260/77 tem também subjacente uma ideia, que regulamenta, de recuperação dos créditos que o Governo instituiu, por intermédio do Banco de Portugal, para facilitar aos produtores a extracção da cortiça.

Nessa linha, o seu artigo 7.º estabeleceu que aqueles créditos ao descortiçamento, concedidos por instituições nacionais, gozam de privilégio mobiliário especial sobre o produto a que respeita o seu valor, a graduar nos termos do artigo 747.º do Código Civil e logo a seguir aos créditos do Estado por impostos; o artigo 8.º do mesmo diploma preceitua que os adquirentes de partidas de cortiça, oneradas nos termos do artigo anterior, respondem pelos respectivos créditos de descortiçamento solidariamente com os alienantes, e o artigo 10.º citado, por seu turno, quando determina a entrega à entidade alienante da percentagem do depósito aí consignada, faz depender essa entrega, não obstante, do pagamento a que se refere aquele artigo 8.º Quer dizer: ao fim e ao cabo, aquela percentagem será entregue à alienante só no caso de ela ainda não ter pago os referidos créditos de descortiçamento, embora tivesse obrigação de o fazer; por outras palavras: os 35% destinavam-se, no fundo, ao pagamento daqueles créditos e só a isso, não tendo, assim, qualquer correspondente sinalagma por parte dos alienantes que lhes conferisse direito a eles, enquanto pagamento do preço, pois tal direito só ao Estado assistia por ser o proprietário da cortiça, como logo resulta do n.º 5.1.

A específica finalidade daquela percentagem resulta ainda de só o remanescente [a que se refere a alínea f) do citado artigo 10.º, n.º 1], quando o houver, ser entregue pelo IPF às alienantes, independentemente de quaisquer condicionalismos.

É esta, aliás, a interpretação que melhor se compagina com o n.º 2 do artigo 9.º citado, ao determinar que o próprio adquirente podia ficar dispensado do depósito do preço quando tivesse pago nos termos do artigo 8.º, isto é, quando existissem créditos concedidos para descortiçamento pelos quais ele respondesse.

Parece, pois, tal como deflui do exposto, que o Estado entendeu como prioritário o pagamento daqueles créditos nos moldes acabados de referir.

Em suma: a entrega da dita percentagem à alienante por parte do IPF tem de ser enquadrada dentro de um plano global - estabelecido pelo Estado - de fomento e de controlo da extracção, produção e comercialização do referido produto, plano esse que, parece-nos óbvio, não podia ser como que subvertido, digamos assim, por entregas directas do preço ou suas fracções aos alienantes nos já referidos termos.

O que vem demonstrar, também por este caminho, que o pagamento em causa tinha forçosamente de ser feito de acordo com o artigo 9.º, sendo o Estado que, posteriormente e através do IPF, geriria o depósito do respectivo preço do modo mais ajustado às finalidades por ele pretendidas.

5.5 - Os elementos histórico, sistemático e literal acabados de referir estão, a nosso ver, em estreita consonância com o elemento racional, também integrante, como é óbvio, da metodologia interpretativa em apreço. Tal elemento - em que se inscreve o escopo prático que a norma se destina a conseguir, ou seja, a sua teleologia, particularmente frisado no n.º 5.4 - não pode deixar de ir no sentido de que a natureza dos interesses protegidos pela referida legislação (destacados nos n.os 5.1 e 5.4) determina, mais do que aconselha, a leitura das normas em apreço como revestidas de uma inultrapassável e estrutural imperatividade que, por isso mesmo, nelas existirá durante toda a sua vigência, do mesmo modo que não permitirá nunca aos contraentes qualquer autonomia de vontade relativamente ao pagamento do referenciado preço, sob pena de verem as suas condutas, nesse particular, feridas de nulidade - cujo conhecimento é oficioso -, tal o profundo desvio à lei de que elas enfermam.

