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Acórdão (extrato) 263/2022, de 6 de Maio

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Sumário

Decide, com respeito às contas relativas à campanha eleitoral para a Eleição de 2016 do Presidente da República, julgar extinto, por prescrição, o procedimento contraordenacional instaurado contra o candidato Cândido Manuel Pereira Monteiro Ferreira e o seu mandatário financeiro

Texto do documento

Acórdão (extrato) n.º 263/2022

Sumário: Decide, com respeito às contas relativas à campanha eleitoral para a Eleição de 2016 do Presidente da República, julgar extinto, por prescrição, o procedimento contraordenacional instaurado contra o candidato Cândido Manuel Pereira Monteiro Ferreira e o seu mandatário financeiro.

Processo 1095/21

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1 - Por decisão de 12 de setembro de 2019, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pela candidatura de Cândido Manuel Pereira Monteiro Ferreira, relativas à Campanha Eleitoral para a Eleição para Presidente da República, realizada em 24 de janeiro de 2016 (cf. artigos 27.º, n.º 4, da Lei 19/2003, de 20 de junho - Lei Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais -, doravante "LFP"; e 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro - Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos -, doravante "LEC").

As irregularidades apuradas foram as seguintes:

a) Não apresentação da lista de ações e meios de campanha, em violação do disposto no artigo 16.º, n.º 1, da LEC;

b) Existência de despesas não registadas nas contas de campanha, em violação do dever genérico previsto no disposto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, aplicável ex vi artigo 15.º, n.º 1, ambos da LFP;

c) Existência de deficiências no suporte documental de algumas despesas - impossibilidade de aferir sobre a sua razoabilidade, em violação do dever genérico previsto no disposto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, aplicável ex vi artigo 15.º, n.º 1, ambos da LFP;

d) Donativo em espécie de pessoa coletiva, em violação do n.º 1 do artigo 16.º da LFP.

Desta decisão não foi interposto recurso.

2 - Na sequência da referida decisão e por ter entendido, além do mais, que se encontrava indiciada a existência de um concurso real de contraordenações com uma infração criminal, enquadrável na primeira parte do n.º 1 do artigo 38.º do Regime Geral das Contraordenações (Decreto-Lei 433/82, de 27 de outubro, adiante referido como "RGCO") e que não tinha competência para prosseguir o procedimento respeitante às aludidas contraordenações, a ECFP, por deliberação de 19 de setembro de 2019, determinou a extração de certidão integral do processo administrativo apenso aos presentes autos (PA 2/PR/16/2019), respeitante ao procedimento de apreciação das contas apresentadas pela candidatura de Cândido Manuel Pereira Monteiro Ferreira, relativas à Campanha Eleitoral para a Eleição para Presidente da República de 2016, bem como a remessa de tal certidão à Procuradoria-Geral da República, solicitando o seu encaminhamento para o departamento ou órgão competente.

Nessa sequência, foi instaurado inquérito pelo Ministério Público, que veio a ser arquivado quanto à matéria criminal em apreciação. Notificada, em 7 de janeiro de 2020, do despacho de arquivamento, a ECFP determinou que o processo contraordenacional deveria continuar a seguir os seus termos, de acordo com o disposto no artigo 38.º, n.os 3 e 4 do RGCO, pelo que levantou um auto de notícia (Auto de Notícia n.º 78/2019, de 20 de fevereiro de 2020) e instaurou um processo de contraordenação ao candidato Cândido Manuel Pereira Monteiro Ferreira e ao seu mandatário financeiro, Fernando de Oliveira Simão, pela prática das irregularidades verificadas na decisão relativa à prestação de contas.

Notificados do processo de contraordenação, o candidato e o seu mandatário financeiro apresentaram a sua defesa, nos termos do n.º 2 do artigo 44.º da LEC.

