Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Assento 4/93, de 26 de Março

Partilhar:

Sumário

A ALÍNEA A) DO NUMERO 2 DO ARTIGO 311 DO CODIGO DE PROCESSO PENAL INCLUI A REJEIÇÃO DA ACUSAÇÃO POR MANIFESTA INSUFICIÊNCIA DE PROVA INDICIÁRIA.

Texto do documento

Assento 4/93
Acordam em plenário das subsecções criminais do Supremo Tribunal de Justiça:
O Exmo. Procurador-Geral distrital junto do Tribunal da Relação de Évora interpôs recurso extraordinário, para fixação de jurisprudência, do acórdão daquela Relação, proferido a 7 de Janeiro de 1992, num processo vindo em recurso do Tribunal da Comarca de Loulé movido pelo Ministério Público contra o arguido Daniel Figueira Nogueira. Nesse acórdão foi confirmado o despacho do juiz da comarca de Loulé, que rejeitou a acusação deduzida pelo Ministério Público contra o arguido Daniel, por manifesta insuficiência de prova indiciária do crime.

Em sentido oposto havia já sido decidido pelo Acórdão da Relação de Coimbra de 16 de Janeiro de 1991, já transitado em julgado e publicado na revista Colectânea de Jurisprudência, ano XVI, 1991, t. I, p. 92, com o sumário seguinte:

O juiz do julgamento não pode rejeitar a acusação com fundamento na insuficiência de indícios.

Em conferência já se decidiu no sentido de os acórdãos das Relações de Coimbra e de Évora, já referidos, terem decidido em sentido oposto no domínio da mesma legislação e sobre a interpretação a dar ao artigo 311.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal.

O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto deste Supremo Tribunal apresentou a minuta de alegações de fl. 19 a fl. 38 dos autos, na qual apoiou a tese e a solução dada ao caso pelo acórdão da Relação de Coimbra, propondo que nesse mesmo sentido se fixasse jurisprudência.

É uma, pois, a questão que se passa a abordar, depois de os Exmos. Conselheiros intervenientes terem aposto nos autos os respectivos vistos.

De acordo com o preceituado nos artigos 283.º, n.º 1, e 285.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, se depois de terminado o inquérito vier a ser deduzida acusação pública ou particular, será esta notificada ao arguido, que poderá, no prazo de cinco dias a contar da notificação da acusação, requerer a abertura da instrução. Se nem pelo arguido, nem por qualquer outro interessado a quem seja concedido o direito respectivo, tiver sido requerida a instrução, há que dar cumprimento ao que se preceitua no artigo 311.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, onde se dispõe:

2 - Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido:

a) De rejeitar a acusação se a considerar manifestamente infundada.
Segundo solução dada pelo acórdão-fundamento, esse preceito não autoriza o juiz a rejeitar a acusação na base da insuficiência de indícios. Mas de forma oposta decidiu o acórdão da Relação de Évora, o acórdão recorrido, ou seja, de que o juiz poderá rejeitar a acusação por manifesta insuficiência de prova.

Segundo o acórdão-fundamento, o juiz não poderá rejeitar a acusação na base da falta de prova indiciária, competindo-lhe apreciar a acusação nos precisos termos desta, como faz o juiz em processo civil, quando uma petição inicial lhe é apresentada a despacho para ordenar a citação.

Acontece que não há qualquer analogia entre a acusação deduzida contra o arguido em processo penal e a petição inicial numa acção cível. Quando ao juiz é apresentada a despacho uma petição inicial, este, em regra, não dispõe de elementos probatórios de que se possa socorrer para a apreciação da sua viabilidade. Ora isso não acontece com a acusação, que vai acompanhada de inquérito, donde constam as provas recolhidas que fundamentam a acusação deduzida.

E nenhuma analogia há também entre o despacho do juiz ordenando a citação do réu e o despacho que recebe a acusação e designa dia para julgamento em processo penal pela prática de um crime.

O simples recebimento pelo juiz de uma acusação em processo penal pode acarretar para o arguido consequências graves, designadamente a adopção de medidas coactivas que podem ir até à prisão preventiva, além de perante a sociedade ficar numa situação de presumível culpado da prática de um ou mais crimes.

O acórdão-fundamento apresenta ainda um outro argumento em abono da solução que deu ao caso, a que o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto dá o seu apoio, e equacionou nos termos seguintes:

O arguido perante a acusação do Ministério Público ou a aceita para ser discutida em julgamento ou requer a abertura da instrução.

É claro que o mesmo problema põe-se também em relação à acusação particular.
Esse magistrado acrescenta ainda:
Trata-se de um direito disponível, competindo à defesa aceitar ou não o juízo de indicação formulado pelo acusador.

Só que esse poder oferecido ao acusador de dispor da relação processual surgida contra a sua vontade com a formulação de uma acusação pela prática de um crime não lhe interessará nada e para ele representaria uma sujeição ao seu acusador, com uma série de consequências bastante graves para ele. Na verdade, o pedido de abertura da instrução envolveria para ele despesas e incómodos e deixar seguir o processo para julgamento acarretaria para ele a sujeição imediata a medidas coactivas e, posteriormente, a sujeição a um julgamento público, que lhe não interessaria.

