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Acórdão 871/2023, de 6 de Fevereiro

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Sumário

Decide, com respeito às contas da campanha eleitoral apresentadas pelo grupo de cidadãos eleitores «P'rá Frente Santo Tirso», relativas às eleições autárquicas realizadas a 1 de outubro de 2017, julgar extinto, por prescrição, o procedimento contraordenacional instaurado contra os primeiro proponente e mandatário financeiro daquele grupo de cidadãos eleitores, relativamente às contraordenações que lhes foram imputadas na decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, datada de 23 de fevereiro de 2023

Texto do documento

Acórdão 871/2023

Sumário: Decide, com respeito às contas da campanha eleitoral apresentadas pelo grupo de cidadãos eleitores «P'rá Frente Santo Tirso», relativas às eleições autárquicas realizadas a 1 de outubro de 2017, julgar extinto, por prescrição, o procedimento contraordenacional instaurado contra os primeiro proponente e mandatário financeiro daquele grupo de cidadãos eleitores, relativamente às contraordenações que lhes foram imputadas na decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, datada de 23 de fevereiro de 2023.

Processo 458/23

Aos doze dias do mês de dezembro de dois mil e vinte e três, achando-se presentes o Juiz Conselheiro Presidente José João Abrantes e os Juízes Conselheiros José Teles Pereira, António da Ascensão Ramos, João Carlos Loureiro, Maria Benedita Urbano, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Mariana Canotilho, Joana Fernandes Costa, Afonso Patrão, Rui Guerra da Fonseca e Carlos Medeiros Carvalho, foram trazidos à conferência, em sessão plenária do Tribunal Constitucional, os presentes autos.

Após debate e votação, foi, pelo Exmo. Conselheiro Vice-Presidente, por delegação do Exmo. Conselheiro Presidente, nos termos do artigo 39.º, n.º 2, da Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional - referida adiante pela sigla «LTC»), ditado o seguinte:

I - Relatório

1 - Nos presentes autos de recurso jurisdicional em matéria de contas de campanhas eleitorais, vindos da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante designada apenas por «ECFP»), em que são recorrentes Henrique da Cruz Pinheiro Machado e José Carlos Carneiro da Silva, foi interposto o presente recurso da decisão daquela Entidade, de 23 de fevereiro de 2023 relativa às contas apresentadas pelo grupo de cidadãos eleitores "P'rá Frente Santo Tirso" (doravante designado apenas pela sigla «GCE»), pela participação na campanha das eleições gerais para os órgãos das autarquias locais, realizadas a 1 de outubro de 2017, e que sancionou os ora recorrentes: o primeiro, na qualidade de primeiro proponente; o segundo, na qualidade de mandatário financeiro do aludido grupo de cidadãos eleitores.

2 - Por decisão datada de 7 de outubro de 2020, tomada no âmbito do processo PA 70/AL/17/2018, a ECFP julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pelo GCE, relativas à campanha das eleições gerais para os órgãos das autarquias locais, realizadas a 1 de outubro de 2017 (artigo 27.º, n.º 4, da Lei 19/2003, de 20 de junho [Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, referida adiante pela sigla «LFP»] e artigo 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro (Lei da Organização e Funcionamento da ECFP, referida adiante pela sigla «LEC»)].

Mais determinou, nos termos do artigo 44.º, n.º 1, da LEC, a extração de certidão para apuramento de eventual responsabilidade contraordenacional.

3 - Em 14 de setembro de 2022, a ECFP instaurou procedimento contraordenacional, a que corresponde o processo 48/2022 e ao qual foi apensado o procedimento PA 70/AL/17/2018.

4 - No âmbito do referido procedimento contraordenacional n.º 48/2022, a ECFP proferiu decisão, datada de 23 de fevereiro de 2023, nos termos da qual foi deliberado aplicar aos arguidos as seguintes coimas:

a) Ao Arguido Henrique da Cruz Pinheiro Machado, Primeiro Proponente do GCE, uma coima no valor de 1 (uma) vez o indexante dos apoios sociais de 2018, o que perfaz a quantia de (euro) 428,90, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20 de junho;

b) Ao Arguido José Carlos Carneiro da Silva, Mandatário Financeiro do GCE, uma coima no valor de 1 (uma) vez o indexante dos apoios sociais de 2018, o que perfaz a quantia de (euro) 428,90, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20 de junho.

