Diretiva n.º 5/2021
Sumário: Apreciação e emissão de parecer pelo Ministério Público nos acordos de regulação das responsabilidades parentais constantes de processos de separação de pessoas e bens e de divórcio por mútuo consentimento instaurados nas Conservatórias do Registo Civil.
Apreciação e emissão de parecer pelo Ministério Público nos acordos de regulação das responsabilidades parentais constantes de processos de separação de pessoas e bens e de divórcio por mútuo consentimento instaurados nas Conservatórias do Registo Civil.
O Decreto-Lei 272/2001, de 13 de outubro, conferiu aos conservadores do registo civil competência decisória para homologação dos acordos de regulação das responsabilidades parentais apresentados pelos progenitores em sede de processos de separação de pessoas e bens e de divórcio por mútuo consentimento, tendo deferido ao Ministério Público junto do tribunal judicial de 1.ª instância competente em razão da matéria no âmbito da circunscrição a que pertença a conservatória a competência para a apreciação da legalidade e adequação dos aludidos acordos, e subsequente emissão de parecer, disciplina expressamente consagrada no n.º 4, do artigo 14.º, do mencionado diploma legal.
A Lei 61/2008, de 13 de outubro, aditou ao Código Civil o artigo 1776.º-A, o qual dispõe sobre os acordos relativos ao exercício das responsabilidades parentais apresentados no âmbito de processos de divórcio por mútuo consentimento instaurados nas Conservatórias do Registo Civil, firmando, no que tange ao Ministério Público competente para a apreciação e emissão de parecer daqueles acordos, disciplina inteiramente alinhada e coincidente com a plasmada no aludido n.º 4, do artigo 14.º, do Decreto-Lei 272/2001.
Ulteriormente, a Lei 5/2017, de 2 de março, introduziu alterações ao n.º 2, do artigo 1909.º, do Código Civil, no sentido da admissão, fora dos quadros de divórcio por mútuo consentimento, da regulação (ou alteração) das responsabilidades parentais por mútuo acordo junto das Conservatórias do Registo Civil, passando a abranger as situações de separação de facto dos progenitores, bem como, por via dos n.os 2, dos artigos 1911.º e 1912.º, de dissolução de união de facto e de pais não casados nem unidos de facto, determinando que o procedimento observará o disposto nos artigos 274.º-A a 274.º -C, do Código do Registo Civil, dispositivos aditados pelo mesmo diploma.
Esta alteração legislativa comportou a introdução de disciplina expressa no que tange ao Ministério Público competente para a apreciação e emissão de parecer sobre o acordo de regulação (ou alteração) das responsabilidades parentais, a qual diverge da consagrada no sobredito n.º 4, do artigo 14.º, do Decreto-Lei 272/2001, porquanto estatui que, para o mencionado efeito, o processo é enviado ao Ministério Público junto do tribunal judicial de 1.ª instância competente em razão da matéria no âmbito da circunscrição da residência da criança.
A ausência de revogação expressa dos n.º 4 do artigo 14.º, do DL 272/2001 e n.º 1 do artigo 1776.º-A, do Código Civil, motivou dualidade de entendimentos por parte dos Magistrados do Ministério Público, com repercussão nos procedimentos adotados, que oscilam entre a observância rigorosa, nos processos de divórcio e separação de pessoas e bens por mútuo consentimento, do estatuído naqueles dispositivos e a aplicação do regime introduzido pela Lei 5/2007.
A sinalizada divergência procedimental é responsável pela ocorrência de conflitos negativos de competência, situação que nos foi representada, o que compromete, genericamente, a eficácia do sistema e, em especial, a celeridade da tramitação que deve presidir aos procedimentos que promovam a defesa dos interesses das crianças.
O dissenso interpretativo identificado, em definitivo apenas dirimível através de atividade legislativa que consagre norma legal inequívoca que harmonize a disciplina relativa à apreciação e emissão de parecer pelo Ministério Público nos acordos de regulação das responsabilidades parentais insertos em processos instaurados nas Conservatórias do Registo Civil, evidencia, no imediato, a necessidade de orientações que conduzam a uma uniformização de procedimentos e de atuação do Ministério Público, dessa forma evitando os prejuízos, intrínseca e inevitavelmente, associados a incidentes processuais gerados com fundamento em incompetência.
Acresce que, nos processos de separação de pessoas e bens e de divórcio por mútuo consentimento instaurados nas Conservatórias do Registo Civil, a inexistência de norma com o alcance do n.º 4, do artigo 274.º-B, do Código do Registo Civil, tem, em alguns casos, ocasionado a emissão de pareceres sem prévia audição da criança, nas situações em que a mesma deve ocorrer, procedimento não consentâneo com o princípio da obrigatoriedade da participação das crianças nos processos que lhe respeitam, em especial com o disposto no n.º 1 do artigo 12.º, da Convenção sobre os Direitos da Criança e no n.º 1, do artigo 24.º, da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais.
Pelo exposto, ao abrigo do preceituado na alínea b), do n.º 2, do artigo 19.º, do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei 68/2019, de 27 de agosto, os/as Senhores/as Magistrados/as do Ministério Público, com competência na área da família e crianças, devem:
Face ao recebimento de processos de separação de pessoas e bens ou de divórcio por mútuo consentimento para efeitos de apreciação da legalidade e adequação dos acordos de regulação das responsabilidades parentais apresentados pelos progenitores, provenientes de Conservatória do Registo Civil situada no âmbito da circunscrição da Procuradoria da República do Tribunal competente em razão da matéria que não coincida com a da residência da criança
a) Abster-se de ordenar a remessa de tais processos à Procuradoria da República do tribunal competente em razão da matéria situada na área da residência da criança;
b) Emitir o respetivo parecer, em obediência ao disposto no n.º 4 do artigo 14.º, do Decreto-Lei 272/2001, de 13 de outubro, e no n.º 1 do artigo 1776.º-A, do Código Civil;
c) Fazer preceder a emissão do parecer da realização das diligências adequadas a aferir e acautelar o superior interesse da criança, em especial, da respetiva audição, nas situações em que a mesma deve ocorrer.
Publique-se no Diário da República.
11 de outubro de 2021. - A Procuradora-Geral da República, Lucília Gago.
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