Acontece ainda que essa interpretação não tem qualquer apoio no Código de Processo Penal.

Antes de estar instituído o actual regime democrático, numa altura em que o País estava a ser governado sem Constituição e sem Parlamento, foi publicado o Decreto-Lei 605/75, de 3 de Novembro, que criou o inquérito policial e deu ao artigo 389.º do Código de Processo Penal de 1929 a redacção seguinte:

A acusação só não será recebida quando o facto não for punível, se achar extinta a acção penal ou o arguido for inimputável.

Por força desse preceito o juiz nos processos correccionais (esse preceito não era aplicável aos processos de querela) não podia deixar de receber a acusação por falta de indícios. É esse o regime legal que o acórdão-fundamento vê como instituído, a avaliar pela interpretação que dá ao artigo 311.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal de 1987. Mas essa interpretação não é aceitável, pois, para começar, contraria a letra da lei por ser restritiva sem qualquer razão que o justifique; e também não está de acordo com o espírito da lei, como o demonstra a evolução legislativa.

Esse artigo 311.º, n.º 2, alínea a), tem como fonte, não a redacção que ao artigo 389.º do Código de Processo Penal de 1929 foi dada pelo Decreto-Lei 605/75, de 3 de Novembro, mas o artigo 390.º, n.º 2, do mesmo Código, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 377/77, de 6 de Setembro, embora utilizando uma terminologia diferente.

O Decreto-Lei 377/77 foi promulgado para dar satisfação a uma exigência estabelecida na redacção primitiva do n.º 3 do artigo 293.º da Constituição, onde se prescrevia:

A adaptação das normas anteriores atinentes ao exercício dos direitos, liberdades e garantias consignadas na Constituição estará concluída até ao fim da 1.ª sessão legislativa.

E disso se dá conta no n.º 1 do relatório desse decreto-lei, que refere destinar-se esse diploma a «adaptar a legislação processual penal às regras mínimas em matéria de direitos, liberdades e garantias» aos preceitos constitucionais.

Mal se compreenderia então que na vigência da mesma Constituição viesse a ser introduzido no Código de Processo Penal de 1987 o regime processual penal do Decreto-Lei 605/75, que havia sido substituído pelo Decreto-Lei 377/77 por incompatível com os novos princípios estabelecidos dessa Constituição em matéria de direitos, liberdades e garantias.

Como se pode ver do relatório que precede o articulado do Código de Processo Penal de 1987, mais precisamente no n.º 4-I nesse novo Código, pretendeu-se dar relevo à tradição processual penal portuguesa. E não há dúvida de que, relativamente aos poderes conferidos ao juiz de receber ou rejeitar a acusação, o regime tradicional, estratificado ao longo da vigência do Código de Processo Penal de 1929, foi o restabelecido pela redacção que ao seu artigo 390.º, n.º 2, foi dada pelo Decreto-Lei 377/77, de 6 de Setembro, que pôs termo ao efémero regime do Decreto-Lei 605/75, no qual passou a ser vedado ao juiz deixar de receber a acusação por insuficiência de prova indiciária; mas isso apenas em processo correccional.

O n.º 2, alínea a), do artigo 311.º respeita a todas as causas de direito substantivo susceptíveis de inviabilizar a acusação, designadamente a insuficiência de indícios probatórios dos factos, a não punibilidade dos mesmos por variadas razões, inclusive, a inimputabilidade do acusado, a prescrição do procedimento criminal, etc. A fórmula usada nesse preceito tem a vantagem de abranger essas causas sem referir, concretamente, nenhuma delas, não se correndo, assim, o risco da omissão de alguma.

Termos em que se decide negar provimento ao recurso e fixar, como obrigatória, a jurisprudência seguinte:

A alínea a) do n.º 2 do artigo 311.º do Código de Processo Penal inclui a rejeição da acusação por manifesta insuficiência de prova indiciária.

Não há lugar ao pagamento de custas e taxa de justiça.
Lisboa, 17 de Fevereiro de 1993. - Fernando Alves Ribeiro - José Henriques Ferreira Vidigal - Manuel da Rosa Ferreira Dias - Armando Pinto Bastos - Bernardo Guimarães Fisher de Sá Nogueira - José Abranches Martins - António Joaquim Coelho Ventura - Jorge Celestino da Guerra Pires - António de Sousa Guedes - Manuel Luís Pinto de Sá Ferreira - Fernando Lopes de Melo [vencido, por ter entendido que a alínea a) do n.º 2 do artigo 311.º do Código de Processo Penal não permite a rejeição da acusação, pelo juiz do julgamento, com base na apreciação dos indícios; pelos fundamentos constantes das alegações do Ministério Público publicados na Revista do Ministério Público, n.º 51, pp. 99 a 107].

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/50158.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda