José Gregório Xavier e mulher, Dr. Bárbara Rosemarie Scotman Xavier, e Marcelino António Xavier e mulher, Ana Maria Abreu Xavier, com os sinais dos autos, interpuseram recurso para o tribunal pleno do Acórdão deste Supremo proferido em 1 de Fevereiro de 1995, no processo 84 550, 1.ª Secção, que movem a Jaime Rodrigues Figueira e mulher, Hermínia Maria da Silva Rodrigues Figueira, Companhia de Seguros Bonança, E. P., e Região Autónoma da Madeira, por o terem como lavrado em oposição com o Acórdão deste Supremo proferido em 9 de Dezembro de 1993, publicado na Colectânea de Jurisprudência - Supremo Tribunal de Justiça, I, n.º 3, pp. 174 e seguintes.
Por seu Acórdão de 5 de Dezembro de 1995, verificou este Supremo a oposição de decisões e definiu a questão fundamental - «o disposto no artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil proíbe ou não uma condenação por dívida de valor em montante superior ao pedido, quando esse excesso resulte da sua actualização?» Pontos de partida comuns a ambos os acórdãos em oposição: a actualização oficiosa da dívida de indemnização e a sua qualificação como de valor.
Alegando, defendem os recorrentes a revogação do acórdão recorrido (considerando que o artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil constitui uma regra de proibição absoluta, não admitiu uma actualização que excedesse o montante do pedido - a ressalva a fazer impõe-se àquela regra), resolvendo-se o conflito no sentido do acórdão fundamento (este admitiu-a).
Por seu turno, os recorridos pugnam pela manutenção do acórdão recorrido.
Em seu douto parecer, pronunciou-se o Ministério Público naquele sentido:
«Não viola o disposto no artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil uma condenação por dívida de valor em montante superior ao pedido, quando esse excesso resulte da actualização monetária.» Colhidos os vistos.
Decidindo:
1 - Mantêm-se os pressupostos requeridos no artigo 763.º do Código de Processo Civil, cuja ultravigência já foi reconhecida por este alto Tribunal para os recursos pendentes à entrada em vigor do artigo 17.º do diploma que aprovou a nova redacção do Código de Processo Civil, Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, distribuído em 3 de Janeiro de 1996 (Acórdão de 9 de Janeiro de 1996, processo 88 196, 1. Secção), como é o caso dos autos.
2 - Uma das traves mestras do nosso processo civil declaratório é o princípio dispositivo pelo qual as partes dispõem do processo, como da relação jurídica material (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 347).
Corolários deste princípio são, entre outros, a necessidade de impulso processual (Código de Processo Civil, artigo 264.º, n.º 1), quer o inicial quer o subsequente, e a correspondência entre o requerido e o pronunciado , expressão de Calamandrei, ut M. de Andrade (ob. cit., p. 348), sem esquecer a necessária relação entre a causa de pedir e o pedido (Vaz Serra, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 109, p. 314) exigida pelo disposto nos artigos 193.º, n.º 2, alíneas a) e b), e 498.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
O princípio do pedido, como se pronunciou este Supremo Tribunal (v. Acórdão de 3 de Junho de 1993, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 428, p. 562), é um princípio axial que atravessa todo o processo civil e se manifesta em diversos preceitos do Código de Processo Civil [designadamente os artigos 3.º, n.º 1, 193.º, n.º 2, alínea a), 467.º, n.º 1, alínea d), e 661.º, n.º 1] e se impõe a todos os tribunais, independentemente do seu grau hierárquico.
O artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ao dispor que «a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir», consagra a velha máxima ne eat judex ultra vel extra petita partium.
Desta disposição apenas interessa aqui o limite estabelecido no aspecto quantitativo.
Este limite afirma-se quanto ao valor global e não quanto ao parcial, correspondente a cada uma das várias parcelas em que o quantum pedido se possa decompor.
Ambos os acórdãos tiveram a dívida de indemnização como dívida de valor e, como tal, subtraída ao princípio nominalista do artigo 550.º do Código Civil, mas passível de correcção monetária (Código Civil, artigo 551.º), e decidiram a sua actualização, conquanto não pedida, ex officio pois.
Enquanto no acórdão fundamento essa actualização ultrapassou quantitativamente o pedido, no acórdão recorrido negou-se essa possibilidade, embora, por força da intangibilidade do acórdão da Relação (os réus dele não interpuseram revista quanto ao segmento que naquele os condenava em montante superior - 23 860 000$ - ao pedido - 17 460 270$), tivesse de aceitar um certo «excesso», revogou, no restante, o acórdão da Relação a fixar o valor de 28 000 000$.