5 - Notificados de tal decisão sancionatória, os arguidos dela interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional. Da motivação desenvolvida extraíram as seguintes conclusões:

«a) Ao longo de todo este processo, já de si penalizador psicologicamente do seu dia-a-dia, como cidadãos honestos, sempre responderam atempadamente a todas as questões e esclarecimentos solicitados pela ECFP, face a alegadas irregularidades constantes da apresentação de contas da campanha eleitoral referida, como V. Ex.ª poderá verificar na decisão emanada da ECFP e recebida, por nós, em 1 de Março de 2023. E se mais esclarecimentos não fornecemos foi porque, após vários contactos telefónicos e por e-mail em 2 e 9 de Dezembro com o sr. Dr. Carlos Carvalho, não obtivemos qualquer reposta para o cabal esclarecimento de quaisquer dúvidas, por parte do nosso economista/contabilista certificado e do próprio mandatário financeiro da campanha (Documentos anexos);

b) Estranham também que sejam acusados de, nas contas da campanha, apresentarem valores abaixo do valor do mercado em comparação com a listagem de referência da ECFP, o que só veio favorecer o erário público, sem um mínimo de qualquer proveito próprio;

c) E mais, estranham que a sua opção por preços abaixo do valor de referência fosse uma conduta proibida e contraordenacionalmente sancionável quando, pelo contrário, se sentiam confortáveis pela baixa de preços conseguida;

d) E não compreendem o facto de serem penalizados, mesmo depois de apresentarem, no âmbito dos presentes autos, declarações que corrigem, com documentos de empresas, alguns factos omissos na apresentação de contas. O que os leva a concluir, que de nada valeram essas justificações solicitadas, numa situação requerida para sua defesa, na medida em que o teor da decisão da ECFP em nada foi alterado;

e) Por outro lado, um grupo de cidadãos eleitores, não tem máquinas partidárias que apurem a contabilidade das contas de campanha, mas, mesmo sem esse apoio, recorreram aos serviços de um economista/contabilista certificado;

f) Também, o facto do arguido, Henrique da Cruz Pinheiro Machado, ter sido eleito para a Assembleia de Freguesia de Negrelos (S. Tomé), concelho de Santo Tirso, nas eleições gerais realizadas em 11 de Outubro de 2009, não pode ser sinónimo de ter experiência anterior nesta matéria, uma vez que as contas de campanha para as Assembleias de Freguesia não são escrutinadas com todo o rigor exigível nas eleições para as Assembleias e Câmaras Municipais;

g) E muito menos compreendem que seja lançado um clima de suspeição sobre as contas apresentadas e esclarecidas posteriormente, com o fundamento de poderem existir receitas proibidas ou por formas não previstas por via da sub ou sobre valorização da despesa, pois essa suspeição carece de fundamento perante os documentos apresentados pelos fornecedores. Ou será que as empresas passaram documentos sem valor legal, conforme se pode deduzir no teor da decisão da ECFP?;

h) De forma alguma os arguidos se podem conformar com qualquer acto antijurídico, baseada num clima de suspeição de actuação dolosa, sem qualquer fundamento, e que a ECFP deveria justificar com dados concretos e confirmados;

i) Quanto ao facto do aluguer de estruturas metálicas e telas de outdoor's, os arguidos contrataram com o devido tempo esse aluguer, sempre antes, como se pode deduzir, de saberem o resultado eleitoral e, daí, sem conhecerem o valor atribuído a este aluguer, e mesmo assim, por valores inferiores aos do mercado corrente e aos valores de referência;

j) E se o valor do aluguer das estruturas metálicas e das telas dos outdoor's atingiram o valor que tiveram nas despesas de campanha, foi porque foi entendido pela estrutura de campanha que era o meio mais eficaz para dar a conhecer os candidatos junto dos eleitores, e de dar a conhecer as candidaturas do GCE (sem o apoio de qualquer força partidária), e da forma mais económica e menos poluente possível.»

6 - Por deliberação de 19 de abril de 2023, a ECFP sustentou a decisão sancionatória.

Recebidos os autos no Tribunal Constitucional, foi proferido despacho, datado de 1 de agosto de 2023, pelo qual se admitiu liminarmente o recurso interposto. Perspetivando-se a possibilidade de ter sobrevindo a prescrição do procedimento criminal, foram Ministério Público e recorrentes convidados a emitir pronúncia sobre tal questão.

O Ministério Público pronunciou-se, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC, no sentido de não ter ocorrido a prescrição do procedimento criminal e de dever ser negado provimento ao recurso.

Os recorrentes não se pronunciaram sobre a questão da prescrição, mas concluíram no sentido da sua absolvição, reiterando o alegado no recurso.