3 - No âmbito do referido procedimento contraordenacional, a ECFP, por decisão de 24 de março de 2021, aplicou as seguintes sanções:

a) Ao arguido Cândido Manuel Pereira Monteiro Ferreira, enquanto candidato às eleições presidenciais, uma coima no valor de 3 (três) SMN de 2008, perfazendo a quantia de 1.278,00 (euro) (mil duzentos e setenta e oito euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP;

b) Ao arguido Fernando de Oliveira Simão, enquanto mandatário financeiro, uma coima no valor de 3 (três) SMN de 2008, perfazendo a quantia de 1.278,00 (euro) (mil duzentos e setenta e oito euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

4 - Inconformados, os arguidos impugnaram esta decisão junto do Tribunal Constitucional, mediante requerimento apresentado em 17 de maio de 2021.

5 - Recebido o requerimento de interposição de recurso, a ECFP, por deliberação de 28 de maio de 2021, sustentou a decisão recorrida e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional (cf. fls. 109), o que veio a ocorrer a 1 de junho seguinte.

6 - Por despacho proferido em 9 de novembro de 2021, o Tribunal Constitucional admitiu o recurso e ordenou a abertura de vista ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»).

7 - Foram os autos ao Ministério Público, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC, que se pronunciou no sentido do seu arquivamento, por extinção do procedimento contraordenacional, por prescrição, ocorrida no dia 26 de maio de 2021. Os recorrentes responderam, nos termos do referido preceito, subscrevendo a posição assumida pelo Ministério Público e, caso assim não se entenda, reiterando a posição já assumida no sentido da procedência do recurso apresentado.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

A) Considerações gerais sobre o novo regime de fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais

8 - A Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, veio alterar, entre outras, a LFP e a LEC, introduzindo profundas modificações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.

Considerando que à data de entrada em vigor desta lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) - os presentes autos aguardavam julgamento respeitante à legalidade e regularidade das contas, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da referida Lei Orgânica.

A respeito do novo regime legal, quer quanto à competência de fiscalização, quer no que respeita ao regime processual, foram desenvolvidas algumas considerações no Acórdão 421/2020, para o qual se remete, salientando-se aqui que a alteração mais significativa tem que ver com a competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais e aplicar as respetivas coimas, que, até abril de 2018, pertencia ao Tribunal Constitucional e passou agora a ser atribuída à ECFP [artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP].

Assim, nos termos do novo regime legal, caberá ao Tribunal Constitucional apreciar, em sede de recurso de plena jurisdição, em Plenário, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas [artigo 9.º, alínea e), da LTC].

Por outro lado, no referido Acórdão 421/2020 deixou-se claro, relativamente à competência do Tribunal em matéria de regularidade e legalidade das contas, que o entendimento da jurisprudência constitucional é no sentido de que apreciação a efetuar deverá ser feita à luz de critérios de legalidade, centrados na ordem de valores que a lei do financiamento dos partidos pretende tutelar - e não por simples aplicação de critérios de natureza estritamente económico-financeira (cf., entre outros, os Acórdãos n.º 979/1996 e 563/2006).

B) Questão prévia - da prescrição do procedimento contraordenacional

9 - Antes da apreciação do mérito do recurso, importa analisar a questão de saber se se verificou a prescrição do procedimento contraordenacional, conforme sustentou o Ministério Público, uma vez que, caso se conclua nesse sentido, tal determinará a extinção da responsabilidade contraordenacional dos recorrentes e o consequente afastamento da sua punição.

As contraordenações em causa nos presentes autos, previstas na LFP e tramitadas nos termos previstos na LEC, estão sujeitas ao regime de prescrição do procedimento contraordenacional previsto nos artigos 27.º, 27.º-A e 28.º do RGCO.

É nesse regime geral que se encontram as normas sobre os prazos de prescrição, fixados em função do limite máximo da moldura sancionatória aplicável, e sobre as causas suspensivas e interruptivas do prazo prescricional. E é também aí - nomeadamente no artigo 28.º, n.º 3 -, que se fixa o prazo máximo de prescrição: a «prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade».