Pedido é a pretensão do autor [Código de Processo Civil, artigo 467.º, n.º 1, alínea d)], «é a enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar», «o direito para que ele solicita ou requer a tutela judicial e o modo por que intenta obter essa tutela (a providência judiciária requerida)» (autor e ob. cit., p. 107).
O autor, ao concluir a sua petição (isto sem prejuízo da sua posterior modificabilidade, em sentido amplo, onde e quando for admitida), deve formular o pedido, «dizer com precisão o que pretende do tribunal - que efeito jurídico quer obter com a acção» (A. Varela, Manual de Processo Civil, p. 245, nota 1).
A este se refere expressamente o artigo 498.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Sem pedido não existe requisição da tutela jurisdicional para a pretensão processual individualizada, como escreveu M. Teixeira de Sousa, citando Schönge-Schröeder-Niese (in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 325, p. 105).
3 - Decorre daqui que, em princípio, não pode o tribunal ultrapassar quantitativamente o pedido.
Mas o tribunal conheceu oficiosamente de um facto (flutuações do valor da moeda).
«Em eventualidades estritas, o tribunal pode apreciar oficiosamente matéria de facto. Os factos reconduzíveis a esta situação são os factos de conhecimento notório, aqueles que são conhecidos de uma opinião pública que os toma por indiscutíveis, e os factos de conhecimento judicial, aqueles que são conhecidos do tribunal pelo exercício da sua actividade jurisdicional.» (M. T. de Sousa, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 325, p. 71.) Uma tal situação, em que o tribunal se socorre do disposto no artigo 514.º do Código de Processo Civil, autorizará uma excepção àquela regra contida no artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (aqui, repete-se, apenas há que cuidar quanto ao limite quantitativo) e que mais não é que um mero corolário do princípio dispositivo? A. Varela afirma estar-se «numa área que constitui o núcleo irredutível deste princípio. Os tribunais são órgãos incumbidos de dirimir os conflitos reais formulados pelas partes, mas não constituem, no foro da jurisdição cível contenciosa, instrumentos de tutela ou curatela de nenhum dos litigantes» (ob.
cit., p. 675).
Ao autor incumbe formular e definir a pretensão. É um direito que lhe assiste mas, ao mesmo tempo, é um ónus que sobre si impende e cuja insatisfação - total ou parcial - contra si reverte.
No aspecto quantitativo, e apenas a este nos temos que reportar, o credor de uma dívida de valor não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos (Código Civil, artigo 569.º; cf. Vaz Serra, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 108, p. 235).
A actualização não corresponde a um dano no sentido em que o toma a lei civil [dano, cujo objecto é concretamente um bem jurídico, é essencialmente a frustração de um ou mais fins - Gomes da Silva, O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, p. 123; o dano é um mal causado a um homem através de um bem que lhe seria útil - Castro Mendes, Do Conceito Jurídico de Prejuízo, p. 24;
dano é a perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar, é a lesão causada no interesse juridicamente tutelado - A. Varela, Das Obrigações em Geral, I, p. 558]. É antes um desenvolvimento inerente à natureza da dívida e, como tal, o pedido formulado pode ser modificado na própria audiência de discussão e julgamento (Código de Processo Civil, artigo 273.º, n.º 2 e 3).
As partes dispõem do processo, como da relação jurídica material; ao tribunal incumbe dirimir conflitos reais; não é nem pode ser instrumento de tutela de nenhum dos litigantes.
Contém a nossa lei o princípio da estabilidade da instância (Código de Processo Civil, artigo 268.º), pelo que, citado o réu, a instância se deve manter a mesma quanto ao pedido, ressalvadas as possibilidades de modificação previstas na lei.
Considerando-se a desvalorização da moeda um facto notório, é dispensada a alegação e prova da mesma (Código de Processo Civil, artigo 514.º, n.º 1), devendo o tribunal extrair a consequência lógica resultante do facto de atender a um facto notório. Todavia, isso apenas dispensa a formulação do correspondente pedido até à concorrência do limite global do pedido efectivamente formulado. Doutro modo, estaria o tribunal a completar ou a alterar o pedido do autor.
Isto não é invalidado quer pelo disposto no artigo 663.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (este só se refere à situação de facto - cf. Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 112, p. 327, e respeita-se-a ao ser considerada a existência de um facto notório) quer no artigo 566.º, n.º 2, Código Civil (atende-se à teoria da diferença até onde o autor, que é quem pode dispor, o permite).
Gozando o autor, não só em teoria mas no concreto, do princípio dispositivo e não o tendo querido atempadamente exercitar (não o tendo feito, apenas à sua inércia pode atribuir o ter ou o poder ter de suportar, na totalidade, os efeitos da desvalorização) em toda a sua virtualidade, não pode, mais tarde, pedir ao tribunal - nem este o pode oficiosamente fazer - que supra a sua omissão.
