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Acórdão 2/97, de 30 de Janeiro

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Sumário

A acção destinada a exigir a reparação de defeitos de coisa imóvel vendida, no regime anterior ao Decreto-Lei 267/94, de 25 de Outubro (altera o Regime da Propriedade Horizontal constante do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei 47344, de 25 de Novembro de 1966), estava sujeita à caducidade nos termos previstos no artigo 917º do Código Civil. (Proc. nº 85875)

Texto do documento

Acórdão 2/97

Processo 85 875. - Acordam no plenário das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça:

Maria Teresa Gomes Fragoso Mendes e Henrique José da Silva Inácio Pratas interpuseram recurso para o tribunal pleno, nos termos dos artigos 763.º a 770.º do Código de Processo Civil, do Acórdão deste Tribunal de 12 de Janeiro de 1994 proferido na revista n.º 84 501, em que eles eram recorrentes e recorrida José Nunes Henriques & Filhos Lda.

Alegaram existir oposição relativamente à mesma questão fundamental de direito com o decidido no Acórdão deste mesmo Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 1980, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 293, pp. 252 e segs., oposição que a recorrida contrariou.

Foi proferida decisão preliminar no sentido de que se verificava a aludida oposição.

Prosseguiu depois o processo com alegação dos recorrentes, parecer do Ex.

Magistrado do Ministério Público e os necessários vistos, cumprindo agora decidir.

Dir-se-á, antes de mais, que este recurso para o tribunal pleno (ultrapassada que se encontra a fase preliminar), embora tenha sido interposto em data anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, que reviu o Código de Processo Civil, está em condições de ser julgado, nos termos do disposto no seu artigo 17.º, n.º 3, circunscrito à resolução em concreto do conflito que emerge da oposição entre os dois acórdãos em confronto e para uniformização de jurisprudência.

Com efeito, aquele diploma legal, datado de 12 de Dezembro de 1995 e distribuído a 3 e 4 de Janeiro de 1996, estabeleceu duas normas transitórias:

A primeira, no artigo 16.º, fixando genericamente a sua entrada em vigor para l de Março de 1996, o que representaria uma vacatio legis compatível com a complexidade do diploma;

A segunda, no artigo 17.º, de revogação imediata das normas que regulam o recurso para o tribunal pleno (n.º 1), mas prevenindo, em seguida, duas situações neste domínio:

a) Os assentos já proferidos têm o valor dos acórdãos proferidos nos termos dos artigos 732.º-A e 732.º-B (n.º 2);

b) Os recursos para o tribunal pleno já intentados - caso dos autos - têm o seu objecto circunscrito à resolução em concreto do conflito com os efeitos decorrentes dos artigos 732.º-A e 732.º-B, citados (n.º 3). Isto não pode deixar de significar que os actuais acórdãos para uniformização de jurisprudência, provindos de recursos já intentados, para além das consequências ali apontadas, deverão ser julgados pelo plenário das secções cíveis.

As Leis n.º 6/96, de 29 de Fevereiro, e 28/96, de 2 de Agosto, ao prorrogarem o prazo de entrada em vigor referido no artigo 16.º do diploma, sucessivamente para 15 de Setembro de 1996 e para 1 de Janeiro de 1997, em nada contendem com o que foi especialmente fixado no artigo 17.º quanto à revogação imediata dos assentos e ao regime dos recursos já intentados para o tribunal pleno, o qual continua, assim, aplicável.

Da mesma forma, nada se alterou substancialmente, no capítulo da uniformização da jurisprudência, com a publicação do Decreto-Lei 180/96, de 25 de Setembro, que veio novamente rever o Código de Processo Civil, antes da sua entrada em vigor.

A oposição de decisões deve ocorrer no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito E não há dúvidas que ela se verifica.

