Resolução do Conselho de Ministros n.º 180/96
O Programa do Governo, no capítulo reservado à defesa nacional, evidencia a especial prioridade que deverá ser dada à reestruturação das indústrias de defesa, tendo em vista a sua racionalização e viabilização económica. Estas indústrias carecem de profundas modificações, sob pena de a sua sobrevivência exigir ao Estado apoios financeiros incomportáveis no contexto da política de rigor orçamental e, nalguns casos, dificilmente justificáveis, tendo em conta o seu real valor estratégico. De facto, o conjunto das empresas apresentou, em 1995, prejuízos de cerca de 4100 milhares de contos, valor que se prevê possa atingir, no final de 1996, 3000 milhares de contos.
De um modo geral, estas empresas apresentam:
a) Baixa produtividade;
b) Nalguns casos, um número considerável de produtos desactualizados e linhas de produção inviáveis, mantidos operacionais por razões «estratégicas» não objectivadas;
c) Grande dificuldade ou incapacidade para competir no mercado internacional;
d) Modelos de gestão e «culturas empresariais» inadequadas às exigências dos mercados em que deviam actuar;
e) Tesourarias fortemente negativas, sem capacidade para negociar com a banca;
f) Ausência de enquadramento para a sua gestão estratégica.
A reestruturação destas empresas deve ser encarada no contexto das profundas alterações que o sector atravessa a nível internacional, nomeadamente na área geográfica da NATO, em consequência da redução generalizada dos orçamentos de defesa.
As linhas gerais da reestruturação em curso apontam para:
a) Privatização das empresas e integração das actividades em conglomerados de dominante «civil», orientados para o «duplo uso»;
b) Diminuição importante dos mercados nacionais, acompanhada de tendência para a redução do proteccionismo relativamente às indústrias nacionais;
c) Desaparecimento acelerado das actividades verticalizadas, substituídas por recurso extensivo a aquisição externa à empresa;
d) Reforço dos factores de «competitividade», prenunciando a abertura do sector à concorrência externa.
Esta actuação, que aponta para a criação a médio prazo de um mercado europeu unificado, terá como consequência o acentuar da importância, no processo decisório, da componente «racionalidade empresarial» em empresas de carácter totalmente civil e privado, privilegiando o papel das tecnologias de «duplo uso» e da «capacidade competitiva» como factores chave da sua sobrevivência em mercados tendencialmente abertos.
O novo ambiente que se desenha para estas indústrias exige uma ponderação cuidada do contexto em que a actividade se tem desenvolvido em Portugal, de modo a não inviabilizar a existência de empresas dedicadas às actividades de defesa com capacidade para competir a nível internacional, nomeadamente quando se trate de fixação de novas tecnologias em que a presença de um parceiro estratégico detentor de know-how e com implantação no mercado é uma condição necessária ao sucesso do projecto ou quando seja desejável uma mais profunda associação da iniciativa privada ao esforço de recuperação e desenvolvimento, nomeadamente no contexto da filosofia de «duplo uso».
Uma condição de sucesso das acções de reestruturação a desenvolver é, portanto, o ajustamento dos condicionalismos à actuação de empresas privadas no sector, o que implica a alteração do artigo 5.º da Lei 46/77, de 8 de Julho, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 449/88, de 10 de Dezembro.
No plano empresarial, o esforço financeiro elevado, a diversidade e complexidade dos problemas existentes e a profundidade das acções necessárias implicam a existência de um centro de decisão único, actuando segundo princípios de rigorosa gestão empresarial. Este objectivo deve ser prosseguido através da criação de uma sociedade holding, com o estatuto de SGPS, para onde serão transferidas as participações do Estado neste sector, que será o centro de implementação das decisões estratégicas relativas à indústria de defesa e que poderá possibilitar a gestão do conjunto das empresas por uma entidade especialmente vocacionada para a gestão -o IPE.
Deverá também ser da responsabilidade desta entidade o acompanhamento sistemático das negociações de aquisição de material de defesa com vista à definição e negociação das contrapartidas tecnológicas e a cooperação, na área empresarial, com os PALOP.
Este modelo de gestão deverá completar-se com a criação de uma estrutura que permita o diálogo e harmonização entre os interesses ligados às necessidades de defesa nacional, os constrangimentos impostos pela política orçamental do Governo e as exigências da «racionalidade empresarial» e em que deverão estar representados os diferentes sectores da Administração Pública ligados aos problemas do sector e as Forças Armadas.
