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Acórdão do Tribunal Constitucional 272/2021, de 6 de Julho

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Sumário

Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da interpretação conjugada das normas contidas no artigo 334.º do Código do Trabalho e no artigo 481.º, n.º 2, proémio, do Código das Sociedades Comerciais, na parte em que impede a responsabilidade solidária da sociedade com sede fora de território nacional, em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com uma sociedade portuguesa, pelos créditos emergentes da relação de trabalho subordinado estabelecida com esta, ou da sua rutura

Texto do documento

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 272/2021

Sumário: Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da interpretação conjugada das normas contidas no artigo 334.º do Código do Trabalho e no artigo 481.º, n.º 2, proémio, do Código das Sociedades Comerciais, na parte em que impede a responsabilidade solidária da sociedade com sede fora de território nacional, em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com uma sociedade portuguesa, pelos créditos emergentes da relação de trabalho subordinado estabelecida com esta, ou da sua rutura.

Processo 1161/19

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional requereu, em conformidade com o disposto no artigo 82.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi conferida pela Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, doravante LTC), a organização de um processo, a tramitar nos termos do processo de fiscalização abstrata e sucessiva da constitucionalidade, com vista à apreciação, pelo Plenário, da constitucionalidade da interpretação conjugada das normas contidas no artigo 334.º do Código do Trabalho e no artigo 481.º, n.º 2, proémio, do Código das Sociedades Comerciais, na parte em que impede a responsabilidade solidária da sociedade com sede fora de território nacional, em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com uma sociedade portuguesa, pelos créditos emergentes da relação de trabalho subordinado estabelecida com esta, ou da sua rutura.

Para fundamentar tal pedido, o recorrente alega que a norma em causa foi julgada inconstitucional no Acórdão 227/2015, da 1.ª Secção, na Decisão Sumária n.º 363/2015, da 1.ª Secção, e na Decisão Sumária n.º 434/2019, da 1.ª Secção, verificando-se assim o pressuposto previsto no n.º 3 do artigo 281.º da Constituição.

De acordo ainda com o requerimento do Ministério Público, todas as decisões referidas transitaram em julgado.

2 - Foram notificados, nos termos conjugados do artigo 54.º e do n.º 3 do artigo 55.º da LTC, o Primeiro-Ministro e o Presidente da Assembleia da República.

O Primeiro-Ministro ofereceu o merecimento dos autos.

O Presidente da Assembleia da República ofereceu igualmente o merecimento dos autos e remeteu uma nota técnica sobre os trabalhos preparatórios conducentes à aprovação da norma contida no artigo 334.º do Código do Trabalho, dando conta que a disposição em causa se mantém, no essencial, desde o Código de Trabalho de 2003.

3 - Discutido o memorando elaborado pelo Presidente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 63.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, e fixada a orientação do Tribunal, cumpre agora decidir em conformidade com o que então se estabeleceu.

II - Fundamentação

Pressupostos de cognição

4 - De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 281.º da Constituição, o Tribunal Constitucional aprecia e declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de qualquer norma que tenha julgado inconstitucional em três casos concretos.

Este preceito é reproduzido, no essencial, pelo artigo 82.º da Lei do Tribunal Constitucional, que determina pertencer a iniciativa a qualquer dos juízes do Tribunal ou ao Ministério Público, devendo promover-se a organização de um processo com as cópias das correspondentes decisões, o qual é concluso ao Presidente, seguindo-se os termos do processo de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade, previsto naquela Lei.

5 - O pedido de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade formulado nos presentes autos tem por base três decisões proferidas em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade.

Trata-se, em primeiro lugar, do Acórdão 227/2015, que julgou inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, «a interpretação conjugada das normas contidas no artigo 334.º do Código do Trabalho e no artigo 481.º, n.º 2, proémio, do Código das Sociedades Comerciais, na parte em que impede a responsabilidade solidária da sociedade com sede fora de território nacional, em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com uma sociedade portuguesa, pelos créditos emergentes da relação de trabalho subordinado estabelecida com esta, ou da sua rutura».

Tendo tal julgamento sido reafirmado pelas Decisões Sumárias n.º 363/2015 e 434/2019, encontram-se reunidas as condições indispensáveis à apreciação da citada norma em sede de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade.

B. Do mérito

6 - A dimensão normativa que integra o objeto do pedido corresponde ao sentido interpretativo que, nos três casos acima mencionados, os tribunais então recorridos imputaram à conjugação do artigo 334.º do Código do Trabalho (CT) com o proémio do n.º 2 do artigo 481.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

O artigo 334.º do CT tem a seguinte redação:

«Artigo 334.º

Responsabilidade solidária de sociedade em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo

Por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses, respondem solidariamente o empregador e sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.» (itálico aditado)

Inserido no âmbito das disposições gerais (Capítulo I) aplicáveis às sociedades coligadas (Título VI), o artigo 481.º do CSC dispõe, por seu turno, o seguinte:

«Artigo 481.º

(Âmbito de aplicação deste Título)

1 - O presente título aplica-se a relações que entre si estabeleçam sociedades por quotas, sociedades anónimas e sociedades em comandita por ações.

2 - O presente título aplica-se apenas a sociedades com sede em Portugal, salvo quanto ao seguinte:

a) A proibição estabelecida no artigo 487.º aplica-se à aquisição de participações de sociedades com sede no estrangeiro que, segundo os critérios estabelecidos pela presente lei, sejam consideradas dominantes;

b) Os deveres de publicação e declaração de participações por sociedades com sede em Portugal abrangem as participações delas em sociedades com sede no estrangeiro e destas naquelas;

c) A sociedade com sede no estrangeiro que, segundo os critérios estabelecidos pela presente lei, seja considerada dominante de uma sociedade com sede em Portugal é responsável para com esta sociedade e os seus sócios, nos termos do artigo 83.º e, se for caso disso, do artigo 84.º;

d) A constituição de uma sociedade anónima, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 488.º, por sociedade cuja sede não se situe em Portugal.

A interpretação sindicada situa-se numa zona de confluência entre o regime jurídico aplicável à relação emergente de contrato de trabalho, decorrente do CT, e o chamado direito das sociedades coligadas, positivado nos artigos 481.º a 508.º-F do CSC, refletindo o modo como a articulação entre aquele e este foi estabelecida pelos tribunais comuns a partir da remissão para os «termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais», constante do segmento final do artigo 334.º do CT.

O artigo 334.º do CT dispõe sobre as garantias de créditos do trabalhador em caso de incumprimento do contrato de trabalho, estabelecendo como regime-regra aplicável ao universo das sociedades coligadas o da responsabilidade solidária do empregador e da sociedade «que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais».

O artigo 481.º do CSC, por sua vez, define o âmbito de aplicação do regime jurídico das sociedades coligadas, previsto nos artigos 481.º a 508.º-F do mesmo Código, subordinando-o, nos seus n.os 1 e 2, à verificação cumulativa de dois pressupostos essenciais.

O primeiro pressuposto respeita à forma jurídica dos sujeitos intervenientes na relação de coligação (n.º 1). Através dele, o legislador delimita o âmbito formal de aplicação do regime jurídico das sociedades coligadas (cf. Engrácia Antunes, "O âmbito de aplicação do sistema das sociedades coligadas", Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, V. II, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 95-116, p. 95), ou o seu âmbito pessoal de aplicação (cf. Rui Pereira Dias, "Anotação ao artigo 481.º", Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume VII, Coimbra, Almedina, 2014, pp. 15-42, p. 19), reservando-o para as relações que entre si estabeleçam «sociedades por quotas, sociedades anónimas e sociedades em comandita por ações». Por força do princípio de tipicidade acolhido no n.º 1 do artigo 481.º do CSC, ficam excluídas do âmbito subjetivo de aplicação do regime constante do respetivo Título VI as coligações com sociedades em nome coletivo, em comandita simples ou todas as demais empresas que não tenham configuração societária, assim como empresas em nome individual, cooperativas, estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, agrupamentos complementares de empresas, fundações e associações (Rui Pereira Dias, Responsabilidade por exercício de influência sobre a administração de sociedades anónimas - uma análise de direito material e direito de conflitos, Coimbra, Almedina, 2007, pp. 246 a 258, e Engrácia Antunes, Os Grupos de Sociedades, 2.ª edição, Coimbra, Almedina, 2002, p. 279).

O segundo pressuposto prende-se com o âmbito espacial de aplicação das normas constantes do Título VI do CSC. Sem prejuízo das exceções representadas pelos aspetos do regime das sociedades coligadas contemplados nas alíneas a) a d) do n.º 2 do artigo 481.º do CSC, o mesmo «aplica-se apenas a sociedades com sede em Portugal» - mais concretamente, a sociedades que tenham localizada em território nacional a sua sede real e efetiva (cf. Rui Pereira Dias, "Anotação ao artigo 481.º", loc. cit., p. 24; Ana Perestrelo de Oliveira, Manual de Grupos de Sociedades, Coimbra, Almedina, 2017, p. 58; e Maria do Rosário Palma Ramalho, Grupos empresariais e societários - incidências laborais, Coimbra, Almedina, 2008, p. 129, nota n.º 224). Através da limitação espacial determinada pela disposição ad hoc contida no proémio do n.º 2 do artigo 481.º do CSC, o regime especialmente previsto para as sociedades coligadas deixa de ter aplicação em todas as relações de coligação nas quais uma ou mais das sociedades intervenientes se encontre sediada em país estrangeiro.

7 - A norma fiscalizada releva diretamente do modo como a remissão para os «termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais», constante do segmento final do 334.º do CT, foi interpretada pelas instâncias. Isto é, da circunstância de a tal remissão ter sido atribuído o efeito de limitar o âmbito espacial de aplicação do regime jus-laboral contido naquele preceito nos mesmos exatos termos em que o n.º 2 do artigo 481.º do CSC delimita espacialmente o âmbito de aplicação do regime societário previsto para as sociedades coligadas. Assim, a sociedade que se encontre com o empregador em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo apenas responderá solidariamente pelos créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencidos há mais de três meses, se tiver «sede em Portugal»; caso tenha a sua sede fora do território nacional, a sociedade que se encontre coligada com o empregador através do estabelecimento de qualquer uma daquelas relações não responderá solidariamente com este pelos créditos emergentes da relação de trabalho subordinado que com o mesmo haja sido estabelecida.

Saber se tal interpretação constitui a melhor interpretação, ou até a única interpretação possível, dos preceitos de direito ordinário de cuja articulação foi em concreto extraída é questão que não se coloca aqui.

Destinando-se o presente processo à apreciação da constitucionalidade da norma julgada inconstitucional nas três decisões invocadas no pedido, a interpretação que delas foi objeto apresenta-se, também aqui, como um dado indiscutido para o Tribunal Constitucional, encontrando-se-lhe por isso vedada a possibilidade de averiguar se a conjugação das normas contidas no artigo 334.º do Código do Trabalho e no artigo 481.º, n.º 2, proémio, do Código das Sociedades Comerciais, admitiria interpretação diferente daquela que foi julgada inconstitucional.