No entanto, o regime de contraordenações em matéria de financiamento e contas das campanhas eleitorais integra ainda causas específicas de suspensão da prescrição do procedimento que, nos termos da ressalva estatuída no artigo 27.º-A, n.º 1, do RGCO, importa considerar na contagem do respetivo prazo. É o que se verifica, por exemplo, em relação à previsão de situações especiais a que é atribuído efeito suspensivo constante do artigo 22.º da LEC.

10 - No caso em análise, está em causa, em relação a ambos os recorrentes, a contraordenação prevista no artigo 31.º, n.º 1, da LFP, punida com uma coima máxima de (euro) 34.080,00, correspondente a 426 x 80 SMN de 2008 [cf. o artigo 31.º, n.º 1, da LFP, na sua redação originária, aplicável ex vi artigo 152.º, n.os 2 e 3, da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, em conjugação com o artigo 1.º do Decreto-Lei 397/2007, de 31 de dezembro, e o artigo 114.º, alínea a), da Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro]. Assim, o prazo normal de prescrição aplicável é o de 3 (três) anos [cf. o artigo 27.º, alínea b), do RGCO], a contar da data em que se consumou a infração, ou seja, da data-limite para a apresentação das contas da campanha eleitoral.

In casu, atentas as contraordenações imputadas aos recorrentes e o prazo previsto nos artigos 27.º, n.º 1, da LFP e 35.º, n.º 1, da LEC (aplicável por igual a todas as candidaturas às eleições presidenciais de 2016, independentemente de as mesmas terem ou não recebido a subvenção pública aí referida), a consumação da infração ocorreu no dia 20 de junho de 2016. É este o termo final do prazo de entrega das contas relativas à campanha eleitoral ora em causa. Em função do mesmo termo, verifica-se que, tendo ocorrido interrupções, o prazo máximo de prescrição, sem contar com as causas de suspensão - gerais e específicas - termina em 20 de dezembro de 2020.

Com efeito, o n.º 3 do artigo 28.º do RGCO fixa esse prazo máximo através de dois elementos indissociáveis: (i) o prazo normal de prescrição acrescido de metade; (ii) e o tempo de suspensão. Daí que o prazo máximo de prescrição seja determinado pela soma do tempo de suspensão e do prazo normal de prescrição acrescido de metade, independentemente de todas as interrupções que possam ter tido lugar. No caso dos presentes autos, tal prazo corresponde a quatro anos e seis meses, a que acrescem os períodos de suspensão aplicáveis.

11 - Verifica-se, porém, que, entre a data da prática das infrações imputadas aos arguidos e a data da decisão administrativa sancionatória - 24 de março de 2021 -, o regime e o processamento das contraordenações em matéria de contas das campanhas eleitorais foi alterado pela Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, com evidente repercussão na contagem do prazo de prescrição do procedimento, quer porque se restringiu o alcance das causas suspensivas previstas no artigo 22.º da LEC, quer porque o processo de prestação de contas assumiu nova estruturação, com a consequente alteração dos eventos subsumíveis às causas que, à luz do regime geral, têm virtualidade interruptiva e/ou suspensiva.

Com efeito, embora não tenha havido encurtamento ou ampliação do prazo de prescrição previsto no regime geral em vigor à data da prática das infrações, nem do limite máximo da moldura por referência à qual tal prazo é fixado, a modificação dos factos interruptivos ou suspensivos que resultaram daquelas alterações influi na contagem concreta do prazo de prescrição do procedimento, visto que as concretas causas de interrupção e de suspensão constituem fatores imprescindíveis a ter em conta na determinação do prazo máximo de prescrição do procedimento.