Enquanto este se situa dentro do limite global do pedido não o extravasa mas se sponte sua ultrapassa esse limite global está a ir além do pedido formulado e, suprindo assim a omissão do autor, a ferir de nulidade a sentença [Código de Processo Civil, artigo 668.º, n.º 1, alínea e), e citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça].
4 - A certeza e a segurança do direito que se pretendem afirmar não contendem com o princípio da liberdade e da autonomia da vontade das partes nem com o da auto-responsabilidade das mesmas.
Por impressivas, de novo as palavras de M. de Andrade: «as partes é que conduzem o processo a seu próprio risco. Elas é que têm de deduzir e fazer valer os meios de ataque e de defesa que lhes correspondam (incluídas as provas), suportando uma decisão adversa, caso omitam algum. A negligência ou inépcia das partes redunda inevitavelmente em prejuízo delas, porque não pode ser suprida pela iniciativa e actividade do juiz. É patente a conexão deste princípio com o dispositivo» (ob. cit., p. 352).
Essa decisão não pode ser uma decisão surpresa, pois que essa fere inequivocamente o princípio do contraditório que com aqueles outros está conexionado, eles também violados (ainda recentemente H. Mesquita, retomando a lição dos processualistas, afirmou que a proibição contida no artigo 661.º, n.º 1, Código de Processo Civil foi tida «em rigorosa conformidade com o princípio do dispositivo e também para que não resulte violado o princípio do contraditório» - in Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 128, p. 251).
Tendo o processo uma estrutura dialéctica ou polémica, não se a respeita se o juiz, por sua iniciativa, suprir o que é ou resulta de negligência ou inépcia do autor.
Tem-se, pois, como rigorosa e juridicamente correcta a asserção que se lê no acórdão recorrido - a proibição de condenação em quantidade superior à do pedido é «justificada pela ideia de que compete às partes a definição do objecto do litígio, não cabendo ao juiz o poder de se sobrepor à sua vontade, e de que não seria razoável que o demandado fosse surpreendido com uma condenação mais gravosa do que a pretendida pelo autor».
Prevendo a lei processual a possibilidade de o autor modificar, até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, o pedido formulado de modo quantitativamente preciso se (Código de Processo Civil, artigo 273.º, n.º 2) a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, atendendo, por outro lado, à noção de pedido e vigorando entre nós, como traves mestras do processo civil, os princípios antes indicados, temos que se não pode considerar que «o pedido de condenação de uma dívida de valor co-envolve o da sua actualização em caso de desvalorização da moeda» (itálico nosso).
Com efeito, há que distinguir os aspectos substantivos dos processuais.
Porque o seu objecto não é «directamente uma quantia em dinheiro, mas uma prestação de outra natureza ou a atribuição de certo poder aquisitivo, sendo o dinheiro apenas um ponto de referência ou meio necessário de liquidação da prestação» (Acórdão da Relação do Porto de 15 de Março de 1993, in Boletim, n.º 425, p. 623), quer-se a dívida de valor, por natureza, actualizada tomando-se como medida a correcção monetária, razão por que admite que o tribunal proceda à actualização.
Estes aspectos substantivos não colidem nem são prejudicados com os processuais - não impedem que o tribunal proceda oficiosamente (como se referiu) nem que o mesmo deva continuar a respeitar os princípios dispositivo e do contraditório.
O conhecimento oficioso não pressupõe que o tribunal tenha de proceder à actualização no seu limite mas apenas que pode ir até ele se o autor na defesa do seu direito assim o requerer, se o pedido for nesse sentido (e, claro, se a correcção dever ser nessa medida).
A parte contrária não é colhida de surpresa pois que, à partida, conhece o duplo aspecto substantivo (actualização e seu limite) e o processual da oficiosidade, para os quais está preparada, e sempre será ouvida (pronunciando-se, caso o queira fazer, no sentido que entende melhor defender os seus interesses) em relação ao pedido, ainda que a ampliação seja pedida apenas antes de encerrada a discussão em 1.ª instância (Código de Processo Civil, artigos 273.º, n.º 2 e 3, e 663.º, n.º 1; este momento não tem de necessariamente se situar dentro de uma audiência de discussão e julgamento - há processos que não a admitem e outros há em que se não atinge essa fase; todavia, nem por isso deixa de haver discussão, sendo até ao seu encerramento em 1. instância que o pedido pode ser ampliado).