É, assim, absolutamente irrelevante para o juízo a proferir nos presentes autos o facto de boa parte da doutrina entender que a autolimitação espacial decorrente do n.º 2 do artigo 481.º não implica a inaplicabilidade das normas portuguesas às relações de grupos de sociedades intraeuropeias, cujas sedes se encontrem situadas exclusivamente em Estados-Membros da União Europeia (cf. Rui Pereira Dias, Pactos de Jurisdição Societários, Coimbra, Almedina, 2018, p. 504, nota n.º 1398; Responsabilidade por exercício..., cit., pp. 285 e ss.; "Anotação ao artigo 481.º", loc. cit., p. 37; "A responsabilidade das sociedades-mãe estrangeiras no regime dos grupos: os cinzentos do acórdão Impacto Azul [TJUE, C-186/12, 20.6.2013]", III Congresso Direito das Sociedades em Revista, Coimbra, Almedina, 2014, pp. 413 e ss.; Coutinho de Abreu, "Responsabilidade civil nas sociedades em relação de domínio", Scientia Ivridica, Tomo LXI, n.º 329, p. 227; Coutinho de Abreu e Soveral Martins, "Anotação ao artigo 490.º", Código das Sociedades Comerciais em Comentário, vol. VII, org. Coutinho de Abreu, 2014, p. 152; Maria Ângela Soares, "A sociedade anónima europeia: sociedade de direito comunitário", Nos 20 Anos do Código das Sociedades Comerciais, vol. I, 2007, p. 742; Osório de Castro e Diogo Lorena Brito, "A concessão de crédito por uma SGPS às sociedades estrangeiras por ela dominadas [ou às sociedades nacionais indiretamente dominadas através de uma sociedade estrangeira] e o artigo 481.º, n.º 2, do C. S. C.", O Direito, n.º 1, 2004; Carvalho Fernandes e João Labareda, "A situação dos acionistas perante dívidas da sociedade anónima no Direito português", Direito das Sociedades em Revista, vol. 4, 2010, p. 42).

Do mesmo modo, não poderá ser ponderada aqui a tese que sufraga a inaplicabilidade da autolimitação espacial do regime jurídico das sociedades coligadas às relações de filiais em regime de participação em 100 % (cf. Rui Pereira Dias, Responsabilidade por exercício..., cit., p. 262; Coutinho de Abreu, "Responsabilidade civil...", cit., p. 227; António Pinto Monteiro e Pedro Maia, "Sociedades anónimas unipessoais e a reforma de 2006", Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, vol. IV, 2011, p. 221; Pedro Maia, "Tipos de Sociedades Comerciais", Estudos de Direito das Sociedades, org. Jorge Coutinho de Abreu, 12.ª Edição, 2015, p. 36; Maria Ângela Soares, "A sociedade anónima europeia: sociedade de direito comunitário", Nos 20 Anos do Código das Sociedades Comerciais, vol. I, 2007, p. 741; Carvalho Fernandes e João Labareda, "A situação dos acionistas...", loc. cit., p. 32), ou, mais relevantemente ainda, a doutrina que, em face do segmento final do artigo 334.º do CT, sustenta que o regime-regra aí previsto, na medida em que integra a disciplina jurídico-laboral, se situa, na verdade, à margem da autolimitação das regras societárias, pelo que a remissão para os «termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais» deverá ser entendida como uma mera referência pressuponente ou reenvio intrassistemático de um comando jurídico-material; isto é, a orientação segundo a qual, ao referir que «só o "presente título" [Título VI do CSC] tem a sua aplicação condicionada ao facto de as sociedades em causa terem ambas a sua sede em Portugal», o n.º 2 do artigo 481.º do CSC restringe, afinal, o âmbito da sua própria restrição, de tal modo que «as demais disposições, situadas fora desse Título, que regulem - ou pressuponham [...] - as relações de coligação, t[êm] o seu campo de aplicação definido sem aquela restrição (ou seja, nos termos gerais)» (Osório de Castro e Diogo Lorena Brito, "A concessão de crédito...", loc. cit., p. 145; questionando igualmente a eficácia da autolimitação espacial do n.º 2 do artigo 481.º do CSC para além das normas dos artigos 481.º a 508.º-F do CSC, vide Rui Pereira Dias, "As sociedades no comércio internacional", Miscelâneas do IDET, n.º 5, p. 91).

Assim, o presente julgamento incidirá apenas sobre a interpretação normativa já julgada inconstitucional, segundo a qual se impede, em resultado da conjugação do artigo 334.º do CT com o artigo 481.º, n.º 2, proémio, do CSC, a responsabilidade solidária da sociedade com sede fora de território nacional, em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com uma sociedade portuguesa, pelos créditos emergentes da relação de trabalho subordinado estabelecida com esta, ou da sua rutura.

É a validade constitucional desta interpretação que cabe seguidamente apreciar, não sem antes proceder a uma explicitação, breve mas necessária, do conjunto de dados que releva para a exata compreensão dos termos em que se coloca o problema de constitucionalidade.

8 - A regra de conflitos relativa ao estatuto pessoal das sociedades comerciais consta do n.º 1 do artigo 3.º do CSC, determinando a competência da «lei do Estado em que se encontre situada a sede principal e efetiva da sua administração». Por aplicação do comando conflitual, a lei portuguesa regula o estatuto pessoal das sociedades com sede real e efetiva em Portugal e ainda, pelo menos nas relações com terceiros, aquelas que tenham a sua sede estatutária em Portugal (parte final do n.º 1 do artigo 3.º). O estatuto pessoal das pessoas coletivas abrange «praticamente todas as questões pertinentes à constituição ou nascimento, à vida e à extinção da pessoa coletiva», compreendendo «os limites da sua capacidade, a constituição, funcionamento e competência dos seus órgãos, os modos de aquisição e perda da qualidade de membro da corporação e os correspondentes direitos e deveres, a responsabilidade perante terceiros da pessoa coletiva, bem como a dos respetivos membros e representantes (órgãos), e, por último, as suas eventuais transformações, dissolução e extinção» (Baptista Machado, Lições de Direito Internacional Privado, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 1999, pp. 346-347). O estatuto pessoal é, deste modo, uma «denominação congregadora das diversas «matérias jurídico-societárias» que hão de assim cair sob a alçada da lei pessoal da sociedade» (Rui Pereira Dias, "Anotação ao artigo 3.º", Código das Sociedades Comerciais em Comentário, vol. I, 2.ª edição, org. Coutinho de Abreu, Coimbra, Almedina, 2017, p. 78).

No domínio societário, o problema da determinação do Direito aplicável assume especial importância no âmbito da coligação de sociedades - conceito que designa «a junção de duas ou mais sociedades que estejam sujeitas a uma influência comum, porque uma participa na outra, ou nas demais ou porque todas elas se subordinam à orientação de uma delas ou de uma terceira entidade» (Paulo Olavo Cunha, Direito das Sociedades Comerciais, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2007, p. 781). Com efeito, sempre que, no âmbito de uma coligação de sociedades, sociedade dominante e sociedade dominada (participada, dependente ou agrupada) se encontrem submetidas a leis pessoais distintas - uma portuguesa e outra estrangeira -, coloca-se, a título prévio, a questão de saber qual a ordem jurídica que, de acordo com a regra de conflitos do foro, deverá disciplinar as relações estabelecidas entre elas.

Tal questão, segundo apontado na doutrina, deverá ser respondida atendendo ao critério do fim de proteção das normas em causa (Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, vol. II, 4.ª edição, Coimbra, Almedina, 2015, p. 225). Assim, se os preceitos materiais cuja aplicação se prefigura, analisados à luz das considerações de política legislativa que lhes estão subjacentes, se destinarem a desempenhar no ordenamento jurídico a que pertencerem uma função normativa idêntica (ou, pelo menos, semelhante) àquela que o legislador do foro teve em vista ao criar para o âmbito societário uma regra de conflitos que elege como conexão decisiva o local onde se encontre situada a sede real e efetiva da sociedade, tais preceitos serão aplicáveis (neste sentido, sobre a influência do fim das normas materiais no âmbito do processo de qualificação, Ferrer Correia, "A codificação do direito internacional privado", Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. 51, 1971, p. 41).

Ora, as normas que integram o regime especialmente previsto para as sociedades coligadas têm por principal finalidade a proteção dos interesses da sociedade dependente, dos seus sócios minoritários e dos respetivos credores sociais. O seu escopo é o de fazer face ao risco de erosão do poder de autodeterminação económica resultante da exposição do ente subordinado à estratégia empresarial, planeamento organizativo e interesses económicos da sociedade dominante, através da concessão, quer à empresa subordinada, quer à posição jurídico-patrimonial dos respetivos sócios e credores, de uma tutela suplementar relativamente àquela que é oferecida pelo direito comum das sociedades (Engrácia Antunes, "O âmbito de aplicação...", loc. cit., p. 97). É por isso que, de acordo com a solução que deriva do direito de conflitos, estas normas serão aplicáveis quando integrem a lei pessoal da sociedade dependente (Lima Pinheiro, ob. cit., p. 226). Assim, nos casos em que a sociedade dependente, por ter a sua sede localizada em território nacional, vê o seu estatuto pessoal regulado pela lei portuguesa, as normas compreendidas no direito especialmente previsto para as sociedades coligadas, constantes do Título VI do CSC, serão, prima facie, aplicáveis pelo juiz do foro por força do processo que determina a atribuição de competência ao ordenamento jurídico pátrio.

9 - Sucede que, conforme visto já (supra n.º 6.), o âmbito de aplicação do regime jurídico das sociedades coligadas encontra-se espacialmente condicionado. Por força do pressuposto estabelecido no proémio do n.º 2 do artigo 481.º do CSC, tal regime apenas se aplica no caso de ambas as sociedades que integram a coligação - sociedade dominante e sociedade dominada - terem a sua sede real e efetiva localizada em Portugal; se apenas a sede da sociedade dominada se encontrar localizada em território nacional, as normas materiais especialmente previstas para a coligação de sociedades não serão aplicáveis.

Ao fazer depender a aplicação da disciplina contida no Título VI do CSC da localização em Portugal da sede de ambas as sociedades coligadas, a regra constante do proémio do n.º 2 do respetivo artigo 481.º do CSC converte a generalidade das normas especialmente aplicáveis à coligação de sociedades em normas materiais espacialmente autolimitadas - isto é, normas cujo domínio de aplicação espacial se encontra predeterminado na respetiva fattispecie, diretamente ou por efeito de uma disposição anexa, tendo a conta determinada «função ou fim social» a que a restrição do respetivo âmbito se destina (Ferrer Correia, Estudos Vários de Direito, Coimbra, 1982, p. 395).

Apesar de pressuporem, tal como as regras de conflitos, uma situação de facto plurilocalizada, as normas materiais espacialmente autolimitadas não se confundem com elas. As regras de conflitos respondem ao problema prévio da escolha de lei, fazendo-o através de um processo que consiste em designar, de entre os elementos que conexionam determinada situação de facto com mais do que uma ordem jurídica, a conexão que deverá considerar-se decisiva para aquele efeito. Já as normas espacialmente autolimitadas respondem ao problema subsequente da determinação do regime material concretamente aplicável dentro da ordem jurídica cuja competência foi apurada de acordo com as regras de conflitos da lex fori. No primeiro caso, trata-se de estabelecer os critérios necessários para a formulação de um juízo sobre o ordenamento competente para regular o litígio, de tal modo que, caso a situação a regular não se encontre conectada com uma das ordens jurídicas em disputa através do elemento requerido pela regra de conflitos do foro, esse ordenamento se tornará todo ele inaplicável; no segundo caso, trata-se de restringir o âmbito de aplicação de determinado regime especial compreendido na lei previamente definida como competente para dirimir o litígio, o mais das vezes através de um fator espacial determinado por razões de política económica ou social, de tal modo que, se o elemento estabelecido se não verificar, apenas a aplicação desse concreto regime será afastada, dando lugar à aplicação do regime geral ou do princípio de direito comum que vigorem na ordem jurídica chamada a regular o caso.

