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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 2/2022, de 30 de Junho

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Sumário

Acórdão do STA de 26 de maio de 2022 no Processo n.º 96/21.1BCLSB-A - Pleno da 1.ª Secção. Uniformiza a Jurisprudência nos seguintes termos: O limite à renovação de mandatos imposto no n.º 2 do artigo 50.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31/12, não se aplica aos titulares de órgãos das associações territoriais de clubes filiadas nas federações desportivas

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 2/2022

Sumário: Acórdão do STA de 26 de maio de 2022 no Processo 96/21.1BCLSB-A - Pleno da 1.ª Secção. Uniformiza a Jurisprudência nos seguintes termos: O limite à renovação de mandatos imposto no n.º 2 do artigo 50.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovado pelo Decreto-Lei 248-B/2008, de 31/12, não se aplica aos titulares de órgãos das associações territoriais de clubes filiadas nas federações desportivas.

Acórdão do STA de 26 de maio de 2022 no Processo 96/21.1BCLSB-A

Pleno da 1.ª Secção

Acordam em conferência no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I - RELATÓRIO

1 - A ... apresentou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), contra a Associação de Futebol da ... ("AF ...") e Contrainteressados B ... e C ..., impugnação da deliberação do Conselho de Justiça da "AF ...", de 28/12/2020, que manteve o despacho do Presidente da Assembleia Geral da "AF ..." que admitiu a candidatura da Lista A aos órgãos da "AF ...", pugnando pela sua substituição por outro que considere verificada a inelegibilidade do Contrainteressado B ..., rejeitando-se, como consequência disso, a restante lista candidata.

Por acórdão de 7/8/2021, o TAD deliberou por unanimidade:

a) Conceder provimento parcial ao recurso, revogando-se a decisão recorrida proferida pelo Conselho de Justiça da AF ... que, ao ter julgado improcedente o recurso interposto pelo Demandante do despacho do Presidente da Assembleia Geral, validou a admissão do Contrainteressado B ... como candidato a Presidente da Direção, em virtude de a irregularidade de que padece a candidatura ser insuprível, uma vez que o mesmo é inelegível;

b) Determinar que o Presidente da Assembleia Geral, ao abrigo do preceituado nos artigos 14.º, n.º 2 e 26.º, n.º 1, alínea c) dos Estatutos, em sede de execução de sentença, notifique, por um lado, o Contrainteressado para cessar funções como Presidente da Direção e, por outro lado, a própria Direção para, no prazo máximo de dois dias úteis, após a notificação, sob pena de rejeição da candidatura e daí decorrente anulação do ato eleitoral e da de tomar posse, suprir a referida irregularidade, preenchendo o Vice-Presidente o lugar e seguindo-se eleições de um novo Presidente de entre os membros da Direção, tudo nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 1 e 2 dos Estatutos da AF ...

Inconformados, tanto o Demandante A ... como a Demandada "AF ..." interpuseram recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) do Acórdão do TAD.

Por Acórdão de 2/12/2021, o TCAS julgou (cf. fls. 131 e segs. SITAF do TCAS):

- Conceder parcial provimento ao Recurso da "Associação de Futebol da ..." e revogar o Acórdão recorrido que considerou inelegível o Contrainteressado B ..., confirmando-se a decisão proferida pelo Conselho de Justiça daquela Associação de 28.12.2020, e, em consequência,

- Considerar prejudicado o conhecimento do recurso do Recorrente A ...

2 - Em 6/1/2022, o Autor (A ...) interpôs o presente recurso para uniformização de jurisprudência deste Acórdão do TCAS, de 2/12/2021 (juntando certidão de um Acórdão de 8/11/2018, que indicou como Acórdão fundamento, proferido pelo mesmo TCAS no proc. n.º 118/17.0BCLSB), invocando o disposto no artigo 152.º do CPTA, com as conclusões que se seguem (cf. fls. 1 e segs. e 20 e segs. SITAF):

«A. O Tribunal Central Administrativo Sul revogou o acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto, na medida em que considerou elegível para o cargo de Presidente da Associação de Futebol da ... (AF...) o contra-interessado B ...

B. Segundo o acórdão, o artigo 50.º n.º 2 do RJFD, não se aplica às associações distritais, nomeadamente à AF ...

C. Sobre as mesmas questões, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do Proc. n.º 118/17.0BCLSB, decidiu de forma frontalmente distinta, quando refere a propósito da aplicabilidade da limitação de mandatos, que decorre do RJFD, às associações territoriais:

"Razão bastante para se concluir não assistir razão aos recorrentes, os quais propugnam uma interpretação estritamente literal do normativo do n.º 2 do artigo 50.º do RJFD, sendo correta a sustentada pelo TAD na decisão ora recorrida, no sentido de que a inelegibilidade do Recorrente está prevista no n.º 1 e n.º 2 do artigo 50.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas que não restringe o seu campo de aplicação às Federações Desportivas, não excluindo as associações de base Territorial, estando abrangido no conceito de Federação Desportiva legalmente fixado, as Associações Territoriais".

D. Bem como quando decidiu relativamente à interpretação do citado normativo, enquanto norma restritiva de direitos, liberdades e garantias:

"E também não se nos afigura que é formalmente inconstitucional, por violação da reserva de lei consagrada no artigo 18.º, n.º 2 e no artigo 46.º ambos da Constituição da República Portuguesa a interpretação efetuada pelo Tribunal a quo, segundo a qual é aplicável às associações desportivas de base territorial o disposto no n.º 2 do artigo 50.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, por a mesma não consubstanciar uma restrição de direitos, liberdades e garantias não constante de ato legislativo pois, manifestamente e como corolário lógico da interpretação atrás empreendida, não se antolha que o Tribunal a quo se haja substituído ao legislador, avocando uma competência que não é sua, pois não criou uma norma jurídica ex novo atentando contra o princípio da separação de poderes, antes fazendo uma correta hermenêutica por apelo a todos os elementos em que esta se deve estruturar dos institutos jurídicos aplicáveis".

E. Nos termos do Artigo 152.º n.º 1 alínea a) do CPTA, constitui fundamento do recurso para uniformização de jurisprudência, a existência de contradição, sobre a mesma questão fundamental de direito, entre um acórdão do Tribunal Central Administrativo, e outro acórdão anteriormente proferido pelo mesmo Tribunal Central Administrativo.

F. Quanto à identidade da questão de direito e à solução oposta, no acórdão recorrido, o Tribunal decidiu pela inaplicabilidade às associações distritais da regra de limitação de mandatos, ínsita no artigo 50.º, n.º 2 do RJFD.

G. No acórdão-fundamento, proferido no Proc. n.º 118/17.0BCLSB, decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul que o artigo 50.º, n.º 2 do RJFD "não exclui as associações de base Territorial, estando abrangido no conceito de Federação Desportiva legalmente fixado, as Associações Territoriais".

H. É, pois, inegável que estamos perante a mesma questão de direito e perante decisões expressas e não considerações colaterais.

I. Quanto à possibilidade de alteração substancial da regulamentação jurídica, ambos os acórdãos foram proferidos durante a vigência do Regime Jurídico das Federações Desportivas, na redação dada pela 273/2009, de 1 de outubro, 10/2013, de 25 de janeiro, 66/2015, de 29 de abril e 67/2015, de 29 de abril)">Lei 101/2017, de 28 de agosto.

J. Como o próprio Tribunal a quo reconhece a "questão essencial a resolver incide em aferir da (in)aplicabilidade do artigo 50.º, n.º 2 do Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD) - na redação dada pelo Decreto-Lei 93/2014, de 23.06, às associações territoriais de clubes".

K. Quanto à interpretação da norma legal, a decisão recorrida recua ao preâmbulo do RJFD de 2008, para aí encontrar a alegada ratio do n.º 2 do art. 50.º do regime, "em oitavo lugar, estabelece-se uma regra geral para a renovação dos mandatos dos titulares dos vários órgãos federativos, de acordo com o qual ninguém pode exercer mais do que três mandatos seguidos num mesmo órgão de uma federação desportiva".

L. A propósito dessa citação preambular, referiu o acórdão "não conter qualquer menção a qualquer outra entidade jurídico-desportiva".

M. E termina com uma referência à revogação do artigo 31.º, n.º 2 do RJFD, o terá procedido à derrogação da "(única) habilitação legal que concedia às associações territoriais a possibilidade de receberem e concretizarem poderes públicos delegados".

N. É com base neste raciocínio lógico que o acórdão em crise conclui pela "distinção entre o n.º 1 e n.º 2 [do artigo 50.º do RJFD] quanto ao âmbito subjetivo, atento o elemento literal, na medida em que, enquanto no n.º 1 o legislador se refere às federações desportivas, as ligas profissionais e as associações territoriais de clubes, como é o caso da AF ..., para determinar a duração dos mandatos (quatro anos), já no n.º 2 tal elenco subjetivo alargado já não foi transportado no número imediatamente seguinte, no que concerne à limitação de mandatos inscrita no n.º 2 deste preceito, ao mencionar somente tais limitações a propósito das federações desportivas o fez de modo intencional".

O. A propósito da mesma questão, decidiu o acórdão-fundamento: "o n.º 2 do artigo 50.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas que não restringe o seu campo de aplicação às Federações Desportivas, não excluindo as associações de base Territorial, estando abrangido no conceito de Federação Desportiva legalmente fixado, as Associações Territoriais".

P. Para chegar a esta conclusão o acórdão-fundamento, começa por estabelecer a "equivalência do conceito de federação desportiva plasmado no artigo 2.º do RJFD com o da LBAFD, já antes referido, explicitando no seu artigo 5.º que os princípios da liberdade, da democraticidade, da representatividade e da transparência são princípios de organização e funcionamento das federações desportivas e que constituem seus deveres, entre outros, a garantia da "representatividade e do funcionamento democrático internos, em especial através da limitação de mandatos, bem como assegurar a transparência e a regularidade da sua gestão".