Permite a lei que, não havendo elementos para fixar a quantidade, o tribunal condene no que se liquidar em execução de sentença (Código de Processo Civil, artigo 661.º, n.º 2). Nesse processo, não pode o exequente, autor na acção declarativa (ou o reconvinte), formular um pedido de liquidação em quantidade superior - está delimitado pelos termos da condenação proferida, e a sentença apenas pode condenar no que se liquidar na sua execução dentro dos limites do pedido formulado (portanto, esta argumentação, embora reconduza o intérprete ao essencial da anterior, reforça-a). Não pode o executado ser surpreendido (surpresa face ao título, muito embora lhe venha a ser dada oportunidade, na execução, para se lhe opor, e a razão fundamental para tanto seria o excesso em relação ao título, pressuposto da liquidação) com uma liquidação da dívida (aqui, de valor), que foi condenado a satisfazer, em quantia superior ao que ligítima e licitamente poderia esperar (Código de Processo Civil, artigo 45.º, n.º 1).
Se não houvesse que considerar o pedido como uma manifestação da vontade do autor (recorde-se que a petição inicial é um negócio jurídico - Vaz Serra, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 109, p. 313) ou a entender-se que esta poderia ser modificada por terceiro (ainda que esse seja o tribunal), à margem e independentemente dessa declaração de vontade, com base em considerações de justiça material (que o próprio não pretendeu nessa extensão), não subsistiria motivo para essa mesma razão não dever ser invocada, oficiosamente ou não, numa liquidação em execução da sentença, o que contrariaria o suporte da própria liquidação e iria colidir com o disposto nos artigos 45.º, n.º 1, e 46.º, alínea a), do Código de Processo Civil (o título executivo forma-se na acção declarativa, sendo a sua sentença condenatória complementada pela de liquidação, sentença que constitui o limite da execução e da liquidação).
O pedido, indicando qual a medida de tutela que o autor pretende (seja por ter como a adequada in casu seja por diferente causa - altruísta, apenas para evidenciar a sem-razão do réu, ou outra) para a defesa do seu interesse - e não se lhe pode impor uma vontade de pedir mais nem é legítimo pressupor que essa vontade era no sentido de alcançar um montante superior do que efectivamente pediu quando até ao momento final (Código de Processo Civil, artigo 273.º, n.º 2) poderia ter pedido outro e superior montante, é ele quem define essa medida -, funciona assim como o limite máximo da condenação (o limite possível, pois) dentro do limite (substantivo, pois) da actualização.
Não sendo injuntiva a norma sobre a actualização da dívida de valor, é lícito ao autor não só renunciar à mesma como a parte da totalidade da extensão que a mesma pode conhecer.
Admitir-se a inexistência de limite processual violaria o contraditório (v., Boletim do Ministério da Justiça, n.º 427, pp. 11-14, o cuidado que a coordenação dos princípios dispositivo e do contraditório requereu quando da discussão e redacção do artigo 264.º, n.º 3, do Código de Processo Civil de 1995 - elucidativas as redacções propostas por Cardona Ferreira e A. Varela para a parte final do então artigo 9.º, n.º 2) e, por vezes, sem que o réu se lhe pudesse vir a opor [este não se esgota no simples ouvir a parte contrária;
pense-se, v. g., em condenação em montante irrecorrível - será inócua uma arguição da nulidade do artigo 668.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil se o tribunal que àquela procedeu mantiver o seu entendimento anterior de poder ir além do efectivamente pedido].
5 - Um dos princípios informadores do processo civil, e com consagração em todo o mundo civilizado, é o da igualdade das partes (princípio que os processualistas reconheciam mas entenderam dever ficar expresso na lei processual - artigo 3.º-A do Código de Processo Civil de 1995). Este princípio permanece válido ao longo de todo o processo, não se esgota neste ou naquele momento, antes subsiste.
Daí que uma eventual interpretação que pudesse autorizar, ainda que indirectamente, uma situação de desigualdade de armas seja de afastar.
A defesa do réu pode processar-se por excepção. Imagine-se que o réu opôs a um pedido do autor, para que se o condene no cumprimento de uma dívida pecuniária, a compensação com base numa dívida de valor e que, na sua formulação, é preciso (excepcione ou reconvenha, há um pedido; embora na primeira hipótese não tenha aplicação o disposto no artigo 273.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, o certo é que, também ali, procederia a ideia que preside à justificação da possibilidade de ir além do pedido - a justiça material, mas como se verá, ideia que, todavia, aqui não é posta de lado).
Excepcionando, formula o réu um pedido (Castro Mendes, DPC, II, p. 362) - em regra de sinal oposto, total ou parcialmente, mas que, inclusivamente, pela sua natureza, se pode não opor directamente à pretensão material do autor (v.
g., pedido de absolvição da instância por haver lugar a litisconsórcio) - e este constitui um limite à cognição do tribunal, inultrapassável mesmo que na preocupação de uma justiça material se queira dela excluir - rectius, ultrapassá-la - a vontade do real interessado. Ao réu não é lícito converter nem pretender que oficiosamente se converta a excepção de compensação em reconvenção se vier a concluir, a partir de certo momento, que o valor do seu contracrédito, por força da actualização, passou a ultrapassar o valor do crédito do autor.
Muito embora o termo «pedido», constante do artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, se reporte apenas ao do autor, prevaleceria para o do réu excipiente a mesma razão, pelo que não se justificaria uma desigualdade de tratamento, a menos que outras razões se lhe opusessem. Todavia, ver-se-ia limitado face à sua posição dentro do processo, não podendo ver procedente a actualização em toda a sua extensão (prima facie, uma norma que na sua previsão, considerasse como o n.º 3 do artigo 264.º do Código de Processo Civil de 1995 - v. discussão sobre o artigo 9.º, n.º 2, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 427, pp. 13-14 - «pretensão formulada pelo autor ou da excepção ou reconvenção deduzidas pelo réu», seria susceptível de anular essa limitação).
Por outro lado, excepcionada a compensação, fica o autor a saber, se aquela proceder, se nada receberá ou se ainda virá a receber algo. Seria surpreendido, vendo prejudicados os seus interesses, se, esperando receber, o tribunal tiver por totalmente extinto o seu direito pela realização do contracrédito do réu.
6 - Resta, por fim, analisar a questão sob a perspectiva da teoria da pressuposição (não da vontade conjectural ou hipotética, porquanto esta apenas poderia ser questionada se acaso aqui se devesse falar de negócio nulo ou anulado; A. Varela reconduz a pressuposição, em última instância, a esta, pois que a chamada vontade verdadeira ou pura no fundo desta não passa).
Poder-se-á falar aqui em «vontade não explicitada» (a condição não desenvolvida a que se referia Windscheid) geradora in casu não de uma ineficácia mas de uma modificação do negócio jurídico? Como declaração de vontade, que não de ciência, à interpretação da petição inicial são aplicáveis as normas contidas no Código Civil de 1967.
Se um autor recorre a juízo e pede a condenação do réu na satisfação de uma dívida de valor, quando formula o pedido, contempla já na sua quantificação (esta, a quantificação, não é o pedido nem tem de necessariamente o integrar;
porém, quando o pedido a tem como seu componente, cumpre à parte a sua indicação - ainda por força dos princípios dispositivo e do contraditório) a actualização reportada ao momento da propositura da acção.
Um dos princípios informadores do processo civil é o da celeridade processual e pode ter-se como dado adquirido que quem recorre a juízo pressupõe tal no seu espírito. Parafraseando M. de Andrade ( Teoria Geral da Relação de Jurisprudência, II, p. 405), do seu espírito está, pelo menos, arredada a «ausência de qualquer dúvida» sobre a celeridade processual.
E, adaptando os ensinamentos deste mestre (ob. cit., pp. 406-407), é seguro afirmar que tal pressuposição era conhecida ou cognoscível da parte contrária, a partir da sua citação, e que aquela está de harmonia com a própria finalidade (ou, pelo menos, com uma das finalidades) por si procurada ao recorrer à via judicial. Seguro também que esta modificação corresponde ao interesse do pressuponente (o autor), que não envolve injusto sacrifício para a contraparte (o réu) e que não viola o princípio da boa fé.
A aceitação desta modificação (tome-se-a como resultante de desenvolvimento ou como consequência do pedido primitivo) por parte dos tribunais esta ínsita, a par da consideração sobre a natureza da dívida de valor, na justificação do conhecimento oficioso da sua actualização relativa ao lapso de tempo decorrido após a propositura da acção.
De outro lado, a lei processual, que consagra o princípio da estabilidade da instância, não deixa desacautelada a parte, pondo à sua disposição, no que adjectiva a lei civil, a possibilidade de corrigir os efeitos de eventuais atrasos quando pelos mecanismos da organização judiciária e ou da administração da justiça e respectivos condicionamentos não for possível dar uma resposta rápida e segura a quem recorre à justiça.
Cabe perfeitamente na previsão da segunda parte do n.º 2 do artigo 273.º do Código de Processo Civil, a par de outras, a hipótese da demora na administração da justiça quando acompanhada do fenómeno inflacionário.