Parte importante da capacidade nacional neste sector encontra-se ainda inserida na estrutura das Forças Armadas, constituindo os estabelecimentos fabris das Forças Armadas (EFFA). Também relativamente a eles é válida, em maior ou menor grau, quer a caracterização feita para as empresas quer o conjunto de problemas enunciados, pelo que se impõe a concretização das actuações indicadas no Programa do Governo, visando avaliar a sua justificação, viabilidade, estatuto jurídico e modelo de gestão.
Assim, deverá ser criada uma comissão para definir as acções de racionalização e viabilização dos EFFA e acompanhar a sua concretização. Esta comissão terá de trabalhar em estreita articulação com a SGPS e deverá ser dotada, desde a sua formação, de autonomia e meios humanos e financeiros adequados à concretização das tarefas fixadas.
Assim:
Com vista a concretizar estas orientações e nos termos da alínea g) do artigo 202.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolveu:
1 - Criar a Comissão de Reorganização das Actividades Industriais de Defesa (CRACID), com o objectivo de estudar a reestruturação dos EFFA e acompanhar a concretização das soluções aprovadas, devendo a sua missão, duração, composição e meios de actuação ser fixados conjuntamente pelos Ministérios da Defesa Nacional, das Finanças e da Economia no prazo de 30 dias.
2 - Como orientação para os trabalhos da CRACID relativamente aos EFFA, estabelecem-se as seguintes linhas de acção:
a) A função arsenal deverá continuar em princípio a ser prosseguida no âmbito das Forças Armadas, importando, em caso de autonomização de actividades, acautelar as garantias necessárias de apoio à instituição militar;
b) Outras actividades com natureza de apoio logístico apenas deverão manter-se no caso de não haver resposta alternativa na iniciativa privada ou, havendo, se uma análise rigorosa de custos for favorável à opção de manutenção;
c) As actividades de apoio social deverão ser enquadradas pelos organismos vocacionados para tal, designadamente o Instituto de Acção Social das Forças Armadas;
d) As actividades de natureza comercial e industrial não abrangidas nas alíneas a) e b) devem ser prosseguidas sob uma natureza jurídica que coloque tais entidades fora do âmbito institucional das Forças Armadas, sem prejuízo da participação em tais actividades dos EFFA que se mantenham;
e) As actividades relacionadas com a cooperação militar serão prosseguidas de acordo com os princípios referidos nas alíneas a), b) e d), sendo sempre entendidas como o aproveitamento de capacidade residual, e não inversamente, como a justificação para manutenção ou desenvolvimento de capacidade industrial no âmbito da instituição militar.
3 - Solicitar ao Ministro da Defesa Nacional para, no prazo de 30 dias, apresentar ao Conselho de Ministros:
a) Uma proposta, devidamente fundamentada, que habilite o Governo a propor à Assembleia da República a alteração do artigo 5.º da Lei 46/77, de 8 de Julho, com a redacção dada pelo Decreto-Lei 449/88, de 10 de Dezembro;
b) Uma proposta de reorganização do modelo de gestão das indústrias de defesa, prevendo a criação de uma sociedade holding, com o estatuto de SGPS (incluindo os meios financeiros necessários à viabilização do sector), e da estrutura de coordenação das diferentes entidades ligadas ao sector.
4 - A reestruturação das actividades ligadas à defesa nacional deverá obedecer às seguintes orientações:
a) Concentração progressiva das actividades e recursos redundantes em empresas específicas e criação de operadores especializados nas áreas de negócios com viabilidade, visando o aumento da produtividade para níveis competitivos;
b) Criação de empresas para desenvolver as actividades que apresentem viabilidade e capacidade para competir no mercado;
c) Selecção de parceiros estratégicos e definição dos modelos adequados de transferência de tecnologia;
d) Política de endividamento visando reduzir o esforço a exigir ao Orçamento do Estado, com utilização conjugada de garantias do Estado, dos recursos imobiliários e alienação de activos;
e) Utilização do orçamento de aquisições das Forças Armadas para assegurar uma base de actividade estável, a médio prazo, incluindo a contratualização da manutenção das capacidades estratégicas;
f) Privatização das empresas que se não dediquem ao fabrico directo de armamento;
g) Internacionalização.
Presidência do Conselho de Ministros, 10 de Outubro de 1996. - O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.