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Parecer 3/2025, de 13 de Fevereiro

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Sumário

Divulga o parecer sobre o projeto de Proposta de Lei n.º XX/2024 relativo à revisão e atualização do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES).

Texto do documento

Parecer 3/2025



Parecer sobre o Projeto de Proposta de Lei XX/2024 relativo à revisão e atualização do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES)

Preâmbulo

No uso das competências que por lei lhe são conferidas, e nos termos regimentais, após apreciação do projeto de parecer elaborado pelos conselheiros António Firmino da Costa, Ana Maria Leal Faria e Joel Azóia Rodrigues, o Conselho Nacional de Educação, em reunião plenária de 4 de fevereiro de 2025, deliberou aprovar o referido projeto, emitindo o presente parecer que se encontra disponível em www.cnedu.pt.

Enquadramento

No encontro solicitado pelo Senhor Ministro da Educação, Ciência e Inovação com o Presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) e com a sua Comissão Especializada Permanente de Educação Superior, Ciência e Tecnologia, realizado a 14 de janeiro de 2025, acerca do Projeto de Proposta de Lei XX/2024 sobre o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), foi acordado que o CNE, no seu conjunto, se iria pronunciar a este respeito no seu Plenário, agendado para 4 de fevereiro de 2025.

O CNE tinha já desenvolvido ao longo dos últimos dois anos intensa atividade de análise, debate e reflexão sobre a revisão do RJIES, nomeadamente nos trabalhos internos da sua Comissão Especializada Permanente de Educação Superior, Ciência e Tecnologia e no acompanhamento de encontros e debates promovidos pela Comissão Independente de Avaliação do RJIES nomeada pelo Governo em 2023, reunindo com esta e respondendo ao Inquérito por ela lançado. Respondeu ainda a solicitações da Assembleia da República sobre o tema, numa audição promovida pela sua Comissão de Educação e Ciência, em outubro de 2024, e enviando a essa mesma comissão parlamentar, em novembro seguinte, um contributo escrito sobre a revisão do RJIES. Toda esta atividade de análise, debate e reflexão está na base da elaboração deste Parecer.

A Lei 62/2007, de 10 de setembro, (RJIES) previa que a sua avaliação tivesse sido realizada ao fim de cinco anos. Acabou por se realizar passados mais de quinze anos, tendo dado origem a um Relatório da Comissão Independente de Avaliação do RJIES, publicado em novembro de 2023. Ao longo desses anos, não é surpreendente que tenham vindo a ocorrer múltiplas iniciativas, experiências e mudanças nas Instituições de Ensino Superior (IES) do país, sucedendo-se também variadas análises e controvérsias acerca do RJIES, procurando identificar os seus aspetos mais ou menos positivos e apontando a necessidade da sua revisão e atualização.

Também o CNE foi produzindo análises, debates e reflexões direta ou indiretamente relacionadas com a aplicação do RJIES, que, numa diversidade de casos, deram origem a Recomendações (Recomendação 4/2012, sobre Autonomia Institucional do Ensino Superior; Recomendação 4/2022, sobre Participação dos Jovens no Ensino Superior) e a Pareceres (Parecer 6/2007, sobre o Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior; Parecer 12/2018, sobre o Regime Jurídico de Graus e Diplomas do Ensino Superior; Parecer 4/2019, sobre a Aplicação da Lei 62/2007 - Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior), assim como, mais recentemente, o contributo atrás referido sobre a revisão do RJIES, de 6 de novembro de 2024, em resposta à solicitação da Comissão de Educação e Ciência da Assembleia da República.

No decurso desta última mais de década e meia, as instituições de ensino superior do país foram-se desenvolvendo, concebendo e concretizando estratégias tanto para o prosseguimento de dinâmicas e iniciativas internas como para o enfrentamento de uma ampla diversidade de problemas que foram emergindo ou que se foram acentuando no seu contexto externo, nacional e internacional. Entre estes, podem destacar-se problemas com que os estudantes se defrontam, como as desigualdades no acesso ao ensino superior, na escolha dos cursos, nas condições favoráveis a percursos de sucesso formativo e na inserção no mundo do trabalho; as necessidades de integração dos alunos estrangeiros e migrantes; as novas modalidades de resposta a estudantes já inseridos na atividade profissional, numa perspetiva atualizada de formação superior ao longo da vida; as dificuldades de inserção e progressão nas carreiras de professores e investigadores; os desequilíbrios na valorização das diversas vertentes da atividade dos docentes, designadamente as vertentes de ensino, investigação e extensão; as necessidades de formação pedagógica dos docentes e da sua atualização; ou, ainda, as crescentes exigências de colaboração e competição internacional.

Apesar destes e doutros constrangimentos e dificuldades, tem havido desenvolvimentos que importa ter em conta. Por exemplo, em 2023, 41,5 % da população com idades entre os 25 e os 34 anos tinha um diploma de ensino superior, enquanto em 2007 essa percentagem era de 21,4 %. O número de alunos a frequentar o ensino superior em 2024 era 448 235, o maior de sempre. Em 2022/2023 havia 18,7 % de alunos estrangeiros a frequentarem as instituições de ensino superior portuguesas. Nos mestrados e nos doutoramentos, as percentagens de alunos estrangeiros que os frequentavam eram, respetivamente, 26,1 % e 33,6 %.