Q. De seguida, recorre ao Artigo 26.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJFD e destaca: "no plano da organização e funcionamento das federações desportivas das modalidades coletivas, é prevista a possibilidade de agrupamento por meio de "associações de clubes e sociedades desportivas participantes nos quadros competitivos nacionais" e de "associações de clubes participantes em quadros competitivos regionais ou distritais, definidos em função de determinada área geográfica".

R. Por fim, remata que "da concatenação desses normativos, conclui o TAD - e bem - que ambos os tipos de associações em referência estão abrangidos na estrutura das federações".

S. Assim, o acórdão-fundamento entendeu que o sentido a dar à expressão ínsita no n.º 2 do artigo 50.º do RJFD de "órgão de uma federação desportiva", tem de ser lido conjugadamente com o conceito de federação desportiva constante do artigo 2.º do mesmo RJFD,

T. E que a inclusão das associações de âmbito territorial na organização e funcionamento das federações desportivas (Secção 1 do Capítulo III do RJFD), confere àquelas entidades, um regime que não se pode afastar daquele que vale para as federações desportivas, nomeadamente no que concerne à limitação de mandatos.

U. Nem se diga, como escreveu o acórdão recorrido, que as razões que motivaram o acórdão-fundamento "não são transponíveis para o caso em apreço, pois naqueles autos os Estatutos da associação em causa: - previam o Presidente da Direção como órgão da associação (vide matéria de facto 17.º); - estabeleciam no artigo 9.º, n.º 3, dos respetivos estatutos que: "Nenhum titular pode exercer mais de três mandatos seguidos no mesmo órgão da AF...";".

V. Na verdade, o acórdão-fundamento conclui precisamente o contrário:

"VI) - A circunstância de o «Presidente» da Federação, órgão singular, integrar, por inerência, nos termos daquele regime jurídico, o órgão colegial «Direção» traduz a interdependência daqueles dois órgãos. Mas tal não modifica a natureza dos cargos, nem as respetivas funções e competências próprias".

W. Assim, é absolutamente ininteligível como pode o acórdão em crise concluir que a natureza do órgão "Presidente" é relevante para a identidade das questões abordadas, quando o acórdão-fundamento esclarece que a natureza desse órgão resulta da lei e não dos estatutos associativos.

X. Por fim, quanto aos direitos, liberdades e garantias não pode o Recorrente conformar-se com a possibilidade apontada pelo acórdão recorrido de estarmos perante uma alegada restrição ilegal dos mesmos.

Y. A esse propósito, decidiu o acórdão-fundamento:

"E também não se nos afigura que é formalmente inconstitucional, por violação da reserva de lei consagrada no artigo 18.º n.º 2 e no artigo 46.º ambos da Constituição da República Portuguesa a interpretação efetuada pelo Tribunal a quo, segundo a qual é aplicável às associações desportivas de base territorial o disposto no n.º 2 do artigo 50.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, por a mesma não consubstanciar uma restrição de direitos, liberdades e garantias não constante de ato legislativo pois, manifestamente e como corolário lógico da interpretação atrás empreendida, não se antolha que o Tribunal a quo se haja substituído ao legislador, avocando uma competência que não é sua, pois não criou uma norma jurídica ex novo atentando contra o princípio da separação de poderes, antes fazendo uma correta hermenêutica por apelo a todos os elementos em que esta se deve estruturar dos institutos jurídicos aplicáveis".

Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, uma vez aceite o presente recurso, deve o mesmo julgado procedente, por provado, revogando-se o Acórdão recorrido, em virtude do mesmo estar em contradição com o Acórdão-fundamento proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do Proc. n.º 118/17.0BCLSB».

3 - A "Associação de Futebol da ... (AF ...)" apresentou contra-alegações, que terminou com as seguintes conclusões (cf. fls. 129 e segs. SITAF):

«A. O aqui Recorrente interpôs o presente recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência alegando que o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 2 de dezembro de 2021 ("acórdão impugnado"), que revogou o acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto, está em contradição com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 8 de novembro de 2018, proferido no proc. n.º 118/17.0 BCLSB ("acórdão fundamento").

B. O acórdão impugnado concluiu - bem, adiante-se - que o artigo 50.º, n.º 2 do Regime Jurídico das Federações Desportivas ("RJFD") não se aplica às associações territoriais, nomeadamente à aqui Recorrida, pelo que o Contrainteressado B ... é elegível para o cargo de Presidente da Recorrida.

C. Diz o Recorrente que há contradição entre o acórdão impugnado e o acórdão fundamento, na medida em que neste terá sido decidido que a regra da limitação de mandatos, prevista no RJFD, é aplicável às associações territoriais e que tal interpretação não padece de qualquer inconstitucionalidade formal, por violação de reserva de lei em matéria de restrição de direitos, liberdades e garantias.

D. A admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, previsto no artigo 152.º do CPTA, depende da verificação de certos requisitos, destacando-se, nestas conclusões, aquele que diz respeito à existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento, já transitado, sobre a mesma questão fundamental de direito, que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, não bastando uma consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

E. Ora, salvo o devido respeito, entende a Recorrida que não há identidade da questão de direito, na interpretação acima detalhada, entre o acórdão impugnado e o acórdão fundamento.

F. Enquanto no acórdão impugnado, o Tribunal conheceu da aplicabilidade do artigo 50.º, n.º 2 do RJFD a uma associação regional que não continha qualquer previsão sobre a limitação de mandatos, no acórdão impugnado, o Tribunal aceitou a regra da limitação de mandatos, que constava expressamente dos estatutos da associação distrital em causa, mas focou a sua apreciação na questão de saber se o exercício de funções anteriores na direção da associação devia ou não ser contabilizado para efeitos de limitação de mandatos a propósito da eleição para o cargo de presidente, entretanto autonomizado.

G. É, pois, evidente que não há uma identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, já que não existe identidade substancial das situações fácticas subjacentes a cada decisão e a questão da aplicabilidade do artigo 50.º, n.º 2 do RJFD às associações territoriais consubstanciou-se, no acórdão fundamento, numa consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

H. Acresce que também quanto à análise da conformidade da interpretação que defende a aplicabilidade da regra da limitação de mandatos, prevista no artigo 50.º, n.º 2 do RJFD, às associações territoriais com a Constituição da República Portuguesa, não se vislumbra identidade da questão de direito, entendida nos termos ensaiados supra.

I. Confrontados ambos os arestos, verifica-se que, no primeiro - impugnado -, foi abordada a conformidade material da interpretação defendida pelo TAD com a Constituição da República Portuguesa, enquanto no segundo - fundamento - a apreciação se limitou à conformidade formal.

J. Não obstante, ainda que esse Venerando Tribunal venha a considerar estarem preenchidos os requisitos de admissibilidade do presente recurso, o que apenas se concebe como mero dever de patrocínio, certo é que o acórdão impugnado não merece qualquer censura.

K. Com efeito, não é pelo facto de as associações distritais integrarem a estrutura das federações desportivas, que se lhes deve aplicar a regra da limitação de mandatos ínsita no artigo 50.º, n.º 2 do Regime Jurídico das Federações Desportivas.

L. O legislador manifestou uma intenção clara ao distinguir conceitos, no n.º 1 e no n.º 2 do artigo 50.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas.

M. Importa também considerar o Preâmbulo do Regime Jurídico das Federações Desportivas, que explica a ratio do legislador, texto no qual apenas se menciona a aplicação da limitação de mandatos às federações desportivas, pelo que uma interpretação diferente não poderia colher por não ter em conta o elemento teleológico de interpretação da lei a que se deve recorrer ao abrigo do artigo 9.º do Código Civil. Aliás, registem-se, a este propósito, os votos de vencido de dois dos três árbitros num outro processo que correu termos no TAD (Processo 5/2017) e que veio a dar origem ao acórdão fundamento nestes autos de recurso.

N. A necessária interpretação histórica do diploma legislativo em análise leva ainda a considerar a alteração legislativa, operada em 2014, de extrema relevância: com a revogação do artigo 31.º, n.º 2 do Regime Jurídico das Federações Desportivas, erradicaram-se os poderes públicos da esfera das associações territoriais, o que significou que o legislador procedeu ao afastamento da subdelegação, expressa e determinada, de poderes públicos das federações desportivas nas associações territoriais. Nesse contexto, ao ter-se derrogado a (única) habilitação legal que concedia às associações territoriais a possibilidade de receberem e concretizarem poderes públicos delegados, é mister interpretar, também por este motivo, a inaplicabilidade do artigo 50.º, n.º 2 do Regime Jurídico das Federações Desportivas às associações territoriais de clubes, como a ora Recorrida.

O. Não exercendo a ora Recorrida qualquer poder de natureza pública, a consagração de uma regra que limite mandatos, não reconhecida pelos estatutos de uma associação de direito privado, como é o caso da AF ..., representa inegavelmente uma ingerência na autonomia estatutária na medida em que está a condicionar um espaço reservado à associação na sua dimensão de liberdade de organização. É decorrência da liberdade constitucional de associação que aos associados, e só a estes, deva ser concedida a possibilidade de definir e conformar o conteúdo dos respetivos estatutos nos quais se consagrem as regras de eleição e composição dos respetivos órgãos - cf. Artigo 167.º do Código Civil. Ora, a consagração de uma regra que limite mandatos, não reconhecida pelos estatutos de uma associação de direito privado como é o caso da AF ..., representa inegavelmente uma ingerência na autonomia estatutária na medida em que está a condicionar um espaço reservado à associação na sua dimensão de liberdade de organização. Tal interpretação resulta numa violação da liberdade de associação, restringindo o direito fundamental tutelado pelo artigo 46.º da Constituição da República Portuguesa, sem se vislumbrar como e em nome de que valores e princípios constitucionais poderia o legislador ordinário restringir tal direito fundamental, não se ultrapassando, pois, os apertadíssimos critérios que o legislador Constitucional consagrou no artigo 18.º

P. Ao nível dos princípios constitucionais relevantes na interpretação das regras da limitação de mandatos, importa ainda considerar três artigos fundamentais: o artigo 48.º - que confere o direito a participação na vida pública -, o artigo 49.º - que confere o direito de sufrágio - e o artigo 50.º - que garante o direito de acesso a cargos públicos. Tais disposições, significando a transposição para o plano subjetivo de princípios objetivamente considerados no texto constitucional, são os elementos essenciais a ter em consideração quando se examina o direito de sufrágio passivo.