6 - E não se obtempere com o citado Despacho Normativo 106/78, que teve como destinatário o IPF, pois tal despacho se reporta apenas à cortiça da campanha de 1977 e visa essencialmente regularizar situações de pretérito, aí mesmo qualificadas de ilegais, por o comprador ter pago directamente à entidade alienante. Basta lembrar o seguinte segmento daquele despacho, que diz assim: «2 - O Instituto dos Produtos Florestais deduzirá, à importância correspondente a 35% do valor global do contrato, as quantias ilegalmente pagas directamente pelo comprador à entidade alienante de que tiver conhecimento» (sublinhado do relator), para concluir que mesmo tal despacho considerava como ilegais, nos sobreditos termos, os pagamentos directos às entidades alienantes, não podendo, desse modo, regularizar outras situações para além daquelas sobre as quais pontualmente se debruçou e que não é a nossa, ou, noutra linha, nunca tal despacho pode servir como elemento de interpretação no sentido de se considerarem como legais os pagamentos directos feitos nos aludidos termos.

6.1 - Finalmente, não se contra-argumente com a particular vertente do caso decidendum - em que, na realidade, a compradora da cortiça entregou parte do seu preço à entidade alienante, ficando dela desapossada e sofrendo o respectivo prejuízo - para justificar, por uma ponderação de justiça material, que aquela quantia entregue seja descontada ao preço global.

Não se nos afigura como curial orientar a jurisprudência neste sentido.
É que a decisão do problema do caso concreto, nos termos expostos, não pode confundir-se com qualquer tendência para «lançar o direito nos braços inconsistentes do decisionismo intuitivo e irracional pugnado pela escola do direito livre» (conforme refere A. Varela, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 124.º, p. 292, e, criticando já vivamente tal escola - apesar de lhe reconhecer algumas virtualidades -, v., v. g., Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, 2.ª ed., 1963, pp. 164 e segs.). As normas aplicáveis têm um cunho de regulamentação casuística - no já referenciado sentido de apelarem para um como que contrato nominado - e, por isso mesmo, implicam para o intérprete uma posição estritamente vinculada à lei, e daí incompatível com critérios que, por mais equilibrados que se afigurem, ao escaparem ao controlo da norma, acabam por cair, desta feita, num casuísmo decisório, e tal casuísmo, como se sabe, por fugir à unidade da ordem jurídica, vem a traduzir-se na aplicação de um direito que não corresponde às exigências mínimas de certeza, de segurança e até de justiça que a sociedade requer do Estado. (Sobre normas casuísticas e sua força vinculativa para o julgador, v., v. g., B. Machado, ob. cit., pp. 114 e segs.) Neste enfoque, a problemática do caso concreto - e a decisão sobre a situação jurídica em que aquele é enquadrável - não pode tão-só significar uma como que fuga ao cientismo jurídico, entendido este ao jeito reducionista e mecanicista/positivista do século XIX. Aquela problemática decisória tem antes de se enquadrar na natureza da ciência jurídico-dogmática num sentido hodierno em que esta é entendida «como uma disciplina de pensamento essencialmente caracterizada pela fecundidade explicativa (interpretativa ou de relacionamento) e heurística das suas conceituações e, bem assim, pela sistemacidade das suas teorias e possibilidades de controlo racional das suas conclusões» (cf. B. Machado, ob. cit., pp. 364 a 366).

7 - O que vem a significar, pois, que a entrega de dinheiro às alienantes, nos termos apontados - sejam quais forem as razões práticas que lhe tenham estado na base -, não pode prefigurar-se como um autêntico pagamento de preço em sentido de estrita jurisdicidade - na perspectiva que acaba de lhe ser dada -, e só essa nos importa e nela nos temos de colocar. Ou seja, tal como se entendeu no acórdão fundamento - mas precisamente ao contrário do que se entendeu no acórdão recorrido -, aquela entrega de dinheiro não pode considerar-se como um pagamento liberatório e, como tal, a descontar ao preço devido pela compradora ao Estado.

7.1 - Tem sido esta, aliás, a jurisprudência dominante neste Supremo, seguida não só no acórdão fundamento como nos Acórdãos de 13 de Novembro de 1993, no processo 83978, de 17 de Fevereiro de 1994, no processo 84486, de 27 de Outubro de 1994, no processo 85456, de 21 de Março de 1995, no processo 86495, e de 21 de Março de 1995, no processo 86485.