Com efeito, em ambas as acções, a causa de pedir respeita a contratos de compra e venda de fracções autónomas de prédios urbanos já construídos, celebrados com os respectivos proprietários, não sendo relevante o facto de, no primeiro, a venda ter sido efectuada pelo construtor e, no segundo, por sucessores do proprietário que tinha mandado construir o prédio por empreitada a uns terceiros que não foram demandados; a pretensão fundamental, para além de outros pedidos alternativos ou subsidiários, é a de reparação dos defeitos de construção desse imóvel; face a isto, foi decidido, numa das acções, que era de aplicar o regime dos artigos 916.º e 917.º do Código Civil e, na outra, que estas normas não tinham aplicação.

Sendo patente a oposição, passa-se a conhecer do fundo da questão.

No caso de que emerge o acórdão recorrido, verifica-se que os autores adquiriram por compra e para sua residência, por escritura pública de 22 de Julho de 1982, à ré, uma fracção autónoma de um prédio urbano por esta construído. Em 17 de Julho de 1987 propuseram acção alegando que no início de 1987 começou a verificar-se grande e grave deterioração no andar por defeitos de construção e até no revestimento exterior das paredes do prédio, tendo denunciado essas deficiências à ré em Fevereiro de 1987 e que a ré se recusa a reparar. Pedem que ela seja condenada a reparar as deficiências e deteriorações ou, em alternativa, a pagar os custos das mesmas reparações.

A questão debatida consistiu em saber qual o prazo de caducidade do direito de accionar para reparação de defeitos da coisa imóvel vendida, a exercer pelo comprador em relação ao vendedor.

A decisão recorrida fixou que esse prazo era o dos artigos 916.º e 917.º do Código Civil (a que pertencerão os restantes artigos sem indicação de fonte), interpretados extensivamente, ou seja, necessidade de denúncia até 30 dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa, e caducidade da acção se o comprador não tiver feito a denúncia ou decorridos, sobre esta, seis meses; foi afastada a tese de que a caducidade seria de cinco anos a contar da entrega, por analogia com o disposto no n.º 1 do artigo 1225.º Julgou-se, assim, caduca a acção.

Por seu turno, o acórdão fundamento assentou no facto de a compradora de uma fracção autónoma de um prédio urbano que disse ter-lhe sido vendido com defeitos, haver pedido dos vendedores uma indemnização por danos derivados dos vícios de construção ou em alternativa, a reparação dos defeitos à custa deles, tendo-se decidido que nem se aplicava o artigo 1225.º, porque não se tratava de contrato de empreitada, nem os artigos 916.º e 917.º, que se referem à acção de anulação por simples erro, relegando-se a solução para os princípios gerais, sem os explicitar, pelo que se mandou prosseguir a acção.

Em resumo, ambos os acórdãos afastaram a solução emergente do artigo 1225.º respeitante à empreitada, tendo o acórdão recorrido adoptado como prazo de caducidade para exigir a reparação dos defeitos o mesmo da anulação da venda por erro constante dos artigos 916.º e 917.º, enquanto que o acórdão fundamento arredou qualquer destas disposições, relegando a solução para os princípios gerais.

Os recorrentes pretendem que se uniformize a jurisprudência mediante decisão do seguinte teor: «As disposições dos artigos 916.º e 917.º referem-se à denúncia de defeitos e ao prazo de caducidade relativos à venda de coisas defeituosas, prazos que contemplam apenas as acções de anulação por simples erro - artigo 917.º - e não por qualquer outro fundamento. Quando se pretende uma indemnização ou reparação pelos defeitos, aplicar-se-á o prazo geral, dado que as disposições legais que estabelecem prazos de caducidade não podem aplicar-se a situações que nas mesmas não estejam clara e taxativamente definidas e concretizadas.» A parte contrária não alegou.

O Ex. Magistrado do Ministério Público formulou douto parecer, em que propõe a seguinte redacção para solução do conflito de jurisprudência: «O prazo de caducidade para o exercício do direito de reparação de imóvel defeituoso, referido no artigo 914.º do Código Civil, é de seis meses na vigência da primitiva redacção do artigo 916.º, por interpretação extensiva do artigo 917.º, ambos do mesmo Código.» O problema localiza-se no âmbito do contrato de compra e venda de coisa imóvel com defeito.