Conforme este Tribunal tem entendido, ocorrendo sucessão de leis no tempo, é necessário determinar se o novo regime legal amplia ou diminui o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional (cf., por último, os Acórdãos n.os 231/2021 e 242/2021). Traduzindo-se a prescrição do procedimento numa renúncia do Estado ao direito de sancionar, condicionada pelo decurso de um determinado lapso temporal, cuja razão de ser se situa na não realização dos fins das sanções, as normas sobre prescrição do procedimento, para além da indiscutível vertente processual, têm natureza substantiva. Tal natureza determina, no domínio da aplicação da lei no tempo, a sujeição das respetivas normas ao princípio da aplicação retractiva do regime jurídico concretamente mais favorável ao agente da infração (n.º 2 do artigo 3.º do RGCO). Significa isto que não pode ser aplicada lei sobre prescrição que se revele, em concreto, mais gravosa do que a vigente à data da prática dos factos, bem como deve ser aplicado retroativamente o regime prescricional que eventualmente se mostre, em concreto, mais favorável.

Saliente-se, por outro lado, que na determinação do regime de prescrição mais favorável deve proceder-se à aplicação do regime legal da prescrição, no seu todo, que vigorava à data da prática das infrações, por comparação com o ou os regimes que lhe sucederam até à data em que é proferida a decisão sancionatória. Ou seja, aplica-se a lei antiga (LA) e a seguir a lei nova (LN), uma e outra integralmente, comparando-se os resultados. (cf., os Acórdãos n.os 231/2021, 242/2021 e 319/2021).

Impõe-se, pois, conhecer da prescrição do procedimento contraordenacional em função do regime concretamente mais favorável.

12 - Para além das causas interruptivas e suspensivas previstas no RGCO, a lei vigente à data da consumação das contraordenações ora em causa - a LEC, na sua versão anterior à redação dada pela Lei Orgânica 1/2018 - previa no artigo 22.º uma causa especial de suspensão: «a prescrição do procedimento pelas contraordenações previstas na Lei 19/2003, de 20 de junho, e na presente lei suspende-se, para além dos casos previstos na lei, até à emissão do parecer a que se referem, consoante os casos, os artigos 28.º, 31.º, 39.º e 42.º». Ou seja, o tempo decorrido enquanto a causa suspensiva se mantiver não se conta para a prescrição; mas o tempo decorrido antes que a causa surja é contado, juntando-se ao tempo que correr depois de cessada.

Tratando-se da responsabilidade contraordenacional por violação das regras de apresentação das contas de campanhas eleitorais, o «parecer» a que se refere aquela norma era o previsto no artigo 42.º da LEC na versão ora considerada, e que devia ser emitido no prazo máximo de 70 dias «a partir do fim do prazo de apresentação das contas da campanha eleitoral» (cf. o respetivo n.º 3).

Significa isto que o prazo máximo de prescrição, ao abrigo da LA - os quatro anos e seis meses -, além de contar com os acréscimos decorrentes da aplicação das causas de suspensão da prescrição previstas no regime geral (cf. o artigo 27.º-A do RGCO), contava, também, com um acréscimo de 70 dias imputável a uma causa de suspensão da prescrição específica (cf. o artigo 42.º, n.º 3, da LEC, na sua redação originária).

13 - Como mencionado, a Lei Orgânica 1/2018 veio introduzir diversas alterações na LFP e na LEC, nomeadamente no regime processual de apreciação das contas (cf. supra o n.º 11). Acresce, conforme referido, que, à data da entrada em vigor desta Lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) - os presentes autos aguardavam julgamento respeitante à legalidade e regularidade das contas, pelo que tal regime lhes é aplicável - e foi efetivamente aplicado -, nos termos da norma transitória constante do respetivo artigo 7.º

Uma das alterações relevantes em matéria de prazo de prescrição do procedimento contraordenacional resulta da nova redação do artigo 22.º da LEC, que procedeu a uma importante alteração nas causas suspensivas da prescrição, tendo eliminado o tempo de suspensão que decorria entre a apresentação das contas e a elaboração do parecer sobre as mesmas. Em consequência, ao prazo máximo de prescrição, no âmbito da lei nova, deixou de se somar o período correspondente àquela causa específica, continuando, nos termos já antes referidos, a poder somar-se o tempo correspondente às causas de suspensão do procedimento contraordenacional previstas no regime geral.