Tal como resulta claro da lição daquele mestre (ob. cit., pp. 407-408), o acolhimento da teoria da pressuposição não prescinde de uma concreta manifestação da vontade real - o pressuponente tem de, pretendendo a modificação do negócio jurídico, definir o seu interesse e de indicar a contraprestação que tem como aquela que restaura o equilíbrio económico por si visado.
Tais definição e indicação não cabem aos tribunais, que não são parte nem podem ser instrumentos de tutela de nenhum dos litigantes (cf. redacção para os artigos 264.º, n.º 1, 664.º e 3.º-A; do juiz requer-se «a atitude de ser e parecer imparcial», na expressão de Cardona Ferreira, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 427, p. 12). Cabe aos tribunais «a confirmação ou a não confirmação da pretensão determinada, ou pedido, que o autor lhes dirija, e não (em princípio) a descoberta de formas diversas da composição do litígio» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 1991, in Revista da Ordem dos Advogados, n.º 51, p. 525).
Uma interpretação actualista do artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil na base da teoria da pressuposição não é de acolher nem conduziria à solução oposta.
Não é de acolher - trata-se de doutrina bem anterior àquele normativo e bem conhecida do legislador, quer civil quer processual civil, que a consagrou onde e quando a teve como relevante - o que não sucedeu aqui - sempre sem ser como figura autónoma e sem carácter geral (para o Código Civil de Seabra, v.
M. de Andrade, ob. cit., pp. 408-409, e para o Código Civil de 1967, v. A. Varela, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 128, p. 237; em relação ao que se disporá com a nova redacção do Código de Processo Civil a conclusão é idêntica - esta diverge do discutido na Comissão de Revisão, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 427, p. 11, além de que «manifesto lapso» e «pressuposição» não são sinónimos e têm campos de aplicação diversos; se não inova quanto a factos instrumentais - [v. A. Varela, Manual, pp. 416-417, quanto aos essenciais «que sejam complemento ou concretização de outros [...] alegado(s) e resultem [...]» o disposto no artigo 264.º, n.º 3, afasta aquela teoria da pressuposição).
Não conduziria à solução oposta - não prescinde de uma concreta, e posterior à petição inicial, manifestação da vontade real na qual o autor defina o seu interesse e indique em que medida tem como restaurado o equilíbrio económico por si visado (mesmo com a redacção dada pelo Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, e que a nova versão - Decreto-Lei 180/96, de 25 de Setembro -, no que ora interessa, deixou intocada, continua a exigir-se a manifestação da vontade - artigos 264.º, n.º 3, 273.º, n.º 2, 3 e 5, 508.º, n.º 3 e 4, 661.º, n.º 1, 663.º, n.º 1, e 664.º).
7 - Se se percorrer o Código de Processo Civil, «pedido», ao longo das várias disposições que se lhe referem, comporta sempre uma manifestação da vontade real, pressupõe-na e têm-na como expressão quer definidora quer limitativa do efeito jurídico possível a decretar pelo tribunal. Raras são as excepções, mas aí intervém o legislador - v. g. artigos 500.º e 1033.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, e artigo 286.º, segunda parte, do Código Civil.
A solução não é encontrada através da mera literalidade (é «errada a concepção do direito como `texto', em termos apenas linguísticos, e não menos o seu pensamento metodológico, segundo uma simples análise interpretativa de textos ou enunciados linguísticos, já que em ambos há que considerar um essencial `mais' constitutivo e problemático-intencional [...] nem as `leis', em sentido jurídico, são simples `textos' no sentido e termos estritamente linguísticos nem a interpretação jurídica uma mera interpretação ou análise linguística [...] e antes [...] um acto normativo» - Castanheira Neves, Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 128, p. 231, e nota 803), embora esta a confirme ainda quando se proceda a uma sua interpretação actualista (Código Civil, artigo 9.º), mas antes por razões de fundo.
Tão-pouco representa uma prevalência da justiça formal sobre a justiça material - é o autor quem define o limite da sua pretensão, podendo-o ampliar mais tarde, e o tribunal, ao não o ultrapassar, respeita essa sua vontade. Na formulação da pretensão, quer da material quer da processual, há uma componente volitiva - o autor manifesta a sua vontade de que seja juridicamente tutelado o seu interesse e que essa tutela envolva a satisfação do seu pedido e na medida da sua formulação. O tribunal não pode conceder uma tutela não pretendida por aquele que a podia ter pedido mas o não fez, não lha pode impor em matéria onde pontifica a disponibilidade das partes.
8 - Uma nota final se justifica face à referência ao prazo razoável na redacção do artigo 2.º, n.º 1, do Código de Processo Civil dada pelo Decreto-Lei 329-A/95 e mantida pela do Decreto-Lei 180/96.