II - Fundamentação

A) Considerações gerais

7 - A Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, veio alterar, entre outras, a LFP e a LEC, introduzindo profundas modificações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.

Considerando que, à data de entrada em vigor desta lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) -, não havia ainda procedimento contraordenacional instaurado porquanto o prazo para prestação das contas da campanha estava ainda em curso, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da referida Lei Orgânica, por se tratar de processo novo.

A respeito do novo regime legal, quer quanto à competência de fiscalização, quer quanto ao regime processual, foram desenvolvidas algumas considerações no Acórdão 421/2020 (acessível, assim como os demais acórdãos adiante citados, a partir da hiperligação

http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), para o qual se remete, salientando-se aqui que a alteração mais significativa diz respeito à competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, bem como aplicar as respetivas coimas que, até abril de 2018, pertencia ao Tribunal Constitucional e passou agora a ser atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP).

Assim, nos termos do novo regime legal, cabe ao Plenário do Tribunal Constitucional apreciar, em recurso de plena jurisdição, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigo 9.º, alínea e), da LTC).

No referido Acórdão 421/2020 esclareceu-se ainda, relativamente à competência do Tribunal em matéria de regularidade e legalidade das contas, que a apreciação a efetuar deverá obedecer a critérios de legalidade, centrados na ordem de valores que o regime de financiamento dos partidos pretende tutelar, não se resumindo a uma aplicação mecânica de critérios de natureza estritamente financeira e contabilística (v., entre outros, os Acórdãos n.os 979/1996 e 563/2006).

B) Questões a decidir

8 - Em face das conclusões do recurso e do suscitado oficiosamente, as questões a decidir são as seguintes:

a) Prescrição do procedimento contraordenacional;

b) Subsunção dos factos dados como provados aos ilícitos imputados;

c) Imputação subjetiva dos factos a título doloso ou negligente;

d) Medida concreta das coimas.

C) Apreciação do recurso

9 - Questão prévia: prescrição

No despacho de 1 de agosto de 2023, que admitiu liminarmente o recurso, equacionou-se a possibilidade de ter ocorrido a prescrição do procedimento contraordenacional. Ouvidos os sujeitos processuais sobre a questão, pronunciou-se somente o Ministério Público, no sentido negativo.

Apreciemos a questão.

As contraordenações previstas na LFP, processadas segundo os trâmites estabelecidos na LEC, estão sujeitas ao regime de prescrição do procedimento contraordenacional previsto nos artigos 27.º, 27.º-A e 28.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de outubro (Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social e Respetivo Processo, referido adiante pela sigla «RGCO»). É nesse regime geral que se encontram as normas sobre prazos de prescrição, bem como sobre as causas suspensivas e interruptivas do mesmo. O regime de contraordenações em matéria de financiamento e contas dos partidos políticos também integra causas específicas de suspensão da prescrição do procedimento que importa considerar na contagem do respetivo prazo. Com efeito, a LEC prevê, no seu artigo 22.º, situações especiais a que é atribuído efeito suspensivo, relativas ao incumprimento da obrigação de entrega de contas.

A Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, operou uma profunda modificação do quadro legal da fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais, reestruturando o regime e processamento das contraordenações com ele relacionadas. Essa modificação teve implicação em diversos aspetos relevantes para a contagem dos prazos de prescrição, dos quais importa destacar a eleição dos marcos temporais relevantes para essa contagem, bem como para o catálogo de atos e eventos aos quais a lei associa efeitos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição.

Estando aqui em causa a condenação dos recorrentes pela prática de contraordenações decorrentes das contas da campanha eleitoral para as eleições autárquicas de 2017, poder-se-ia equacionar se a entrada em vigor da Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril - que ocorreu, como se disse, em 20 de abril de 2018 - convocaria um problema de sucessão de leis no tempo. Contudo, não é esse o caso, dado que - em prejuízo do que adiante se dirá sobre a data precisa em que se deve considerar praticada a infração imputada - as modificações introduzidas pela Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, entraram em vigor em data anterior à prática das infrações, sendo esse o critério relevante, segundo o disposto nos artigos 3.º, n.os 1 e 2 e 5.º, ambos do RGCO, para a relevância da sucessão de leis no tempo. Como tal, a apreciação da eventual prescrição do procedimento contraordenacional deverá ser regida exclusivamente pelo quadro legal criado pela reforma legislativa de 2018.