Q. Todos os argumentos de índole legal e constitucional permitem concluir pelo acerto da interpretação do acórdão recorrido, mormente por apelo aos elementos literal, sistemático e teleológico do artigo 50.º, n.º 2 do Regime Jurídico das Federações Desportivas. A eloquência do elemento literal é patente pela forma explícita como o legislador cinge a aplicabilidade do preceito às federações desportivas, não podendo a atividade interpretativa extrapolar para sentidos não explícitos, muito menos quando está em causa a restrição de direitos fundamentais! Daí que, perante as regras de interpretação da lei que resultam inscritas no artigo 9.º do Código Civil, a regra primordial, por óbvias razões de rigor e certeza jurídica, é a de que onde a lei não distingue não pode o intérprete distinguir.

R. Por fim, acresce um argumento nada despiciendo: através do Comunicado Oficial n.º 424 da Federação Portuguesa de Futebol referente aos "Estatutos dos Sócios da FPF", a FPF deixou à liberdade de decisão das associações distritais adotarem ou não a limitação de mandatos - numa correta interpretação do Regime Jurídico das Federações Desportivas.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser rejeitado, por não se mostrarem preenchidos os requisitos de admissibilidade previstos no artigo 152.º do CPTA, ou, caso assim não se entenda, o que apenas se concebe como mero dever de patrocínio, deve o acórdão recorrido manter-se na ordem jurídica, por não padecer de qualquer erro de julgamento».

4 - O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer (cf. fls. 170 e segs. SITAF) no sentido de ser admitido o recurso, por se verificarem os pressupostos exigidos no art. 152.º do CPTA, nomeadamente, a relevante contradição de julgados entre o Acórdão recorrido e o Acórdão indicado como fundamento (ambos proferidos pelo TCAS), e, apreciando-se de mérito, deverá ser fixada jurisprudência no sentido do Acórdão fundamento - isto é, no sentido da aplicabilidade da limitação de renovação de mandatos prevista no art. 50.º n.º 2 do DL n.º 248-B/2008, de 31/12 (RJFD), também aos órgãos das "associações territoriais de clubes filiadas nas federações desportivas", como é o caso da "Associação de Futebol da ... (AF ...)".

Este parecer do Mº Pº mereceu resposta discordante da Recorrida "Associação de Futebol da ... (AF ...)" (cf. fls. 185 e segs. SITAF), confirmando os termos das suas contra-alegações.

5 - Colhidos os vistos, cumpre, pois, apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

II.A - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

6 - No Acórdão recorrido (Ac.TCAS de 2/12/2021, proferido nos presentes autos), foi dada como assente a seguinte factualidade:

«1 - A 16 de dezembro de 2020, o Presidente da Assembleia Geral da AF ... decidiu admitir a candidatura da Lista A, presidida pelo Contrainteressado B ...

2 - O Demandante interpôs recurso daquela decisão para o Conselho de Justiça da AF ..., tendo formulado os seguintes pedidos:

a) A revogação do despacho do Presidente da Assembleia Geral da AF ... que admitiu a Lista A;

b) A substituição daquele despacho por outro onde considere verificada a inelegibilidade de B ... ao abrigo do artigo 50.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas;

c) A rejeição de toda a Lista A.

3 - No dia 28 de dezembro de 2020, o Conselho de Justiça da AF ... julgou improcedente os pedidos formulados pelo Demandante, tendo este sido notificado, naquele mesmo dia, do correspondente acórdão.

4 - O Contrainteressado B ... é atualmente Presidente da Direção da AF ..., cargo que desempenha desde 11 de dezembro de 1996 em cinco mandatos eletivos consecutivos.

5 - No ano 2009 B ... estava no exercício do terceiro mandato como Presidente da Direção, tendo-se candidatado e sido eleito a mais dois mandatos.

6 - O Contrainteressado B ... candidatou-se e foi eleito, em dezembro de 2020, para o sexto mandato consecutivo enquanto Presidente da Direção da AF ...

7 - A AF ... goza do estatuto de utilidade pública.

8 - Os Estatutos da AF ... consagram um sistema de lista única para cada candidatura aos órgãos sociais.

9 - Os Estatutos da AF ... não estabelecem qualquer regra que determine expressamente a limitação dos mandatos dos órgãos sociais.

10 - A Federação Portuguesa de Futebol, no seu Comunicado Oficial n.º 424, referente aos "Estatutos dos Sócios da FPF", chamou a atenção dos sócios, de entre os quais se inclui a AF ..., para diversas questões a ter em consideração na elaboração das suas normas estatutárias, tendo deixado à liberdade dos sócios a decisão de limitar ou não os mandatos dos órgãos sociais».

7 - No Acórdão fundamento (Acórdão do TCAS de 8/11/2018, proc. 118/17.0BCLSB) deu-se como assente a seguinte factualidade:

«1.º) As eleições para os órgãos sociais da Associação Futebol de ... para o quadriénio 2017 a 2020 foram marcadas para o dia 28 de outubro de 2016;

2.º) As candidaturas deveriam ser apresentadas até quinze dias antes da data de realização do ato eleitoral;

3.º) No dia 13 de outubro de 2016, o Demandante apresentou à Comissão Eleitoral da Associação de Futebol de ... uma lista candidata aos órgãos sociais da referida associação territorial de clubes, correspondente à Lista n.º 2, por si encabeçada, subscrita por delegados, tendo juntado também um requerimento para que lhe fosse facultado um prazo para juntar a subscrição dos delegados após a sua eleição;

4.º) Na mesma data, foi apresentada a Lista n.º 1, tendo como candidato a Presidente o Contrainteressado D ...;

5.º) A Lista n.º 1 e a Lista n.º 2 foram subscritas, respetivamente, por 93 % e 3,8 % do universo eleitoral, apenas não subscrevendo qualquer candidatura 3,2 % dos eleitores estatutariamente reconhecidos com capacidade eleitoral ativa;

6.º) A candidatura correspondente à Lista n.º 2 apresentou requerimento à Comissão Eleitoral a solicitar a concessão de prazo adicional após a data de eleição dos delegados a ocorrer a 20 de outubro de 2017, no sentido da obtenção da percentagem estatutária de 10 % de subscritores da respetiva candidatura;

7.º) Em 13 de outubro de 2016, a Comissão Eleitoral decidiu admitir a Lista n.º 1 por considerar verificados os requisitos regulamentares aplicáveis, rejeitar a Lista n.º 2, por a mesma não ser subscrita pelo mínimo estatutário de 10 % dos delegados com capacidade eleitoral ativa na Assembleia Geral Eleitoral, bem como indeferir a concessão de prazo adicional para obtenção das subscrições necessárias à viabilização da candidatura da Lista n.º 2;

8.º) O Demandante intentou entretanto uma providência cautelar no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, que neste correu termos sob o n.º 7333/16.2T8CBR, tendo os aí Demandados, nas pessoas dos seus presidentes, sido notificados no dia 18 de outubro de 2016 da decisão judicial de suspensão imediata do processo eleitoral;

9.º) No dia 18 de outubro de 2016, o Demandante solicitou à Comissão Eleitoral as respetivas atas para aferir em que situação se encontrava o processo eleitoral;

10.º) No dia 20 de outubro de 2016, o Demandante recebeu diversas atas da Comissão Eleitoral, constando da Ata n.º 4 a menção à admissão da Lista n.º 1, encabeçada por D ..., e a rejeição da Lista n.º 2, encabeçada pelo Demandante (cf. Doc. 6 junto com a pi);

11.º) O Demandante interpôs recurso para o Conselho de Justiça da Associação de Futebol de ... da decisão da Comissão Eleitoral de 13 de outubro de 2016, tendo para o efeito formulado os seguintes pedidos:

a) Revogação da decisão de rejeição da Lista n.º 2, encabeçada pelo Demandante, e sua substituição por uma decisão de notificação, nos termos do artigo 17.º, n.º 4, do Regulamento Eleitoral;

b) Revogação da decisão de aceitação da Lista n.º 1, encabeçada por D ..., e sua substituição por uma decisão de rejeição da mesma.

