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Parecer 6/2007, de 28 de Setembro

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Sumário

Publica o parecer sobre o regime jurídico das instituições de ensino superior.

Texto do documento

Parecer 6/2007

Regime jurídico das instituições de ensino superior Preâmbulo No uso das competências que por lei lhe são conferidas, e nos termos regimentais, após apreciação do projecto de parecer elaborado pelos conselheiros relatores Rui Alarcão e Adriano Moreira, Luís Vicente Ferreira e Ivo Costa Santos, o Conselho Nacional de Educação, em sua reunião plenária de 11 de Julho de 2007, deliberou aprovar o referido projecto, emitindo, assim, o seu quinto parecer no decurso do ano de 2007.

Parecer 1 - Sentido e limites do parecer. - O Conselho Nacional de Educação (CNE), pela sua ligação institucional à Assembleia da República, sente-se particularmente empenhado na colaboração que deve prestar a este órgão de soberania, na data em que assume a responsabilidade de reformular o regime jurídico das instituições de ensino superior (RJIES), tendo por base a proposta governamental e o projecto apresentado por deputados do Grupo Parlamentar do PSD.

Solicitado a emitir parecer em muito escasso tempo, reconhece o CNE não estar em condições de elaborar o parecer desejável, apresentando apenas o parecer possível, que julga, mesmo assim, constituir um documento útil para o debate e ulterior decisão da Assembleia da República.

Acrescente-se que, acerca de matérias idênticas ou afins, teve o CNE oportunidade de se pronunciar, em diversas ocasiões, com outra amplitude e profundidade, como - para só referir os textos mais recentes - os pareceres n.os 4/2002, 7/2003, 5/2003, 9/2003, 6/2004, 11/2004, 12/2004 e 3/2007. Por isso, se remete para esses documentos.

A análise do CNE, neste contexto, reporta-se apenas a alguns aspectos de maior relevância e significado nos diplomas em questão, que contendem com os seus rasgos essenciais e, deste modo, são de primeira importância para um juízo global acerca de tais projectos legislativos, especialmente, como bem se compreende, sobre a proposta do Governo.

2 - A proposta governamental, o projecto do PSD e o aprofundamento do debate.

- É patente que a proposta e o projecto aludidos revelam diferenças de grande monta, o que logo transparece na extensão de um e outro texto - a proposta contém 184 artigos; o projecto, apenas 40. Muito mais curto e menos formatado, de matriz mais liberal e menos dirigista, prestando mais culto a princípios de diversificação de regimes e, consequentemente, levando mais longe o princípio da autonomia, porventura longe de mais, mormente quanto aos órgãos de governo e gestão das universidades, o projecto distancia-se, assinalavelmente, da proposta governamental. Esta, pelo contrário, afigura-se exageradamente regulamentadora, embora de boa feitura técnica, e consagra uma excessiva intervenção ou dirigismo do Estado, cerceadora da autonomia estatutária e organizatória, bem como administrativa e financeira. Estão, assim, em causa ideias ou modelos diferentes de universidade, sendo que a universidade não deverá ser nunca unidimensional.

Ora estas contraposições enriquecem obviamente o debate sobre o regime jurídico dos estabelecimentos de ensino superior, debate essencial para o futuro dessas instituições, considerando o CNE que a cuidada comparação entre uma e outra das propostas deve ser incentivada e permitirá alargar as áreas de consenso nesta matéria - recorde-se o grande consenso nacional traduzido na unanimidade de 1988 sobre a Lei da Autonomia Universitária -, aumentando, deste modo, consideravelmente, a aceitabilidade da legislação que virá a surgir.

A este propósito, permitimo-nos transcrever aqui, de um parecer do CNE sobre uma proposta de lei de 2003, relativa à autonomia das universidades e dos institutos politécnicos públicos, as seguintes passagens, que julgamos inteiramente pertinentes e actuais:

"[...] houve um défice quanto à amplitude das consultas e dos debates e ao amadurecimento das soluções, apesar das valiosas intervenções e publicações que ocorreram antes dessa data. Isso em boa parte explica as críticas, institucionais e pessoais, entretanto surgidas e que apontam para a necessidade de introduzir profundas alterações na proposta, sem embargo dos méritos que inegavelmente tem.

