de 24 de Julho
A protecção da saúde dos cidadãos, constitucionalmente consagrada como um direito social, impõe ao Estado a adopção das medidas indispensáveis à sua efectiva realização, nas diversas vertentes que com ele se prendem.Neste domínio, assume, sem dúvida, relevância o conhecimento de que aquele bem jurídico essencial deve ser protegido contra possíveis lesões praticadas por causa do exercício inqualificado de certas funções.
De tal conhecimento decorre, directamente, a necessidade de condicionar o exercício de actividades ligadas à prestação de cuidados de saúde, por forma a conseguir-se aquela protecção.
E esta necessidade é tanto mais sentida quanto é certo que a evolução científica e tecnológica, com reflexos na área das ciências médicas, funciona como factor determinante de maiores exigências ao nível da formação e da diferenciação de profissionais de saúde.
No âmbito dos serviços públicos de saúde, aquele objectivo encontra-se, de algum modo, reflectido na disciplina que, para os técnicos de diagnóstico e terapêutica, foi criada pelo Decreto-Lei n.° 384-B/85, de 30 de Setembro, bem como em diversa legislação que lhe é complementar.
Outro é, porém, o panorama fora dos serviços públicos. Aí, na verdade, por ausência de enquadramento legal específico, nos domínios da formação e do exercício profissional, não se encontra devidamente assegurada a protecção da saúde.
Impõe-se, por isso, a intervenção do Estado, em obediência aos imperativos constitucionais relativos à saúde, promovendo as medidas que garantam a maior qualidade dos cuidados a prestar, pela adequada formação técnica dos agentes de saúde e pela sua dignificação do ponto de vista deontológico.
O Governo, reconhecendo a urgência de tomar medidas disciplinadoras neste sector, decidiu solicitar autorização para legislar na matéria, tendo sido publicada a Lei n.° 31/92, de 30 de Dezembro.
O presente diploma condiciona desde já, genericamente, o exercício de actividades profissionais de saúde, condicionando igualmente a criação de cursos de formação profissional de saúde e perspectivando os elementos que deverão consubstanciar a regulamentação das profissões, a aprovar por decreto regulamentar.
Finalmente, importa referir que não se optou, nesta matéria, pela sujeição automática ao regime jurídico das carteiras profissionais, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 358/84, de 13 de Novembro, porquanto se admitiu que, em sede da regulamentação profissional específica, venha a considerar-se não ser aquele regime o mais adequado, tendo em vista, designadamente, que ele poderá comportar normas de carácter deontológico com um elevado nível de exigibilidade.
Foram ouvidas as organizações de classe representativas das actividades que este diploma visa regular.
Assim:
No uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 1.° da Lei n.° 31/92, de 30 de Dezembro, e nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 201.° da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.°
Âmbito
1 - O presente diploma regula o exercício das actividades profissionais de saúde, adiante designadas por actividades paramédicas, que compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação.2 - Não são abrangidas pelo presente diploma as actividades exercidas, no âmbito de competências próprias, por profissionais com inscrição obrigatória em associação de natureza pública e ainda por odontologistas, enfermeiros e parteiras.
3 - As actividades paramédicas a que se refere o n.° 1 são as constantes da lista anexa ao presente diploma, do qual faz parte integrante.
Artigo 2.°
Condições de exercício profissional
1 - Sem prejuízo de regulamentação específica de profissões abrangidas pelo artigo anterior, o exercício de actividades paramédicas depende da verificação das seguintes condições:a) Titularidade de curso ministrado em estabelecimento de ensino oficial ou do ensino particular ou cooperativo desde que reconhecido nos termos legais;
b) Titularidade de diploma ou certificado reconhecido como equivalente aos referidos na alínea anterior por despacho conjunto dos Ministros da Educação e da Saúde;
c) Titularidade de carteira profissional, ou título equivalente, emitido ou validado por entidade pública;
2 - O grau de autonomia específico do exercício de cada uma das actividades paramédicas, bem como as normas específicas das profissões, incluindo as regras deontológicas, constam de decreto regulamentar.