Colocam-se contudo, ao mesmo tempo, questões relevantes que as instituições do ensino superior terão de enfrentar nos próximos anos relacionadas com aspetos que vão desde a gestão das capacidades de educação e formação das IES aos desenvolvimentos da Inteligência Artificial, desde o envelhecimento do corpo docente (em 2007 havia 26,7 % dos docentes com idade superior a 50 anos, enquanto em 2021 tal percentagem tinha subido para 46,8 %) à necessidade de melhorar os conhecimentos e as competências digitais de docentes e estudantes, passando pelos crescentes desafios de internacionalização, em especial de integração no espaço europeu de educação superior, ciência e inovação. Nestes termos, o RJIES deverá constituir, na sua forma revista e atualizada, um instrumento que contribua decisivamente para que as instituições de ensino superior possam enfrentar a complexidade, a imprevisibilidade e as profundas e rápidas transformações sociais, culturais, tecnológicas, económicas e políticas das sociedades atuais.

Neste parecer, e de acordo com o entendimento prevalecente nas várias reuniões levadas a cabo sobre o tema pela Comissão Especializada Permanente de Educação Superior, Ciência e Tecnologia do CNE, considerou-se pertinente destacar três questões fundamentais e abrangentes sobre a revisão do RJIES:

1 - Estrutura do Sistema de Ensino Superior;

2 - Governo e Organização das Instituições de Ensino Superior;

3 - Autonomia das Instituições de Ensino Superior.

Estas três questões principais, cada uma delas contendo alguns desdobramentos internos, são objeto de análise e apresentação de sugestões nas próximas secções deste Parecer.

Estrutura do Sistema de Ensino Superior

Sistema binário

A arquitetura geral do Sistema de Ensino Superior (SES) do país estrutura-se em torno de um elemento central, o sistema binário, integrando dois tipos de instituições de ensino superior - instituições universitárias e instituições politécnicas. Esse pilar estrutural do SES, com dois subsistemas, tinha sido consagrado, desde logo, na Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), de 1986, e foi depois retomado, de forma mais especificada, no Regimento Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), de 2007.

A razão de ser do sistema binário decorre da atribuição de missões diferenciadas a esses dois tipos de instituições de ensino superior, universitárias e politécnicas, de forma a responderem a diversas necessidades fundamentais do país. Num plano mais geral e de conjunto, todas as instituições de ensino superior têm a missão comum de proporcionar formações de nível de qualificação elevado, produzir e difundir conhecimento e contribuir para a cultura e o desenvolvimento do país. Contudo, num plano mais específico, a LBSE e o RJIES atribuem aos subsistemas universitário e politécnico missões distintas e complementares.

Entretanto, nas últimas décadas, a sociedade transformou-se muito, no mundo e em Portugal, e o conhecimento avançou igualmente de forma muito significativa. Os sistemas de educação superior não ficaram alheios a essa evolução, e o próprio SES nacional registou, também, variadas dinâmicas e iniciativas de mudança e diversificação - embora de forma dispersa. Entre outros desenvolvimentos, as universidades têm vindo a realizar, cada vez mais, atividades formativas de caráter profissionalizante; por sua vez, os institutos politécnicos procuraram, e obtiveram recentemente, a capacidade de organizarem programas doutorais próprios, assim como a possibilidade de usarem no âmbito internacional a designação de Polytechnic University.

Em princípio, o sistema binário deveria ser estruturante do RJIES, levando a que as missões principais do SES, necessárias para o país e para o seu desenvolvimento, fossem asseguradas por Instituições de Ensino Superior com vocações e capacidades diferenciadas e complementares. No entanto, a realidade tem evoluído, sobretudo, em sentido contrário. Algumas das dinâmicas e iniciativas das instituições universitárias e das instituições politécnicas, como as acima referidas, não reforçam objetivamente o carácter binário do SES, antes abrem caminhos de aproximação a um sistema uniforme.

De algum modo, compreende-se: o mundo e o ensino superior estão em mudança, e as IES procuram acompanhar essas transformações. No país, várias ações que, na realidade, contribuem para a convergência num sistema uniforme, têm sido acompanhadas por declarações retóricas a favor da manutenção do sistema binário.

Perante tudo isto, poder-se-ia julgar ser mais claro decretar o fim do sistema binário e assumir daqui para a frente a vigência de um sistema uniforme. Desse modo, a desejável diferenciação das IES ficar-se-ia apenas por iniciativas individuais protagonizadas por cada uma dessas IES, sem que uma estrutura de cunho diferenciador as enquadrasse a nível de conjunto do SES. Infelizmente, em grande parte dessas iniciativas, nas últimas décadas, tem-se assistido sobretudo a atuações de imitação, e não tanto a processos de efetiva diferenciação. São coisas diferentes. A imitação não conduz a diferenciação, mas, pelo contrário, a mais uniformização.

No âmbito da necessária revisão e atualização do RJIES, conviria não deixar de tomar em conta as mudanças identificadas na sociedade, no conhecimento e no próprio SES, e, em simultâneo, não deixar de garantir que o SES responda ao leque diferenciado de necessidades do país quanto a: a) formações de nível superior, com qualidade e atualização; b) produção de conhecimento avançado, fundamental e aplicado; c) transferência e valorização dessas formações e desse conhecimento no desenvolvimento tecnológico, económico, social e cultural do país e dos seus vários territórios.

Nestas circunstâncias, nem a versão de sistema binário rígido inscrita no RJIES da Lei 62/2007 corresponde aos factos, nem uma hipotética inflexão drástica para um eventual sistema uniforme permite uma diferenciação suficientemente estruturada e atualizada do SES que garanta as missões fundamentais necessárias para o país e para o seu desenvolvimento.