É de esperar, por isso, que, na Assembleia da República, e mesmo fora dela, se continue o tratamento que uma temática tão relevante e sensível inquestionavelmente requer. O tempo que nisso se gastar ganhar-se-á na aceitabilidade do diploma, com evidente vantagem no plano da sua eficácia e das condições de governabilidade, convindo não esquecer que a pretensa eficácia nem sempre coincide com uma autêntica eficiência."

3 - Relance histórico. - Lembramos também que o regime actual, que tem décadas de vigência, presidiu à afirmação de várias novas universidades e politécnicos públicos de indiscutível alta qualidade, e ao rejuvenescimento e modernização das mais antigas universidades portuguesas.

A usura do tempo, a qual as próprias instituições anotaram e tornaram público, propondo reformulações aconselhadas pela experiência e não assumidas pelas instâncias reguladoras, não impediu o saldo positivo do serviço prestado à comunidade, mas não pôde evitar-se que factores exógenos relacionados com a globalização em geral e o processo europeu em particular, e a falta de regulação, afectassem a racionalidade da rede nacional, que inclui, para além da rede pública, abrangente do ensino militar e de segurança, também a rede privada e o específico ensino concordatário.

A proposta governamental que serve de base à intervenção da Assembleia da República ocupa-se principalmente da rede pública, mas será indispensável referenciar, em vários aspectos, a rede nacional, que corresponde ao património nacional integrado.

Entre as propostas enumeradas ao longo do tempo de vigência do regime actual conta-se a de unificar e simplificar a numerosa legislação que se foi acumulando, no pendor da pouco ordenada proliferação legislativa que embaraça o acervo normativo em mais de um domínio; clarificar as identidades separadas, com igual dignidade, do sistema binário - universidades e politécnicos; dar estabilidade jurídica ao regime especial desta área do ensino; exigir rigor ao conceito estratégico de todas as instituições, designadamente na rede privada, avaliando a estabilidade financeira, a capacidade das estruturas, a suficiência do corpo docente, a relação da intervenção com as perspectivas da comunidade; viabilizar a integração de instituições, numa perspectiva de economia de escala, ou de integração funcional de saberes, designadamente entre ensino universitário e politécnico.

Estes factos encontram reflexo no texto governamental e correspondem a uma melhoria do sistema, ainda que devendo ser objecto de aperfeiçoamentos na formulação.

Todavia, naquilo que toca à percepção da natureza das instituições do ensino superior, do seu governo e da sua prestação de contas à sociedade, parece necessário proceder a uma meditação mais profunda, e por isso exigindo tempo, a que o calendário proposto não responde.

4 - A natureza da universidade. - A primeira questão, cuja resposta tem consequências em todo o desenvolvimento normativo que seja adoptado, diz respeito à natureza da universidade, matriz da natureza das instituições plurais que foram enriquecendo a rede da investigação e do ensino.

A diferença básica está em considerar a universidade como uma instituição, ou como um serviço: no primeiro caso, que corresponde a uma visão essencial na história do mundo ocidental, trata-se de uma realidade sociológica, afirmada na longa história portuguesa, que manteve a identidade, a autoridade, e a independência, ao mesmo tempo que renovou o ensino, as teorias e as doutrinas; no segundo caso, ou por atitude originária do poder estabelecido, ou por desvios dos tipos de regência política, de facto tende-se para o modelo da escola de quadros, subordinada aos ideologismos ou aos iluminismos ocasionalmente dominantes.

A concepção da Constituição Portuguesa, ao mesmo tempo herdeira de uma das tradições universitárias mais antigas do ocidente e correctora de desvios anteriores que eliminou, é profundamente humanista, e por isso institucionalista:

a universidade é uma instituição, não é um serviço subordinado à hierarquia política e administrativa, e por isso especialmente confiada à intervenção da Assembleia da República, com a firmada tradição da convergência das representações parlamentares, nesta matéria.

5 - Regulação. Rede nacional e rede europeia. - As intervenções reguladoras do poder legislativo português, na perspectiva institucionalista, foram uma garantia contra a simplicidade do modelo pombalino que resolve os problemas pela extinção, e contra o modelo desconstrutivista que promove os incentivos à dissolução da universidade institucional.

A autenticidade do modelo constitucional português impõe atenção à realidade institucionalista, que não é conservadorismo, ou defesa de ilegítimos interesses estabelecidos, antes é a firme defesa dos patrimónios adquiridos, da sua vivificação e da racionalidade da mudança contra os iluminismos.