12.º) Em 28 de outubro de 2016, o Conselho de Justiça da Associação de Futebol de ... ordenou a suspensão do procedimento relativo à apreciação do recurso interposto pelo Demandante até ser proferida decisão judicial;

13.º) Mediante decisão proferida em 5 de janeiro de 2017, o Tribunal Judicial de Coimbra indeferiu o procedimento cautelar intentado pelo Demandante, revogando, nos termos do artigo 372.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, a providência anteriormente decretada e determinando o levantamento imediato da suspensão do procedimento eleitoral para a eleição dos órgãos da Associação de Futebol de ...;

14.º) Em 17 de janeiro de 2017, o Demandante requereu ao Conselho de Justiça da Associação de Futebol de ... a anulação da aceitação da Lista n.º 1, por a mesma conter várias irregularidades, designadamente por alguns dos candidatos dessa lista ao Conselho de Justiça não serem licenciados em direito;

15.º) Na mesma data, o Conselho de Justiça da Associação de Futebol de ... declarou-se incompetente para apreciar este novo pedido por a apreciação da regularidade das candidaturas caber à Comissão Eleitoral, manteve a decisão de não aceitação da candidatura da Lista n.º 2 e considerou legal a candidatura do Contrainteressado D ... ao cargo de Presidente pela Lista n.º 1;

16.º) O Contrainteressado D ... foi eleito como Presidente da Direção da Associação de Futebol de ... nos mandatos de 1997/2001, 2001/2005, 2005/2009 e 2009/2013 e como Presidente da mesma Associação no mandato de 2013/2017;

17.º) Os Estatutos da Associação de Futebol de ... foram alterados por deliberação da respetiva Assembleia Geral de 23 de novembro de 2012, avultando entre as alterações introduzidas a criação do órgão Presidente;

18.º) E ..., F ..., G ... e H ... são candidatos ao ato eleitoral pela Lista n.º 1 e intervieram na decisão do Conselho de Justiça de 17 de janeiro de 2017 de apreciação do recurso intentado pelo Demandante, no qual se requeria a rejeição da Lista n.º 1;

19.º) I ..., J ... e L ..., candidatos pela Lista n.º 1 ao Conselho de Justiça, não são licenciados em direito».

II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

a) Da verificação dos requisitos exigidos no art. 152.º CPTA para a admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência

8 - No presente recurso para uniformização de jurisprudência, o Recorrente A ..., nas suas alegações, indica como "questão fundamental de direito", contraditoriamente julgada pelos dois Acórdãos do TCAS (recorrido e fundamento), como sendo a questão da aplicabilidade - ou não - da limitação de renovação de mandatos prevista no n.º 2 do artigo 50.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD), aprovado pelo DL n.º 248-B/2008, de 31/12 (na redação dada pelo DL n.º 93/2014, de 23/6), às "associações territoriais de clubes", como a "Associação de Futebol da ... (AF ...)".

Diz que, como o próprio Ac.TCAS recorrido expressamente afirma: «Por conseguinte, a questão essencial a resolver incide em aferir da (in)aplicabilidade do artigo 50.º, n.º 2 do Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD) - na redação dada pelo Decreto-Lei 93/2014, de 23.06 -, às associações territoriais de clubes».

Como flui do já acima exposto, neste processo estava em causa a elegibilidade do Contrainteressado B ... como Presidente (eleito) da Direção da "AF ...", a qual foi contestada, junto do Conselho de Justiça da "AF ...", pelo ora Recorrente, com fundamento na violação do limite de mandatos que resultaria daquela norma do RJFD.

Como o Conselho de Justiça, por deliberação de 28/12/2020, tivesse julgado a referida norma inaplicável às associações territoriais de clubes, como a "AF ...", o ora Recorrente impugnou esta deliberação junto do Tribunal Arbitral do Desporto, o qual, revogando a deliberação impugnada, julgou, por seu Acórdão de 7/8/2021, aplicável às "associações territoriais de clubes" e, portanto, à "AF ...", a aludida norma, pelo que desta resultava a inelegibilidade do referido B ..., o que declarou.

Porém, este Acórdão do TAD viria a ser revogado pelo Ac.TCAS, de 2/12/2021, ora recorrido, o qual respondeu à questão (por ele próprio dita como questão essencial a resolver, da (in)aplicabilidade do artigo 50.º, n.º 2 do Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD) - na redação dada pelo Decreto-Lei 93/2014, de 23.06 -, às associações territoriais de clubes) julgando inaplicável esta norma - e, consequentemente, o regime de limite de renovação de mandatos nela previsto - às associações territoriais de clubes, como a "AF ...". Resultando deste entendimento a elegibilidade do Contrainteressado B ..., presidente eleito.

9 - Ora, alega o Recorrente A ... que, precisamente sobre a mesma questão, e resolvendo-a contraditoriamente - isto é, no sentido da aplicabilidade às associações territoriais de clubes (no caso, à "Associação de Futebol de ...") do regime de limite de mandatos previsto na indicada norma do n.º 2 do art. 50.º do RJFD, já julgara anteriormente um Acórdão do mesmo TCAS - Acórdão de 11/8/2018, proferido no proc. 118/17.0BCLSB.

Nesse outro caso, o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), por seu Acórdão de 5/7/2017 (Proc. 05/2017), havia julgado aplicável às "associações territoriais de clubes", como a ali em causa "Associação de Futebol de ... (AF ...)", o limite de mandatos previsto na referida norma do RJFD, donde resultaria a inelegibilidade do candidato à Presidência da "AF ..." ali em questão (D ...).

Note-se que este Acórdão do TAD foi "tirado" com 2 votos de vencido - que pugnavam pela solução da inaplicabilidade da norma do RJFD em questão às associações territoriais de clubes - e desempatado por voto de qualidade do Presidente do Tribunal.

E, em recurso deste Acórdão do TAD, interposto pela "AF ..." e pelo candidato ali em causa (D ...), o TCAS, em Acórdão - aqui indicado como Acórdão fundamento - confirmou esse julgamento do TAD.

E, reportando-se à mesma "questão fundamental de direito" também em causa nos presentes autos, expressou aquele Ac.TCAS de 11/8/2018:

«Ora, é justamente a inelegibilidade do candidato a Presidente da Lista n.º 1, D ..., o esteio fundamental do seu recurso, para cuja aquilatação se impõe expor a literalidade do art. 50.º daquele compêndio normativo por facilitar a sua correta hermenêutica, sendo esse o busílis do presente litígio.

Assim, dispõe-se naquele inciso legal que: [...]

Insurgem-se os recorrentes quanto ao julgamento de improcedência da impugnação feito no acórdão arbitral, por ter considerado inelegíveis os candidatos, ao contrário do que aqueles propugnavam, imputando erro de julgamento, por errada interpretação, além do mais, do art. 50.º n.º 2 do Regulamento Jurídico das Federações Desportivas.

O acórdão arbitral do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) enfrentando a questão da inelegibilidade invocada pelos recorrentes explana, a respeito dos órgãos sociais em causa e respetiva composição, o seguinte, que se passa a transcrever:

"A principal dúvida que poderia suscitar o texto da lei era a de saber se a limitação de mandatos constante do n.º 2 se aplica também a órgãos de ligas profissionais e de associações territoriais de clubes, uma vez que, ao contrário do que sucede no n.º 1, aqui apenas se alude a "órgão de uma federação desportiva".

Não cremos, no entanto, que essa seja a melhor interpretação da lei, pois o empolamento do elemento literal assim operado, produziria um resultado seguramente indesejado pelo legislador: sempre que noutras disposições da mesma secção se aludisse apenas a federações desportivas, como acontece nos artigos 48.º, 49.º e 51.º, estar-se-iam a excluir as ligas profissionais e as associações de âmbito territorial.

Deste modo, os requisitos de inelegibilidade, as incompatibilidades, as condições relativas à duração do mandato e à sua perda poderiam não ser aplicáveis às ligas profissionais e às associações de âmbito territorial, o que manifestamente não foi pretendido pelo legislador, que pretendeu regular em globo na Secção III do Capítulo III o regime aplicável aos titulares dos órgãos de todas as entidades integradas na organização das federações desportivas.

[...] Donde que, ao contrário do invocado no articulado apresentado por Demandado e Contrainteressado D ..., a aplicação do n.º 2 do artigo 50.º às associações de âmbito territorial não constitui o resultado de qualquer tipo de interpretação extensiva da lei, decorrendo diretamente do texto legal.

Em conclusão, a limitação de mandatos constante do n.º 1 do artigo 50.º do RJFD aplica-se a todas as entidades integradas na organização das federações desportivas e, portanto, também à Associação de Futebol de ... enquanto associação de âmbito territorial.

11 - Chegados a este ponto, pode afirmar-se que a inelegibilidade para um quarto mandato constitui uma restrição a um direito, liberdade e garantia de participação numa entidade de cariz associativo, pelo que sempre haveria de averiguar sobre a pertinência dos fundamentos que poderão ter estado por trás da opção do legislador para o fazer.

[...]

13 - Constituindo a inelegibilidade consagrada no artigo 50.º, n.º 2, do RJFD uma restrição a um direito, liberdade e garantia de acesso a um cargo associativo e também à própria liberdade de associação, com assento no artigo 46.º da Constituição portuguesa, importa indagar se essa restrição é válida, nomeadamente se ela se mostra conforme com o princípio da proporcionalidade.

Para o efeito, vale aqui o disposto no artigo 18.º, n.º 2, 2.ª parte, da Constituição, à luz do qual as restrições devem "limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos ".

[...] estando em causa o exercício de funções de Presidente ou de Presidente da Direção da Associação de Futebol de ..., dissociação de que curaremos adiante, os argumentos em prol da existência de uma inelegibilidade ao fim de três mandatos consecutivos radicam também nos riscos de uma excessiva pessoalização do exercício do poder e de perpetuação de determinadas pessoas à frente dos destinos de uma entidade, com evidentes limitações para a liberdade de escolha dos eleitores.

Portanto, a aplicação da norma do artigo 50.º, n.º 2, do RJFD à situação em que se encontra o candidato a Presidente da Lista n.º 1 não suscita dúvidas e mostra-se plenamente conforme com o princípio da proporcionalidade, nas suas três vertentes: revela-se adequada para assegurar a igualdade no acesso a cargos associativos e a liberdade de escolha dos eleitores; revela-se necessária, visto que a limitação apenas ocorre ao fim do exercício de três mandatos consecutivos e, no caso daqueles que, como era o caso do Contrainteressado D ..., se encontravam a cumprir o terceiro mandato à data da entrada em vigor do RJFD ainda se permitiu a eleição para mais um mandato consecutivo; observa a dimensão da proporcionalidade stricto sensu, pois na ponderação efetuada entre o sacrifício imposto àquele que se candidata a Presidente e o resultado pretendido de renovação dos cargos associativos na área desportiva, o legislador chegou a uma situação equilibrada.