Não se a tem como inovadora - aplicável já no direito interno através do recurso ao disposto no artigo 6.º da CEDH (encontra-se um dos reflexos de tal na adaptação, mesmo assim tímida, da redacção do n.º 3 do artigo 486.º do Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei 242/85, de 9 de Julho, face à recusa que uma certa jurisprudência começava a opor às prorrogações do prazo da defesa quando esta era assumida pelo Ministério Público; os particulares já, por vezes, fundamentavam a chamada do Estado à responsabilidade no desrespeito que a morosidade judicial traduzia quanto a essa norma).
Essa referência, ainda quando transposta para o Código de Processo Civil, não autoriza, tal como antes o não autorizava, a transferência da responsabilização do Estado para os particulares, onerando-os com uma morosidade judicial que lhes não é imputável.
Justiça tardia não é justiça, diz o povo - e com razão, mas porque a questão se não coloca, em nosso entender, como de jurisprudência de interesses (sê-lo-ia se o problema fosse entre as partes e no respectivo equilíbrio, o que não sucede - é entre uma das partes e quem o não é - o Estado), não se pode onerar com isso quem por tal não é responsável.
Resumindo:
Pedido, na lei processual, não prescinde, antes pressupõe, tendo-a como sua definidora e limitativa, a vontade real de quem pede;
A actualização da dívida de valor tem como limites a vontade real de quem pede e o momento do encerramento da discussão em 1. instância;
A vontade real do autor a considerar é a manifestada na petição inicial se, entretanto, outra não tiver sido expressa;
O acórdão recorrido é de manter.
Termos em que se acorda em confirmar o acórdão recorrido e em uniformizar a jurisprudência no sentido de:O tribunal não pode, nos termos do artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, quando condenar em dívida de valor, proceder oficiosamente à sua actualização em montante superior ao valor do pedido do autor.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 15 de Outubro de 1996. - Lopes Pinto - Pereira da Graça - Manuel José - Almeida e Silva - Figueiredo de Sousa - Roger Lopes - César Marques - Sá Couto - Aragão Seia - Costa Soares - Machado Soares - Pais de Sousa - Mário Cancela - Sampaio da Nóvoa - Martins da Costa - Costa Marques - Miranda Gusmão - Sousa Inês - Cardona Ferreira - Herculano de Lima - Nascimento Costa - Joaquim de Matos - Metello de Nápoles - Fernandes de Magalhães - Ramiro Vidigal.
Declaração de voto
Como é sabido e ocioso repetir, as normas de processo civil, constituindo direito adjectivo, têm natureza instrumental, visando garantir aos cidadãos a tutela jurisdicional dos seus direitos subjectivos.Sendo, assim, inquestionável que o direito processual não pode deixar de ter por objectivo a reintegração mais eficaz e ponderada do direito ofendido, não deve a aplicação de uma das suas normas pôr em causa a realização efectiva desse direito, nomeadamente se inexiste negligência ou inépcia do respectivo titular.
Nesta perspectiva, o princípio enunciado mostra-se objectivamente correcto, mas, pela sua rigidez, pode conduzir a situações de flagrante injustiça.
Vejamos:
Como se diz, e bem, no acórdão, «a actualização da dívida de valor tem como limites a vontade real de quem pede e o momento do encerramento da discussão em 1.ª instância».
Podem, porém, surgir circunstâncias excepcionais e imprevisíveis que impedem o autor de manifestar correctamente a sua vontade real.
É o caso bem conhecido da extrema morosidade de alguns processos, que, devendo durar 1 ano, 2, no máximo, conseguem atingir uma duração de 5, 10 e mais anos, independentemente de negligência ou inépcia do autor, que por isso não deve sofrer o respectivo gravame.
A excessiva morosidade processual pode colocar o autor numa situação de não poder fixar o valor, sequer aproximado, do seu pedido.
Precisamente por isso, defendemos a seguinte redacção:
«O tribunal não pode, nos termos do artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, quando condenar em dívida de valor, proceder à sua actualização em montante superior ao valor do pedido do autor, salvo a acorrência de circunstâncias excepcionais e imprevisíveis, tal como a excessiva morosidade do processo, que tenham impedido o autor de manifestar correctamente a sua vontade real.» - Herculano de Lima.
Declaração de voto
Penso que este é dos tais casos em que mais se pode contrapor uma jurisprudência de valores e de interesses - o que vale dizer de realismo - a uma jurisprudência mais técnica ou mais formal. Ou, mais do que isso, se pode manifestar a perspectiva habitual ou a da evolução (para que aponta o artigo 9.º do Código Civil - cf. P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, I, 4.ed., p. 58).
Aliás, a lei de hermenêutica jurídica fala em pensamento legislativo e não em pensamento do legislador. Esta diferença de redacção há-de ter um significado.