Por coisa defeituosa, para aquele efeito, entende-se a que sofra de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização desse fim (artigo 913.º). É o caso da deterioração de um andar para habitação, por defeitos de construção ou de carência de qualidades necessárias para a realização do seu fim, e que o desvalorizam.

Ora, entre os direitos do comprador para repor o equilíbrio contratual, baseado em princípios de justiça comutativa, figuram, além da anulação por erro ou dolo, a indemnização, a redução do preço e a reparação da coisa ou a sua substituição, se fungível.

Concretamente, o direito de o comprador exigir do vendedor a reparação da coisa encontra-se previsto no artigo 914.º, com a co-relativa obrigação do vendedor de repará-la, embora esta obrigação não exista se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padecia.

Mas nesta secção do Código Civil respeitante à venda de coisas defeituosas apenas está contemplada a caducidade da acção por simples erro, estabelecendo o artigo 916.º que o comprador deve denunciar o vício até 30 dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa (excepto se houver dolo do vendedor), acrescentando o artigo 917.º que a acção de anulação por simples erro caduca findo qualquer daqueles prazos sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses, estando cumprido o negócio.

Ora, a questão a dilucidar é a de saber qual o prazo a que está sujeito o direito de pedir judicialmente a reparação dos defeitos da coisa vendida.

Várias correntes de opinião têm vindo a debater-se.

Alguma doutrina e jurisprudência sustentam que a solução relativa à compra e venda de imóveis com vícios se deveria encontrar no regime da empreitada de imóveis destinados a longa duração, em que é estabelecido como prazo de denúncia do defeito o de um ano a contar da sua descoberta, como de caducidade da acção o do ano seguinte à denúncia e tudo dentro de cinco anos a contar da entrega, conforme o artigo 1225.º Radicam-se, porventura, no critério adoptado por Vaz Serra, que, no seu estudo sobre «Empreitada», o levou a incluir no articulado do anteprojecto relativo a este contrato um preceito que mandava aplicar o regime da responsabilidade da empreitada, ao vendedor do imóvel que o tivesse construído (cf. § 4. do artigo 25.º daquele «Estudo», no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 146, p. 234). Mas tal preceito foi eliminado na redacção definitiva do Código e nenhum outro o substituiu.

Sem norma expressa não pode ser adoptada tal solução. A empreitada, por um lado, e a compra e venda, por outro, são contratos especiais e apresentam uma disciplina jurídica própria com um regime específico sobre defeitos, sendo certo que a norma do artigo 1225.º prevê ainda um caso particular de empreitada de imóveis destinados a longa duração, pelo que, para além de não representar um princípio de carácter geral, não parece haver analogia que justifique a pretendida equiparação à compra e venda, tanto mais que não se está, no caso dos autos, perante venda de coisa futura, mas de prédios urbanos já construídos e um deles vendido por quem não foi o seu construtor, circunstâncias que arredam para mais longe ainda a aplicabilidade daquele normativo (v. Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 113., pp. 252 e segs.).

Como quer que seja, tanto o acórdão recorrido como o acórdão fundamento afastaram a integração analógica por via do artigo 1225.º e não está agora em causa redefinir o regime jurídico aplicável aos autos, mas decidir o conflito de jurisprudência surgido face aos dois acórdãos em oposição.

Ora, a oposição que se encontra posta nos autos é outra.

O acórdão fundamento - com base na circunstância de os defeitos de construção poderem vir a revelar-se só após tempo mais ou menos dilatado, e de não se deverem aplicar prazos especiais de caducidade a situações que não estejam clara e taxativamente definidas e concretizadas - remete, na falta de referência expressa da lei civil a um prazo de caducidade do exercício do direito de reparação, para os princípios gerais.

E como não há prazo geral de caducidade, a corrente de opinião em que ele se insere vem entendendo que o prazo será o de 20 anos da prescrição ordinária previsto no artigo 309.º Não se crê na sua aplicabilidade.

A caducidade tem por objectivo evitar o protelamento do exercício de certos direitos por lapsos de tempo dilatados, levando-os a que se extingam pelo decurso do prazo fixado. Prevalecem considerações de certeza e de ordem pública, no sentido de ser necessário que, ao fim de certo tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Estão em causa prazos peremptórios de exercício do direito.