Uma melhor solução seria continuar a adotar no RJIES uma arquitetura binária do SES, mas mais flexível. Desse modo, poder-se-á potenciar a iniciativa e a diversificação por parte das IES, mas assegurando, ao mesmo tempo, que as várias missões fundamentais do ensino superior para o país sejam garantidas pelo SES. Em concreto, as IES:

a) Continuariam a ter uma missão predominante diferenciada, nuns casos de instituição universitária e noutros casos de instituição politécnica (ou de instituição universitária politécnica);

b) Num plano geral, passariam a ter autonomia de realizar, em princípio, quaisquer atividades típicas do ensino superior (os três graus de ensino superior; investigação fundamental e aplicada; modos de relação diversificados com o território, a economia e a sociedade), de acordo com as vocações, objetivos, capacidades e iniciativas de cada IES, e de acordo com as correspondentes condições legais, financeiras e de acreditação;

c) Num plano mais específico, e a par de atividades comuns como as referidas na alínea anterior,

As instituições universitárias teriam de assegurar ao país a missão de formação teórica avançada e de investigação fundamental e interdisciplinar;

As instituições politécnicas teriam de assegurar ao país a missão de formação técnica avançada e profissionalizante e de atividades de investigação aplicada, em ligação próxima com os seus territórios de inserção.

Em suma: em vez de um “sistema binário rígido” ou de um “sistema unificado puro”, o RJIES passaria a adotar para o SES um “sistema binário flexível”.

O Projeto de Proposta de Lei XX/2024 sobre o RJIES apresentado pelo Governo parece confluir com esta noção de sistema binário flexível, o que se considera positivo. Nos Artigos 3.º, 5.º, 6.º e 7.º, designadamente, são expressos quer os objetivos comuns, quer as missões diferenciadas atribuídas às instituições de cada um dos subsistemas, embora de forma não rígida, mas tendencial ou predominante, o que converge com a conceção de sistema binário flexível. Deste modo, o RJIES poderá ajudar a que as IES orientem as suas estratégias contemplando em simultâneo um foco nítido e uma diversificação consistente.

Complementarmente, o estabelecimento de consórcios entre IES ou com outras entidades de investigação científica e tecnológica, públicas ou privadas, possibilita densificar a estrutura do SES de forma ágil e diferenciadora (Artigo 17.º). Ao nível das IES, permite a cada uma manter a sua identidade e autonomia, conjugando ao mesmo tempo recursos e competências, alargando a escala das suas atividades e carreando novos fatores de dinamização e diversificação.

É ainda de anotar, quanto à missão do ensino superior no seu conjunto, que o Artigo 2.º inclui agora novos elementos muito positivos, nomeadamente no n.º 2 (liberdade de pensamento, juízo crítico, procura do conhecimento como fim em si mesmo), no n.º 3 (investigação aplicada e suas contribuições), no n.º 6 (ligação à sociedade e valorização económica do conhecimento) e no n.º 7 (disponibilização de recursos para as ações das IES visando contribuir para a compreensão e difusão pública da cultura humanística, artística, científica e tecnológica).

Requisitos das instituições de ensino superior e do corpo docente e investigador

Em relação estreita com o sistema binário, coloca-se a questão dos requisitos de cada um dos tipos de IES e dos requisitos do seu corpo docente e investigador. A este respeito, o projeto de proposta de lei agora em apreciação não apresenta avanços significativos relativamente à Lei 62/2007. Contudo, perante a evolução do ensino superior na última década e meia, seria de não desperdiçar esta oportunidade para elevar os patamares de exigência dos requisitos das instituições de ensino superior e dos seus professores e investigadores. É um objetivo necessário e desejável, atendendo às dinâmicas de mudança verificadas neste período, tanto no Sistema de Ensino Superior nacional como no âmbito internacional da educação superior, ciência e inovação.

Assim, parece importante haver maior ambição e elevar os níveis de requisitos. Seria pertinente, desde logo, tomar como referência que cada instituição universitária possa dispor, no mínimo, no conjunto dos seus professores e investigadores de carreira, de um doutorado por cada 20 estudantes - em vez de um por cada 30 estudantes, como estabelecido até agora no RJIES (Artigo 47.º, n.º 1, b). Do mesmo modo, cada instituição politécnica passaria a ter de dispor, no mínimo, para o conjunto dos seus professores e investigadores de carreira, um detentor do grau de doutor ou do título de especialista por cada 20 estudantes - em vez de um por cada 30 estudantes, como até agora no RJIES (Artigo 49.º, n.º 1, b).

A questão não é tanto o valor exato; poder-se-ia também, por exemplo, estabelecer para esse rácio mínimo um intervalo de 25-20, contemplando períodos de transição razoáveis para atingir esse patamar. E poder-se-ia modulá-lo consoante o tipo de IES. O que parece realmente importante, após mais de quinze anos do RJIES, é apontar para um horizonte mais exigente. Esta maior exigência no(s) rácio(s) de professores e investigadores doutorados (ou especialistas) por número de estudantes parece condição fulcral para uma elevação da qualidade científica e pedagógica na educação superior em Portugal.

Outro exemplo importante de maior exigência nas IES seria a elevação, face a década e meia atrás, do número mínimo de cursos de licenciatura, mestrado e doutoramento, consoante o tipo de IES - universidades, institutos universitários e institutos politécnicos (Artigos 42.º, 43.º e 44.º). Nas novas universidades politécnicas (Artigo 43.º-A), seria apropriado estabelecer requisitos semelhantes ou aproximados aos das universidades do outro subsistema de ensino superior. Em todo o caso, seria também de contemplar períodos de transição para esses requisitos.