8 - Do que de tudo resulta o seguinte quadro conclusivo:
A) A resolução do caso concreto, com todos os interesses que lhe estão subjacentes, remete - a nível da problemática da sua decisão - para a aplicação dos citados artigos 9.º e 10.º, interpretados estes - designadamente o primeiro - no sentido de o pagamento da cortiça ser efectuado nos precisos termos que deles constam;

B) As disposições acabadas de citar, bem como todas as demais referidas nos n.os 5.1 a 5.4, inclusive, apontam no sentido de se considerarem como nominados os contratos de compra e venda de cortiça que seja propriedade do Estado;

C) Deste modo, não podem as partes acordar - ao abrigo do princípio da autonomia da vontade privada - noutra qualquer forma de pagamento, tal como a de entregar uma parte do montante global do preço directamente à entidade alienante;

D) Um pagamento nos termos referidos na alínea B), do mesmo modo que viola a imperatividade de que aparece revestido o citado artigo 9.º, tem igualmente na base uma autonomia da vontade privada, não permitida pela lei enquanto atentatória do princípio do nominalismo contratual (primeira parte do citado artigo 405.º, n.º 1);

E) Consubstancia-se assim tal pagamento num acto jurídico - cumprimento de prestação por parte do comprador - ferido de nulidade nos termos dos artigos 295.º e 294.º do Código Civil devidamente entendidos e aplicados;

F) Tal nulidade não invalida todo o negócio nos termos do artigo 292.º do mesmo Código Civil, permanecendo, assim, o contrato em análise inteiramente válido, salvo quanto àquele pagamento, que, por ser nulo, não pode considerar-se como liberatório para os efeitos dos artigos 762.º, 763.º, n.os 1 e 2, e 869.º, alínea c), todos daquele mesmo Código, devidamente conjugados;

G) Surge-nos, deste modo e como inevitável, a ilação de que o Estado, proprietário da cortiça, tem o direito de usar da respectiva acção de dívida para obter aquele pagamento, nos termos do artigo 817.º, também do Código Civil, referido às demais disposições citadas.

9 - Face ao exposto, acorda este plenário em:
9.1 - Dar provimento ao recurso e, em consequência, revogar o acórdão recorrido quando decidiu que a importância paga pela ré à CPADO, ou seja, pelo menos a quantia de 2650000$00, tem de ser deduzida ao preço global da cortiça, não tendo o Estado qualquer direito a recebê-la;

9.2 - Uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos:
«O artigo 9.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 260/77, de 21 de Junho, tem carácter imperativo, ficando ferida de nulidade qualquer outra forma de pagamento da cortiça adquirida.»

Custas pela recorrida nas instâncias e neste Supremo.
Lisboa, 22 de Abril de 1997. - Fernando da Costa Soares - Armando Figueira Torres Paulo - João Augusto Gomes Figueiredo de Sousa - Fernando Adelino Fabião - António César Marques (vencido, nos termos da declaração de voto do Exmo. Conselheiro Martins da Costa) - Roger Bennett da Cunha Lopes - Ramiro Luís d'Herbe Vidigal - José Martins da Costa (vencido, nos termos da declaração que junto) - António Pais de Sousa (vencido, nos termos da declaração de voto do Exmo. Conselheiro Martins da Costa) - José Miranda Gusmão de Medeiros - António Manuel Guimarães de Sá Couto - Jaime Octávio Cardona Ferreira - Mário Fernandes da Silva Cancela - Manuel Nuno de Sequeira Sampaio da Nóvoa (com a declaração de que ressalvo a possibilidade da existência de abuso de direito caso o Estado tenha consentido no pagamento directo à alienante) - António Costa Marques - Agostinho Manuel Pontes Sousa Inês (vencido, nos termos da declaração de voto que junto) - Fernando Machado Soares - Herculano Carlindo Machado Moreira de Lima (vencido, nos termos da declaração do Sr. Conselheiro Martins da Costa) - Jorge Alberto Aragão e Seia - João Fernando Fernandes de Magalhães - Ilídio Gaspar Nascimento Costa - Rui Manuel Brandão Lopes Pinto - José Pereira da Graça - Manuel José de Almeida e Silva - Armando Castro Tomé de Carvalho - João Augusto de Moura Ribeiro Coelho - José da Silva Paixão.


Declaração de voto
I - Por um lado, e salvo o devido respeito, entendo que não há fundamento legal para o presente recurso.

O único ponto divergente entre os dois acórdãos em oposição respeita à obrigação de depósito, pelo comprador da cortiça, da parte do preço contida na percentagem de 35% e destinada a ser entregue pelo IPF ao alienante, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 260/77, de 21 de Junho, que tenha sido paga directamente pelo comprador a esse alienante.