A conjuntura, analisada em múltiplas intervenções dos responsáveis pela rede nacional do ensino, exige há muito uma intervenção reguladora que atenda pelo menos ao seguinte: colocar um ponto final no abstencionismo governamental, que durante anos se recusou a atender às sugestões das autoridades académicas; ter presente o património de inovação que foi acrescentado à rede nacional, não obstante o passivo da abstenção do poder regulador; equacionar a complexidade crescente da circunstância internacional que envolve essa rede nacional, quer na vertente globalizante quer na vertente mais próxima da europeização do sistema.

Nesta última vertente, o fenómeno que mais exige atenção é o da relação do sistema global português com a rede europeia. Esta tem sido orientada pela referência, nem sempre assumida, à Declaração de Lisboa (2000) e à Declaração de Bolonha (1999), a primeira programando uma competitividade europeia superior à dos EUA em dez anos, a segunda procurando estabelecer uma plataforma científica, técnica e de ensino, que sirva de suporte à primeira.

6 - Autonomia e independência das instituições de ensino superior. - A rede é um fenómeno que, não apenas neste domínio do ensino, afecta a capacidade efectiva de intervenção dos governos, porque nenhum deles pode condicionar a totalidade da rede que ganha autonomia e independência, e fica referida a um espaço concorrencial que vai do Atlântico aos Urales, e não é portanto confinado ao território de cada país membro da União Europeia.

É por isso que os valores da autonomia e da independência da universidade se afirmam, valores que não podem ser afectados, sem custos, em qualquer das suas facetas: o provável custo será que a rede tenda para assumir uma hierarquização das instituições - que o fenómeno dos rankings apenas palidamente reflecte - e que as sedes de excelência tenderão para ficar longe dos Estados membros mais afectados pela sua exiguidade crescente. Para estes Estados, é evidente que o desafio se dirige à soberania cooperativa na União, sendo com um critério de despesas de soberania que os Estados devem responder, e não com um critério de gestão de pequenas e médias empresas.

Mesmo nos países com maiores capacidades e peso dentro da União, a tendência é para reforço da massa crítica das instituições, não para abrir portas à desconstrução das entidades existentes.

É neste ponto da autonomia e da independência das universidades, e instituições filiadas no modelo, que a intervenção legislativa solicitada pelo Governo à Assembleia da República exige maior ponderação.

Em primeiro lugar, será indicado não esquecer que a autonomia, garantia constitucional, tem relação com a origem da instituição Estado, igrejas, privados, e uma variável sensível que é o financiamento. A primeira observação a reter, quanto a esta variável, é que na rede pública se trata de o Estado distribuir, com equidade e rigor, os recursos que são dos destinatários, e não dádivas soberanas a consagrar com lápides.

As circunstâncias são radicalmente diferentes quanto às outras origens das instituições, e por isso também a autonomia tem condicionamentos diferentes:

no ensino concordatário a autoridade encontra-se no chanceler (cardeal), no ensino privado encontra-se no conselho de administração do modelo jurídico que tiverem adoptado. É por isso que se a questão da autonomia é de definição plural para os vários subsistemas, a questão da independência é transversal e as regras da arte devem ser directivas no sentido de uma vigência abrangente de todos os subsistemas, um ponto que a proposta em discussão não toca.

Essa independência ganha-se pelo exercício que assegura uma legitimidade de serviço, um pilar contra os desvios das sedes que exercem o poder político: por isto tudo entendemos que a relação entre a autonomia e a independência não foi considerada na formulação da proposta em discussão, que por essa razão tem disposições que afectam severamente esses valores.

Em segundo lugar, deve salientar-se que a autonomia consagrada constitucionalmente para a rede pública é um preceito directivo que a experiência vai desenvolvendo, muito no pendor essencial do constitucionalismo britânico, de modo que a consolidação progressiva vai preenchendo a natureza de garantia constitucional.

7 - Órgãos de governo e de gestão das Universidades. Escolha do reitor. - Um dos elementos fundamentais dessa autonomia, sobrevivente às contingências constitucionais do passado, é a natureza institucional da universidade e, portanto, o direito de organizar a sua autoridade própria, certamente com respeito pela regulação jurídica, mas sem que a sede e a raiz dessa autoridade sejam subtraídas à sua natureza. O modelo proposto à Assembleia da República, com um evidente pendor para considerar a universidade como um serviço, agride irremediavelmente esse valor institucional, recorrendo à criação de um conselho geral, de composição limitada e desajustada à dimensão das instituições, com algumas competências e objectivos assaz discutíveis, com autoridade para intervir sem responsabilidade visível pelas intervenções, e podendo ser fonte de numerosos e graves conflitos, além de, em último termo, sacrificar visivelmente a organização interna democrática universitária em proveito de uma empresarialização da universidade. Além disso, vai ser difícil acomodar a diversidade das instituições, sem pluralismo de modelos.