Por seu turno, na prescrição avulta a ideia de negligência do titular do direito ao não exercê-lo durante certo tempo tido como razoável pelo legislador, e em que seria de esperar o seu exercício se nisso estivesse interessado, mas a extinção do direito verifica-se sem prejuízo de se manter a possibilidade do seu cumprimento como um dever de justiça, não podendo ser repetida a prestação. Trata-se de prazo a partir do qual o devedor se pode opor por não ser razoável o exercício do direito, embora seja possível exercê-lo (cf., por exemplo, Carvalho Fernandes Teoria Geral do Direito Civil, II, 1996, pp. 544 e 555).

É certo que tanto a prescrição como a caducidade têm pontos em comum, pois ambas se baseiam na inércia do titular do direito e são institutos que tem a ver com o tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas. Mas a verdade é que, quando um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição, assim como são aplicáveis ao não uso de um direito as regras da caducidade, na falta de disposição em contrário (artigo 298.º, n.º 2 e 3), pelo que não se encontra regra geral que faça prevalecer o regime da prescrição na falta do da caducidade.

Acresce que, tendo a caducidade por objectivo conferir certeza às situações jurídicas e solucionar com brevidade os conflitos, não pode deixar de se concluir que os prazos a ela respeitantes, incluindo os do direito de acção, são normalmente curtos. E para reforçar a tutela da boa fé instituiu ainda a lei, por vezes, em prazos também breves, obrigações de denúncia que, em matéria de defeitos da coisa comprada, constam do artigo 916.º. Ora, a aplicação do prazo de prescrição de 20 anos à acção de reparação por defeitos, nos termos referidos - em vez do de caducidade do artigo 917.º -, não só conduziria a uma indefinição anormalmente longa dos direitos e obrigações com perda do equilíbrio desejável para o relacionamento entre os dois contraentes e para a segurança do comércio jurídico, como suscitaria dificuldades acrescidas na ponderação da existência ou não e em que condições dos prazos de denúncia, que são garantia do vendedor.

Não se vê assim boa explicação, quer em termos de raciocínio do particular para o geral quer analógico, para que, em substituição de um inexistente prazo geral da caducidade do direito de acção, se vá buscar o prazo ordinário de prescrição, instituto com características e finalidades diferentes do anterior.

Seguindo outra via, o acórdão recorrido sustenta que a determinação do prazo de caducidade do direito de acção do comprador destinado a exigir do vendedor a reparação de defeitos do imóvel vendido, na falta de previsão legal expressa nesse sentido, se obtém por interpretação extensiva dos artigos 916.º e 917.º, relativos aos prazos de denúncia e de caducidade da acção de anulação por simples erro na compra e venda de coisas defeituosas, que serão aplicáveis.

Ora, de facto, a solução não pode deixar de ser alcançada por interpretação extensiva destas últimas regras, como, aliás, o tem entendido maioritariamente a jurisprudência.

Com efeito, e antes de tudo, os quadros legais a isso não se opõem, visto que esta modalidade de interpretação consiste, como se sabe, em fazer compreender na norma o que, embora não literalmente lá expresso, deve ser nela abrangido, tendo em consideração, designadamente, o pensamento legislativo e as condições específicas do tempo em que é aplicada (artigo 9.º), ou seja, estender a aplicação da norma a um caso que, embora não abrangido na sua letra, está compreendido no espírito da lei, e, por outro lado, é interpretação que se compadece com normas de tal natureza e ainda que fossem excepcionais, que não são (artigo 11.º). Em apontamento, dir-se-á que norma especial é aquela que visa disciplinar determinadas relações jurídicas por uma forma diferente da que vem no direito comum ou geral, embora sem oposição aos respectivos princípios; norma excepcional é aquela que colide com as normas gerais desviando-se delas.

Depois, razões de natureza histórica e sistemática inerentes à própria lei em vigor à data dos factos àquela solução conduzem Como se referiu, a posição assumida por Vaz Serra no sentido de equiparar o vendedor ao empreiteiro, sujeitando aquele a um prazo mais longo quanto aos vícios da coisa, não vingou.