Três outros elementos de exigência aumentada a considerar nos requisitos das IES e seu corpo docente e investigador, até agora ainda não explicitados no RJIES nem na proposta de revisão agora em apreciação, são os seguintes:

a) Rácios mínimos entre estudantes de pós-graduação (mestrado e doutoramento) e estudantes de licenciatura, com patamares diferentes consoante os tipos de IES;

b) Números mínimos de estudantes de cada tipo de IES, tomando em consideração a realidade demográfica dos seus territórios de inserção;

c) Cargas horárias e tabelas remuneratórias iguais para categorias equivalentes nas instituições universitárias e politécnicas.

Neste âmbito, seria de impulsionar, no RJIES, o estabelecimento de consórcios entre IES (Artigo 17.º), nalguns casos com vista a poderem atingir dimensão crítica necessária para a obtenção de certos requisitos mínimos; e, em geral, para a elevação de níveis de qualidade, diferenciação e inovação.

Relativamente a todo esse conjunto de níveis de exigência, e como se começou já a assinalar atrás, seria de estabelecer no RJIES determinados períodos de transição para que as IES até agora situadas abaixo de alguns desses requisitos, mas que tenham como objetivo alcançá-los, possam corresponder em prazo razoável.

Um requisito um pouco diferente, mas que será cada vez mais necessário, relaciona-se com o alargamento da oferta nas IES, com funcionamento apropriado, de modalidades de formação ao longo da vida a nível de ensino superior. Ela é necessária para que os cidadãos adultos acompanhem as transformações rápidas da sociedade atual, quer do ponto de vista tecnológico e económico, quer do ponto de vista social e cultural; e para que a economia do país disponha de força de trabalho mais qualificada abrangendo todos os segmentos etários de adultos inseridos na vida ativa, permitindo atingir com rapidez níveis mais elevados de produtividade e inovação no sistema económico nacional.

Em todo o caso, importa não só promover a vinda de adultos para a formação no ensino superior - quer em formações de pós-graduação e de curta duração, quer em cursos técnicos superiores profissionais (CTeSP) e nos vários graus (licenciatura, mestrado, doutoramento), enquanto formação inicial ou de reconversão, atualização ou progressão - mas proporcionar-lhes também condições de acolhimento e funcionamento apropriados a pessoas em fases maduras do ciclo de vida, em geral com atividade profissional e responsabilidades familiares.

Nesse sentido, importará criar horários mais favoráveis, dar maior flexibilidade aos trajetos individuais de concretização dos planos de estudos, viabilizar e promover o regime de estudante a tempo parcial, implementar um sistema alargado de microcréditos e ajustar as práticas pedagógicas, não só para os jovens provenientes diretamente do ensino secundário, mas também para esses novos públicos maduros. Seria interessante que um RJIES renovado consagrasse e incentivasse, para as IES, objetivos e condições de ensino superior dirigidos a esses estudantes.

Perante a necessidade de uma cada vez maior exigência de qualidade do SES nacional, e no âmbito da sua cada vez maior integração no espaço europeu de ensino superior, o corpo docente das IES precisará de ser cada vez mais qualificado e com melhores condições de atuação na docência, na investigação, na transferência e valorização do conhecimento para a economia e a sociedade, e ainda na gestão académica.

Deste modo, a revisão do RJIES ganharia em estabelecer limiares mais atualizados e avançados face à situação presente, quanto aos seguintes parâmetros relativos ao corpo docente das IES, como:

a) Maior proporção de professores e investigadores doutorados por número de estudantes, já acima referida;

b) Maior proporção de professores e investigadores em dedicação exclusiva ou tempo integral, comparativamente aos em tempo parcial;

c) Maior proporção de professores e investigadores com contratos permanentes, por comparação com os de contratos precários.

No conjunto, estes aumentos do grau de exigência relativos ao corpo docente, a serem consagrados no RJIES, pressupõem, no caso das IES públicas, garantias de reforço de financiamento correspondente nos orçamentos de Estado.

Seria também importante indicar, de maneira clara, que o recurso a docentes convidados é pertinente, mas na medida em que eles tragam efetiva experiência profissional em atividades específicas realizadas em diversos setores da economia e sociedade.

Nos requisitos do corpo docente das IES politécnicas, os especialistas (Artigo 48.º) merecem uma anotação adicional. Seria relevante destacar mais, no RJIES, a importância destes especialistas para o cumprimento da missão das instituições politécnicas e, por conseguinte, a sua valorização nestas IES. O RJIES poderia contemplar uma revisão do regime do título de especialista, em especial na especificidade dos critérios apropriados ao seu recrutamento e à sua avaliação, na definição de uma carreira própria e na garantia de que não perdem o seu perfil profissionalizante, assegurando-lhes a possibilidade de continuarem ligados à sua profissão original.

Por outro lado, a nova proposta de RJIES apresentada pelo Governo, no Artigo 7.º, n.º 3, aponta que “as instituições de ensino politécnico que conferem o grau de doutor podem adotar a designação de «universidade politécnica»” e no Artigo 10.º, n.º 2 estabelece que “as universidades politécnicas e os institutos politécnicos podem adotar a designação inglesa de Polytechnic University”. Esta situação poderá ser potencialmente geradora de equívocos. Na presente proposta de RJIES, as diferenças entre os requisitos dos institutos politécnicos (Artigo 44.º) e os requisitos das universidades politécnicas (Artigo 43.º-A) são substanciais. O mesmo acontecerá se for atendida a recomendação deste parecer no sentido de se elevarem os requisitos dos vários tipos de IES. Será de usar a mesma designação em inglês para instituições com requisitos claramente diferentes? Se fossem semelhantes, porque teriam uma designação de tipo diferente em português? Uma das virtudes desta revisão do RJIES poderá, justamente, dar coerência a elementos legislativos segmentares que foram surgindo de forma ad hoc, sem um quadro integrador prévio. Seria pena perder esta oportunidade para superar algumas inconsistências como esta.