No caso em análise está em causa, em relação a ambos os recorrentes, a contraordenação prevista no artigo 31.º, n.º 1, da LFP, punida com uma coima máxima de (euro)34.080,00, atento o valor do Indexante de Apoios Sociais (IAS) vigente à data (ano de 2018, no valor de (euro) 428,90, nos termos do artigo 2.º da Portaria 21/2018, de 18 de janeiro).

Assim, o prazo normal de prescrição aplicável é o de três anos, nos termos do artigo 27.º, alínea b), do RGCO.

Vejamos agora a contagem do respetivo prazo.

Importa começar por fixar o termo inicial do prazo de prescrição. Nos termos do proémio do artigo 27.º do RGCO, o termo inicial coincide com a data da prática da infração, definida nos termos do artigo 5.º do mesmo diploma. Conforme se vem reiterando na jurisprudência deste Tribunal (v. os Acórdãos n.os 361/2003 e 423/2004), para o caso geral, a data da consumação das contraordenações por inobservância dos deveres formais de organização contabilística impostos pela LFP - como são as imputadas aos arguidos no âmbito dos presentes autos - corresponde ao termo final do prazo de entrega das contas partidárias.

Sobre a questão rege o artigo 27.º, n.º 1, da LFP, onde se dispõe que as contas relativas à campanha eleitoral, quando se trate de eleições autárquicas, devem ser prestadas no prazo máximo de 90 dias após o pagamento integral da subvenção pública, regulado no artigo 5.º do mesmo diploma.

Tal preceito não regula a forma de contagem do prazo. Atendendo a que, de acordo com atual quadro legal, o prazo em causa foi fixado para a prestação de contas perante uma entidade administrativa e que o próprio procedimento de controlo subsequente tem essa natureza, é de entender que a sua contagem deve obedecer ao artigo 87.º do Código do Procedimento Administrativo, o que significa que corre em dias úteis.

Segundo a informação prestada pela Assembleia da República, o terminus do pagamento da subvenção pública teve lugar no dia 20 de abril de 2018, pelo que as contas deveriam ser prestadas até ao dia 31 de agosto de 2018. A data da consumação das infrações é, pois, 1 de setembro de 2018, que coincide com o dies a quo do prazo prescricional.

Nos artigos 27.º-A e 28.º do RGCO definem-se os factos e eventos a que a lei atribui efeito suspensivo e interruptivo da prescrição.

No caso vertente, é suficiente enumerar:

(i) A notificação da decisão da ECFP, datada de 7 de outubro de 2020, relativa às irregularidades das contas da campanha eleitoral, ocorrida em 28 de setembro de 2020 (fls. 160 s 164v do PA);

(ii) A notificação da instauração do procedimento de contraordenação, ocorrida em setembro de 2022 (fls. 9 a 15 dos presentes autos);

(iii) A notificação da decisão condenatória e de aplicação de coima, datada de 23 de fevereiro de 2023, em 28 de fevereiro de 2023 (fls. 28 a 31); e

(iv) A notificação do despacho que admitiu o recurso judicial interposto pelos arguidos:

a) Ao arguido Henrique Machado no dia 11 de agosto de 2023;

b) Ao arguido José Carlos Silva no dia 14 de agosto de 2023.

Nos termos das alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 28.º do RGCO, estas notificações correspondem a atos processuais cujo efeito é inutilizar, relativamente à prescrição, o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo prescricional. Considerando que, entre a data de início da contagem do prazo de prescrição e cada um desses atos, até ao momento presente, nunca decorreram mais de três anos, é de concluir que a prescrição não sobreveio por esgotamento do prazo normal de prescrição.

Contudo, dispõe o n.º 3 do artigo 28.º do RGCO que a prescrição do procedimento terá sempre lugar sempre que, desde o seu início e ressalvando o tempo de suspensão, tenha decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade. No caso sub judice, quatro anos e seis meses.

Esse prazo esgotar-se-ia em 1 de março de 2023.

Porém, importa destacar duas suspensões da contagem do prazo.

Em primeiro lugar, a suspensão de prazos decorrentes da legislação aprovada no âmbito da crise sanitária - SARS-COVID 19, que se prolongou por, pelo menos, 157 dias (v., neste sentido, os Acórdãos n.os 500/2021, 660/2021 e 798/2021). Com efeito, da conjugação do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 7.º da Lei 1-A/2020, de 19 de março, mesmo não considerando o disposto no artigo 5.º da Lei 4-A/2020, de 6 de abril, resulta que todos os prazos de prescrição então em curso se suspenderam desde o dia 12 de março de 2020 até ao dia 2 de junho de 2020 (v. os artigos 8.º e 10.º da Lei 16/2020, de 29 de maio) - isto é, pelo período de 83 dias. Posteriormente, por força do artigo 6.º-B, n.º 3, aditado à Lei 1-A/2020, de 19 de março, pela Lei 4-B/2021, de 1 de fevereiro, ocorreu nova suspensão dos prazos de prescrição, com efeitos desde o dia 22 de janeiro de 2021 até ao dia 5 de abril de 2021, inclusive (v. os artigos 6.º e 7.º da Lei 13-B/2021, de 5 de abril) - isto é, pelo período 74 dias. Com tal suspensão, o prazo a que se refere o artigo 28.º, n.º 3, do RGCO teria terminado em 5 de agosto de 2023.