10 - A interpretação normativa fiscalizada assenta na premissa segundo a qual, ao remeter para os «termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais», o segmento final do artigo 334.º do CT converte a norma que estabelece a responsabilidade solidária da sociedade dominante pelos créditos laborais de que seja devedora a sociedade dominada numa norma espacialmente autolimitada.

Para além de tornar a aplicabilidade do instituto da responsabilidade solidária dependente da existência de uma coligação societária relevante nos termos do n.º 1 do artigo 481.º do CSC - isto é, fundada numa relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo -, tal remissão limita a aplicação do regime-regra que vigora em matéria de garantias de créditos do trabalhador pelo incumprimento do contrato de trabalho às situações em que ambas as sociedades em coligação (dominante e dominada) tenham a sua sede em território nacional.

A responsabilização da sociedade dominante pelas dívidas da sociedade dominada não se encontra apenas prevista no âmbito dos créditos laborais. Desde que a coligação tenha na sua base um grupo formado por contrato de subordinação ou constituído por domínio total, os credores comuns da sociedade dominada podem demandar a sociedade diretora nos termos previstos no artigo 501.º do CSC. Não obstante as diferenças existentes entre a regra laboral e a norma geral societária - esta apenas contempla a responsabilidade solidária da sociedade dominante em domínio total, ou diretora, pelas dívidas da sociedade dominada ou subordinada -, ambas representam, por força do proémio do n.º 2 do artigo 481.º do CSC, uma exceção espacialmente autolimitada à limitação da responsabilidade patrimonial das sociedades comerciais, de tal modo que, «se alguma tem sede fora do espaço nacional, não há lugar à responsabilidade da dominante pelas dívidas da dominada» (Carvalho Fernandes e João Labareda, "A situação dos acionistas...", loc. cit., p. 30).

O mesmo não se verifica, porém, relativamente à responsabilidade da sociedade dominante com sede no estrangeiro para com a sociedade dominada portuguesa e respetivos sócios minoritários pelos danos causados pelos atos de gestão praticados pelo gerente que aquela haja designado. Uma vez que, através das exceções contempladas nas alíneas a) a d) do n.º 2 do artigo 481.º do CSC, o legislador restringiu o próprio âmbito da restrição determinada pela autolimitação espacial estabelecida no respetivo proémio, as sociedades dominantes estrangeiras respondem para com a sua subordinada portuguesa e respetivos sócios minoritários nos termos previstos nos artigos 83.º e 84.º do mesmo Código [alínea c)].

Tendo sido, não excluído, mas incluído no perímetro da autolimitação espacial do direito especialmente previsto para a coligação de sociedades, o regime-regra da responsabilidade solidária da sociedade dominante pelos créditos salariais de que seja devedora a sociedade dominada, consagrado no artigo 334.º do CT, mantém como pressuposto de aplicação, relativamente à estatuição nele estabelecida, que ambas as sociedades coligadas tenham localizada em território nacional a sua sede real e efetiva.

11 - Ao consagrar a regra da responsabilidade solidária no âmbito da coligação de sociedades, o artigo 334.º do CT permite ao trabalhador cujos créditos laborais se encontrem vencidos há mais de três meses demandar indistintamente a sociedade-empregadora ou qualquer das sociedades que com esta se encontre numa relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo. O objetivo é o de reforçar a garantia patrimonial dos créditos salariais dos trabalhadores de um grupo societário, protegendo-os contra o risco de diminuição da liquidez da sociedade empregadora ocasionado pela respetiva inserção numa unidade económica plurissocietária. Uma vez que a ratio do regime previsto no artigo 334.º do CT se baseia na diferente posição dos trabalhadores de uma empresa inserida num grupo económico, a garantia patrimonial proporcionada pela regra da responsabilidade solidária funda-se na mera existência de uma coligação societária relevante, «sem necessidade de alegação e de prova, pelo trabalhador, de qualquer situação irregular ou patológica ocorrida no seu contexto» (Joana Vasconcelos, Anotação ao artigo 334.º", Código do Trabalho Anotado, org. Pedro Romano Martinez, 10.ª edição, Coimbra, Almedina, 2016, p. 760)», ou de «violação do princípio da boa fé, fraude à lei ou de abuso de direito» (cf. Rita Garcia Pereira, "A Garantia dos Créditos Laborais no Código do Trabalho: breve nótula sobre o art. 378.º [Responsabilidade solidária das sociedades em relação de domínio ou de grupo]", Questões Laborais, n.º 24, 2004, p. 207).

Na génese do regime consagrado no artigo 334.º do CT encontra-se, assim, o propósito de adequar o direito do trabalho - tradicionalmente orientado para regular as relações entre trabalhadores e uma empresa, entendida como «o referente paradigmático do sistema normativo laboral» (Maria do Rosário Palma Ramalho, Grupos empresariais..., cit., p. 19) - aos crescentes fenómenos de colaboração societária, tendo em conta que estes põem em causa o pressuposto da plena autonomia da sociedade empregadora e o da sua atuação em nome de um interesse próprio. Uma vez que as opções sociais da sociedade empregadora se encontrarão, em regra, fortemente condicionadas pelo interesse económico do respetivo grupo societário, trata-se ao fim e ao cabo de projetar sobre as posições jurídicas ativas dos trabalhadores a tutela suplementar que o regime especial constante do Título VI do CSC proporciona às sociedades coligadas, respetivos sócios minoritários e credores sociais, atendendo à insuficiência, ou desfasamento até, dos mecanismos do direito societário comum para fazer face às vicissitudes que derivam da respetiva exposição a uma situação de dependência intersocietária. Uma tutela suplementar, além do mais, reforçada relativamente àquela que é dispensada aos credores comuns (artigo 501.º do CSC), uma vez que, ao contrário desta, vale para os trabalhadores de todas as sociedades coligadas que se encontrem com a sociedade empregadora em qualquer uma das três relações tipicamente relevantes.

Envolvendo o «afastamento, excecional e circunscrito a dada categoria de créditos (os "emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação", pertencentes ao trabalhador) da regra da limitação da responsabilidade patrimonial das sociedades comerciais» (Joana Vasconcelos, "Anotação ao artigo 334.º", loc. cit., e "Sobre a garantia dos créditos laborais no Código do Trabalho", Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea, Coimbra, Almedina, 2004, p. 329) de forma a permitir que o crédito salarial possa ser satisfeito «por outros patrimónios que não apenas o da sua entidade patronal» (Rita Garcia Pereira, "A Garantia...", loc. cit., p. 189), o regime consagrado no artigo 334.º do CT enquadra-se nas garantias especiais de proteção do salário, a que a Constituição se refere no n.º 3 do artigo 59.º Na verdade, o efeito jurídico produzido pela norma é o de «fazer recair sobre as sociedades coligadas com a sociedade-empregadora - e não já sobre os respetivos trabalhadores - o risco da eventual falta de consistência do seu património» (Joana Vasconcelos, "Sobre a Garantia...", loc. cit., p. 330), assegurando de modo especial o direito fundamental à retribuição, que a Constituição consagra, com natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (Acórdãos n.os 373/91, 498/03 e 620/07), na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º e, além do mais, positivamente discrimina, no plano das garantias de proteção, relativamente aos demais créditos sobre os empregadores (n.º 3).

12 - De acordo com a norma fiscalizada, o facto de o contrato de trabalho ser disciplinado pela lei portuguesa (cuja aplicabilidade depende da regra de conflitos do artigo 8.º do Regulamento CE n.º 593/2008, sobre lei aplicável às obrigações contratuais [Roma I]) e de a sociedade empregadora ver o seu estatuto pessoal submetido à lei portuguesa não são condições suficientes para que o credor do salário possa recorrer ao instituto da responsabilidade solidária da sociedade que com aquela se encontre coligada, nos termos do artigo 334.º do CT. Exigir-se-á, ainda, que a sociedade que esteja com o empregador numa relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo tenha também sede em Portugal.

Neste quadro, coloca-se um problema de comparação.

Dois trabalhadores, com contrato de trabalho submetido à lei portuguesa e cujos empregadores sejam sociedades com sede em Portugal, veem os seus créditos salariais sujeitos a garantias patrimoniais distintas consoante a sede da sociedade coligada esteja ou não localizada em Portugal. Na perspetiva inversa, desta autolimitação surge uma vantagem para as sociedades com sede no estrangeiro que estejam coligadas com o empregador nacional, na medida em que deixam de responder solidariamente com ele pelos créditos salariais vencidos há mais de três meses (Rui Pereira Dias, Responsabilidade por exercício..., cit., p. 267).

É este - e apenas este - o efeito produzido pela conversão da regra material contida no artigo 334.º do CT numa norma espacialmente autolimitada. A circunstância de a sociedade dominante ter a sua sede localizada em país estrangeiro não determina a devolução à ordem jurídica que nele vigora da competência para regular, no plano da responsabilidade pelos créditos laborais de que seja devedora a sociedade dominada, a relação originada pela coligação de sociedades. Independentemente de aí se prever a responsabilidade solidária da sociedade dominante pelos créditos laborais de que seja devedora a sociedade dominada, o juiz da causa continuará vinculado à aplicação da lei competente de acordo com a regra de conflitos da lex fori - isto é, da lei portuguesa, por força do disposto no artigo 3.º do CSC -, mas não poderá subsumir a relação controvertida ao regime da responsabilidade solidária consagrado no artigo 334.º do CT por se não verificar um dos elementos contidos na respetiva fattispecie - a exigência de que ambas as sociedades, dominante e dominada, tenham a sua sede localizada em território nacional. Assim é porque, conforme acima visto (supra n.º 9), as regras espacialmente autolimitadas estabelecem autonomamente o seu próprio campo de aplicação, sem com isso implicar qualquer alteração na determinação da lei competente. Por isso, «a falta do elemento de conexão exigido implicitamente pela norma (ou exigido expressamente pela disposição anexa à norma) só conduz ao afastamento desta, não ao da legislação em que se insere, cuja competência aquela circunstância em nada afeta» (Ferrer Correia, "A codificação...", cit., p. 48. No mesmo sentido, Rui Moura Ramos, Da lei aplicável ao contrato de trabalho internacional, Coimbra, Almedina, 1991, p. 640; Baptista Machado, Âmbito de eficácia e âmbito de competência das leis, Coimbra, Almedina, 1998, p. 269). Assim, uma vez que o regime contido no artigo 334.º do CT constitui uma derrogação da regra da limitação da responsabilidade patrimonial das sociedades comerciais, é esta que passará a aplicar-se ao caso sub judice sempre que, por força da localização da sede da sociedade dominante, aquele não poder ser aplicado.

A questão que se segue é a de saber se a diferenciação assim introduzida no estatuto jurídico dos trabalhadores de sociedades dominadas, dependentes ou agrupadas dispõe de fundamentação material suficiente ou, pelo contrário, deverá ter-se por arbitrária.

13 - Na base do n.º 1 do artigo 13.º da Constituição encontra-se a ideia de igualdade enquanto proibição do arbítrio, que tanto pode ser violada pela própria opção de estabelecer um tratamento diferenciado, como pela medida em que a diferenciação surge em concreto concretizada.