Ainda uma questão relativa aos requisitos do corpo docente reporta-se à endogamia académica nas IES. Num SES dinâmico, atualizado e de qualidade, importa reduzir nas IES a endogamia nos seus professores e investigadores. No entanto, a solução encontrada no projeto de proposta de lei em apreciação (Artigo 47.º, n.º 3, e Artigo 49.º, n.º 4), de carácter proibicionista, poderia ser substituída com vantagem por uma solução baseada em incentivos. Nesta perspetiva, as IES seriam beneficiadas ou penalizadas consoante as reduções ou aumentos de nível de endogamia. Esses benefícios ou penalizações poderiam ser de natureza financeira ou eventualmente de outra natureza. Deste modo, estar-se-ia mais de acordo com a desejável autonomia das IES, com maior flexibilidade e diversificação no SES, e, provavelmente, com maior eficácia para o efeito pretendido.

Governo e Organização das Instituições de Ensino Superior

Colegialidade académica e gestão organizacional

Ao longo dos anos de vigência do RJIES, o tema que, porventura, mais tem sido objeto de crítica e controvérsia é o do governo e organização das instituições de ensino superior, pelo menos no subsetor público do SES.

Nas IES, como instituições e organizações, interligam-se dois eixos quanto à composição dos órgãos de governo e coordenação e quanto aos processos de decisão e funcionamento desses órgãos: o eixo da colegialidade académica e o eixo da gestão organizacional. A colegialidade é mais inclusiva e democrática. A gestão é mais hierárquica e centralizada. Ambos os eixos são fundamentais em entidades com o porte e complexidade institucional e organizacional das IES.

As opiniões que circulam a este respeito na comunidade académica do SES nacional, aliás como se pode verificar no relatório da Comissão Independente de Avaliação do RJIES, traduzem diversas sensibilidades, explícitas ou implícitas, valorizando mais ou menos um destes dois eixos. No entanto, os dois são decisivos, e o melhor desenvolvimento do SES ganha em que sejam conjugados de maneira equilibrada e apropriada. Contudo, essa boa articulação entre o eixo da colegialidade académica e o eixo da gestão organizacional é sempre difícil de conseguir: depende de múltiplos fatores e evolui com a experiência.

Cerca de década e meia atrás, com o RJIES, houve uma alteração do peso relativo destes dois eixos nas IES, designadamente no sector público do SES. O eixo da gestão ganhou maior presença e profissionalismo, com resultados positivos para a modernização organizacional e estratégica das IES e da sua aproximação ao panorama europeu de ensino superior. Em contrapartida, o eixo da colegialidade perdeu presença no plano organizacional e no plano do envolvimento e participação de professores e investigadores, estudantes de graduação e pós-graduação e funcionários técnicos e administrativos, com o risco de perdas de iniciativa e inovação e com desaproveitamento de potenciais contributos enriquecedores na ponderação de decisões a vários níveis organizacionais das IES.

Deste modo, um desígnio da maior importância nesta revisão do RJIES deveria ser a reequilibração desses dois eixos: colegialidade académica e gestão organizacional. Esse princípio de um melhor equilíbrio entre colegialidade e gestão pode traduzir-se em soluções concretas acerca dos órgãos de governo das IES e acerca dos órgãos das suas unidades orgânicas.

A experiência acumulada e o debate realizado tem conduzido ao entendimento, em geral partilhado, de que, no RJIES, seria de continuar a estabelecer uma configuração-base dos órgãos de governo das IES assente no Conselho Geral, no Reitor/Presidente e no Conselho de Gestão. Nesse quadro geral, as IES deveriam ter grande autonomia para encontrar soluções próprias, em particular uma maior latitude na composição e nas competências de cada órgão, sem desvirtuar a natureza de cada um e da relação entre eles.

Um dos problemas que mais se tem verificado ao longo da vigência do RJIES é a relação entre o Conselho Geral e o Reitor/Presidente. Em concreto, o Conselho Geral por vezes parece ter pouca autonomia efetiva perante o Reitor/Presidente.

Outros problemas são a fraca colegialidade e a reduzida participação dos vários corpos académicos - professores e investigadores, estudantes de graduação e pós-graduação, funcionários técnicos e administrativos - que se têm vindo a verificar na preparação e tomada de decisões nas IES.

Este problema é particularmente preocupante quanto aos profissionais académicos (faculty), isto é, professores e investigadores, que têm responsabilidades especiais na atividade e nos resultados das IES. A menor colegialidade prejudica de maneira significativa o envolvimento, dinamismo e inovação destes profissionais académicos.

Em termos mais gerais, os resultados das IES poderiam ser melhores se fosse conseguido um maior nível de colegialidade e participação de docentes, estudantes e funcionários. Conviria assim alterar no RJIES alguns aspetos nucleares quanto aos órgãos de governo das IES e quanto à coordenação das suas unidades orgânicas.

O projeto de proposta de lei objeto deste parecer integra alterações do RJIES a este respeito, o que se considera positivo. No entanto, parte delas poderiam ganhar com soluções algo diferentes ou moduladas de outro modo como as referidas nos pontos seguintes.

Conselho Geral e Reitor/Presidente nas IES do sector público

No Projeto de Proposta de Lei XX/2024, apresentado pelo Governo com vista à revisão e atualização do RJIES, objeto deste Parecer, surgem grandes alterações comparativamente com a Lei 62/2007 no que respeita à composição do Conselho Geral e à eleição do Reitor/Presidente nas IES do sector público.