No acórdão fundamento considerou-se que aquela obrigação de depósito abrange essa parte do preço porque o citado artigo 10.º, n.º 1, alínea a), se reporta à relação entre o Estado, representado pelo IPF, e o alienante, a que é estranho o comprador, e o artigo 9.º do citado decreto-lei, que impõe a obrigação de depósito da totalidade do preço, tem natureza imperativa, sendo nulas as prestações cumpridas de modo diverso, nos termos dos artigos 294.º e 295.º do Código Civil.

No acórdão recorrido também se decidiu que o comprador era obrigado a depositar o preço, mas acrescentou-se que, tendo o vendedor recebido já do comprador certa quantia, conforme documentos juntos pelo Estado, e que «de harmonia com o estabelecido no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 260/77, 35% do preço da venda da cortiça era entregue pelo IPF à CPADO», o que equivalia a montante inferior àquela quantia, tal montante, que se destinaria ao vendedor, «tem de ser deduzido ao preço», como foi aí efectivamente deduzido.

Daqui resulta que, no acórdão fundamento, houve pronúncia expressa sobre a imperatividade do citado artigo 9.º e a consequente nulidade da prestação do pagamento feito pelo comprador ao alienante, enquanto no acórdão recorrido houve simples pronúncia implícita sobre a exclusão dessas imperatividade e nulidade, na medida em que se limitou a proceder àquela dedução da parte do preço incluída na percentagem de 35% com base no seu destino, previsto no citado artigo 10.º, n.º 1, alínea a).

Ora, como se tem geralmente sustentado, o requisito da existência de «soluções opostas» sobre «a mesma questão fundamental de direito» exige que a oposição de julgados seja expressa, não sendo relevante a sua oposição implícita, e, no caso presente, ocorre só essa última forma de oposição quanto à questão fundamental de direito, ou seja, a imperatividade do citado artigo 9.º do Decreto-Lei 260/77.

Não se configura assim aquele requisito do recurso, pelo que este deveria julgar-se findo.

II - Por outro lado, como é do conhecimento geral, os factos ocorreram num ambiente social e político em que a autoridade do Estado era exercida de modo deficitário e as cooperativas agrícolas, vendedoras da cortiça, detinham certo poder de facto, superiormente reconhecido, impondo aos compradores a entrega directa de parte do preço, com conhecimento do IPF, e agindo na venda «em nome e como intermediárias do Estado», pelo que se afigura que a exigência, por este, decorridos vários anos, do depósito pelo comprador da referida parte do preço incluída na percentagem destinada às cooperativas se traduz em abuso de direito.

Na verdade, o seu exercício apresenta-se como manifestamente excessivo, em face daquelas circunstâncias, designadamente por ter o Estado contribuído, de algum modo, para a situação da falta de depósito da totalidade do preço e não ser directamente prejudicado por essa falta (artigo 334.º do Código Civil).

Acresce que a apontada exigência é susceptível de provocar o enriquecimento sem causa do Estado (a ficar detentor da totalidade do depósito, em parte destinado às cooperativas) ou destas (a ser-lhes entregue a percentagem de 35%, além das quantias já recebidas do comprador), pelo que o depositante poderia depois pedir, de um ou de outras, a restituição do montante indevidamente recebido, nos termos dos artigos 473.º e seguintes do citado Código, o que evidencia a injustiça da solução que obteve vencimento.

Aliás, o próprio Estado, através das alegações do seu representante, admite que «o eventual prejuízo dos compradores da cortiça poderá ser ultrapassado pelo accionamento da repetição do indevido», mas não deixa de haver aí uma certa incongruência, na medida em que se está a exigir o cumprimento de uma prestação que se reconhece poder ser depois restituída, mostrando-se mais razoável que se proceda desde já à respectiva compensação.

Deste modo, mesmo a conhecer-se do objecto do recurso e a atribuir-se ao citado artigo 9.º carácter imperativo, sempre seria de confirmar o acórdão recorrido, como «resolução em concreto do conflito» suscitado (artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro). - José Martins da Costa.


Declaração de voto
1 - Vencido na parte em que se faz corresponder à violação do preceituado no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei 260/77, de 21 de Junho, a sanção da nulidade em todos os casos, não se atendendo à excepção consignada na parte final do artigo 294.º do Código Civil, e, consequentemente, na parte em que se revogou o douto acórdão recorrido.