O método da escolha do reitor é visivelmente inspirado nos concursos para a função pública.

Atentando no número de instituições de ensino superior existentes, e no número de recrutáveis para a proposta representação da sociedade civil, o modelo foi baseado numa visão extremamente optimista de talentos disponíveis na sociedade portuguesa, sobretudo na área empresarial, que é visada pelas Declarações de Lisboa e de Bolonha. A menos - o que dificilmente admitimos - que haja a intenção de instrumentalizar as universidades para a consecução de objectivos de dominação económica.

O que parece absolutamente inaceitável é descaracterizar o estatuto do reitor, porque o reitor, vista a natureza institucional da universidade e a concretização já alcançada pela autonomia constitucionalmente consagrada, deixa de ser a autoridade suprema, sendo realmente substituído por uma entidade secundarizada com o mesmo nome, escolhida num concurso relativamente ao qual é de recear que não haja muitos professores interessados, sobretudo de entre os melhores.

Na actual legislação, pela letra dos textos, pelo seu espírito, pela tradução histórico-cultural de séculos, pela prática progressivamente conformadora da autonomia, a figura do reitor emerge como a de um político - não um político tout court, mas um político universitário - e não como um técnico ou um alto funcionário administrativo que chefia um serviço, mas não encabeça uma instituição. Deve ser isso ou, pelo menos, não devem criar-se entraves a que seja isso. Ele é o símbolo da universidade, enquanto instituição autónoma, e os seus poderes devem ter em mira esta configuração, só assim se conferindo ao reitor a autoridade de que carece, dentro e fora da universidade, designadamente enquanto exerce o poder académico perante o poder político.

Este deve respeitá-lo nesse desenho institucional. Um poder político forte não deve recear, antes respeitar e promover, lideranças fortes na universidade. A proposta de lei do Governo, sejam quais forem as suas reais intenções, objectiva uma orientação diferente, e até oposta, que compromete, para recorrer a uma clássica dicotomia, a potestas do reitor, mas que sobretudo ataca irremediavelmente a sua auctoritas. A isso deve dizer-se, claramente, não.

Em conformidade, entendemos que o reitor deve ser eleito por um colégio eleitoral alargado, que exprime o sentir da comunidade académica, à semelhança do que actualmente acontece, designadamente poderá a sua eleição ser feita pelo senado, embora reformulando a composição deste, mas não se considera oportuno nem justificado retirar significado ao senado, eliminando-o ou remetendo-o para meras funções consultivas.

Temos por adquirido o consenso de que a prestação de contas inclui a relação com a sociedade civil, que também deve estar presente no aconselhamento da programação estratégica da universidade. Para tal efeito, o conselho geral proposto, com uma composição ponderada, poderá ser útil na apreciação do projectado, e no parecer sobre o desempenho, não sendo de excluir que tenha participação no senado: mas, aproveitando a parte útil da proposta, não deveria a presidência pertencer ao reitor, e não a outra entidade com ele possivelmente conflituante? Se a presidência do conselho geral se mantiver como está na proposta, não deverá ampliar-se a sua composição e rever-se a sua competência? 8 - Estudantes. Funcionários. - Um dos aspectos mais criticáveis da proposta governamental diz respeito à drástica redução da participação dos estudantes nos órgãos de governo e de gestão das universidades.

Como se escreve no citado parecer do CNE, em 2003, não podem aceitar-se "os possíveis deméritos da participação dos estudantes, já que os anos vividos incluem, pelo contrário, ilustrações claras do seu empenho, da sua justeza e da sua oportunidade".

É, pois, necessário consagrar uma significativa participação dos estudantes nesses órgãos, não cabendo agora quantificá-la, devendo, aliás, em boa parte, estar dependente dos estatutos dos diversos estabelecimentos de ensino superior.

Coisa semelhante se diga, com as necessárias adaptações, dos funcionários, os quais não devem ser afastados da participação democrática nos aludidos órgãos. É esta, por conseguinte, uma das matérias que deve instantemente rever-se na proposta governamental.