Quanto à eleição do Reitor/Presidente, ela está definida de modo muito restrito no RJIES ainda em vigor: apenas pelo Conselho Geral. No presente projeto de proposta de lei, o Reitor/Presidente (Artigo 86.º) deixaria de ser eleito pelo Conselho Geral, passando essa decisão a ser atribuída a um colégio eleitoral alargado, incluindo os três corpos internos das IES (professores e investigadores, estudantes, e funcionários técnicos e administrativos) e, ainda, os antigos estudantes (alumni). Relativamente ao Conselho Geral (Artigo 81.º), mantém-se a composição anterior, mas alteram-se as proporções dos representantes dos três corpos internos e dos membros externos.

Relativamente a esses aspetos do projeto de lei agora apresentado, neste parecer considera-se fundamental atribuir um peso maior à participação dos professores e investigadores, quer na eleição do Reitor/Presidente, quer na composição do Conselho Geral. Constituindo os professores e investigadores os elementos que de modo principal garantem a qualidade e a continuidade da missão do ensino superior, a percentagem da sua representatividade na atual proposta (30 %) parece ser manifestamente insuficiente e redutora, propondo-se um ajuste, embora flexível, conforme as deliberações estatutárias de cada Instituição. Atendendo a que os professores e investigadores têm um vínculo de caráter profissional científico e pedagógico às IES (faculty), carreando conhecimento, experiência e continuidade, sendo deste modo os responsáveis principais pelos conteúdos e atividades de educação superior, ciência e inovação que essas instituições realizam, e por isso os principais responsáveis pelos sucessos ou insucessos das IES e os efetivamente responsabilizáveis por esses resultados (accountability), seria da maior pertinência que eles figurassem com uma proporção de pelo menos 50 % nos dois âmbitos: na composição do Conselho Geral e no colégio eleitoral do Reitor/Presidente.

Seria de contemplar também um peso significativo de estudantes na eleição do Reitor/Presidente, com fasquias razoáveis que não desçam abaixo dos 25 %-20 %. E o mesmo na composição do Conselho Geral. Os funcionários teriam 10 %, em ambos os casos. Quer os membros externos cooptados para o Conselho Geral, quer os antigos estudantes na eleição do Reitor/Presidente figurariam em proporções de 15 %-10 %.

Considera-se de grande relevância continuar a contar com membros externos no Conselho Geral. A relação das IES com a evolvente externa económica, social e cultural é cada vez mais importante no mundo atual. Não seria compreensível retroceder a este respeito. Quanto aos antigos estudantes (alumni) no colégio eleitoral do Reitor/Presidente, a sua relação com a envolvente externa pode ser igualmente potenciadora para as IES.

Ainda relativamente aos antigos estudantes questiona-se a pertinência do intervalo de 5 anos para adquirirem competência eleitoral nos casos em que, tendo já uma formação superior, regressem ao ensino para obter formação avançada. No limite, um estudante que regresse para fazer uma formação pós-graduada teria de esperar, novamente, 5 anos após concluir esse novo curso, quando em geral já está plenamente integrado na atividade profissional e já adquiriu essa experiência.

Ainda do ponto de vista da desejável melhor conjugação entre a vertente de colegialidade académica e a vertente de gestão organizacional nas IES, poderia ser reforçado no RJIES o interesse de um órgão como o Senado ou análogo (Artigos 77.º e 78.º), com caráter consultivo, embora de consulta obrigatória para determinadas questões, constituído pelos dirigentes dos órgãos de governo e das várias unidades orgânicas, e no qual as orientações principais da instituição sejam apreciadas e perante o qual o Reitor/Presidente preste contas.

No projeto de proposta de revisão do RJIES apresentado pelo Governo aponta-se um mandato único de 6 anos (Artigo 87.º, n.º 1) para o Reitor/Presidente. A versão do RJIES ainda em vigor refere mandatos de 4 anos, com possibilidade de um segundo mandato de outros 4 anos. As duas modalidades têm sido muito discutidas. O balanço de vantagens e desvantagens de cada uma parece inclinar-se para a solução de dois mandatos de 4 anos. Por um lado, o mandato único de 6 anos conduziria a afastar a possibilidade de participação de duas ou mais coortes de estudantes de licenciatura (3 anos) na sua eleição - o que é contraditório com o intuito de participação alargada que o novo tipo de processo eleitoral pretende. Por outro lado, um mandato de 6 anos reduz as possibilidades de responsabilização efetiva (accountability) do Reitor/Presidente, uma vez que passaria um tempo muito longo para esse efeito e, de qualquer modo, essa responsabilização nunca teria oportunidade de ter consequências efetivas em termos de refrescamento de legitimidade do incumbente. Além disso, reduziria as dinâmicas de debate e comparação periódica de diversos projetos estratégicos e diferentes protagonistas de liderança, diminuindo os processos de participação sobre questões particularmente relevantes para as IES.

Num domínio mais terminológico, atendendo à nova figura de universidade politécnica, parece mais ajustado e mais simples usar apenas uma mesma designação do cargo uninominal de governo para todas as IES, concretamente a de Reitor.

Quanto ao Provedor do Estudante, parece justificar-se que a participação dos estudantes na sua eleição não se resuma apenas à dos seus representantes no Conselho Geral, procurando um modo de eleição mais alargado por parte deles. Convirá também clarificar no Artigo 25.º-A, que, caso ele seja docente no ativo, deverá suspender o exercício da docência durante todo o mandato, a fim de evitar conflitos de interesse.

Também as competências atribuídas aos Conselhos Pedagógicos deveriam ser reforçadas nesta revisão do RJIES, utilizando o potencial deste órgão paritário, permitindo-lhe colaborar na elaboração da estratégia pedagógica das IES ou das suas unidades orgânicas.