Conforme se afirmou no Acórdão 157/2018, tirado em Plenário:

«Estavelmente firmado na jurisprudência constitucional encontra-se [...] o entendimento segundo o qual o princípio da igualdade, operando essencialmente enquanto proibição do arbítrio, enseja um controle externo das opções do legislador ordinário baseado num escrutínio de baixa intensidade. Partindo do reconhecimento de que é ao legislador democraticamente legitimado que cabe ponderar, dentro da ampla margem de valoração e conformação de que dispõe, «os diversos interesses em jogo e diferenciar o seu tratamento no caso de entender que tal se justifica» (Acórdão 231/94) - definindo ou qualificando «as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente» (Acórdão 369/97) -, assinala-se ao princípio da igualdade a função de invalidar as escolhas do poder legislativo quando a desigualdade de tratamento que nelas se contém for, quanto ao seu fundamento ou quanto à medida, extensão ou grau em que surge concretizada, à evidência irrazoável.»

A ideia de um controlo jurisdicional das leis baseado numa conceção da igualdade como proibição do arbítrio e desta como um critério essencialmente negativo, assente no chamado «teste do "merecimento"» (cf. Acórdão 546/2011), não exclui, porém, o reconhecimento da existência de domínios da normação em que, pela natureza da matéria regulada, o Tribunal Constitucional pode ser chamado a exercer um controlo de maior intensidade.

Segundo igualmente se afirmou no Acórdão 157/2018:

«Para além das hipóteses de tratamento diferenciado baseado no sexo, raça, língua, religião e demais "categorias suspeitas" identificadas no artigo 13.º da Constituição - relativamente às quais vale uma proibição tendencialmente absoluta de discriminação -, domínios há em que, pela natureza das posições afetadas, a averiguação da viabilidade constitucional do estabelecimento de diferenciações entre grupos ou categorias de sujeitos postulará um escrutínio mais rigoroso ou um controlo mais intenso das escolhas realizadas pelo legislador, quer quanto ao seu fundamento, quer quanto à sua dimensão ou medida.

Sempre que assim suceder, a possibilidade de uma censura baseada no princípio da igualdade não dependerá da ausência evidente de um qualquer fundamento ou motivo objetivo, que se afigure compreensível face à ratio do regime questionado. Ao invés, a conclusão de que determinada lei é arbitrária apenas será evitada em presença de um fundamento razoável, suscetível não apenas de tornar racionalmente inteligível a opção por um tratamento desigual, como ainda de assegurar a adequação ou razoabilidade da medida da diferença que é imposta, face ao fundamento invocado.»

Seja qual for o ponto em que a fronteira entre os dois domínios deva ser em definitivo traçada, pode dizer-se que a densidade do escrutínio postulado pelo princípio da igualdade, para além de gradativa, deverá ser tanto mais intensa quanto mais inequívoca for a jusfundamentalidade das posições tituladas pelas categorias sujeitas a tratamento desigual. Ou, inversamente, tanto menos intensa quanto mais acentuada se revelar a ligação da medida questionada ao espectro das escolhas políticas inerentes à definição do interesse público e ou à seleção dos meios adequados para o concretizar.

Estando em causa, conforme atrás visto, a conformação legal das especiais garantias de proteção do salário a que se refere o artigo 59.º, n.º 3, da Constituição, é naquele plano, e não neste, que se situa o tipo de controlo a que deve ser sujeita a norma sindicada, tanto mais quanto certo é que, conforme sublinhado já por este Tribunal, a vinculação do legislador à criação de garantias especiais dos créditos laborais constitui um reforço do relevo constitucional do direito ao salário (Acórdão 257/2008).

14 - A desigualdade de tratamento originada pela autolimitação espacial da norma constante do artigo 334.º do CT produz-se num duplo sentido: i) entre grupos económicos, uma vez que as sociedades estrangeiras que pretendam coligar-se com sociedades portuguesas através de participações recíprocas ou em situação de domínio ou de grupo poderão fazê-lo nos mesmos termos em que estas estão autorizadas a fazê-lo entre si, mas sem que o respetivo património responda pelos créditos salariais emergentes de contrato de trabalho celebrado em território nacional; e ii) entre trabalhadores de sociedades coligadas, na medida em que, se a sociedade dominante tiver a sua sede localizada no estrangeiro, aqueles apenas poderão exigir da sociedade empregadora a satisfação dos seus créditos laborais.

Os termos em que o problema se coloca num e noutro caso são distintos.

No primeiro, tratar-se-á de aferir da observância das regras relativas à livre concorrência, sendo de notar que o Tribunal de Justiça da União Europeia considerou já que a liberdade de estabelecimento do artigo 49.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia «não se opõe a uma regulamentação nacional» como aquela que consta do artigo 501.º do CSC, relativa à responsabilidade das sociedades coligadas pelos créditos comuns, «que exclui a aplicação do princípio da responsabilidade solidária das sociedades-mãe para com os credores das suas filiais a sociedades-mãe com sede no território de outro Estado-Membro» (Acórdão de 20 de junho de 2013, Impacto Azul, proc. C-186/2012).

No segundo - o único que aqui releva -, trata-se de verificar se a distinta posição em que, relativamente à garantia de pagamento dos seus créditos laborais, os trabalhadores da sociedade dominada são colocados em virtude da localização da sede da sociedade dominante dispõe de um fundamento razoável.

Estabelecendo como ponto de comparação «a situação jurídico-laboral, no plano dos créditos emergentes desta, de dois (a) trabalhadores portugueses, (b) ao serviço de empresas portuguesas, (c) trabalhando ambos em Portugal», o Tribunal entendeu, primeiro no Acórdão 227/2015, e, seguidamente, nas Decisões Sumárias n.º 363/2015 e 434/2019, que para aquele remeteram, que tal fundamento não existia. Para assim concluir, afirmou-se no referido aresto o seguinte:

«20 - Permitimo-nos, neste ponto, transcrever de novo um pequeno passo das alegações do magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal:

«Isto é, sem que invoque um motivo racional atendível, omisso nos trabalhos preparatórios, o legislador ordinário estabelece uma discriminação intolerável entre trabalhadores postados em situações substantivamente idênticas, desprotegendo, infundadamente, aqueles que, por força de uma circunstância que não controlam e que, eventualmente, podem desconhecer, contratem com um empregador dominado por sociedade sediada fora de Portugal.»

No entender do Tribunal, este é o ponto fundamental: a diferenciação assim construída, fundada em situação cuja lógica escapa aos trabalhadores (note-se que a sociedade dominante até pode mudar o local da sua sede - por razões fiscais, por exemplo -, sem que os trabalhadores portugueses, em Portugal, da sociedade dominada portuguesa disso sejam, ou tenham de ser, informados) e que podem mesmo ignorar - em absoluto ou, pelo menos, quanto às suas implicações - pode ser considerada «razoável, racional e objetivamente fundada»?

Entendemos que não. E, note-se que não estamos a considerar a solução legislativa má ou até a pior possível. O que dizemos é que ela implica - e não poderia implicar - uma diferença de tratamento para a qual se não encontram motivos razoáveis e racionais.

[...]

A distinção operada pelo legislador, na medida em que diferenciou sem fundamento material bastante, não pode deixar de ser considerada contrária à CRP.»

Tal juízo merece inteira confirmação.

15 - Conforme sublinhado no mencionado aresto, a questão que se coloca é a de saber se, ao estabelecer um tratamento desigual para duas categorias de sujeitos dotados de igual dignidade - os trabalhadores de sociedades portugueses em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com uma sociedade estrangeira e os trabalhadores de sociedades portugueses em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com uma sociedade portuguesa -, a norma sindicada estabelece uma distinção destituída de fundamento material razoável, seja quanto à contraposição que diretamente estabelece, seja quanto à medida ou extensão em que esta surge concretizada.

Verificar se existe um tratamento desigual constitucionalmente censurável implica, neste como em todos os casos, um processo de comparação entre as situações ou categorias postadas ("par comparativo" e "grupo alvo") em face de um termo de comparação - o «"terceiro (elemento) da comparação"» -, que corresponde «à qualidade ou característica que é comum às situações ou objetos a comparar» (cf. Acórdão 362/2016). E implica também que tal comparação seja levada a cabo tomando em consideração a ratio legis subjacente ao regime material a avaliar: «"[e]stando em causa (...) um determinado tratamento jurídico de situações, o critério que irá presidir à qualificação de tais situações como iguais ou desiguais é determinado diretamente pela 'ratio' do tratamento jurídico que se lhes pretende dar, isto é, é funcionalizado pelo fim a atingir com o referido tratamento jurídico [...]" (cf. Princípio da igualdade: fórmula vazia ou fórmula 'carregada' de sentido?, sep. do Boletim do Ministério da Justiça, n.º 358, Lisboa, 1987, p. 27)»; a ratio do tratamento jurídico apresenta-se, por isso, como «"[...] o ponto de referência último da valoração e da escolha do critério"» relevante para a formulação de um juízo parametrizado pelo princípio da igualdade (Acórdão 232/2003).

Se o reforço da garantia patrimonial dos créditos laborais propiciado pela regra da responsabilidade solidária constitui, conforme visto (supra n.º 11), o contrapeso da exposição das posições ativas dos trabalhadores ao risco patrimonial originado pela integração da sociedade empregadora numa unidade económica plurissocietária, sem dificuldade se conclui que a diferença de tratamento entre eles estabelecida consoante a sociedade com aquela coligada tenha a sua sede em território nacional ou estrangeiro não tem acomodação possível na ratio do regime-regra estabelecido na norma sindicada. E isto porque «os riscos que a lei visou acautelar se verificarão sempre da mesma forma para [os trabalhadores das] sociedades participadas ou dependentes portuguesas, qualquer que seja o local da sede efetiva da sociedade que detém a participação no respetivo capital ou o controlo da respetiva direção» (Engrácia Antunes, "O âmbito de aplicação...", loc. cit., p. 10). Sendo o tertium comparationis integrado pela situação de subordinação ou dependência da sociedade empregadora coligada, a diferença estabelecida entre categorias de trabalhadores no âmbito das garantias dos créditos emergentes do incumprimento do contrato de trabalho é, assim, em face da teleologia da própria norma que as prevê, infundada e arbitrária.

16 - Tendo em conta que a diferença de tratamento entre categorias de trabalhadores procede diretamente do elemento que delimita o âmbito de aplicação da norma laboral e esta é espacialmente autolimitada, tal conclusão não é, todavia, suficiente. É que, como vimos (supra n.º 9), as normas espacialmente autolimitadas caracterizam-se justamente por restringir o seu âmbito de aplicação, discriminando positiva ou negativamente as situações a que deixam de aplicar-se, tendo em vista a prossecução de uma finalidade ou função específica, em regra extrínseca e distinta daquela que é diretamente prosseguida pelo regime material nelas consagrado.

Ora, as razões apontadas para a autolimitação espacial do regime de responsabilidade solidária consagrado no artigo 334.º do CT não diferem daquelas que em geral são invocadas para justificar a restrição do âmbito de aplicação do regime especialmente previsto para a coligação de sociedades às situações em que ambas as sociedades em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo têm a sua sede localizada em território nacional.

Em primeiro lugar, alude-se à proteção do estatuto pessoal da sociedade com sede no estrangeiro. Se, por força da regra de conflitos da lex fori (n.º 1 do art. 3.º do CSC), a sociedade se rege pela lei da sua sede efetiva - lei essa a que compete regular a responsabilidade da pessoa coletiva perante terceiros -, a circunscrição do regime pátrio visará tutelar a esfera de aplicação da lei estrangeira, evitando submeter sociedades estrangeiras ao regime material nacional só pelo facto de uma das participadas ter sede em Portugal.