Em síntese, a norma legal aqui restritiva do direito de acesso ao cargo de Presidente da Associação de Futebol de ... encontra-se plenamente justificada tendo em consideração os interesses tutelados de renovação dos titulares dos cargos associativos".

Nenhuma censura nos merece o assim fundamentado e decidido no douto Acórdão do TAD (...)».

E, consequentemente, este Ac.TCAS, de 8/11/2018 (Acórdão ora indicado como Acórdão fundamento) decidiu a final:

«(i) negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Associação de Futebol de ... e por D ...;

(ii) conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional interposto por M ... e, em consequência, revogar a decisão da Comissão Eleitoral da Associação de Futebol de ... de aceitação da lista n.º 1 encabeçada por D ..., e, em consequência, declarar a rejeição da mesma por se tratar de irregularidade insuprível [...]».

10 - Resulta do exposto que se impõe concluir pela verificação, no caso, dos requisitos exigidos no art. 152.º do CPTA para a admissão do presente recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência.

Efetivamente, os recursos para uniformização de jurisprudência destinam-se a obter uma "orientação jurisprudencial", sendo para o efeito necessário que estejam verificados os seguintes pressupostos (artigo 152.º, n.os 1, 2 e 3 do CPTA):

i) Que exista contradição entre acórdãos dos TCAs ou entre acórdão daqueles Tribunais e acórdão anteriormente proferido pelo STA, ou ainda entre dois acórdãos do STA;

ii) Que ocorra contradição sobre a mesma questão fundamental de direito;

iii) Que se verifique o trânsito em julgado de ambos os acórdãos (recorrido e fundamento);

iv) Que não haja conformidade entre a orientação perfilhada no acórdão impugnado e jurisprudência mais recentemente consolidada no STA.

Estes pressupostos são de verificação cumulativa, pelo que a não verificação de um deles conduz à "não admissão do recurso".

Verificando-se o trânsito em julgado de ambos os Acórdãos aqui em causa e não havendo jurisprudência consolidada no STA sobre a questão, ocorre também, no presente caso, uma efetiva contradição de julgados relativamente à mesma questão fundamental de direito.

No caso dos presentes autos, o Ac.TCAS recorrido julgou inaplicável às "associações territoriais de clubes" (como a "Associação de Futebol da ...", aqui em causa) o regime de limitação de mandatos dos titulares de órgãos das federações desportivas previsto no n.º 2 do art. 50.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD), o que resultou na conclusão da elegibilidade do Presidente eleito da Direção da "AF ..." (B ...).

E este julgamento é contraditório com o do Ac.TCAS fundamento, de 8/11/2018, o qual, confirmando Acórdão do TAD (ainda que, este, com 2 votos de vencido e desempatado por voto de qualidade do Presidente do Tribunal), julgou aplicável às "associações territoriais de clubes" (como a "Associação de Futebol de ..." ali em causa) o regime de limitação de mandatos dos titulares de órgãos das federações desportivas previsto na citada norma do RJFD, o que resultou na conclusão da inelegibilidade do candidato a Presidente da Direção da "AF ..." (D ...).

Assim sendo, há efetiva coincidência, nos casos dos dois arestos, quer quanto à matéria fáctica relevante (candidatos a órgãos de uma "associação territorial de clubes" com mais de três mandatos consecutivos cumpridos - cf., respetivamente, facto provado n.º 6, no ponto 6 supra, e facto provado n.º 16, no ponto 7 supra), quer quanto à inerente questão de direito em discussão nos dois arestos.

Por outro lado, em ambos os Acórdãos (recorrido e fundamento), estas pronúncias contraditórias, acabadas de referir, foram proferidas de modo expresso (e não de modo meramente implícito). E não afasta esta conclusão a circunstância de o Acórdão fundamento remeter a sua fundamentação para a do Acórdão do TAD (ali em impugnação), o que se compreende por, ao invés do Acórdão recorrido (que revogou o acórdão do TAD), ter sido um aresto confirmativo do acórdão arbitral impugnado. Em todo o caso, como se viu, não deixou de, expressamente, referir, quanto à "questão fundamental de direito" ora em discussão: «Nenhuma censura nos merece o assim fundamentado e decidido no douto Acórdão do TAD».

Note-se, por último, que a norma em causa - artigo 50.º do RJFD, nomeadamente os seus n.os 1 e 2 - foi a mesma norma legal aplicada em ambos os casos julgados, não obstante alteração entretanto sofrida pelo diploma. O Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD) foi aprovado pelo DL n.º 248-B/2008, de 31/12, na sequência da Lei 5/2007, de 16/1 (Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto "LBAFD").

Este DL n.º 248-B/2008 (RJFD) viu revogado o seu art. 12.º ("justiça desportiva") pela Lei 74/2013, de 6/9 (Lei do TAD, que criou o Tribunal Arbitral do Desporto) e sofreu uma modificação pelo DL n.º 93/2014, de 23/6, que manteve, no entanto, intacto o seu artigo 50.º Por último, voltou a sofrer modificação por força da 273/2009, de 1 de outubro, 10/2013, de 25 de janeiro, 66/2015, de 29 de abril e 67/2015, de 29 de abril)">Lei 101/2017, de 28/8, não tendo, também desta vez, sido alterado o seu artigo 50.º

Assim, quer no caso do Acórdão fundamento (proferido em 8/11/2018, referindo-se a ato eleitoral para órgãos da "Associação de Futebol de ..." ocorrido em outubro de 2016 - cf. factos provados sob ponto 7 supra) quer no caso do Acórdão recorrido (proferido em 2/12/2021, referindo-se a ato eleitoral para órgãos da "Associação de Futebol da ..." ocorrido em dezembro de 2020 - cf. factos provados sob ponto 6 supra), é o mesmo o enquadramento jurídico aplicável.

11 - Porém, como vimos acima, da transcrição das conclusões da Recorrida "Associação de Futebol da ... (AF ...)" (cf. ponto 3 supra), esta inicia as suas contra-alegações pugnando pela não admissão do presente recurso extraordinário desde logo por, segundo argumenta, não se estar perante a mesma "questão fundamental de direito" por haver diferença nas situações de facto subjacentes aos dois casos. E tal diferença resultaria da circunstância de os Estatutos da "Associação de Futebol de ... (AF ...)" - caso tratado no Acórdão fundamento - preverem, eles próprios, no n.º 3 do seu art. 9.º, a limitação de mandatos para os titulares dos seus órgãos em termos equivalentes aos previstos no n.º 2 do art. 50.º do RJFD («Nenhum titular pode exercer mais de três mandatos seguidos no mesmo órgão da AF ...»); enquanto que os Estatutos da "Associação de Futebol da ..." não contêm qualquer disposição sobre a matéria - cf. conclusões E, F e G.

Entendemos, porém, que essa circunstância é irrelevante, uma vez que o Acórdão fundamento, ao julgar aplicável às "associações territoriais de clubes" e, consequentemente, à "AF ..." a limitação de mandatos dos titulares dos respetivos órgãos não o fez por força daquela norma estatutária, mas sim, exclusivamente, por força da lei (da norma impositiva do n.º 2 do art. 50.º do RJFD), como bem flui da sua fundamentação (e da fundamentação, por remissão, efetuada para o Acórdão do TAD, que confirmou).

Aliás, entendendo o Acórdão fundamento (como o Acórdão TAD por ele confirmado) que a aludida norma legal se impõe, também, aos órgãos das "associações territoriais de clubes", como a "AF ...", a norma estatutária da "AF ..." é redundante, não valendo por si, mas como mera reprodução, nos Estatutos, do regime legal impositivo considerado aplicável ao caso, que sempre seria o regime determinante, independentemente do que, sobre a matéria, constasse dos Estatutos.

Assim, é de concluir que, em ambos os arestos em causa, a interpretação efetuada do n.º 2 do art. 50.º do RJFD constituiu "ratio decidendi" de ambas as decisões contraditórias neles proferidas.

Como, a este propósito, bem se assinala no parecer do Mº Pº (a fls. 170 SITAF, referido no ponto 4 supra):

«[...] 4 - No que respeita à oposição entre as decisões, mostram-se expressamente contraditórias as decisões proferidas em cada um dos acórdãos.

[...] os citados elementos de facto, que se verificavam na situação do acórdão fundamento não foram determinantes ou sequer adjuvantes da opção jurídica interpretativa efetuada pelo acórdão fundamento.

Na verdade, o acórdão fundamento não baseou a sua interpretação do disposto no artigo 50.º n.º 2 do RJFD no facto de os estatutos da Associação de Futebol de ... conterem as referidas normas - nem, aliás, diga-se, o poderia fazer, uma vez que não são os estatutos de uma associação a conformar a interpretação de um diploma legislativo; antes tais estatutos poderão estar feridos de invalidade se não se conformarem com a norma legal que se lhes entenda como aplicável.

Por outro lado, o acórdão recorrido, embora fazendo referência às disposições dos estatutos da Associação de Futebol da ..., diversas das constantes nos Estatutos da AF ..., não baseou nessas normas estatutárias a interpretação a que chegou do disposto no artigo 50.º n.º 2 do RJFD.

Assim, salvo melhor opinião, a diferente situação de facto relativa ao conteúdo dos estatutos das associações em causa em cada um dos acórdãos não tem quaisquer reflexos sobre as decisões proferidas, pelo que não apresenta relevância determinante para afastar a identidade da questão de direito decidida contraditoriamente.