Importa ainda considerar uma segunda causa de suspensão da prescrição, prevista no artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c), do RGCO, decorrente da notificação do despacho que admitiu o recurso interposto pelos arguidos. Essa notificação tem-se por efetuada no dia 4 de agosto de 2023, perdurando por um máximo de seis meses, nos termos do n.º 2 do artigo 27.º-A do RGCO.

No caso vertente, o recorrente Henrique Machado foi notificado no dia 11 de agosto de 2023, data em que se encontra assinado o aviso de receção. Já o recorrente José Carlos Silva apenas se tem por notificado no dia 14 de agosto de 2023, dado que a missiva inicial foi devolvida pelos Correios com indicação de endereço insuficiente, pelo que teve de ser repetida com indicação mais precisa de morada.

Como resulta do invocado preceito legal, o facto suspensivo da prescrição do procedimento contraordenacional é a notificação do despacho de apreciação liminar. Ora, por notificação do despacho tem aqui de se entender a data em que a notificação efetivamente ocorre ou deve ser tida por verificada, consoante opere ou não por via de presunção de notificação (sujeita a ilisão, nos termos gerais). Assim, ao contrário do que sustenta o Ministério Público no seu parecer, a suspensão da prescrição não se deu na data em que o Tribunal expediu as cartas de notificação do despacho de recebimento do recurso - o que não garante que a notificação venha a ocorrer -, mas na data ou datas em que as notificações se têm por concretizadas. Não tendo as notificações do despacho que recebeu o recurso ocorrido até ao dia 5 de agosto de 2023, sobreveio a prescrição do procedimento contraordenacional nessa data, sendo inoperante a causa prevista no artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c), do RGCO.

Em face do exposto, conclui-se pela prescrição do procedimento contraordenacional contra ambos os arguidos e recorrentes, ficando prejudicada a apreciação do mérito do recurso.

III - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar extinto, por prescrição, o procedimento contraordenacional instaurado contra Henrique da Cruz Pinheiro Machado e José Carlos Carneiro da Silva, relativamente às contraordenações que lhes foram imputadas na decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, datada de 23 de fevereiro de 2023.

Sem custas, por não serem legalmente devidas.

Lisboa, 13 de dezembro de 2023. - Gonçalo Almeida Ribeiro - José Teles Pereira - António José da Ascensão Ramos - João Carlos Loureiro - Maria Benedita Urbano - Mariana Canotilho - Joana Fernandes Costa - Afonso Patrão - Rui Guerra da Fonseca - Carlos Medeiros de Carvalho - José João Abrantes.

Acórdão retificado pelo Acórdão 7/2024, de 9 de janeiro de 2024.

317295901

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5638175.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 2003-06-20 - Lei 19/2003 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2005-01-10 - Lei Orgânica 2/2005 - Assembleia da República

    Regula a organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

  • Tem documento Em vigor 2018-04-19 - Lei Orgânica 1/2018 - Assembleia da República

    Oitava alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), segunda alteração à Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), sétima alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), e primeira alteração à Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos)

  • Tem documento Em vigor 2020-03-19 - Lei 1-A/2020 - Assembleia da República

    Medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19

  • Tem documento Em vigor 2020-04-06 - Lei 4-A/2020 - Assembleia da República

    Procede à primeira alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que aprova medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, e à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, que estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19

  • Tem documento Em vigor 2020-05-29 - Lei 16/2020 - Assembleia da República

    Altera as medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia da doença COVID-19, procedendo à quarta alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, à primeira alteração à Lei n.º 9/2020, de 10 de abril, e à décima segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março

  • Tem documento Em vigor 2021-02-01 - Lei 4-B/2021 - Assembleia da República

    Estabelece um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março

  • Tem documento Em vigor 2021-04-05 - Lei 13-B/2021 - Assembleia da República

    Cessa o regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais adotado no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março

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NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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