Em segundo lugar, sustenta-se que a diferenciação se justifica por razões atinentes à regulação das situações privadas internacionais, visando evitar a mobilização dos institutos da adaptação e da substituição em direito internacional privado como operação necessária à aplicação do regime material português das sociedades coligadas (que pressupõe sociedades anónimas, sociedades por quotas ou sociedades em comandita por ações, nos termos do n.º 1 do artigo 481.º do CSC) a pessoas coletivas submetidas a lei estrangeira: «que tipos societários estrangeiros, sobretudo de leis extraeuropeias, seriam subsumíveis ao regime português?» (Rui Pereira Dias, "Anotação ao artigo 481.º", cit., p. 37; Responsabilidade por exercício..., cit., p. 284)".

Por último, identifica-se o propósito de atração de investimento estrangeiro. Ao delimitar espacialmente o âmbito de aplicação do regime especial previsto para as sociedades coligadas, o legislador evita que os investidores estrangeiros exponham os seus recursos «à pesadíssima responsabilidade que recai sobre uma sociedade totalmente dominante» de acordo com a lei portuguesa, sobretudo tendo em conta a «ausência de consagração legislativa de semelhantes regras (de direito dos grupos) em grande parte dos sistemas jurídicos mais próximos do nosso, e connosco "concorrentes" na captação desse investimento» (Rui Pereira Dias, "Anotação ao artigo 481.º", loc. cit., p. 37). Deste modo, ao limitar o risco patrimonial das sociedades estrangeiras quando participam em sociedades portuguesas, favorece-se a decisão de investimento em Portugal (cf. Paulo Pichel, "O âmbito espacial do regime de coligação societária à luz do Direito da União Europeia", Direito das Sociedades em Revista, ano 6, n.º 11, 2014, p. 257).

Nenhuma das razões apontadas é suficientemente persuasiva para justificar as diferentes garantias conferidas aos créditos laborais titulados pelos trabalhadores das sociedades participadas, dependentes ou agrupadas.

17 - Atribuir à autolimitação espacial do regime-regra contido no artigo 334.º do CT o propósito de evitar as antinomias normativas que possivelmente adviriam da aplicação simultânea de normas portuguesas e estrangeiras (as que regulam o estatuto pessoal das duas sociedades, nos termos do artigo 3.º do CSC) constitui um argumento falacioso.

A exigência de que ambas as sociedades coligadas tenham sede em Portugal para que se lhes aplique o regime da responsabilidade solidária determina apenas que esse regime com que a lei portuguesa especialmente garante a satisfação dos créditos laborais não pode ser aplicado pelo juiz da causa fora dos limites que ele a si mesmo traça. Não determina a inaplicabilidade da lei portuguesa à relação intersocietária plurilocalizada, nem a consequente aplicabilidade da lei pessoal a que se encontre estatutariamente submetida a sociedade dominante estrangeira, seja qual for a solução que aí se preveja em matéria de garantias dos créditos laborais. A eventualidade de a lei estrangeira contemplar mecanismos de corresponsabilização similares àquele que se encontra previsto no artigo 334.º do CT não é por isso relevante. Sendo a lei portuguesa a competente para regular o caso de acordo com a regra de conflitos do foro, a sua aplicabilidade manter-se-á inalterada, pelo que não será possível ao juiz da causa deduzir de qualquer regime de solidariedade eventualmente previsto na lei pátria da sociedade dominante a resposta à questão de saber se a esta poderão ser exigidos os créditos laborais titulados pelo trabalhador da sociedade dominada. A autolimitação espacial do regime especial previsto no artigo 334.º do CT determina, assim, automaticamente, a preclusão do direito de o trabalhador reclamar da sociedade estrangeira o pagamento dos seus créditos salariais, uma vez que dá lugar à aplicação do regime geral de direito societário previsto na lei portuguesa e este se caracteriza pela regra da limitação da responsabilidade patrimonial das sociedades comerciais.

Acresce que a circunstância da lei pessoal da sociedade dominante poder eventualmente contemplar um regime de responsabilização pelos créditos laborais da sociedade dominada distinto e mais favorável do que aquele que se encontra previsto no artigo 334.º do CT não reveste nem relevância nem peso suficientes para legitimar, no plano constitucional, a solução que decorre da interpretação fiscalizada. É que, no plano da segurança jurídica das garantias dos créditos salariais, qualquer expectativa que a sociedade estrangeira dominante pudesse ter em ver a sua responsabilidade integralmente regulada pela lei pessoal da sede respetiva não só não é uma expectativa em si mesmo tutelável, como seria sempre uma expectativa menos digna de tutela do que a expectativa do trabalhador empregado por uma sociedade portuguesa em coligação com aquela - coligação que pode até ter ocorrido após a constituição do vínculo laboral - em beneficiar - ou continuar a beneficiar em caso de deslocalização da sede da sociedade dominante - das garantias especiais de proteção do salário asseguradas pela lei do foro.

Do mesmo modo, também não colhe o argumento segundo o qual a diferenciação se justifica pela dificuldade de mobilização de institutos próprios do direito internacional privado - designadamente, substituição enquanto correspondência de tipos sociais regulados por lei estrangeira àqueles que, na lei portuguesa, estão submetidos ao regime da responsabilidade solidária. Com efeito, com dificuldade maior ou menor, a verdade é que o direito internacional privado dispõe das ferramentas para a solução do problema, cabendo ao julgador proceder à substituição ou transposição do tipo social estrangeiro no equivalente mais próximo da lei portuguesa (cf. Baptista Machado, "Problemas na aplicação do direito estrangeiro - adaptação e substituição", Boletim da Faculdade de Direito, vol. XXXVI, 1960, p. 339). Tarefa que, não sendo em si mesma insuperável, se encontra, além do mais, em larga medida facilitada pelos próprios instrumentos do direito da União, em particular aqueles que, de modo a permitir a aplicação em cada Estado-Membro da disciplina uniformizada relativa às sociedades comerciais, contêm uma tabela de correspondência entre os tipos societários previstos em cada um deles (cf. Anexos I e II da Diretiva 2013/34/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa às demonstrações financeiras anuais, às demonstrações financeiras consolidadas e aos relatórios conexos de certas formas de empresas, que altera a Diretiva 2006/43/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga as Diretivas 78/660/CEE e 83/349/CEE do Conselho).

18 - Resta verificar se o propósito de captação de investimento estrangeiro constitui um fundamento suscetível de tornar racionalmente inteligível a diferença de tratamento a que são sujeitos os dois grupos de trabalhadores em causa e, mais do que isso, se essa diferença de tratamento é congruente com a espécie e com o peso das razões que para ela são invocadas.

Em si mesmo considerado, o propósito de atração de capitais estrangeiros dificilmente poderá corresponder a um interesse constitucionalmente relevante. A única disposição da Constituição que se refere de modo expresso aos «investimentos por parte de pessoas singulares ou coletivas estrangeiras» - o artigo 87.º - serve, na verdade, para vincular o legislador ao ónus de disciplinar tais investimentos em termos que garantam «a sua contribuição para o desenvolvimento do país» e, no que aqui especialmente releva, defendam «os interesses dos trabalhadores».

A captação de investimento estrangeiro constitui antes uma finalidade possível das políticas de promoção do «aumento do bem-estar social e económico» que, nos termos da alínea a) do artigo 81.º da Constituição, o Estado tem por missão assegurar.

Tratando-se de uma finalidade legítima, nada obsta, prima facie, a que a mesma seja prosseguida através da adoção de medidas que isentem as sociedades estrangeiras de certos ónus ou lhes atribuam determinados benefícios de modo a tornar mais apelativa a decisão de investimento em território nacional, designadamente através do estabelecimento com sociedades portuguesas de uma relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo.

Sucede que as sociedades que a norma sindicada positivamente discrimina são as sociedades com sede no estrangeiro e estas não são necessariamente sociedades de capitais estrangeiros. Tratando-se de um escrutínio de maior intensidade, tal circunstância poderá fragilizar a plausibilidade da própria premissa em que assenta o critério distintivo, sobretudo se se tiver em conta que, por um lado, o mercado globalizado se caracteriza pela circulação de capitais - o que torna a nacionalidade do capital, não apenas volátil, como as mais das vezes difícil de determinar - e, por outro, que, estando em causa, como se viu (supra n.º 6), a localização da sede efetiva ou da sede de facto, tal elemento pode tornar-se facilmente manipulável.

Apesar de assim ser, não será, contudo, necessariamente arbitrário ou irrazoável que o legislador tenha seguido o critério da localização da sede para identificar as sociedades com capitais estrangeiros. Isto é, que tenha tomado «o investimento estrangeiro como sendo normalmente realizado por sociedades com sede no estrangeiro, e o investimento nacional como sendo normalmente realizado por sociedades com sede em Portugal» (Rui Pereira Dias, Responsabilidade por exercício..., cit., p. 276).

Perante tais dados, a questão que se segue já não é tanto a de saber se o propósito de captação de investimento estrangeiro constitui base suficiente para tornar racionalmente justificada a decisão de subtrair as sociedades com sede no estrangeiro à incidência do regime da responsabilidade solidária previsto no artigo 334.º do CT; é antes a de verificar se aquele propósito consubstancia uma razão com força e peso bastantes para justificar a medida da desigualdade que se exprime nas menores garantias atribuídas aos créditos laborais de que sejam titulares os trabalhadores de sociedades em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com uma sociedade estrangeira, por comparação com as garantias reconhecidas aos créditos laborais de que sejam titulares trabalhadores de sociedades em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com uma sociedade portuguesa.

19 - Do ponto de vista dos trabalhadores da sociedade dominada, a garantia dos créditos laborais contemplada no artigo 334.º do CT concretiza-se no direito a verem transferido para a sociedade dominante o risco de insolvência do empregador, ao invés de o suportarem eles próprios. À perda de autonomia económica do empregador decorrente da sua subordinação a uma direção unitária externa o legislador faz corresponder uma intensificação da garantia patrimonial dos créditos laborais dos respetivos trabalhadores, obviando assim a que tal garantia seja negativamente afetada pela relação de dependência intersocietária.

Desde logo pela conexão que o direito à retribuição mantém com a subsistência do trabalhador (cf. João Caupers, Os direitos fundamentais dos trabalhadores e a Constituição, Coimbra, Almedina, 1985, p. 115) e esta com os meios necessários a uma existência condigna, tal garantia não é de pequena importância. Através dela, confere-se aos trabalhadores de sociedades dominadas, dependentes ou agrupadas a faculdade de reclamarem os seus créditos laborais de quem não é seu empregador, mas está com ele coligado, evitando-se que sobre os mesmos se projete o risco de vulnerabilização do património da sociedade empregadora que deriva da respetiva sujeição a um diretório empresarial unitário. Assim, ao limitar o âmbito de aplicação da garantia prevista no artigo 334.º do CT aos casos em que ambas as sociedades coligadas tenham a sua sede localizada em território nacional, o legislador coloca, assim, os trabalhadores da sociedade-filha na impossibilidade de obterem a satisfação dos seus créditos laborais da sociedade-mãe cuja sede se encontre situada em país estrangeiro, debilitando relevantemente a respetiva posição sempre que o património daquela se torne insuficiente para tal efeito.