Pelo exposto, cremos que se mostra admissível, nos termos do artigo 152.º do CPTA, o presente recurso para uniformização de jurisprudência».

E acrescenta a "AF ...", nas suas contra-alegações, que também quanto à análise da conformidade com a CRP da aplicabilidade da limitação de mandatos às "associações territoriais de clubes" não se verifica "identidade da questão de direito", pois que no Acórdão recorrido «foi abordada a conformidade material da interpretação defendida pelo TAD com a CRP» enquanto no Acórdão fundamento «a apreciação se limitou à conformidade formal» - cf. conclusões H e I.

Mas é óbvio que, ainda que se verifique, a este respeito, alguma diferença de abordagem por parte dos dois Acórdãos, estar-se-ia sempre no âmbito da mera argumentação, tendente a afastar a operatividade do concreto comando ante uma alegada desconformidade com a CRP mas que não inviabiliza, antes pressupõe, a sua aplicabilidade, ficando, pois, intocada a expressa contradição de julgados proferida por tais Acórdãos quanto à "questão fundamental de direito" aqui em causa: a aplicabilidade, ou não, do regime de limitação de mandatos previsto no n.º 2 do art. 50.º do RJFD também aos titulares dos órgãos das "associações territoriais de clubes", como a "AF ..." ou a "AF ..." - cf. jurisprudência do Pleno da Secção de C. A. deste STA: «só releva a oposição entre decisões e não entre meros argumentos» (v. g., Ac. de 14/3/2013, proc. 0166/12, ou Ac. de 4/6/2013, proc. 0753/13).

12 - Note-se, por último, que o Acórdão recorrido fez expressa referência ao Acórdão fundamento em termos que levariam a afastar uma real contradição de julgados, quando diz:

«[...] temos que as razões que motivaram o Ac. deste TCA Sul, de 08.11.2018, no Proc. n.º 118/17.0BCLSB não são transponíveis para o caso em apreço, pois naqueles autos os Estatutos da associação em causa:

- previam o Presidente da Direção como órgão da associação (vide matéria de facto 17.º);

- estabeleciam no artigo 9.º, n.º 3, dos respetivos estatutos que: "Nenhum titular pode exercer mais de três mandatos seguidos no mesmo órgão da AF...";

Ou seja, uma expressa e estatutária limitação de mandatos nos órgãos da Associação».

Porém, a verdade é que nenhuma destas duas apontadas circunstâncias relevam para o afastamento da contradição entre os julgados proferidos.

Quanto à circunstância de os Estatutos da AF de ..., em causa no Acórdão fundamento, estabelecerem, eles próprios, uma limitação de mandatos, já vimos acima (ponto 11, anterior) que não foi ela a razão da decisão desse Acórdão de julgar o candidato D ... inelegível, mas sim a imposição legal que esse Acórdão retirou da norma do n.º 2 do art. 50.º do RJFD (em contradição com o decidido no Acórdão recorrido, quanto, neste caso, à elegibilidade do candidato B ...). Uma vez que o Acórdão fundamento entendeu que a aludida norma legal se impõe, também, aos órgãos das "associações territoriais de clubes", este regime legal impositivo sempre seria o regime determinante, independentemente do que, sobre a matéria, constasse, ou não, dos Estatutos.

E quanto à circunstância de os Estatutos da AF de ... terem sido alterados, passando a prever o Presidente da Direção como órgão da associação (cf. matéria de facto 17.º), o Acórdão fundamento foi bem esclarecedor ao expressar - ainda que por remissão para a fundamentação do Acórdão do TAD, que confirmou - que essa circunstância era irrelevante (e foi, de facto, irrelevante para a decisão), uma vez que o Presidente continuava a fazer também parte do órgão colegial "Direção":

«[...] 15. Vejamos agora com maior detalhe a argumentação deduzida pelo Demandado e pelo Contrainteressado D ... Será ela relevante para considerar elegível o candidato a Presidente da Lista n.º 1? Pelas razões adiante expostas, pode avançar-se, desde já, que tal não sucede.

[...] A questão de fundo prende-se com saber se a dissociação entre Presidente e Direção, operada em 2012, é suficiente para se concluir que se trata de dois órgãos completamente distintos e independentes entre si.

[...] Em síntese, os estatutos da Associação de Futebol de ... incluem o Presidente como membro com funções extremamente relevantes ao nível do funcionamento da Direção, não podendo esta subsistir, salvo mediante ativação dos mecanismos de suplência, que por definição são temporários, sem a presença daquele, razão pela qual se deve considerar que a circunstância de um dos membros da Direção ser o Presidente da Associação de Futebol de ... não significa que para este não se contem os mandatos exercidos na Direção.

Por outras palavras, o Presidente é titular ou membro do órgão Direção nos mesmos exatos termos que qualquer outro titular ou membro da Direção, sendo, pois, aplicáveis a todos, em idêntica medida, a limitação de três mandatos consecutivos prevista no artigo 50.º, n.º 2, do RJFD e no artigo 9.º, n.º 3, dos estatutos da Associação de Futebol de ...».

13 - Por tudo o exposto, é de concluir que os dois Acórdãos em causa se pronunciaram efetivamente em termos contraditórios acerca de uma mesma "questão fundamental de direito", dentro de um relevantemente idêntico enquadramento fáctico e jurídico, pelo que se mostram reunidos os pressupostos legais para que este Supremo Tribunal possa conhecer deste recurso.

b) Do mérito do presente recurso e da uniformização de jurisprudência

14 - Tendo-se concluído pela verificação de relevante contradição de julgados e, consequentemente, pela admissão do recurso para uniformização de jurisprudência, desde já diremos que, quanto ao mérito do recurso, entendemos ser de sufragar o julgamento efetuado pelo Acórdão recorrido no sentido da inaplicabilidade aos titulares dos órgãos das "associações territoriais de clubes", como a "Associação de Futebol da ..." do regime de limitação de mandatos imposto no n.º 2 do art. 50.º do RJFD para os "órgãos das federações desportivas".

Para melhor explanação, transcrevemos, de seguida, os 4 números que compõem o aludido art. 50.º do RJFD (com a epígrafe "Duração do mandato e limites à renovação"), cuja redação se têm mantido inalterada desde a sua versão original de 2008:

«1 - O mandato dos titulares dos órgãos das federações desportivas, bem como das ligas profissionais ou associações territoriais de clubes nelas filiadas é de quatro anos, em regra coincidentes com o ciclo olímpico.

2 - Ninguém pode exercer mais do que três mandatos seguidos num mesmo órgão de uma federação desportiva, salvo se, na data da entrada em vigor do presente decreto-lei, tiverem cumprido ou estiverem a cumprir, pelo menos, o terceiro mandato consecutivo, circunstância em que podem ser eleitos para mais um mandato consecutivo.

3 - Depois de concluídos os mandatos referidos no número anterior, os titulares dos órgãos não podem assumir aquelas funções durante o quadriénio imediatamente subsequente ao último mandato consecutivo permitido.

4 - No caso de renúncia ao mandato, os titulares dos órgãos referidos nos números anteriores não podem candidatar-se para o mesmo órgão nas eleições imediatas nem nas que se realizem no quadriénio imediatamente subsequente à renúncia».

Como decorre dos n.os 1 e 2, a divergência de interpretações sobre a "questão fundamental de direito" em causa no presente recurso tem ocorrido pela circunstância de o n.º 1 impor uma duração de mandatos de 4 anos, tendo expressamente como visados os titulares dos órgãos de 3 entidades: das federações desportivas, bem como das ligas profissionais e das associações territoriais de clubes nelas (federações desportivas) filiadas; enquanto, diversamente (ao menos em termos literais), o n.º 2 impõe uma limitação de mandatos - 3 mandatos seguidos -, agora visando, somente, os órgãos das federações desportivas, e já não (ao menos literalmente, repete-se) os órgãos das ligas profissionais ou das associações territoriais de clubes.

Em termos estritamente literais, a questão parece de solução simples: a imposição do n.º 1 (duração de mandato de 4 anos) dirige-se aos titulares dos órgãos das federações desportivas, das ligas profissionais e das associações territoriais de clubes filiadas nas federações desportivas; e a imposição do n.º 2 (limitação de 3 mandatos seguidos) dirige-se somente aos titulares dos órgãos das federações desportivas.

E esta solução, "prima facie" querida pelo legislador - o qual, caso tivesse optado por diferente solução teria, necessariamente, optado por diferente redação (sob pena de se ter que presumir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, o que o n.º 3 do art. 9.º do Código Civil nos proíbe de fazer) - é a adotada pelo Acórdão recorrido e a que também entendemos resultar da redação das normas em causa, sendo até, a nosso ver, a única que se coaduna com a literalidade destas normas.

Note-se que, embora o n.º 4, na sequência do n.º 3, se refira aos «titulares dos órgãos referidos nos números anteriores», estes "números anteriores" são apenas os "números imediatamente anteriores" (n.os 2 e 3), uma vez que o n.º 3 expressamente se refere, exclusivamente, ao n.º 2: «depois de concluídos os mandatos referidos no número anterior».

15 - No entanto, interpretação contrária - como a seguida pelo Acórdão do TAD, revogado pelo Acórdão recorrido, e também seguida pelo Acórdão fundamento (e pelo Acórdão do TAD confirmado pelo Acórdão fundamento, ainda que, neste caso, com 2 votos de vencido e desempatado por voto de qualidade do Presidente) - defende que os visados pela imposição do n.º 2 (quanto à limitação de mandatos) são os mesmos que os visados pela imposição do n.º 1 (quanto à duração de 4 anos dos mandatos), não obstante a diferente literalidade - ou seja, não obstante, o n.º 2 já não referir as ligas profissionais ou as associações territoriais de clubes, como referia o n.º 1.