9 - Fundações. - Pretende-se submeter ao direito privado fundações de origem pública, as quais simultaneamente dependerão do financiamento do Estado e do recurso ao mercado, sem terem portanto nem fundos nem rentabilidade assegurada, com efeitos evidentes na desorçamentação da despesa, e com autoridade confiada a chamados "curadores", que, com os curadores das fundações, apenas coincidem na designação. O modelo americano das universidades é frequentemente fundacional mas isso pela origem em igrejas e mecenatos, com uma tradição e uma cultura que não temos nem é fácil de implantar e que requer uma adequada regulamentação, que não existe, sendo que o modelo proposto, aliás em termos e em condições criticáveis, é mais próximo das universidades entendidas como serviços dependentes da hierarquia administrativa do que das verdadeiras fundações. De resto, o que poderia ganhar-se em autonomia financeira, perder-se-ia na esfera da autonomia político-administrativa e organizatória.

Por outro lado, o financiamento plurianual é um instrumento de primeira importância no que toca a uma gestão estratégica e responsável, e não pode aceitar-se que a sua eventualidade fique dependente de uma opção pelo modelo fundacional, nos termos e nas condições da proposta governamental.

10 - Desconstrução ou fragmentação das Universidades. - Uma tendência reforçada com a semente de desconstrução das universidades e unidades orgânicas, que se traduz na liberdade de qualquer delas decidir separar-se e adoptar o equívoco modelo de fundação, será tudo ao contrário da tendência europeia para fusões, associações, federações, em busca de massa crítica que a globalização vai aconselhando. Tal proposta não é aceitável, designadamente porque a racionalização da rede nacional - é evidente - encontra uma das suas maiores exigências e dificuldades na proliferação sem directivas a que omissão do poder regulador conduziu o País.

11 - Outros aspectos da reforma. - Estes são, em nosso modo de ver, alguns dos principais aspectos do RJIES que suscitam críticas ou reservas. O que não quer dizer que não haja outros e bem importantes, como, num diploma que se pretende englobante, a acentuação do afastamento entre ensino e investigação, a subestimação das questões de financiamento, o alheamento do estatuto da carreira docente, o regime transitório, que é impensável ficar como é proposto, etc.

12 - Universidades e politécnicos. - Todas as questões relativas à natureza institucional e órgãos de governo e gestão das escolas do ensino superior se aplicam igualmente aos politécnicos, sem esquecer a sua identidade específica e igual dignidade no quadro dos subsistemas. Mas pede maior e melhor atenção a eventual integração de universidades e politécnicos nos casos em que os saberes, como acontece no ensino militar, nas áreas científicas da saúde e da educação, são complementares e articulados nos mesmos actos de intervenção.

Este facto aponta para a necessidade de encarar com maleabilidade a questão do 3.º ciclo, a respeito da qual já foi adiantada a sugestão de criar colégios doutorais, onde, em articulação, universidades e politécnicos organizam o ensino conducente à obtenção dos graus, que aliás são atractivamente oferecidos por universidades estrangeiras.

13 - Ensino superior privado. - A exigência inadiável da racionalização da rede nacional deve ter presente que a rede privada, além de corresponder ao exercício de um direito constitucionalmente consagrado, supriu em vários domínios e ocasiões a insuficiência do desenvolvimento da rede pública, pelo que deve ser abordada com justiça e equidade. O que nem sempre tem sucedido.

14 - Conclusão. - A proposta do RJIES, documento que se reconhece da maior importância para a modernização do sistema do ensino superior, consagra diversas soluções merecedoras de sérias reservas ou mesmo severas críticas, sem embargo das razões que as justificam, da determinação política que revelam e dos méritos que inegavelmente têm. Avultam, entre aquelas soluções, um excesso de regulamentação e uma excessiva intervenção do Estado, que coarcta a autonomia e independência das instituições, tanto no plano organizatório como na esfera político-administrativa, podendo mesmo questionar-se a constitucionalidade de alguns preceitos do diploma. Como quer que seja, o RJIES parece configurar os estabelecimentos de ensino superior mais como um "serviço" do que como uma "instituição", e abre a porta à desconstrução ou fragmentação desses estabelecimentos, assim afectando a coesão universitária. O que tudo recomenda, como tem sido amplamente advertido, uma profunda e não apressada reflexão sobre o texto da proposta governamental e a sua cuidada correlação com o projecto do PSD, e não só, em ordem a assegurar um consenso alargado e com isso a aceitabilidade do diploma, garantia da sua eficiente aplicação, em prol da melhoria do ensino superior em Portugal.