Ora, a medida da diferença de tratamento a que nestes termos são sujeitos os trabalhadores das sociedades subordinadas portuguesas não mantém com o valor subjacente ao fim que para ela se invoca a «relação de equitativa adequação» exigida pelo princípio da igualdade (Acórdão 330/1993). Para além de não assumir um relevo constitucional autónomo, o interesse na captação de capitais estrangeiros, embora legítimo, não dispõe de peso suficiente para justificar que a trabalhadores em igual posição e com igual dignidade social sejam atribuídas diferentes garantias salariais. Conclusão tanto mais evidente quanto certo é que, na concretização e conformação destas garantias, o legislador não se move num «terreno constitucionalmente neutro, mas antes num domínio informado pela «relevância constitucional da retribuição» e pela «preocupação da Constituição em proteger a autonomia dos menos autónomos na relação de trabalho» (Rui Medeiros, in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, volume I, 2.ª edição revista, Universidade Católica Editora, 2017, anot. XXV ao artigo 59.º, p. 1168).

Em face do que se dispõe no artigo 59.º, n.º 3, da Constituição, a captação de investimento estrangeiro não constitui, em suma, uma razão suficientemente forte e ponderosa para justificar, no âmbito do direito aplicável à coligação de sociedades, tanto a intensidade quanto a extensão da desigualdade de tratamento que deriva da atribuição de distintas garantias pelos créditos emergentes do incumprimento do contrato de trabalho aos trabalhadores de sociedades dominadas, dependentes ou agrupadas, consoante a sociedade com esta coligada tenha a sua sede localizada em pais estrangeiro ou em território nacional. É por originar tal espécie de desequilíbrio que a norma sindicada viola o princípio da igualdade.

III - Decisão

Em face do exposto, decide-se declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da interpretação conjugada das normas contidas no artigo 334.º do Código do Trabalho e no artigo 481.º, n.º 2, proémio, do Código das Sociedades Comerciais, na parte em que impede a responsabilidade solidária da sociedade com sede fora de território nacional, em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com uma sociedade portuguesa, pelos créditos emergentes da relação de trabalho subordinado estabelecida com esta, ou da sua rutura, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição.

Atesto o voto de conformidade do Juiz Conselheiro Lino Ribeiro e o voto de vencido do Juiz Conselheiro José António Teles Pereira, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março (aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei 20/2020, de 1 de maio).

Atesto ainda o voto de vencido do Juiz Conselheiro Manuel da Costa Andrade, que entretanto cessou funções. Joana Fernandes Costa

Lisboa, 5 de maio de 2021 - Joana Fernandes Costa - Gonçalo Almeida Ribeiro (subscrevo o acórdão, sem prejuízo de me parecer dispensável o Tribunal Constitucional tomar posição sobre a matéria do ponto 8.) - Pedro Machete - Mariana Canotilho - José João Abrantes - Maria José Rangel de Mesquita (vencida, nos termos da declaração conjunta aprovada com o Conselheiro José Teles Pereira) - Assunção Raimundo (vencida, com declaração de voto) - Fernando Vaz Ventura (vencido, com declaração de voto) - Maria de Fátima Mata-Mouros (vencida, nos termos da declaração junta) - João Pedro Caupers.

Declaração de voto

Vencida quando ao juízo de inconstitucionalidade.

1 - A interpretação normativa julgada inconstitucional pelo Acórdão retirada da interpretação conjugada do art. 334.º do Código do Trabalho (CT) com o proémio do n.º 2 do art. 481.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), radica na impossibilidade de aplicar o regime da responsabilidade solidária da sociedade que esteja em relação de participações recíprocas, de domínio ou em grupo, quando esta tenha sede fora do território nacional, pelos créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencidos há mais de três meses.

Na posição colhida no acórdão, o problema é de comparação; assim, dois trabalhadores, com contrato de trabalho submetido à lei portuguesa e cujos empregadores sejam sociedades com sede em Portugal, não beneficiam da mesma garantia dos créditos salariais, consoante a sede da sociedade coligada com o empregador esteja ou não em Portugal.

Ora as normas espacialmente autolimitadas materializam uma opção legislativa mediante a qual certa regra de direito substantivo (regula agendi) determina o seu próprio âmbito de aplicação de modo independente do que resultaria da regra de conflitos geral. São regras materiais que estabelecem, elas próprias, o respetivo âmbito espacial de aplicação. "A especificidade de tais normas reside, pois, em elas, sendo normas de direito material, delimitarem por si mesmas o seu campo de aplicação através de um processo técnico muito semelhante ao das regras de conflitos. Contudo, é do próprio fim visado pela norma que derivam os limites impostos à sua aplicação espacial - e não de raciocínios do tipo daqueles de que o direito internacional privado se serve na elaboração das suas regras" - cf. FERRER CORREIA, "A Codificação do Direito Internacional Privado", Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. 51, 1971, p. 46). As regras espacialmente autolimitadas estabelecem autonomamente o seu próprio campo de aplicação, sem com isso implicar qualquer alteração na determinação da lei competente. "Por consequência, a falta do elemento de conexão exigido implicitamente pela norma (ou exigido expressamente pela disposição anexa à norma) só conduz ao afastamento desta, não ao da legislação em que se insere, cuja competência aquela circunstância em nada afeta" - FERRER CORREIA, ob. cit., p. 48. No mesmo sentido, RUI MOURA RAMOS, "Da lei aplicável ao contrato de trabalho internacional", Almedina, 1991, p. 640; BAPTISTA MACHADO, "Âmbito de eficácia e âmbito de competência das leis", Almedina, 1998, p. 269.

É justamente este o caso das normas contidas nos artigos 481.º a 508.º-F do CSC.

Por força do proémio do n.º 2 do artigo 481.º do CSC, o legislador comercial desconsidera o campo de aplicação determinado pela regra de conflitos geral e estabelece a convocação daquelas normas apenas quando todas as sociedades coligadas tenham sede em Portugal. Isto é, a mobilização de tais normas não se basta com a atribuição, pela regra de conflitos, de competência à lei portuguesa: elas próprias, de modo independente do comando conflitual, estabelecem requisitos adicionais de aplicação. O que significa que o legislador societário restringiu a mobilização daquelas normas "em hipóteses em que estas todavia seriam de aplicar em virtude de o sistema jurídico-material do foro ser o competente face às suas próprias regras de conflitos" - cf. RUI MOURA RAMOS, "Aspectos recentes do direito internacional privado português", Das Relações Privadas Internacionais, Coimbra Editora, 1995, p. 100, nota 42 - e exigiu um contacto mais forte com a ordem jurídica portuguesa, "fazendo com que o círculo de situações a que se aplicará, embora concêntrico com o que diz respeito ao espaço de normal aplicabilidade da lei do foro de acordo com a regra de conflitos, terá abstratamente um diâmetro inferior" - cf. RUI PEREIRA DIAS, "Anotação ao artigo 481.º", Código das Sociedades Comerciais em Comentário, vol. VII, org. COUTINHO DE ABREU, Almedina, 2014, p. 24.

Ora, em face da autolimitação espacial do Título VI do CSC (decorrente do proémio do n.º 2 do seu artigo 481.º), o campo de aplicação da lei portuguesa nesta matéria é restringido, valendo somente quando todas as sociedades coligadas tenham sede em Portugal. Optou-se, por isso, por deixar "de fora do âmbito de aplicação da lei todas aquelas relações de coligação nas quais uma ou ambas as sociedades intervenientes se encontre sediada em território estrangeiro" - cf. ENGRÁCIA ANTUNES, "O âmbito de aplicação do sistema das sociedades coligadas", Estudos em homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, vol. II, 2002, cit., p. 105) - o que implica, assim, que "se alguma tem sede fora do espaço nacional, não há lugar à responsabilidade da dominante pelas dívidas da dominada" - cf. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, "A situação dos accionistas perante dívidas da sociedade anónima no Direito português", Direito das Sociedades em Revista, vol. 4, 2010, p. 30.

Assim sendo, o facto de o contrato de trabalho ser disciplinado pela lei portuguesa (cuja aplicabilidade depende da regra de conflitos do artigo 8.º do Regulamento CE n.º 593/2008, sobre lei aplicável às obrigações contratuais [Roma I]) e de a sociedade empregadora ver o seu estatuto pessoal submetido à lei portuguesa (nos termos da regra de conflitos do artigo 3.º do CSC) não são condições bastantes para que possa o credor salarial recorrer ao instituto da responsabilidade solidária da sociedade que com aquela esteja coligada, nos termos do artigo 334.º do CT. Exigir-se-á, ainda, que a sociedade que esteja com o empregador, em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo tenha também sede em Portugal.

2 - Esta matéria não pode, hoje, ser desacompanhada e conformada pelo sentido da jurisprudência comunitária, que tem claramente definido barreiras à regra da aplicação da lei do foro relativamente a empresas que desloquem a sua sede para outro Estado-Membro. Na verdade, qualquer leitura (ou intervenção, ainda que por via de uma interpretação) que se faça neste domínio, por força do princípio do primado do direito da União Europeia, terá de ter em conta as liberdades fundamentais, em especial, a liberdade de estabelecimento e de empresa, enquanto liberdades estruturantes do direito europeu. Qualquer análise que se faça, hoje, destas regras de autolimitação espacial terá de ter em conta os aspetos mais relevantes que são evidenciados na já longa jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) nesta matéria.

Convém, aliás, referir que o TJUE já se pronunciou quanto à compatibilidade da autolimitação espacial da responsabilidade solidária das sociedades coligadas (artigos 501.º e 502.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 481.º, todos do CSC) com o Direito da União Europeia, tendo decidido pela sua conciliabilidade com as normas comunitárias - Acórdão de 20 de Junho de 2013, Impacto Azul, proc. C-186/2012 - as regras do CSC preveem a responsabilidade solidária pelas obrigações de uma filial nacional apenas para as sociedades-mãe totalmente dominantes que tenham a sede em Portugal (excluindo assim tal responsabilidade quando a sociedade-mãe esteja sedeada noutro Estado-Membro), e que tal exclusão não constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento, na aceção do artigo 49.º do TFUE.

Com efeito, caso o regime nacional de responsabilidade solidária ope legis das sociedades totalmente dominantes viesse a ser alterado, por forma a ser aplicável igualmente às sociedades-mãe de outros Estados-Membros, constituiria provavelmente uma medida restritiva da liberdade de estabelecimento destas sociedades, na aceção do artigo 49.º do TFUE, que teria de ser justificada à luz de interesses legítimos (ordem pública, segurança pública ou saúde pública) ou de exigências imperiosas de interesse geral, para ser compatível com o direito da União. Admite-se que a proteção dos interesses dos credores possa constituir um interesse legítimo, embora não seja líquido que tal regime nacional respeitasse o teste da proporcionalidade (nas vertentes da necessidade, adequação, e proporcionalidade stricto sensu) requerido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.".

Também RUI PEREIRA DIAS, in "Código das Sociedades Comerciais em Comentário", Vol. VII, p. 37, afirma que «[...] A opção legislativa pela autolimitação espacial não é irrazoável, ao ponto de fundar um juízo de inconstitucionalidade, desde logo pela ausência de consagração legislativa de semelhantes regras (de direito dos grupos) em grande parte dos sistemas mais próximos do nosso, e connosco "concorrentes" na captação de investimento; e pelas eventuais dificuldades resultantes da determinação do âmbito pessoal de aplicação do regime (que tipos societários estrangeiros, sobretudo de leis extraeuropeias, seriam subsumíveis ao regime português?)»