14 - Outra alteração muito significativa introduzida pelo novo regime processual constante da Lei Orgânica 1/2018 tem que ver com a competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais e para aplicar as respetivas coimas: até abril de 2018, pertencia ao Tribunal Constitucional; com a nova lei passou a ser atribuída à ECFP [artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP; v. o n.º 8, supra]. Assim, conforme referido, nos termos do novo regime legal, cabe ao Tribunal Constitucional apreciar, em sede de recurso de plena jurisdição, em Plenário, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigo 9.º, alínea e), da Lei do Tribunal Constitucional).

Uma das consequências desta modificação é a operatividade de uma das causas gerais de suspensão da prescrição previstas no artigo 27.º-A, n.º 1, do RGCO: a «prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento: c) [e]stiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso», sendo certo que, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, a suspensão não pode ultrapassar seis meses. Com efeito, e como mencionado, até à entrada em vigor da Lei Orgânica 1/2018, aquela causa de suspensão geral, embora aplicável porque integrante do regime de prescrição da LA, não podia ser convocada, visto que os atos procedimentais e processuais praticados não lhe eram subsumíveis, tendo em conta que a ECFP carecia de competência para aplicar as sanções previstas na LFP (cf. o artigo 46.º, n.º 1, da LEC, na sua redação anterior à Lei Orgânica 1/2018). A punição das contraordenações em matéria de contas das campanhas eleitorais era da competência exclusiva do Tribunal Constitucional (v. idem, ibidem).

15 - No caso em apreço, importa ter em atenção que, no decurso do procedimento contraordenacional tramitado à luz da versão anterior a 2018 da LEC, foram praticados atos processuais com virtualidade interruptiva da prescrição: (i) a notificação do relatório sobre a auditoria às contas das campanhas eleitorais, em 1 de março de 2017 (cf. o artigo 41.º, n.º 3); (ii) a notificação do despacho do Presidente do Tribunal Constitucional, proferido na sequência da entrada em vigor da Lei Orgânica 1/2018 e da consequente inaplicabilidade do artigo 43.º da LEC na sua redação anterior, a ordenar a remessa dos autos à ECFP, em 16 de outubro de 2018 (v. fls. 89-90 do apenso); (iii) a notificação da decisão da ECFP relativa às irregularidades das contas da campanha eleitoral (artigos 43.º e 44.º da LEC, na redação de 2018), em 13 de setembro de 2019; (iv) a notificação da instauração do procedimento de contraordenação, em 27 de fevereiro de 2020 (fls. 32-35); (v) a notificação da decisão condenatória e de aplicação de coima, de 24 de março de 2021, em 25 de março de 2021 (fls. 66-71); (vi) a notificação da deliberação de sustentação da decisão condenatória e da remessa dos autos ao Tribunal Constitucional, em 1 de junho de 2021 (fls. 106 a 109); (vii) a notificação do despacho que admitiu o recurso interposto pelos arguidos e determinou a vista ao Ministério Público, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, em 12 de novembro de 2021 (fls. 115); (viii) a notificação da promoção do Ministério Público, em 26 de novembro de 2021 (fl. 122).

Com efeito, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 28.º do RGCO, estas notificações correspondem a atos processuais cujo efeito é inutilizar, relativamente à prescrição, o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo prescricional. Considerando que na data da notificação referida em (i) ainda não havia decorrido o prazo de três anos a contar da consumação da contraordenação - 20 de junho de 2016 - e que entre as datas das demais nunca passaram três anos, o prazo máximo de prescrição a considerar é o de quatro anos e seis meses - a terminar em 20 de dezembro de 2020 -, acrescido do período de suspensão (cf. o artigo 28.º, n.º 3, do RGCO).

Por outro lado, a notificação referida em (vii) determina a aplicação do disposto no artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c), do RGCO: a suspensão do prazo de prescrição por um período máximo de seis meses (cf. o n.º 2 do mesmo preceito).