E isto porque, segundo esta interpretação, seria redundante a repetição no n.º 2 (aliás, será já redundante a referência no n.º 1 aos órgãos das ligas profissionais ou das associações territoriais de clubes), pois que a noção de órgãos das federações desportivas já os abarca (isto é, já abarca os órgãos das ligas profissionais e das associações territoriais de clubes). Portanto, quando o n.º 2 impõe uma limitação de 3 mandatos seguidos aos titulares dos órgãos das federações desportivas, estaria a fazê-lo também aos titulares dos órgãos das ligas profissionais e das associações territoriais de clubes, por serem, também, órgãos das federações desportivas.

Isto, por seu lado, resulta - segunda esta interpretação - da circunstância de as federações desportivas "englobarem", entre outras entidades, as ditas "ligas profissionais" e as ditas "associações territoriais de clubes", conforme prevê o art. 2.º do RJFD (com a epígrafe "Conceito de federação desportiva").

16 - Consideramos, porém, inviável esta interpretação, sufragada pelo Acórdão fundamento.

Desde logo, ela choca manifestamente com o elemento literal contido nos n.os 1 e 2 do art. 50.º do RJFD.

Efetivamente, do ponto de vista desta interpretação, resulta totalmente inexplicada a razão por que o legislador, para uma imposição de duração de mandatos (no n.º 1 do art. 50.º), visa expressamente os titulares de órgãos de três entidades, enquanto para uma seguinte previsão de imposição de limitação de mandatos (no n.º 2 do art. 50.º) já só visa os titulares de órgãos de uma dessas três entidades, silenciando as restantes duas entidades imediatamente antes referidas. Por outras palavras: resulta totalmente inexplicada a razão por que o legislador decidira ser "redundante" na norma do n.º 1, enquanto, na norma imediatamente seguinte, já teria decidido não ser "redundante".

E, atendo-nos ainda ao elemento literal, a verdade é que ele afasta, por si só, a tese - fundamental para a economia desta interpretação - de que a noção de órgãos das federações desportivas engloba, ela própria, as noções de órgãos das ligas profissionais e de órgãos das associações territoriais, o que permitiria considerar como visados todos estes órgãos quanto à imposição de limitação de mandatos previsto no n.º 2 do art. 50.º ainda que o legislador somente se refira aí, diversamente do n.º 1, aos órgãos das federações desportivas.

É que, no n.º 1 do art. 50.º, o legislador ao impor uma duração de mandatos (de 4 anos) referiu expressamente como visados «os titulares dos órgãos das federações desportivas bem como das ligas profissionais ou associações territoriais de clubes» (sublinhado nosso).

Ou seja, o legislador previu, afinal, esta imposição para os órgãos das federações desportivas bem como para os órgãos das ligas profissionais bem como para os órgãos das associações territoriais de clubes.

Ora, perante esta literalidade da norma impositiva do n.º 1, nomeadamente a utilização do inciso "bem como", não é possível defender-se que se trata, tudo, de órgãos das federações desportivas, de modo a ter-se por englobados todos estes órgãos destas três entidades, na referência, somente, a órgãos das federações desportivas contida na imposição do n.º 2 quanto à limitação de mandatos. Neste n.º 2, para além dos órgãos das federações desportivas, não se aditaram ("bem como") outros órgãos, designadamente os das ligas profissionais ou os das associações territoriais de clubes.

Daqui que nos pareça de rejeitar a crítica do Acórdão do TAD (que o Acórdão fundamento confirmou) - "tirado", como se disse, com 2 votos de vencido (e desempatado por voto de qualidade do Presidente) - que a tese da inaplicabilidade da limitação dos mandatos a que se refere o n.º 2 do art. 50.º do RJFD se sustentaria num "empolamento do elemento literal" ao admitir essa limitação apenas para os titulares dos órgãos das federações desportivas e não também para os das ligas profissionais ou das associações territoriais das ligas. Pelo contrário, como vimos, a tese da aplicabilidade é que desconsidera o elemento literal em termos não permitidos pelos n.os 2 e 3 do art. 9.º do Código Civil.

17 - Mas se o elemento literal não suporta - não se coaduna - com a interpretação sufragada pelo Acórdão fundamento, o que seria suficiente, logo por si, para a repelir (art. 9.º do Código Civil), a verdade é que essa interpretação é de ter-se por insustentável a vários outros títulos.

É que essa interpretação fundamenta-se, de forma significativa, em argumento retirado do conceito legal de federações desportivas - definido no art. 2.º do RJFD: uma vez que, segundo tal conceito legal, as federações desportivas englobam, entre outras entidades, ligas profissionais e associações de âmbito territorial, é de concluir que o conceito de órgãos das federações desportivas (nomeadamente, utilizado nos n.os 1 e 2 do art. 50.º) incluem os órgãos das ligas profissionais e das associações territoriais de clubes.

Mas não é, manifestamente, assim, e este argumento revela-se imprestável.

É que, quando no conceito legal de federações desportivas, contido no art. 2.º do RJFD, se diz que as federações desportivas englobam, entre várias outras entidades aí referidas, as ligas profissionais e as associações territoriais, o que se pretende esclarecer é quem são os possíveis sócios ou associados da pessoa coletiva "federação desportiva". Ora, como parece óbvio, um associado de uma associação é pessoa ou entidade distinta da associação de que é associado. Como, naturalmente, os órgãos próprios da associação não se confundem com os órgãos próprios dos seus associados. O que também resulta do disposto no art. 26.º do RJFD, onde se distinguem, da pessoa "federação desportiva", as associações de clubes e sociedades desportivas suas associadas bem como as ligas profissionais (estas, expressamente, «sob a forma de associações sem fins lucrativos, com personalidade jurídica e autonomia administrativa, técnica e financeira»).

Vejamos o conceito legal de federação desportiva contido no aludido art. 2.º do RJFD:

«As federações desportivas são as pessoas coletivas constituídas sob a forma de associação sem fins lucrativos que, englobando clubes ou sociedades desportivas, associações de âmbito territorial, ligas profissionais, se as houver, praticantes, técnicos, juízes e árbitros, e demais entidades que promovam, pratiquem ou contribuam para o desenvolvimento da respetiva modalidade, preencham, cumulativamente, os seguintes requisitos: [...]».

Ora, servirmo-nos deste conceito legal de "federação desportiva" para concluir que os órgãos das entidades englobadas, como as ligas profissionais e as associações territoriais, são - ou podem considerar-se - órgãos da federação desportiva, é não distinguir a associação dos associados e considerar que todos estes possíveis associados "são federação desportiva" em vez de meramente seus associados.

Aliás, esta tese, de apelo ao conceito legal de federação desportiva contido no art. 2.º do RJFD, levaria ao absurdo de considerar abrangidos pela limitação de mandatos imposta pelo n.º 2 do art. 50.º (e, já agora, também pela duração de mandatos imposta pelo n.º 1) todos os órgãos dos associados das federações desportivas - não só os órgãos das ligas ou das associações territoriais, mas também os órgãos de todos os clubes desportivos ou de sociedades desportivas, das associações de praticantes, de técnicos, de juízes, de árbitros, bem como os órgãos das "demais entidades que promovam, pratiquem ou contribuam para o desenvolvimento da respetiva modalidade", enfim, todos os órgãos das associações associadas nas federações desportivas.

18 - Muito diferentemente, o legislador, ao referir-se, nos n.os 1 e 2 do art. 50.º do RJFD, a órgãos da federação desportiva teve em mente os órgãos próprios de cada federação desportiva, enquanto pessoa/associação distinta das pessoas/suas associadas.

Como já vimos, de outra forma, se a noção de órgão da federação desportiva incluísse já os órgãos das associações suas associadas, não faria sentido a referência, no n.º 1 do art. 50.º, aos "órgãos das federações desportivas, bem como das ligas profissionais ou associações territoriais de clubes".

Muito singelamente, os órgãos das federações desportivas, como tal referidas pelo legislador nos n.os 1 e 2 do art. 50.º do RJFD, são os seus órgãos próprios, previstos ("rectius", impostos) pelo legislador no art. 32.º do mesmo RJFD:

«Artigo 32.º

(Órgãos estatutários)

1 - As federações desportivas devem contemplar na sua estrutura orgânica, pelo menos, os seguintes órgãos:

a) Assembleia geral;

b) Presidente;

c) Direção;

d) Conselho fiscal;

e) Conselho de disciplina;

f) Conselho de justiça;

g) Conselho de arbitragem.

2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, as federações desportivas podem adotar outras denominações para os seus órgãos, desde que esteja acautelado o cumprimento das respetivas funções, previstas no presente decreto-lei».

Assim, definindo-se, no próprio RJFD, neste seu art. 32.º, quais os órgãos das federações desportivas, o mesmo legislador, ao referir-se, mais à frente, nos n.os 1 e 2 do art. 50.º do mesmo diploma legal, a órgãos das federações desportivas só pode estar congruentemente a referir-se a estes órgãos previstos para cada federação desportiva, neste art. 32.º

Daqui se conclui - e só se pode concluir - que a imposição de duração de mandatos constante do n.º 1 do art. 50.º do RJFD é aplicável aos órgãos das federações desportivas - leia-se: aos seus órgãos próprios, estatutários, referenciados no art. 32.º do RJFD - "bem como" aos órgãos das ligas profissionais e aos órgãos das associações territoriais de clubes. Já a imposição da limitação de 3 mandatos seguidos, constante do n.º 2 do mesmo art. 50.º, é aplicável apenas aos órgãos das federações desportivas - leia-se: aos seus órgãos próprios estatutários referenciados no art. 32.º do RJFD - e já não a quaisquer outros órgãos, nomeadamente aos órgãos de seus associados.