Com efeito, a interpretação normativa fiscalizada ao subtrair a aplicação do regime da responsabilidade solidária do artigo 334.º do CT a uma sociedade com sede no estrangeiro, sufraga o entendimento decorrente do artigo 3.º do CSC, segundo o qual a sociedade vê o seu estatuto pessoal disciplinado pela lei do Estado em que estiver a sua sede real e efetiva, à qual cabe determinar o regime da sua responsabilidade. Quer isto dizer que a conjugação normativa em crise implica a não aplicação da lei portuguesa a uma situação privada internacional, que está conectada de forma preponderante com outro ordenamento jurídico - por ser aí a sede da pessoa coletiva a responsabilizar.

A dissemelhança radica no direito de reclamar o seu pagamento a quem não é o empregador, mas está com ele coligado. Isto é, o direito a transferir o risco de insolvência do empregador para outrem (que não o credor da retribuição) quando for sociedade com sede no estrangeiro.

Ora, mesmo nas situações puramente internas, tal faculdade não existe para a generalidade dos trabalhadores. Desde logo, não tem aplicação quando o empregador não seja uma sociedade em regime de coligação; mas, principalmente, não é mobilizável em todos os casos em que empresa empregadora se encontre coligada: com efeito, o instituto do artigo 334.º do CT depende da existência de uma relação societária típica do artigo 481.º, n.º 1, do CSC, que deixa de fora todas as coligações entre sociedades em nome coletivo, em comandita simples e todas as demais empresas que não tenham configuração societária, como empresas em nome individual, cooperativas, estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, agrupamentos complementares de empresas, fundações e associações. Cujos trabalhadores não acedem àquela faculdade, ainda que o seu empregador seja controlado por um terceiro.

3 - Finalmente, o acórdão ao convocar o princípio da igualdade para abarcar situações que, a nosso ver, o legislador nacional não pretendeu regulamentar e que foram devidamente ponderadas, à luz dos princípios gerais de regulação das relações privadas internacionais e, em especial, do disposto, em matéria de estatuto pessoal das pessoas coletivas, nos artigos 33.º do Código Civil e 3.º do CSC, poder-se-á estar a criar mais dúvidas e abrir a porta a um leque de casos que, no entender de alguns, reclamarão idêntica tutela.

A densidade do escrutínio de que o Tribunal dispõe quando está em causa a censura de escolhas legislativas fundada apenas em violação do n.º 1 do artigo 13.º da CRP não me parece compatível com o recurso cumulativo a "técnicas de ponderação".

É que, constituindo o princípio da igualdade uma «norma de controlo», não pode desconsiderar-se que «em sede de controlo da constitucionalidade, não cabe aos respetivos órgãos emitir propriamente um juízo "positivo" sobre a solução legal: ou seja, um juízo em que o órgão de controlo comece por ponderar a situação como se fora o legislador (e como que "substituindo-se" a este) para depois aferir da racionalidade da solução legislativa pela sua própria ideia do que seria, no caso, a solução "razoável", "justa" ou "ideal"».

Como decidiu o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 187/90:

«... a teoria da proibição do arbítrio" não é um critério definidor do conteúdo do princípio da igualdade, antes expressa e limita a competência de controlo jurisdicional» e no dizer de JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS, "embora o juízo de igualdade seja um juízo relativo, a comparação não está confinada ao confronto entre disposições normativas, devendo igualmente atender-se, tendo em conta uma perspetiva sistémica, ao modo como a solução normativa sindicada se integra no sistema jurídico como um todo".

E, neste âmbito, revemo-nos na declaração de voto da Conselheira Maria Lúcia Amaral junta ao Acórdão 227/2015:

«O princípio da igualdade serve para sindicar diferenças de tratamento criadas pelo legislador ao regular situações que recaiam no âmbito de aplicação da lei nacional. Pressuposto de validade de uma norma é, logicamente, a aplicabilidade da mesma.

Se, por força de uma regra de conflito, a lei portuguesa não fosse sequer aplicável, então não se estaria, em rigor, perante uma desigualdade de tratamento criada pelo legislador para a qual se poderia questionar a existência ou não de fundamento material bastante, mas perante algo diferente. Nessa hipótese, estar-se-ia perante uma situação A, à qual a lei portuguesa seria aplicável e perante uma situação B, à qual, por força de uma regra de conflitos, a lei portuguesa pura e simplesmente não se aplicaria. Não sendo a lei portuguesa aplicável a ambas as situações, não faria qualquer sentido equacionar como problema jurídico a violação do princípio da igualdade.

[...]

Ao Tribunal Constitucional não cabe, obviamente, discutir a correção ou não da interpretação do direito infraconstitucional [...] mas tão-somente apreciar a conformidade da mesma face à Constituição.

Ora, qualquer que tenha sido a razão que tenha levado o legislador a autolimitar o âmbito de aplicação do artigo 481.º, n.º 2, proémio, do Código das Sociedades Comerciais e por muitas críticas que essa opção legislativa possa merecer por parte da doutrina (José A. Engrácia Antunes, «O âmbito de aplicação do sistema das sociedades coligadas», in Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, Vol. II., Almedina, Coimbra, 2002, págs. 95-116, pág. 106 e segs.), não creio que a mesma seja passível de censura jurídico-constitucional.

O juízo relativo à violação do princípio da igualdade, na sua dimensão mínima de proibição do arbítrio, pela sua própria natureza, tem que assentar em critérios de evidência que não são compatíveis com ponderações a fazer pelo Tribunal Constitucional.

E, a meu ver, neste caso, o Tribunal, para proceder ao juízo de inconstitucionalidade, fundou-se essencialmente num julgamento de ponderação, uma vez que colocou «num dos pratos da balança da justiça o respeito absoluto pela regra de uma sociedade que se rege pelo direito aplicável no local da sua sede» e, no outro, «o princípio da igualdade, especificamente em matéria de créditos fundados no trabalho subordinado prestado em Portugal» concluindo, a final, pela «prevalência do princípio da igualdade» sobre essa outra «regra», relativa «ao direito aplicável».

No entanto, a densidade do escrutínio de que o Tribunal dispõe quando está em causa a censura de escolhas legislativas fundada apenas em violação do n.º 1 do artigo 13.º da CRP não me parece compatível - por razões que, creio, resultam bem claras da jurisprudência sedimentada do Tribunal relativamente ao que deva entender-se por proibição do arbítrio legislativo - com o recurso cumulativo a técnicas de ponderação. A ausência de racionalidade de uma qualquer distinção de regimes que seja estabelecida pelo legislador não se pondera. Verifica-se; e deixa de verificar-se a partir do momento em que, a fundar a diferença, se encontra um qualquer motivo que seja intersubjetivamente inteligível. E isto qualquer que seja o "peso" valorativo próprio que o Tribunal (que não sanciona o mérito das escolhas legislativas) reconheça ou deixe de reconhecer a esse mesmo motivo.».

A censura constitucional às normas fiscalizadas apenas poderia fundar-se na conclusão de que não existe motivo racional e razoável para a diferenciação ou que, havendo-o, ele implicaria uma distinção que se reputaria, quanto à medida e extensão, desajustada àquela razão.

Diferimos do acórdão quando, nesta análise, conclui positivamente.

4 - Temos o entendimento que o julgamento da inconstitucionalidade da lei só poderá vir a ser um julgamento fundado se se provar a inexistência de qualquer relação entre o fim prosseguido pela lei e as diferenças de regimes que, por causa desse fim, a própria lei estatui.

O controlo jurisdicional do princípio da igualdade tradicionalmente seguido pelo Tribunal Constitucional tem obedecido, essencialmente, a um critério negativo, censurando somente as distinções que não obedeçam a motivos racionais de diferenciação.

Como se disse no Acórdão 270/2009, recuperado no Acórdão 157/2018:

«Nesta ordem de considerações tem-se entendido que a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pertencendo-lhe, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente.»

«E, assim, aos tribunais, na apreciação daquele princípio, não compete verdadeiramente «substituírem-se» ao legislador, ponderando a situação como se estivessem no lugar dele e impondo a sua própria ideia do que seria, no caso, a solução «razoável», «justa» e «oportuna» (do que seria a solução ideal do caso); compete-lhes, sim «afastar aquelas soluções legais de todo o ponto insuscetíveis de se credenciarem racionalmente» (acórdão da Comissão Constitucional, n.º 458, Apêndice ao Diário da República, de 23 de Agosto de 1983, pág. 120)

À luz das considerações precedentes pode dizer-se que a caracterização de uma medida legislativa como inconstitucional, por ofensiva do princípio da igualdade dependerá, em última análise, da ausência de fundamento material suficiente, isto é, de falta de razoabilidade e consonância com o sistema jurídico» (nestes precisos termos o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 370/2007).

"Os Tribunais Constitucionais não avaliam, aqui, o grau de qualidade das políticas legislativas: tudo quanto fazem - tudo quanto devem fazer - se resume à certificação da manifesta inexistência de qualquer política racional, ou de qualquer razão que, decorrente da lei, seja como tal intersubjectivamente compreendida" (MARIA LÚCIA AMARAL, "O princípio da igualdade na Constituição portuguesa", Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Armando M. Marques Guedes, 2004, p. 43. Ora, a estatuição legislativa de uma diferença de tratamento às sociedades com sede no estrangeiro no que concerne à sua responsabilização por dívidas salariais de uma das suas participadas, independentemente do juízo que sobre ela se faça no que concerne à respetiva bondade, obedece a motivos racionais de diferenciação a cuja realização é idónea à distinção gerada: a atração de investimento estrangeiro (i), a regulação harmoniosa dos grupos de sociedades em situações plurilocalizadas, precludindo as dificuldades inerentes à aplicação do regime pátrio a sociedades com lei pessoal distinta (ii) e a proteção do âmbito de aplicação da lei pessoal das sociedades com sede no estrangeiro, a quem compete determinar o regime da responsabilidade por dívidas, nos termos do art. 3.º do CSC (iii).

Na verdade, ainda que as sociedades com sede no estrangeiro não sejam necessariamente estrangeiras, não será absurdo que o legislador o tenha pressuposto como critério de identificação daquelas que, as mais das vezes, têm capitais estrangeiros. E é também crível que a sujeição destas ao regime de responsabilidade por dívidas da sociedade dominada, que é particularmente exigente na lei portuguesa pudesse afastar a intenção de investimento em Portugal. Do mesmo passo, a aplicação do regime luso a sociedades com lei pessoal diferente geraria difíceis problemas de substituição e de adaptação, por força da necessidade de recondução dos tipos sociais estrangeiros às figuras que, na lei portuguesa, estão sujeitas ao regime jurídico da coligação societária (sociedades por quotas, sociedades anónimas e sociedades em comandita por ações - n.º 1 do art. 481.º do CSC). Sendo certo que, em qualquer caso, o regime da responsabilidade das sociedades com sede no estrangeiro é matéria que estaria fora do âmbito de competência da lei portuguesa, nos termos do art. 3.º do CSC.

Como também defende a Conselheira Fátima Mata Mouros no seu voto de vencida ao mesmo Acórdão 227/2015: «[...] O âmbito do princípio da igualdade incide sobre as diferenças de tratamento criadas pelo legislador ao regular situações no exercício do seu poder soberano. Se, por força das regras de conflito aplicáveis, não é a lei portuguesa que regula a matéria então, a verificar-se alguma desigualdade no regime de responsabilidade entre sociedades que se regem por leis diferentes, ela não decorrerá da lei portuguesa, ou sequer da lei estrangeira aplicável ao caso, antes da simples incidência de regimes jurídicos distintos [...]». - Assunção Raimundo

Declaração de voto

Vencido, pelas razões expendidas na declaração de voto aposta no Acórdão 227/2015 pela Conselheira Maria Lúcia Amaral, para a qual remeto.