11 de Julho de 2007. - O Presidente, Júlio Pedrosa de Jesus.

Declaração de voto. - Sem deixar de reconhecer o elevado nível de reflexão que lhe subjaz e a elegância e subtileza da linguagem que marcam o projecto de parecer e sem prejuízo do enorme respeito e consideração que me merecem as pessoas dos Srs. Relatores, não pude deixar de votar contra a aprovação do parecer sobre o regime jurídico das instituições de ensino superior, pelos seguintes motivos:

1) De há muito que não só considero necessária uma reforma profunda do actual quadro normativo do ensino superior, como penso que essa reforma terá de partir do reconhecimento da insustentabilidade do actual modelo de governo e gestão das instituições de ensino superior públicas e da sua relação com a tutela, sob pena de, também neste domínio, o País continuar a agravar o seu atraso em relação aos seus principais parceiros europeus;

2) Sendo conhecidas as dificuldades que se colocam à obtenção de um consenso de sentido positivo sobre qualquer mudança significativa na actual situação do ensino universitário, não pode deixar de aplaudir-se a coragem política da iniciativa do Governo, independentemente da discussão crítica que possam merecer alguns aspectos da proposta de lei, muito em especial no que se refere ao ensino privado;

3) Aliás, a principal crítica que se me oferece fazer à proposta de lei é que a mesma, na sua actual versão, é demasiado tímida em relação às expectativas que o próprio Governo foi criando quanto ao alcance das mudanças que se propunha promover neste domínio. Com efeito, em meu entender, as alterações propostas, sendo positivas, não vão além da abertura de uma janela de oportunidade à mudança, continuando esta dependente da existência ou não de forças favoráveis nesse sentido em cada instituição;

4) Ao mesmo tempo que se invoca a falta de regulação do sistema para explicar os desmandos manifestos que ele apresenta, invoca-se a autonomia universitária para recusar qualquer tentativa de regulação. Se há matéria que tem dado origem aos maiores equívocos (não digo que seja o caso do projecto de parecer em apreço), é, sem dúvida, a da autonomia universitária. Menciona-se frequentemente a sede constitucional do princípio da autonomia universitária, esquecendo-se de que o n.º 2 do artigo 76.º da Constituição não se refere propriamente a um conceito global de autonomia, mas sim a diferentes autonomias (estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira), remetendo para a lei ordinária a definição do âmbito das mesmas. Não está seguramente em causa, nem esteve nunca, no Portugal democrático, a tradicional autonomia científica e pedagógica. Nem sequer estão em causa, a meu ver, verdadeiras restrições às demais autonomias. O que a proposta do Governo faz é clarificar e consolidar as autonomias já existentes, estabelecendo entretanto (como também consta do projecto de lei do PSD) um dever de prestação de contas, que é o mínimo que pode exigir-se a instituições dependentes do financiamento público;

5) Não comungo, pois, da ideia de que a proposta de lei introduz significativas restrições à autonomia das instituições, como não acompanho a afirmação de que menoriza o estatuto do reitor e do senado, impondo um modelo organizacional único. Em relação ao reitor, a nova lei, a manter-se tal como está a proposta do Governo, vem reforçar e consolidar o seu papel como órgão superior de governo e de condução política da universidade, cuja missão e autoridade surgem agora mais claras que na lei anterior. É verdade que se altera o seu modo de designação, o que em meu entender se justifica, se se quiser acabar com a confusão conceptual que actualmente se verifica, sendo o reitor visto mais como um provedor corporativo do que como principal responsável pela orientação estratégica e pelo rumo da instituição;

6) No que se refere ao conselho geral, de acordo com a proposta do Governo, o mesmo deverá ser constituído por um número de membros variável, consoante a dimensão da instituição, entre um mínimo de 10 e um máximo de 25 membros, designados, numa maioria superior a dois terços, de entre os professores, investigadores e estudantes da própria instituição, reservando-se 30% dos lugares no conselho a personalidades de reconhecido mérito não pertencentes ou que não se encontrem ao serviço da instituição, mas ainda assim cooptados pelos membros eleitos internamente. Onde está o atropelo à autonomia da instituição, quando o próprio conselho geral, o único órgão em que a proposta de lei inova, fica na completa dependência da deliberação da instituição? Quer em relação ao senado, quer em relação a outros eventuais órgãos que cada instituição entenda dever criar, a proposta de lei consagra, a meu ver bem, o princípio da diversidade organizacional, o que abre caminho para que possam ser adoptadas diferentes arquitecturas organizativas, o que também poderá contribuir para a melhoria de funcionamento das instituições;