Importará ainda assinalar que as considerações anteriores sobre os principais órgãos de governo das IES, assim como as considerações seguintes sobre as unidades orgânicas, aplicam-se essencialmente às IES do sector público. Nas IES do setor privado, as respetivas entidades instituidoras têm muito maior autonomia para definirem os seus próprios modelos organizacionais.

Unidades orgânicas das IES do sector público

Considera-se importante que no RJIES seja expressa uma grande latitude das IES na organização das suas unidades orgânicas, tais como escolas, faculdades, institutos, departamentos e unidades de investigação.

Sem prejuízo dessa latitude, tipicamente cada unidade orgânica poderia ter uma estrutura organizacional com três níveis - Diretor, Órgão Colegial Representativo, Plenário. O Diretor seria eleito pelos membros da unidade orgânica; o Órgão Colegial Representativo (comissão científica ou algo análogo) seria também eleito pelos membros da unidade orgânica; o Plenário incluiria todos os professores, investigadores e funcionários técnicos e administrativos, assim como representantes dos estudantes. Teria basicamente funções de eleger o diretor e os órgãos colegiais representativos, e de apreciar os planos e relatórios anuais ou plurianuais da unidade.

Este formato organizacional não se afasta muito do previsto no atual Artigo 97.º e no novo Artigo 97.º-A. No entanto, adiciona o Plenário que, em geral, reuniria uma vez por ano, com as funções acima referidas. Sem se tornar um grande peso no funcionamento organizacional corrente, contribuiria para aumentar a informação e a participação dos membros integrantes da unidade, necessidade identificada em praticamente todos os relatórios e debates realizados acerca da revisão do RJIES nos últimos anos.

Na eleição do Diretor, o projeto de proposta de lei em análise, no seu Artigo 97.º-A, atribui um peso eleitoral de 65 % aos professores e investigadores, 20 % aos estudantes e 10 % ao pessoal técnico e administrativo. O mesmo poderia ser aplicado à eleição do Órgão Colegial Representativo. Outra possibilidade seria a de recorrer às mesmas proporções atrás sugeridas para a composição do Conselho Geral e para eleição do Reitor/Presidente: pelo menos 50 % para os professores e investigadores, 25 %-20 % para os estudantes e 10 % para o pessoal técnico e administrativo. Os até 20 %-15 % remanescentes seriam objeto de redistribuição segundo a natureza específica de cada unidade e o seu regulamento.

Autonomia das Instituições de Ensino Superior

A autonomia das IES está amplamente consagrada no RJIES, desenvolvendo e especificando o que tem vindo a ser expresso desde a Constituição da República à Lei de Bases do Sistema Educativo. No RJIES estão assinaladas as autonomias atribuídas às IES, designadamente a autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural, de gestão, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar.

Contudo, a experiência das IES regista um conjunto variado de entraves a aspetos dessa autonomia, muitas vezes decorrentes de outros diplomas e regulamentos, de algumas políticas e de variadas inércias burocráticas que colidem, constrangem ou desvirtuam a autonomia das IES.

Têm sido assinalados, na comunidade académica, diversos desses entraves a essa autonomia, nomeadamente decorrentes de subfinanciamento crónico das IES públicas, das dificuldades burocráticas colocadas à execução dos projetos científicos e de obstáculos e limites colocados à contratação e à gestão das IES públicas (finanças, recursos humanos, património, etc.).

Por exemplo, com alguma frequência, as atividades científicas ficam gravemente limitadas quanto a equipamentos, reagentes, trabalhos de campo, viagens, entre outras, devido a obstáculos e adiamentos burocráticos que dificultam a execução de projetos de investigação. A interligação do SES com a economia e a sociedade, cada vez mais reconhecida e solicitada, precisa de novos instrumentos e de um quadro apropriado de autonomia, por exemplo, quanto a startups, patentes, consórcios e parcerias, entre outros.

É igualmente importante estabelecer no RJIES que, em situações de acréscimo de despesas ou decréscimo de receitas decorrentes de decisões do Estado não contempladas nos orçamentos iniciais das IES públicas (por exemplo, redução de propinas, aumentos de vencimentos, etc.), estas sejam necessariamente objeto de compensações correspondentes. Os saldos de gerência devem ficar na posse das IES e não deverão ser usadas pelo Estado nas referidas compensações. Neste projeto de proposta de revisão do RJIES encontram-se alguns avanços positivos a este respeito, em especial no Artigo 109.º e seguintes. Mas são apenas alguns dos passos necessários.

Importaria também que ficasse consagrado no RJIES que todos os ciclos de estudo (licenciaturas, mestrados e doutoramentos) devam ser contemplados apropriadamente nos orçamentos de Estado afetados às IES públicas, uma vez que a oferta desses ciclos de estudo faz parte integral da missão de um SES sintonizado com a atual sociedade de conhecimento. Em particular, seria um anacronismo entender que os doutoramentos constituíssem uma parte dispensável ou menos relevante das IES públicas, e que o Estado não tivesse obrigação de os financiar apropriadamente.

Embora vários dos referidos entraves decorram de outros documentos normativos e de vários processos burocráticos, uma revisão do RJIES poderia ajudar neste aspeto, consagrando de forma mais taxativa a garantia efetiva do exercício de autonomia das IES nos vários domínios pertinentes, colocando-as mais ao abrigo de intromissões ad hoc ou sistemáticas.