Pese embora o facto de quer o projecto de acórdão ora em causa quer o acórdão ora recorrido estarem redigidos por conselheiros extremamente sabedores, preferiria a solução inversa, ou seja, a do acórdão fundamento, em síntese por três razões fundamentais:
1) A «ultrapassagem» literal ou nominal da dívida de valor referida no petitório não seria qualquer ampliação, o que faz cair pela base qualquer força ao argumento do não pedido de ampliação; seria, sim, a definição autêntica e não a simples leitura do pedido;
2) Não podemos esquecer ou ignorar o problema n.º 1 da justiça cível, que é o da não oportunidade decisória; quando as acções procedem, tal deve acontecer realmente e não apenas aparentemente. Permita-se-me que acrescente quanto me impressiona a actualidade das palavras do infante D.
Pedro para o seu irmão, o rei D. Duarte, no século XV (Oliveira Martins, Os Filhos de D. João I, p. 396):
«Parece-me, Senhor, que a Justiça tem duas partes: huma de dar a cada hum o que he seu, e a outra darlho sem delonga; e ainda que eu cuido q. ambas em vossa terra igualmente falecem, da derradeira som bem certo e esto faz tão grande dano em vossa terra que a muitos feitos aquelles que tarde vencem ficam vencidos.» (O itálico é meu.) 3) Problema seria: mas onde encontrar a linha de orientação para se saber que o processo demorou mais do que seria previsível pelo autor? Hoje até temos uma perspectiva, ainda que genérica, de resposta a esta questão. Tal resulta do sentido do prazo razoável a que se reporta o artigo 6.º da Convenção dos Direitos do Homem, que o Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, repescou para o artigo 2.º do Código de Processo Civil.
Isto, em breves palavras, o que penso sobre o assunto.
15 de Outubro de 1996. - Cardona Ferreira.
Declaração de voto
Não acompanho o passo do «resumo» onde se afirma que a actualização da dívida de valor tem como limite o momento do encerramento da discussão em 1.ª instância.O artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil diz dever considerar-se a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal; e o artigo 663.º, n.º 1, do Código de Processo Civil refere-se à situação existente no momento do encerramento da discussão.
Este último preceito não se refere ao momento do encerramento da discussão em 1.ª instância, como se lhe acrescenta no texto deste acórdão.
Ora, na relação é reaberta a discussão acerca da matéria de facto e, dentro de certos limites, em especial pelo que respeita à inflação, que, como facto notório, não necessita de alegação, é possível tomar em consideração factos modificativos do direito de modo que a decisão da relação corresponda à situação existente no montante do encerramento da discussão perante ela.
É isto mesmo o que se dispõe na lei, pois a disciplina do artigo 663.º, n.º 1, é aplicável ao julgamento da apelação por força do disposto no artigo 713.º, n.º 2, ambos os artigos do Código de Processo Civil.
Pelo que respeita à actualização da expressão monetária do valor da indemnização por força da inflação (facto notório), a data mais recente que pode e deve ser atendida pela relação, em caso de apelação, é a do encerramento da discussão perante ela. - Agostinho Manuel Pontes de Sousa Inês.
Declaração de voto
Sendo a obrigação de indemnizar uma dívida de valor (dívida cujo objecto não é directamente uma soma de dinheiro, mas uma prestação de outra natureza, intervindo o dinheiro como meio de liquidação), deve o tribunal, ao fixar o quantitativo necessário para ressarcir o lesado, tomar em conta a depreciação monetária: só desta forma se concederá ao lesado uma soma susceptível de reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.Não poderá sustentar-se que a actualização colide com o princípio dispositivo de que o artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil constitui clara emanação, na medida em que o pedido de condenação de uma dívida de valor co-envolve o da sua actualização no caso de desvalorização da moeda, de sorte a poder afirmar-se que a condenação se contém sempre dentro do pedido formulado.
O artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, quando diz que «a sentença não pode condenar em quantitativo superior [...] do que se pedir», não está senão a dizer que a expressão «quantia superior ao pedido» significa «quantia superior ao valor real do pedido».
Só com esta interpretação é que é possível conciliar o poder aquisitivo que a quantia pedida possuía no momento da propositura da acção com o momento da sentença, que, por vezes (e não raras), se distanciam (intercalam-se) por períodos superiores a 5, a 10 e mais anos.
Daqui que formularia a jurisprudência no sentido de:
O tribunal pode, nos termos do artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, quando condenar em dívida de valor, proceder à sua actualização em montante superior ao do pedido do autor.
Lisboa, 15 de Outubro de 1996. - José Miranda Gusmão.