Artigo 3.°
Contratos
1 - O contrato pelo qual alguém se obriga a exercer actividades paramédicas mediante retribuição, sem observância do disposto no artigo anterior, é nulo.2 - O regime previsto no presente diploma não pode ser afastado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
Artigo 4.°
Formação e registo profissional
1 - A criação de cursos, por entidades públicas ou privadas, que habilitem ao exercício de qualquer das actividades paramédicas objecto do presente diploma depende de despacho conjunto dos Ministros da Educação e da Saúde.2 - O Ministério da Saúde procede ao registo dos profissionais abrangidos pelo presente diploma.
Artigo 5.°
Regime transitório
Os trabalhadores subordinados e autónomos que, à data da entrada em vigor do presente diploma, estejam no exercício de actividades paramédicas podem permanecer na mesma situação, com salvaguarda das situações jurídicas constituídas, até à publicação da regulamentação da respectiva profissão.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 11 de Junho de 1993. - Aníbal António Cavaco Silva - Jorge Braga de Macedo - Arlindo Gomes de Carvalho.
Promulgado em 7 de Julho de 1993.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 11 de Julho de 1993.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.
ANEXO
1 - Análises clínicas e de saúde pública. - Desenvolvimento de actividades ao nível da patologia clínica, imunologia, hematologia clínica, genética e saúde pública, através do estudo, aplicação e avaliação das técnicas e métodos analíticos próprios, com fins de diagnóstico e de rastreio.2 - Anatomia patológica, citológica e tanatológica. - Tratamento de tecidos biológicos colhidos no organismo vivo ou morto, com observação macroscópica e microscópica, óptica e electrónica, com vista ao diagnóstico anatomopatológico; realização de montagem de peças anatómicas para fins de ensino e formação; execução e controlo das diversas fases da técnica citológica.
3 - Audiometria. - Desenvolvimento de actividades no âmbito da prevenção e conservação da audição, do diagnóstico e reabilitação auditiva, bem como no domínio da funcionalidade vestibular.
4 - Cardiopneumografia. - Centra-se no desenvolvimento de actividades técnicas para o estudo funcional e de capacidade anatomofisiopatológica do coração, vasos e pulmões, e de actividades ao nível da programação, aplicação de meios do diagnóstico e sua avaliação, bem como no desenvolvimento de acções terapêuticas específicas, no âmbito da cardiologia, pneumologia e cirurgia cardiotorácica.
5 - Dietética. - Aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares.
6 - Farmácia. - Desenvolvimento de actividades no circuito do medicamento, tais como análises e ensaios farmacológicos, interpretação da prescrição terapêutica e de fórmulas farmacêuticas, sua preparação, identificação e distribuição, controlo da conservação, distribuição e stocks de medicamentos e outros produtos, informação e aconselhamento sobre o uso do medicamento.
7 - Fisioterapia. - Centra-se na análise e avaliação do movimento e da postura, baseadas na estrutura e função do corpo, utilizando modalidades educativas e terapêuticas específicas, com base, essencialmente, no movimento, nas terapias manipulativas e em meios físicos e naturais, com a finalidade de promoção da saúde e prevenção da doença, da deficiência, de incapacidade e da inadaptação e de tratar, habilitar ou reabilitar indivíduos com disfunções de natureza física, mental, de desenvolvimento ou outras, incluindo a dor, com o objectivo de os ajudar a atingir a máxima funcionalidade e qualidade de vida.
8 - Higiene oral. - Realização de actividades de promoção da saúde oral dos indivíduos e das comunidades, visando métodos epidemiológicos e acções de educação para a saúde; prestação de cuidados individuais que visem prevenir e tratar as doenças orais.