Por outro lado, o artigo 921.º, que estatui sobre a garantia do bom funcionamento da coisa vendida, dispõe no n.º 2 que o prazo de garantia expira, no silêncio do contrato e se os usos não estabelecerem prazo maior, seis meses após a entrega da coisa; no n.º 3, que o defeito de funcionamento deve ser denunciado ao vendedor dentro do prazo da garantia e, salvo estipulação em contrário, até 30 dias depois de conhecido; e, no n.º 4, que a acção destinada a garantir o bom funcionamento da coisa vendida caduca logo que finde o tempo para a denúncia sem o comprador a ter feito ou passados seis meses sobre a data em que a denúncia foi efectuada.

Salientam a este propósito Pires de Lima e Varela, no Código Civil Anotado, II, 1986, p. 218, que aquela interpretação extensiva parece ter estado na intenção do legislador, já que critério diferente traria incompreensível desarmonia, pois que se o vendedor garantir o bom funcionamento da coisa vendida, o direito de obter a reparação extinguir-se-ia em curto prazo; não havendo garantia, o direito de obter a mesma reparação com base no artigo 914.º estaria sujeito ao prazo longo da prescrição.

Concordando com esta interpretação pode ver-se ainda Mota Pinto e Calvão da Silva, «Responsabilidade civil do produtor», in O Direito, ano 121., II, p. 292, e na jurisprudência, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 1979, de 26 de Junho de 1980, de 26 de Maio de 1981, de 19 de Janeiro de 1984 e de 19 de Novembro de 1988, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 292, p. 357, 298, p. 300, 307, p. 257, 333, p. 433, e 381, p. 690.

Anote-se, por fim, que o recente Decreto-Lei 267/94, de 25 de Outubro, veio trazer um reforço à interpretação que se vem sustentando, ao aditar ao artigo 916.º um n.º 3, que alarga os prazos da denúncia dos defeitos para um ano depois deles conhecidos e cinco anos depois da entrega, caso a coisa vendida seja um imóvel.

E, conforme resulta do preâmbulo do diploma, pretendeu inovar-se alargando o prazo para a denúncia dos defeitos e, bem assim, o período dentro do qual a denúncia é admissível, no caso do contrato de compra e venda a que se refere o artigo 916.º, no respeitante a imóveis.Em resumo, a interpretação defendida é a que melhor se adequa à legislação vigente à data dos factos referidos no acórdão recorrido.

Se ela, por vezes, não será a solução mais justa, nunca se poderá esquecer que o juiz não é o legislador e deve obediência à lei (artigo 8.º).

Por todo o exposto, nega-se provimento ao recurso, confirma-se o acórdão recorrido, condenam-se os recorrentes nas custas e uniformiza-se a jurisprudência nos seguintes termos:

A acção destinada a exigir a reparação de defeitos de coisa imóvel vendida, no regime anterior ao Decreto-Lei 267/94, de 25 de Outubro, estava sujeita à caducidade nos termos previstos no artigo 917.º do Código Civil.

Lisboa, 4 de Dezembro de 1996. - Ramiro Vidigal - José Martins da Costa (com declaração de voto que junto) - António Pais de Sousa (nos termos da declaração do conselheiro Martins da Costa) - Mário Fernandes da Silva Cancela - Manuel Nuno de Sequeira Sampaio da Nóvoa - António Costa Marques - Joaquim Fonseca Henriques de Matos - Fernando da Costa Soares (nos termos da declaração do conselheiro Martins da Costa) - Herculano de Lima - Fernandes de Magalhães (votei nos termos da declaração do Sr.

Conselheiro Martins da Costa) - Machado Soares - Manuel José Almeida e Silva - Torres Paulo - Fernando Fabião (votei nos termos da declaração do Sr.