19 - Acresce ao que se vem dizendo que o RJFD foi aprovado pelo DL n.º 248-B/2008, de 31/12, em desenvolvimento da Lei 5/2007, de 16/1 - Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto (LBAFD) - a qual, no n.º 3 do seu art. 19.º, é clara ao definir que a "limitação de mandatos" se aplica aos titulares dos órgãos das "federações desportivas" a quem seja conferido o estatuto de utilidade pública desportiva.

Refere, efetivamente, este art. 19.º da Lei de Bases:

«Artigo 19.º

(Estatuto de utilidade pública desportiva)

1 - O estatuto de utilidade pública desportiva confere a uma federação desportiva a competência para o exercício, em exclusivo, por modalidade ou conjunto de modalidades, de poderes regulamentares, disciplinares e outros de natureza pública, bem como a titularidade dos direitos e poderes especialmente previstos na lei.

2 - Têm natureza pública os poderes das federações desportivas exercidos no âmbito da regulamentação e disciplina da respetiva modalidade que, para tanto, lhe sejam conferidos por lei.

3 - A federação desportiva à qual é conferido o estatuto mencionado no n.º 1 fica obrigada, nomeadamente, a cumprir os objetivos de desenvolvimento e generalização da prática desportiva, a garantir a representatividade e o funcionamento democrático internos, em especial através da limitação de mandatos, bem como a transparência e regularidade da sua gestão, nos termos da lei» (sublinhados nossos).

Assim, para além de ser claro que a Lei de Bases apenas prevê estas medidas (ligadas a um desejável "funcionamento democrático") às "federações desportivas", as mesmas decorrem da necessária atribuição do estatuto de "utilidade pública desportiva" (no sentido de que essas medidas não são, sequer, aplicáveis a federações desportivas a quem não seja conferido tal estatuto). Ora, o estatuto de "utilidade pública desportiva" apenas é legalmente atribuível às federações desportivas e não a quaisquer outros entes, ainda que associados das federações desportivas; estes, poderão eventualmente deter estatuto de "utilidade pública" (atribuível a pessoas coletivas de interesse público), mas não estatuto de "utilidade pública desportiva", legalmente reservado às "federações desportivas" (e só a uma por cada modalidade, ou a cada conjunto de modalidades afins - cf. transcrito n.º 1 do art. 19.º da Lei de Bases e arts. 10.º e 15.º do RJFD). Nestes termos, resulta evidente que a Lei de Bases, no citado n.º 3 do seu art.º 19.º apenas impõe a limitação de mandatos aos titulares dos órgãos das "federações desportivas às quais seja conferido o estatuto de utilidade pública desportiva" - regime legal de seguida replicado no n.º 2 do art. 50.º do RJFD.

E não se argumente que, segundo o conceito de federações desportivas contido no art. 2.º do RJFD (no seguimento, aliás, do art. 14.º da LBAFD), as federações desportivas englobam as associações de âmbito territorial - como, também, englobam os clubes desportivos e as sociedades desportivas, as ligas profissionais, praticantes, técnicos, juízes e árbitros e demais entidades que promovam, pratiquem ou contribuam para o desenvolvimento da respetiva modalidade - pois, como já dito, estes são entes, possíveis associados da federação desportiva, que, obviamente, com esta não se confundem.

20 - Ainda que face a tudo o exposto, restasse alguma pertinência na argumentação do Acórdão fundamento, e do Acórdão do TAD por ele confirmado, sustentada na suposta teleologia de que o legislador teria pretendido "regular em globo na Secção III do Capítulo III o regime aplicável aos titulares dos órgãos de todas entidades integradas na organização das federações desportivas" - tese infirmada, como vimos, quer pelo elemento literal quer pelos elementos histórico e sistemático (com fundamento nas disposições da Lei de Bases, que o RJFD visou desenvolver) - a circunstância de, com a alteração introduzida ao RJFD (DL n.º 248-B/2008) pelo DL n.º 93/2014, de 23/6, o legislador ter eliminado a possibilidade de as "associações territoriais de clubes" exercerem funções, designadamente públicas, que lhes fossem delegadas pelas federações desportivas (como, até aí, permitido pelos revogados arts. 30.º e 31.º) e passar a admitir a organização dos agrupamentos de clubes ou sociedades desportivas «da forma que entenderem mais conveniente», veio tornar aquela argumentação ainda mais insustentável.

Alteração esclarecida no preâmbulo do referido DL n.º 93/2014 pela seguinte forma:

«[...] Em sétimo lugar, são revogadas as disposições relativas às associações de clubes não profissionais e às associações territoriais de clubes, deixando à total liberdade das federações desportivas a respetiva organização interna e admitindo o agrupamento dos clubes ou sociedades desportivas da forma que entenderem mais conveniente».

21 - Refira-se, ainda, que, como bem salientado no Acórdão recorrido, consubstanciando a limitação de mandatos uma restrição a direitos, liberdades e garantias, contrária à liberdade estatutária e organizatória das associações privadas, como é aqui o caso (cf. arts. 17.º e 46.º da CRP), tal restrição, para além de ter de cumprir com os requisitos exigidos no art. 18.º da CRP, sempre teria, desde logo, e preliminarmente, que resultar de uma norma legal que, sem margem para dúvidas, a impusesse, o que, no presente caso, está longe de suceder.

E se este requisito, relativamente às associações territoriais de clubes, se encontra preenchido quanto à duração dos mandatos - 4 anos -, porque claramente previsto no n.º 1 do art. 50.º do RJFD para «o mandato dos titulares dos órgãos das federações desportivas, bem como das ligas profissionais ou associações territoriais de clubes nelas filiadas» (e o mesmo se poderá dizer relativamente às restrições previstas no art. 39.º do RJFD), já se não encontra preenchido para a limitação de mandatos, pois que, não só não resulta claro do n.º 2 do mesmo art. 50.º a sua aplicação às associações territoriais de clubes, como daí resulta, mesmo, a solução contrária - isto é, a sua não aplicação. Sendo certo que, em caso de dúvida (inexistente, "in casu"), sempre se interporia o dever de uma "interpretação conforme à CRP", ou seja, em favor da aludida liberdade estatutária e organizatória prevista no art. 46.º da CRP, bem como de privilegiar o "princípio do caráter restritivo das restrições".

22 - Nos termos expostos, é de julgar improcedente o presente recurso, mantendo-se o Acórdão TCAS/recorrido, e uniformizando-se jurisprudência no sentido de que:

«O limite à renovação de mandatos imposto no n.º 2 do artigo 50.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovado pelo Decreto-Lei 248-B/2008, de 31/12, não se aplica aos titulares de órgãos das associações territoriais de clubes filiadas nas federações desportivas».

III - DECISÃO

Por tudo o exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando, com a motivação antecedente, o Acórdão TCAS recorrido, e em uniformizar jurisprudência no sentido de que:

«O limite à renovação de mandatos imposto no n.º 2 do artigo 50.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovado pelo Decreto-Lei 248-B/2008, de 31/12, não se aplica aos titulares de órgãos das associações territoriais de clubes filiadas nas federações desportivas».

Custas pelo Recorrente.

Cumpra-se o disposto no n.º 4, "in fine", do artigo 152.º do CPTA.

Lisboa, 26 de maio de 2022. - Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha (relator) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa - Carlos Luís Medeiros de Carvalho - José Augusto Araújo Veloso - José Francisco Fonseca da Paz - Maria do Céu Dias Rosa das Neves - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva - Cláudio Ramos Monteiro.

115448648

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/4975290.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2007-01-16 - Lei 5/2007 - Assembleia da República

    Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto.

  • Tem documento Em vigor 2008-12-31 - Decreto-Lei 248-B/2008 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece o regime jurídico das federações desportivas e as condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva.

  • Tem documento Em vigor 2009-10-01 - Decreto-Lei 273/2009 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece o regime jurídico dos contratos-programa de desenvolvimento desportivo.

  • Tem documento Em vigor 2013-01-25 - Decreto-Lei 10/2013 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece o regime jurídico das sociedades desportivas a que ficam sujeitos os clubes desportivos que pretendem participar em competições desportivas profissionais.

  • Tem documento Em vigor 2013-09-06 - Lei 74/2013 - Assembleia da República

    Cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova e publica em anexo a respetiva lei, que estabelece a natureza, a competência, a organização e os serviços do TAD, assim como as regras dos processos de arbitragem e de mediação que lhe serão submetidos.

  • Tem documento Em vigor 2014-06-23 - Decreto-Lei 93/2014 - Presidência do Conselho de Ministros

    Procede à alteração (primeira alteração) do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, que estabelece o regime jurídico das federações desportivas e as condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva. Republica em anexo o citado diploma, com a redação atual.

  • Tem documento Em vigor 2015-04-29 - Decreto-Lei 66/2015 - Ministério da Economia

    No uso da autorização legislativa pela Lei n.º 73/2014, de 2 de setembro, aprova o Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online e altera o Código da Publicidade, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 330/90, de 23 de outubro, a Tabela Geral do Imposto do Selo, e o Decreto-Lei n.º 129/2012, de 22 de junho

  • Tem documento Em vigor 2015-04-29 - Decreto-Lei 67/2015 - Ministério da Economia

    No uso da autorização legislativa pela Lei n.º 73/2014, de 2 de setembro, aprova o regime jurídico da exploração e prática das apostas desportivas à cota de base territorial, e altera a Tabela Geral do Imposto do Selo, e os Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 235/2008, de 3 de dezembro

  • Tem documento Em vigor 2017-08-28 - Lei 101/2017 - Assembleia da República

    Defesa da transparência e da integridade nas competições desportivas (terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, e segunda alteração aos Decretos-Leis n.os 273/2009, de 1 de outubro, 10/2013, de 25 de janeiro, 66/2015, de 29 de abril, e 67/2015, de 29 de abril)

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