16 - Decorre do exposto que, ao abrigo da LA, o prazo máximo de prescrição finda setenta dias depois do 20 de dezembro de 2020 (cf. supra o n.º 6), isto é, em 28 de fevereiro de 2021.

Já ao abrigo da LN, o prazo máximo de prescrição finda no dia 20 de dezembro de 2020, uma vez que, até esse momento, não se verificaram quaisquer causas de suspensão, gerais ou específicas, isto é, qualquer das causas previstas no artigo 27.º-A do RGCO ou no artigo 22.º da LEC.

Assim, à luz da LN, o prazo de prescrição, acrescido de metade (4 anos e 6 meses), decorreu integralmente, ainda antes de os autos terem sido remetidos ao Tribunal Constitucional (em 1 de junho de 2021) e, consequentemente, sem que se tenha verificado a única causa de suspensão que poderia ser tida como aplicável ao caso: a notificação do despacho que admitiu o recurso interposto pelos arguidos e determinou a vista ao Ministério Público, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC [a qual só veio a ocorrer em 15 de novembro de 2021; cf. fl. 115 dos autos e o artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c), do RGCO].

Com efeito, não se aplicando ao caso a causa de suspensão prevista na atual redação do artigo 22.º da LEC, não se verifica também qualquer uma das hipóteses previstas nas alíneas a) e b) do 27.º-A do RGCO. Designadamente, e no que ora particularmente releva, não se verifica a causa de suspensão da prescrição prevista na alínea b) do referido preceito, em que se prevê a suspensão da prescrição do procedimento por contraordenação durante o tempo em que o procedimento «[e]stiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º». É certo, conforme relatado (cf. o n.º 2, supra), que a ECFP determinou a extração de certidão e a respetiva remessa ao Ministério Público, invocando para o efeito o artigo 38.º, n.º 1, do RCGO, por considerar que estava indiciada a prática de um crime (donativo em espécie efetuado por pessoas coletivas, em violação do artigo 16.º da LFP, o que configura o crime de obtenção de receitas proibidas, previsto e punido no artigo 28.º, n.º 3, da LFP), em concurso real com as contraordenações relativas à apresentação de contas (cf. a deliberação de 19 de setembro de 2019, a fls. 133-136 do apenso) e que o Ministério Público veio a arquivar o inquérito no que respeita ao referido crime (cf. fls. 166-170 do apenso), tendo a Entidade sido notificada do despacho de arquivamento por ofício expedido em 03-01-2020, considerando-se notificada no dia 7 de janeiro seguinte.

No entanto, embora tenha sido extraída e enviada certidão ao Ministério Público, sob invocação do disposto no artigo 38.º, n.º 1, do RGCO, por se entender que havia um caso de concurso real entre um crime e contraordenações, esta hipótese não se encontra prevista no artigo 27.º-A, n.º 1, alínea b), do RGCO, que se refere expressamente «ao envio do processo ao Ministério Público [...], nos termos do artigo 40.º». Ora, este refere-se às situações em que a autoridade administrativa competente considere que «a infração constitui um crime» (cf., neste sentido, Manuel Simas Santos/Jorge Lopes de Sousa, Contraordenações - Anotações ao Regime Geral, 3.ª Edição, Vislis Editores, Viseu, 2006, p. 302).

17 - Finalmente, mesmo que se entenda ser de aplicar as normas sobre a suspensão de prazos decorrentes da legislação emitida no âmbito do estado de emergência - SARS-COVID 19 (cf., neste sentido, os Acórdãos n.os 500/2021, 660/2021 e 798/2021), sempre será de concluir pela verificação da prescrição, quer ao abrigo da LA, quer ao abrigo da LN.