Conselheiro Martins da Costa) - César Marques (de harmonia com a declaração do Ex. Conselheiro Martins da Costa) - Roger Bennett da Cunha Lopes - José Miranda Gusmão (vencido, nos termos da declaração de voto do Ex. Conselheiro Cardona Ferreira) - Cardona Ferreira (vencido, conforme declaração junta) - Agostinho Manuel Pontes Sousa Inês (vencido, nos termos da declaração de voto junta) - Metello de Nápoles (vencido, nos termos da declaração de voto do Ex. Conselheiro Sousa Inês) - Aragão Seia (vencido, nos termos da declaração do Ex. Colega Dr. Cardona Ferreira) - Ilídio Gaspar Nascimento Costa (vencido, subscrevo a declaração de voto do Conselheiro Cardona Ferreira) - Lopes Pinto (vencido, conforme declaração que junto) - José Pereira da Graça (vencido, nos termos da declaração do Conselheiro Sousa Inês).

Declaração de voto no processo 85 875

Votei a decisão mas entendo que, em rigor, não havia fundamento para o presente recurso, por falta do requisito de «soluções opostas» sobre a mesma questão fundamental de direito.

No acórdão recorrido tratava-se de venda feita pelo próprio construtor do prédio e, no acórdão fundamento, de prédio construído por empreitada contratada pelo vendedor, e essa diversidade de situações de facto era susceptível, no domínio da legislação anterior ao Decreto-Lei 267/94, de 25 de Outubro, de provocar diferentes soluções jurídicas sobre a caducidade da acção destinada à reparação de defeitos da coisa vendida.

Na verdade, no segundo caso havia um contrato de empreitada e, apesar de a venda ter sido feita pelo dono da obra, era justificada a subsistência da responsabilidade do empreiteiro, contra o qual aquele teria direito de regresso pelas despesas com a reparação da coisa, pelo que se poderia defender a aplicabilidade do prazo de caducidade previsto para a empreitada no artigo 1225.º do Código Civil; no outro caso, porém, não tendo havido qualquer contrato de empreitada mas só o de compra e venda, já a solução legal poderia ser diversa ou, pelo menos, não teria a mesma fundamentação.

Assim, e porque, como se tem sustentado, é aqui exigível uma relevante identidade de situações de facto, seria de considerar a inexistência de fundamento para o recurso, dando-se o mesmo como findo. - José Martins da Costa.

Declaração

Discordo da solução do projecto, salvo o devido respeito.

Já Cabral de Moncada ensinava que o direito tem de estar ao serviço da vida e que o pensamento deve acompanhar a evolução social, o que vale dizer, o próprio sentimento de justiça, naturalmente evolutivo (Filosofia do Direito e do Estado, 2. vol., v. g. 76 e 157). Nesta linha, o artigo 9.º do Código Civil não sublinha o pensamento do legislador mas, sim, o pensamento legislativo, e tem uma nota que, vincadamente, permite interpretação actualista (P. Lima e A. Varela, Anotado, I, 4. ed., p. 58), além de que o seu n.º 3 aponta para soluções concretas tanto quanto possível justas.

Os artigos 916.º e 917.º do Código Civil nem literalmente abrangem reparações e, mesmo que o fizessem, implicariam interpretação restritiva, afastando os bens imóveis, naturalmente de longa duração, sob pena de haver um progressivo afastamento entre a lei e a vida, e um locupletamento de construtores e vendedores menos conscienciosos. Penso que a solução sempre esteve na aplicação analógica do artigo 1225.º do Código Civil ou, pura e simplesmente, na observância das regras gerais. A orientação aplicadora do artigo 1225.º do Código Civil veio a ser consagrada pelo Decreto-Lei 267/94, de 25 de Outubro, que, nesse particular, a meu ver, só é inovador formal e literalmente. Por aqui me encaminharia, até porque, tratando-se de questão de direito, o Tribunal não está vinculado pelas soluções anteriormente discutidas.

Lisboa, 4 de Dezembro de 1996. - Cardona Ferreira.

Declaração de voto

Fiquei vencido.

A acção destinada à exigência de reparação de defeitos da coisa, nos termos do disposto no artigo 914.º do Código Civil, só está limitada no tempo pelo prazo geral do artigo 309.º do Código Civil.

A tese que fez vencimento importa interpretação extensiva do artigo 917.º do Código Civil.