2 - Vejamos.
O que está em causa no presente recurso não é a totalidade do preço.
Só está em causa uma sua parcela, a saber, os 35% a que se refere o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 260/77, de 21 de Junho.

Ora, o que é que, após o trânsito, se deverá passar?
A recorrida terá de pagar estes 35% ao Estado, em obediência à decisão transitada.

O Estado deverá entregar estes 35% à CPADO - Cooperativa de Produção Agrícola 2 de Outubro, S. C. A. R. L., em obediência ao disposto no artigo 10.º, n.º 1, do mesmo decreto-lei.

Finalmente, a CPADO deverá pagar a mesma quantia à recorrida, visto a nulidade agora declarada ter efeito retroactivo, obrigando à restituição do pagamento que, no início, a recorrida fez à CPADO, nos termos do disposto no artigo 289.º do Código Civil (v. também o Acórdão orientador deste Tribunal de 23 de Março de 1995, publicado a 17 de Maio seguinte).

Na hipótese de o Estado não pagar à CPADO, ainda restará à recorrida receber a quantia do próprio Estado a título de enriquecimento sem causa deste, visto que ao empobrecimento daquela (por ter pago duas vezes) corresponderá o enriquecimento sem causa deste (por ter embolsado para si o que a outrem pertence), nos termos do artigo 473.º do Código Civil.

Quer dizer que, por linhas direitas, tudo deverá voltar à mesma.
3 - O erro do douto acórdão em que fico vencido resulta de se ter feito aplicação da regra do artigo 294.º do Código Civil sem se ter em consideração que esta regra comporta uma excepção, a saber, «salvo nos casos em que outra solução resulte da lei».

Resulta desta excepção que os negócios contrários à norma injuntiva poderão deixar de ser nulos, mesmo sem texto que assim o declare.

Seguindo a lição de Manuel de Andrade, basta que dos termos da norma ou de quaisquer outros factores atendíveis na sua interpretação se possa concluir com suficiente probabilidade ter sido intuito da lei admitir o afastamento da nulidade como reacção, em determinada hipótese, à violação de norma injuntiva.

Ora, pelo que respeita à falta de depósito de 35% do preço da cortiça, que, de qualquer modo, sempre caberá à entidade alienante, por força do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 260/77, de 21 de Junho, a sanção da nulidade do seu pagamento directo a esta entidade poderá, no caso concreto (cujas especialidades só podem ser apreciadas por este Tribunal julgando em secção e não em pleno das secções cíveis), considerando-se os interesses quer do Estado, quer das várias entidades referidas no citado artigo 10.º, revelar-se desadequada à violação do preceituado no artigo 9.º, sempre do Decreto-Lei 260/77, de 21 de Junho.

É este o pensamento que se surpreende no douto acórdão recorrido, ainda que não expressamente declarado.

Não pode este Tribunal, julgando em reunião conjunta das secções cíveis, censurar o julgamento da secção que, no caso concreto, julgou desadequada a sanção da nulidade.

Tal julgamento mostra-se conforme ao último segmento do preceituado no artigo 294.º do Código Civil.

4 - Finalmente, revela-se abusivo o procedimento do Estado que pretende embolsar a totalidade do preço, sem nada entregar à entidade alienante por esta já ter recebido do adquirente e obrigando este a pagar a dobrar (artigo 334.º do Código Civil).

5 - Pelo exposto, votando contra os termos absolutos do aliás douto acórdão orientador, entendi que a decisão do douto acórdão recorrido devia ser confirmada. - Agostinho Manuel Pontes de Sousa Inês.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/82442.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1977-06-21 - Decreto-Lei 260/77 - Ministério da Agricultura e Pescas

    Determina que as operações de extracção, transporte e comercialização da cortiça amadia e secundeira dos montados de sobro dos prédios nacionalizados, expropriados ou expropriáveis ao abrigo da Lei da Reforma Agrária fiquem submetidos a controlo estadual.

  • Tem documento Em vigor 1980-05-05 - Decreto-Lei 98/80 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministérios da Agricultura e Pescas e do Comércio e Turismo

    Estabelece normas relativas às explorações agrícolas com montados de sobro situadas em prédios rústicos nacionalizados ou expropriados.

  • Tem documento Em vigor 1995-12-12 - Decreto-Lei 329-A/95 - Ministério da Justiça

    Revê o Código de Processo Civil. Altera o Código Civil e a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais

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