7) A leitura globalmente positiva que faço da iniciativa legislativa do Governo não significa que não veja aspectos francamente criticáveis nalgumas das suas incidências, designadamente no que se refere ao modo como trata a integração do ensino privado no sistema de ensino superior, perpassa pelo texto a ideia preconcebida da supletividade, que não só foi expressamente afastada da Constituição, como é completamente inaceitável nos dias de hoje. Também se não compreende por que, ao contrário do que acontece presentemente, se reserva às instituições sem fins lucrativos (como se estes constituam uma mácula) a atribuição das prerrogativas das pessoas colectivas de utilidade pública ou se pretenda estabelecer na lei a exigência de que o regime de contratação do pessoal docente das instituições privadas deverá ser objecto de uma convenção colectiva de trabalho;

8) Apesar das referidas discordâncias, como de outras de natureza mais pontual que não cabe aqui mencionar, o que é para mim mais relevante é o sentido globalmente positivo (ainda que tímido no seu verdadeiro alcance) da proposta do Governo e é isso que me leva a votar contra a aprovação do sentido geral do parecer, ora aprovado por este Conselho. - Jacinto Jorge Carvalhal.

Declaração de voto. - Tendo votado favoravelmente o sentido e o texto do parecer sobre o regime jurídico das instituições de ensino superior, apresentado hoje em sessão plenária do Conselho Nacional de Educação (CNE), e dado que, atendendo às ilustres intervenções havidas e ao adiantado da hora, optei por não usar da palavra no referido plenário, gostaria ainda assim de solicitar seja apenso ao relato da sessão a declaração de voto que aqui formulo.

A proposta de lei denominada "Regime jurídico das instituições de ensino superior" (IES) apresentada pelo Governo para aprovação em sede da Assembleia da República (AR) enferma, em minha modesta opinião, de dois tipos de males: um referente ao método, outro referente ao conteúdo, sendo que as questões de conteúdo parecem explicar as questões de método.

Com efeito, a forma do processo pelo qual esta proposta de lei irá a votação na AR já na próxima semana, não pode deixar de levar a concluir que, com todo o respeito, quer Governo quer AR - ou pelo menos a sua maioria - não se encontram interessados em conhecer o parecer, pelo menos na sua substância, quer do CNE quer de muitos outros interessados da nossa sociedade, parecendo inflexíveis em cristalizar o conteúdo da proposta de diploma em torno de uma fixação surda às vozes da sociedade e, principalmente, daqueles que serão os seus principais destinatários.

O CNE, sem prejuízo do parecer já aprovado, sendo um órgão de autoridade - ainda que não de poder, conforme concluído aquando da discussão da sua missão - de facto deve manifestar viva e inequivocamente a sua discordância, não apenas sobre o conteúdo mas também sobre o método, dado que, como já referido, este último deriva do primeiro.

De facto, um documento de fundamental importância como este, ainda que não reunindo unanimidade, pelo menos implicaria um consenso alargado na sociedade, fundado num amplo e maturado debate, ainda que não eternizado mas limitado no tempo, exactamente o oposto do que agora acontece, pois se consenso existe é em torno da reprovação das orientações do texto legislativo proposto.

Sobre os motivos da rejeição, na sua essência, à proposta de lei, já hoje ilustres conselheiros se pronunciaram em sede do CNE, no entanto, permita-se-me ainda aduzir aqui um curto pensamento. Devendo ser objectivo desta proposta promover a diversidade e a autonomia das IES, afigura-se, pelo contrário, restringi-las, porque, se assim não fosse, daria a prorrogativa a cada IES de escolher o seu modelo de funcionamento, através de uma assembleia académica alargada, preservando assim princípios democráticos de consagração constitucional e comummente aceites. No entanto, paradoxalmente, esta proposta de lei é restritiva no modelo a adoptar pelas IES, precisamente nos aspectos que reúnem em torno de si uma maior rejeição. - Mário Rui Mota.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2007/09/28/plain-219707.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/219707.dre.pdf .

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

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NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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