Ora, a interpretação extensiva só cabe quando haja identidade ou maioria de razão.

Não é o caso.

Na hipótese do artigo 917.º do Código Civil está em causa a anulação do contrato, o que tem efeito retroactivo e afecta a segurança do comércio jurídico. Daí a necessidade de sujeitar a acção de anulação a um curto prazo de caducidade.

Não é assim na acção de eliminação dos defeitos da coisa em que o que se pede é o cumprimento do contrato (e não a sua destruição).

Nesta hipótese, a da acção de reparação, a segurança do comércio jurídico não está em causa. Falece a razão de ser do artigo 917.º do Código Civil.

Não há, por consequência, identidade ou maioria de razão que justifique a interpretação extensiva.

Pode dizer-se que terá sido de caso pensado que o legislador deixou de fora do artigo 917.º a acção a que se refere o artigo 914.º, ambos os artigos do Código Civil. É impensável que no artigo 917.º o legislador se tivesse «esquecido» da acção prevista três artigos acima.

Cf. Carlos Campos, in Tribuna de Justiça, n.º 47, p. 16, e Acórdão deste Tribunal de 4 de Maio de 1995 (Araújo Ribeiro), in Colectânea - Supremo, 1995, II, pp. 63 e segs.

Se o legislador do Decreto-Lei 267/94, de 25 de Outubro, tivesse querido sujeitar a acção de reparação de defeitos ao prazo de caducidade do artigo 917.º do Código Civil, então tê-lo-ia dito expressamente, alterando a redacção deste artigo 917.º do seguinte modo: «a acção, nos termos do artigo 914.º, e a acção de anulação por simples erro caducam [...]». Mais a mais que a questão, em 1994, já era alvo de interpretações divergentes. Se o legislador o não fez foi porque não quis limitar os direitos (o diploma em apreço é, todo ele, no sentido de ampliar os direitos do comprador), porque entendeu não sujeitar a acção nos termos do artigo 914.º a caducidade nos termos do artigo 917.º, ambos os artigos do Código Civil (a).

Não há oposição entre este entendimento e o que se dispõe no artigo 1225.º, n.º 4, do Código Civil, introduzido pelo referido Decreto-Lei 267/94, de 25 de Outubro.

Este artigo 1225.º, n.º 4, do Código Civil respeita à obrigação de indemnização por danos e só se aplica ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado, o qual não beneficia, dentro do prazo do preceito, da possibilidade de ilidir a presunção de culpa estabelecida no artigo 799.º do Código Civil. Presume-se juris et de jure a culpa do vendedor precisamente por ter sido ele o próprio construtor. É a circunstância de se presumir juris et jure a culpa que justifica a limitação no tempo da responsabilidade pelos prejuízos causados ao comprador.

O artigo 914.º do Código Civil respeita a uma outra obrigação do vendedor, a de reparação ou substituição da coisa defeituosa. Neste caso, também se presume a culpa do vendedor, nos termos do artigo 799.º do Código Civil, mas a presunção é juris tamtum, admitindo-se que o vendedor se exonere desta obrigação provando que «desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece» (artigo 914.º, in fine, do Código Civil). Reside aqui a justificação de esta obrigação do vendedor só se encontrar limitada no tempo nos termos do artigo 309.º do Código Civil (e não em termos paralelos aos do artigo 1225.º, n.º 4, do Código Civil).

Não vale invocar o disposto no artigo 921.º, n.º 4, do Código Civil.

Este preceito foi importado do Código Civil italiano (artigo 1512.º) onde se encontra integrado na secção respeitante à venda de coisas móveis.

A sua aplicação, no direito português, genericamente, a todas as compras e vendas, incluindo as de imóveis, está na origem de alguns equívocos.

A garantia do bom funcionamento não respeita a defeitos orgânicos da coisa, os chamados vícios redibitórios. A estes respeita o artigo 913.º do Código Civil.

Esta garantia respeita, por um lado, ao funcionamento da coisa e, por outro lado, à permanência no tempo do bom funcionamento.