Atendendo à experiência reiterada a esse respeito por parte da comunidade académica, seria da maior relevância, numa versão revista e atualizada do RJIES, explicitar garantias de autonomia reforçada e dispositivos complementares que permitam superar entraves como os atrás referidos, prevendo designadamente financiamentos e gestão de orçamentos plurianuais, entre outros. Esse reforço de autonomia tem grande importância para que as IES respondam com elevada qualidade, iniciativa, dinamismo, eficácia e inovação perante os avanços do conhecimento, perante os atuais desafios sociais, económicos, tecnológicos, culturais e ambientais, e perante a necessidade de integração cada vez maior no espaço europeu de ensino superior.

Por outro lado, em termos de autonomia estatutária, o RJIES poderia não regulamentar tanto os órgãos de governo central das IES do setor público como os de coordenação das suas unidades orgânicas, definindo apenas algumas orientações gerais a esse respeito. Em contrapartida, daria maior latitude a essas IES quanto a quais seriam esses órgãos, à composição de cada um e aos seus modos de eleição ou designação. Seria uma solução alternativa às referidas na secção anterior (governo e organização das IES do setor público), atribuindo maior autonomia estatutária a essas IES do sector, mais potenciadora de iniciativa e diferenciação no Sistema de Ensino Superior.

O regime fundacional, em que algumas IES são constituídas em “fundações públicas com regime de direito privado” (Artigo 129.º), tem sido objeto de posições variadas e mesmo opostas no universo académico. O projeto de proposta de lei em apreciação não introduz alterações significativas no RJIES a este respeito.

Em geral, os dirigentes das IES que aderiram ao regime fundacional consideram-no positivo, em especial porque permite mais autonomia de gestão. Outras posições têm sentido oposto, sobretudo na medida em que são contrárias em princípio a que as IES públicas possam ter um regime de direito privado, entendendo que pode ser um caminho para uma eventual privatização dessas IES - o que até agora não aconteceu.

Em síntese, o regime fundacional parece ter vantagens, nomeadamente pela obtenção de alguns elementos de maior autonomia e pela introdução de alguns mecanismos de maior efetividade e flexibilidade de gestão. Parece ter também desvantagens, desde um estatuto jurídico híbrido, com algumas ambiguidades, até ao facto de o Conselho de Curadores ser um órgão relativamente ao qual se torna pouco clara a possibilidade de escrutínio interno e externo, o que não se compagina bem com uma instituição pública. Seja como for, o que se defende sobretudo neste parecer é a consagração no RJIES de uma autonomia reforçada mais efetiva, estendida a todas as IES, sejam ou não de regime fundacional.

7 de fevereiro de 2025. - O Presidente, Domingos Fernandes.

Declaração de voto

Sendo, na generalidade, favorável ao parecer, importa notar:

1 - Diz-se no parecer que um dos “problemas com que os estudantes se defrontam” são as “desigualdades no acesso”, para logo a seguir se dizer: “Colocam-se, contudo, ao mesmo tempo, questões relevantes que as instituições do ensino superior terão de enfrentar nos próximos anos (...)”, designando algumas dessas questões. Entendemos que se deveria explicitar ainda no documento, como questão relevante, a necessidade de combater as desigualdades no acesso, e o imperativo de se promover a equidade no sucesso.

2 - Consideramos positivo o caminho apontado para o que pode e deve evoluir o denominado sistema binário.

3 - De realçar ainda a questão sobre a pedagogia no ensino superior. Neste âmbito considera-se muito relevante a sugestão para uma participação de todos os estudantes na eleição de Provedor de Estudante. Muitas das situações, na relação professor/estudante, mostram a importância desta Provedoria na defesa da justiça dos interesses dos estudantes. Talvez este órgão devesse mesmo ser colegial para não ficar tão exposto a condicionalismos de qualquer ordem.

Também no âmbito da pedagogia, sendo esta uma das referências no parágrafo em causa, parece-nos redutor que no final do 3.º parágrafo da página 6, se releve a importância da pedagogia (e das demais questões) apenas para os “estudantes adultos”, pois o que se propõe neste parágrafo é demasiado importante para todos os estudantes. Percebe-se a intenção de realçar a formação de adultos e as aprendizagens ao longo da vida, mas a questão da pedagogia merece e precisa de uma insistente e urgente reflexão no trabalho da IES, pelo que está é uma oportunidade que entendemos ser de não descurar nesta matéria.

Jorge Ascenção

Declaração de voto

Voto favoravelmente o parecer, com que concordo. Porém, considero que seria muito importante incluir no mesmo uma recomendação no sentido de ser desejável que as IES possam acreditar os seus cursos em Agência de Acreditação de um outro país do espaço da União Europeia, não havendo um monopólio da agência nacional. Não se trata de um juízo de valor sobre a ação da A3ES, mas do reconhecimento de que o ensino superior é hoje uma realidade global e não um espaço fechado dentro de uma geografia física que, no caso português, é até muito reduzida. O reforço da internacionalização das IES e o combate à endogamia, são dimensões importantes da melhoria do sistema nacional de ES. Isto deve estender-se à acreditação e avaliação de cursos. A verificação dos requisitos legais - e.g., rácio de alunos por doutor, - é uma operação intelectual elementar, que qualquer agência do espaço europeu está habilitada a realizar. Já a avaliação da qualidade das propostas de cursos e do seu funcionamento, o que verdadeiramente importa na acreditação, não tem por que ser monopólio da A3ES.

Rodrigo Queiroz e Melo

318670114

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/6071712.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2007-09-10 - Lei 62/2007 - Assembleia da República

    Estabelece o regime jurídico das instituições de ensino superior, regulando designadamente a sua constituição, atribuições e organização, o funcionamento e competência dos seus órgãos e ainda a tutela e fiscalização pública do Estado sobre as mesmas, no quadro da sua autonomia.

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