9 - Medicina nuclear. - Desenvolvimento de acções nas áreas de laboratório clínico, de medicina nuclear e de técnica fotográfica com manuseamento de aparelhagem e produtos radioactivos, bem como execução de exames morfológicos associados ao emprego de agentes radioactivos e estudos dinâmicos e sinéticos com os mesmos agentes e com testagem de produtos radioactivos, utilizando técnicas e normas de protecção e segurança radiológica no manuseamento de radiações ionizantes.
10 - Neurofisiografia. - Realização de registos da actividade bioeléctrica do sistema nervoso central e periférico, como meio de diagnóstico na área da neurofisiologia, com particular incidência nas patologias do foro neurológico e neurocirúrgico, recorrendo a técnicas convencionais e ou computorizadas.
11 - Ortóptica. - Desenvolvimento de actividades no campo do diagnóstico e tratamento dos distúrbios da motilidade ocular, visão binocular e anomalias associadas; realização de exames para correcção refractiva e adaptação de lentes de contacto, bem como para análise da função visual e avaliação da condução nervosa do estímulo visual e das deficiências do campo visual;
programação e utilização de terapêuticas específicas de recuperação e reeducação das perturbações da visão binocular e da subvisão; acções de sensibilização, programas de rastreio e prevenção no âmbito da promoção e educação para a saúde.
12 - Ortopróteses. - Avaliação de indivíduos com problemas motores ou posturais, com a finalidade de conceber, desenhar e aplicar os dispositivos necessários e mais adequados à correcção do aparelho locomotor, ou à sua substituição no caso de amputações, e desenvolvimento de acções visando assegurar a colocação dos dispositivos fabricados e respectivo ajustamento, quando necessário.
13 - Prótese dentária. - Realização de actividades no domínio do desenho, preparação, fabrico, modificação e reparação de próteses dentárias, mediante a utilização de produtos, técnicas e procedimentos adequados.
14 - Radiologia. - Realização de todos os exames da área de radiologia de diagnóstico médico; programação, execução e avaliação de todas as técnicas radiológicas que intervêm na prevenção e promoção da saúde;
utilização de técnicas e normas de protecção e segurança radiológica no manuseamento com radiações ionizantes.
15 - Radioterapia. - Desenvolvimento de actividades terapêuticas através da utilização de radiação ionizante para tratamentos, incluindo o pré-diagnóstico e follow-up do doente; preparação, verificação, assentamento e manobras de aparelhos de radioterapia; actuação nas áreas de utilização de técnicas e normas de protecção e segurança radiológica no manuseamento com radiações ionizantes.
16 - Terapia da fala. - Desenvolvimento de actividades no âmbito da prevenção, avaliação e tratamento das perturbações da comunicação humana, englobando não só todas as funções associadas à compreensão e expressão da linguagem oral e escrita, mas também outras formas de comunicação não verbal.
17 - Terapia ocupacional. - Avaliação, tratamento e habilitação de indivíduos com disfunção física, mental, de desenvolvimento, social ou outras, utilizando técnicas terapêuticas integradas em actividades seleccionadas consoante o objectivo pretendido e enquadradas na relação terapeuta/utente;
prevenção da incapacidade, através de estratégias adequadas com vista a proporcionar ao indivíduo o máximo de desempenho e autonomia nas suas funções pessoais, sociais e profissionais, e, se necessário, o estudo e desenvolvimento das respectivas ajudas técnicas, em ordem a contribuir para uma melhoria da qualidade de vida.
18 - Higiene e saúde ambiental (sanitarismo). - Desenvolvimento de actividades de identificação, caracterização e redução de factores de risco para a saúde originados no ambiente, participação no planeamento de acções de saúde ambiental e em acções de educação para a saúde em grupos específicos da comunidade, bem como desenvolvimento de acções de controlo e vigilância sanitária de sistemas, estruturas e actividades com interacção no ambiente, no âmbito da legislação sobre higiene e saúde ambiental