As regras deste artigo só se compreendem em relação a máquinas ou aparelhos (coisas que realizam um trabalho), respeitando à continuação do desempenho do trabalho a que são destinados ao longo do tempo.

O que trata o preceito é da determinação da duração deste tempo.

Se alguém comprar a um artista um quadro a óleo e, ao fim de algum tempo, as tintas, dada a sua má qualidade, se desfizerem, transformando-se o quadro num borrão, cabe subsumir a situação nos artigos 913.º e seguintes do Código Civil, e não no artigo 921.º do mesmo Código. Trata-se de vício orgânico e não de vício funcional.

Na venda de coisas defeituosas há que começar, em obediência ao disposto no artigo 913.º, n.º 1, do Código Civil, por observar, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, ou seja, a que regula a venda de bens onerados.

Na venda de bens onerados ocorre um vício jurídico; na venda de coisas defeituosas ocorre um vício material.

A obrigação do vendedor que, na venda de bens onerados, corresponde à obrigação de reparação ou de substituição de coisa, na venda de coisas defeituosas, é a obrigação de fazer convalescer o contrato (artigo 907.º do Código Civil). Existe perfeita correspondência entre estas duas obrigações, respectivos direitos e acções.

A harmonia que deve existir no sistema aponta no sentido de as duas acções se regerem por idênticas normas. E é o que se determina do já aludido artigo 913.º, n.º 1, do Código Civil.

Assim, se a acção destinada a exigir ao vendedor o cumprimento da obrigação de fazer convalescer o contrato não se encontrar sujeita a prazo de caducidade semelhante ao do artigo 917.º do Código Civil, então também a acção destinada a exigir ao vendedor o cumprimento da obrigação de reparação ou substituição não está sujeita àquele prazo de caducidade.

É o que resulta do disposto no artigo 913.º, n.º 1, do Código Civil; é a exigência da harmonização do sistema; é o que melhor tutela o interesse do consumidor que, hoje, prefere ao interesse do comerciante.

(a) No relatório do Decreto-Lei 267/94, de 25 de Outubro, o legislador refere-se enfaticamente ao «direito do cidadão enquanto consumidor» e a que «o cidadão adquirente assume, economicamente, uma posição mais desprotegida». Para a seguir realçar as divergências evidenciadas pela jurisprudência dos tribunais superiores.

Agostinho Manuel Pontes de Sousa Inês.

Voto de vencido

1 - Embora os acórdãos fundamento e recorrido tenham afastado a aplicação do artigo 1225.º do Código ivil e a oposição entre ambos se situe ao nível da definição do prazo de caducidade entre os artigos 916.º e 917.º do Código Civil (acórdão recorrido) e o recurso aos princípios gerais (acórdão fundamento), crê-se que nada impede que, ditando o direito aplicável, o pleno conclua pela aplicabilidade do disposto no artigo 1225.º do Código Civil.

2 - Em acção destinada a exigir reparação de defeitos do imóvel destinado a longa duração, quando o réu for simultaneamente o vendedor e o seu construtor (ou os seus sucessores), não se devem dissociar estas qualidades a menos que o autor o tenha expressamente feito.

Uniformizaria a jurisprudência no sentido da aplicabilidade do disposto no artigo 1225.º do Código Civil e revogaria o acórdão recorrido. - Lopes Pinto.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1997/01/30/plain-79348.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/79348.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1994-10-25 - Decreto-Lei 267/94 - Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações

    Altera o regime da propriedade horizontal constante do Código Civil aprovado pelo Decreto Lei 47344, de 25 de Novembro de 1966 e o Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto Lei 224/84, de 6 de Julho.

  • Tem documento Em vigor 1995-12-12 - Decreto-Lei 329-A/95 - Ministério da Justiça

    Revê o Código de Processo Civil. Altera o Código Civil e a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais

  • Tem documento Em vigor 1996-09-25 - Decreto-Lei 180/96 - Ministério da Justiça

    Revê o Código de Processo Civil, altera o Decreto-Lei 329-A/95 de 12 de Dezembro que o reviu e republicou e rectifica algumas inexactidões na republicação do Código em anexo ao citado diploma.

Aviso

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