Com efeito, da conjugação do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 7.º da Lei 1-A/2020, de 19 de março, mesmo não considerando a norma interpretativa constante do artigo 5.º da Lei 4-A/20020, de 6 de abril, resulta que todos os prazos de prescrição então em curso se suspenderam desde o dia 12-03-202 até ao dia 2-06-2020 (cf. os artigos 8.º e 10.º da Lei 16/2020, de 29 de maio) - isto é, pelo período de 83 dias. Posteriormente, por força do artigo 6.º-B, n.º 3, aditado à Lei 1-A/2020, de 19 de março, pela Lei 4-B/2021, de 1 de fevereiro, ocorreu nova suspensão dos prazos de prescrição, com efeitos desde o dia 22 de janeiro de 2021 até ao dia 5 de abril de 2021, inclusive (cf. os artigos 6.º e 7.º da Lei 13-B/2021, de 5 de abril) - isto é, pelo período 74 dias.

Assim, mesmo acrescentando este período de 157 dias de suspensão dos prazos de prescrição, o término do prazo prescricional ocorreu, aplicando-se a LA, no dia 4 de agosto de 2021. Aplicando-se a LN, o término de tal prazo ocorreu no dia 26 de maio de 2021.

Em face do exposto, o regime previsto na LN é concretamente mais favorável, uma vez que determina a extinção do direito de sancionar em momento anterior sendo, por isso, retroativamente aplicável aos presentes autos.

Deste modo, resta concluir que o procedimento contraordenacional, se encontra prescrito - tendo tal prescrição ocorrido antes da remessa dos presentes autos ao Tribunal Constitucional em 1 de junho de 2021 -, razão pela qual se encontra prejudicada a apreciação do mérito do recurso.

III. Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar extinto, por prescrição, o presente procedimento contraordenacional, instaurado contra Cândido Manuel Pereira Monteiro Ferreira, enquanto candidato à Eleição para Presidente da República, realizada em 24 de janeiro de 2016, e contra Fernando de Oliveira Simão, enquanto mandatário financeiro, relativamente às contraordenações que lhes são imputadas, previstas e punidas pelo artigo 31.º, n.º 1 da LFP.

Lisboa, 5 de abril de 2022. - Lino Rodrigues Ribeiro - Gonçalo Almeida Ribeiro - Afonso Patrão - José João Abrantes - Mariana Canotilho - Maria Benedita Urbano - António José da Ascensão Ramos - Assunção Raimundo - Pedro Machete - Joana Fernandes Costa - João Pedro Caupers.

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Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/4909309.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 2003-06-20 - Lei 19/2003 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2005-01-10 - Lei Orgânica 2/2005 - Assembleia da República

    Regula a organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

  • Tem documento Em vigor 2007-12-31 - Decreto-Lei 397/2007 - Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social

    Fixa o valor da retribuição mínima mensal garantida para 2008 em € 426.

  • Tem documento Em vigor 2008-12-31 - Lei 64-A/2008 - Assembleia da República

    Aprova o orçamento do Estado para 2009. Aprova ainda o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), bem como o regime de isenção do IVA e dos Impostos Especiais de Consumo aplicável na importação de mercadorias transportadas na bagagem dos viajantes provenientes de países ou territórios terceiros.

  • Tem documento Em vigor 2012-12-31 - Lei 66-B/2012 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para o ano de 2013.

  • Tem documento Em vigor 2018-04-19 - Lei Orgânica 1/2018 - Assembleia da República

    Oitava alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), segunda alteração à Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), sétima alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), e primeira alteração à Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos)

  • Tem documento Em vigor 2020-03-19 - Lei 1-A/2020 - Assembleia da República

    Medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19

  • Tem documento Em vigor 2020-05-29 - Lei 16/2020 - Assembleia da República

    Altera as medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia da doença COVID-19, procedendo à quarta alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, à primeira alteração à Lei n.º 9/2020, de 10 de abril, e à décima segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março

  • Tem documento Em vigor 2021-02-01 - Lei 4-B/2021 - Assembleia da República

    Estabelece um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março

  • Tem documento Em vigor 2021-04-05 - Lei 13-B/2021 - Assembleia da República

    Cessa o regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais adotado no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março

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