Entendo que existem motivos racionais, razoáveis e constitucionalmente legítimos para a diferenciação operada pelo legislador - motivos que, aliás, o Acórdão identifica no ponto 18 -, sendo certo que a solução normativa em exame não inviabiliza o alcance executivo dos créditos laborais em caso de insolvência de empregador que esteja numa relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com uma sociedade cuja sede esteja fora do território nacional.

Permanecem, é certo, possibilidades de manipulação das formas societárias ou desvios ao regular funcionamento intersocietário, mas tais situações encontram no sistema normativo outras instâncias de tutela, designadamente por via do instituto do abuso de direito. - Fernando Vaz Ventura

Declaração de voto

1 - Divergem os subscritores deste voto da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral da conjugação interpretativa dos artigos 334.º do Código do Trabalho (CT) e 481.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), coincidente com o decidido no Acórdão 227/2015 (ou seja, [n]a parte em que impede a responsabilidade solidária da sociedade com sede fora de território nacional, em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com uma sociedade portuguesa, pelos créditos emergentes da relação de trabalho subordinado estabelecida com esta, ou da sua rutura [...]").

Com efeito, repete-se e agrava-se substancialmente - dada a natureza absoluta de uma declaração de inconstitucionalidade invalidante da norma em causa em todas as situações transnacionais passíveis de configuração - o equívoco presente nesse julgamento de 2015, porfiando-se no descaso da particularidade da situação ao postular - então, como agora - uma leitura conjugada dessas duas disposições geradora de uma norma de direito internacional privado, concretamente uma norma espacialmente autolimitada, e ultrapassando-se, sem uma adequada ponderação do que isso envolve, a circunstância de as sociedades em causa nas três decisões que estão na origem do presente processo de repetição de anteriores julgados (artigo 82.º da LTC), às quais foi estendida a responsabilidade solidária com as sociedades portuguesas empregadoras, estarem sedeadas no território da União Europeia (a mesma sociedade alemã, no caso do Acórdão 227/2015 e da Decisão Sumária n.º 363/2015, e uma sociedade espanhola quanto à Decisão Sumária n.º 434/2019), colocando-se, em função dessa circunstância, uma questão de Direito da União Europeia (DUE), correspondente à incidência do Regulamento (CE) n.º 593/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17/06/2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I). Com efeito, a consideração deste ato legislativo de DUE, dotado de aplicabilidade direta e obrigatório em todos os seus elementos (artigo 289.º, n.º 3, do TFUE), conduziria, de facto, à responsabilização solidária das sociedades com sede fora de Portugal (em território da União Europeia), mas moldaria a consideração do problema em termos substancialmente distintos dos considerados nesse Acórdão 227/2015 (cuja decisão é agora repetida), concluindo-se - é o que sustentam os subscritores deste voto - que a "[aplicação] apenas a sociedades com sede em Portugal [...]" da responsabilização solidária prevista no artigo 334.º do CT, não vale, no quadro das regras decorrentes do Regulamento Roma I, ou seja, relativamente a sociedades com sede num outro Estado-Membro.

O problema da presente decisão reside, precisamente, na circunstância de ter sido construída, assumidamente (cf. item 1.1., infra), desconsiderando o DUE (que as três situações pretexto necessariamente convocavam), esquecendo que este vale na ordem interna nos termos por ele próprio definidos (artigo 8.º, n.º 4, da CRP), projetando o presente Acórdão, agora definitivamente, uma abrangência invalidante da norma (como resulta do artigo 282.º, n.º 1, da CRP) que, extravasando do espaço da União Europeia, acaba por eliminar o sentido - para nós, a justificada relevância - que a autolimitação espacial da lei portuguesa apresenta quando envolve sociedades extraeuropeias. O caminho seguido nas decisões anteriores, do qual divergiram os dois votos apostos ao Acórdão 227/2015, acabou por contaminar o percurso interpretativo do presente Acórdão, originando uma situação que é - como sempre foi - inócua, relativamente a Estados-Membros da União Europeia - onde não vale a autolimitação -, mas que terá consideráveis inconvenientes (afastando uma opção legítima e racionalmente justificada do legislador nacional) relativamente a ordens jurídicas exteriores à União Europeia.

1.1 - Note-se que a relevância da particularidade que assinalámos no item anterior é afastada no ponto 7. do Acórdão, num trecho que importa aqui destacar: "[d]estinando-se o presente processo à apreciação da constitucionalidade da norma julgada inconstitucional nas três decisões invocadas no pedido, a interpretação que delas foi objeto apresenta-se, também aqui, como um dado indiscutido para o Tribunal Constitucional, encontrando-se-lhe por isso vedada a possibilidade de averiguar se a conjugação das normas contidas no artigo 334.º do [CT] e no artigo 481.º, n.º 2 do [CSC], admitiria interpretação diferente daquela que foi julgada inconstitucional. É, assim, absolutamente irrelevante para o juízo a proferir nos presentes autos o facto de boa parte da doutrina entender que a autolimitação espacial decorrente do n.º 2 do artigo 481.º não implica a inaplicabilidade das normas portuguesas às relações de grupos de sociedades intraeuropeias, cujas sedes se encontrem situadas exclusivamente em Estados-Membros da União Europeia [...]".

De tal pressuposto, respeitante à construção do problema colocado no presente processo, discordam os subscritores desta declaração, não aceitando que uma questão que está no cerne da discussão em causa na decisão pretexto (que foi o Acórdão 227/2015), que aí foi abordada em termos dos quais discordamos, e que fundou, aliás, as duas declarações de voto que constam desse aresto, seja arredada da discussão do presente recurso. Destina-se este, com efeito, à "revisão" (a expressão é aqui utilizada com um intuito meramente descritivo do processamento previsto no artigo 82.º da LTC) do sentido dessas anteriores decisões de inconstitucionalidade, em vista da sua possível generalização através de um juízo de inconstitucionalidade dotado de força obrigatória geral.

Tal enquadramento, não pode, pois, deixar de convocar a questão que entendemos estar em causa, no que à atuação do princípio constitucional da igualdade diz respeito, nas situações efetivamente configuradas nos três processos geradores da decisão que o Tribunal agora proferiu. Identificamos essa questão - que é central na economia decisória deste pedido de fiscalização - nos termos seguintes: projetando-se, por via de determinada opção legislativa (aqui a que resultaria do artigo 334.º do CT ficcionando a ausência neste do trecho remissivo final para o CSC), uma situação jurídica plurilocalizada, ou seja, criando-se um quadro apto à projeção de uma situação transnacional - uma situação em que se anteveja a colocação de um problema de determinação do Direito aplicável que devesse ser resolvido pelo Direito Internacional Privado. Em tal caso, a estruturação de uma norma material espacialmente autolimitada, como sucede com a conjugação entre os artigos 334.º do CT e 481, n.º 2 do CSC, implicando a derrogação do funcionamento da regra de conflitos geral, confronta-nos necessariamente com as razões de política legislativa que levam o legislador nacional a, unilateralmente, por via de uma regra especial, determinar o campo de aplicação da lei portuguesa, pois é disso que aqui se trata. Ora, ponderando essas razões, a diferenciação de situações que neste caso (para o Acórdão do qual divergimos) fez acionar o princípio da igualdade, afigura-se-nos constituir motivo suficiente, motivo que deve ser atendido, para a autolimitação espacial - a qual, todavia, repetimos, só vale verdadeiramente fora da União Europeia.

É o que procuraremos demonstrar já de seguida, ponderando a diversidade de consequências - da incidência intra ou extrauniãoeuropeia - que a situação transnacional, decorrente da responsabilização solidária de sociedades com sede fora de Portugal, configura.

2 - Numa primeira aproximação ao problema, importa sublinhar que a remissão constante do trecho final do artigo 334.º do CT para o artigo 481.º do CSC, concretamente para o n.º 2 deste último, confere um caráter peculiar àquela norma laboral, assumindo uma natureza compósita por conjugação com a norma para a qual remete. Ou seja, a estatuição estabelecida no trecho inicial - "[p]or crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses, respondem solidariamente [além do empregador a] sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo [...]" - é recortada, mediante a remissão, pela incidência da previsão do artigo 481.º (a qual se refere a todo o Título VI do Código das Sociedades Comerciais, relativo às "Sociedades Coligadas"), valendo isso, neste caso, por uma recondução desta solidarização ope legis das coligadas, não empregadoras, pelos créditos emergentes do contrato de trabalho, "[...] apenas [para] sociedades com sede em Portugal [...]" (artigo 481.º, n.º 2, proémio). Importa não esquecer, sendo relevante na captação do exato contexto significativo da norma composta assim formada, que a extensão da responsabilidade, a solidariedade obrigacional, "[p]or crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses [...]" se refere neste caso a quem não é o empregador, permitindo-se ao trabalhador "[...] sempre que o empregador seja uma sociedade comercial e esteja com outra, ou outras, numa das relações de coligação societária nele especificadas, demandar indistintamente a sociedade empregadora ou qualquer uma das sociedades, a fim de obter a satisfação de créditos laborais. [...] O objetivo desta solução - que envolve o afastamento, excepcional e circunscrito a uma dada categoria de créditos [...] da regra da limitação da responsabilidade patrimonial das sociedades comerciais e a consequente atribuição àquelas que com a sociedade empregadora tenham relações especialmente intensas ou significativas, de uma responsabilidade por dívidas desta - é intensificar a garantia patrimonial de tais créditos, obviando a que a inclusão do empregador em determinado tipo de coligação intersocietária redunde em prejuízo dos seus trabalhadores". Estabeleceu-se, pois, uma responsabilidade patrimonial de pendor garantístico, de natureza objetiva, ligada a vicissitudes indemnizatórias emergentes de um contrato de trabalho, mas que extravasa da sua base subjetiva bivinculante, através de uma referenciação a terceiros, em função da existência de uma relação societária plural, desconetada da relação de emprego em si mesma considerada.

É relativamente a este elemento (referenciação a determinados terceiros) que a autolimitação espacial funciona, afastando a responsabilidade solidária que institui, estando em causa sociedades com sede fora de Portugal.

2.1 - Na primeira das situações indicadas - de incidência intra união europeia da situação transnacional, como se verificava nos casos pretexto deste processo -, são duas as incidências do DUE quanto à norma sindicada.

2.1.1 - A primeira, na perspetiva do trabalhador e do contrato de trabalho celebrado com o empregador, resultante do já referido Regulamento (CE) n.º 593/2008, relativo à lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I), valendo o artigo 8.º deste, que regula a determinação da lei aplicável à regulação dos contratos individuais de trabalho. Segundo esse preceito, "[o] contrato individual de trabalho é regulado pela lei escolhida pelas partes nos termos do artigo 3.º [...]" (n.º 1, primeira parte) e (mas) "[e]sta escolha da lei aplicável não pode [...] ter como consequência privar o trabalhador da proteção que lhe proporcionam as disposições não derrogáveis por acordo, ao abrigo da lei que, na falta de escolha, seria aplicável nos termos dos n.os 2, 3 e 4 do presente artigo" (n.º 1, segunda parte): respetivamente, a lei do país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho, a lei do país onde se situa o estabelecimento que o contratou ou, em último caso, a lei do país com o qual o contrato apresente uma conexão mais estreita (n.os 2 a 4 do artigo 8.º). Ora, a aplicabilidade direta daquele artigo 8.º na ordem jurídica dos Estados-membros e, por essa via, a determinação, a montante, da lei aplicável à regulação do contrato individual de trabalho - isto, qualquer que seja o Estado-membro da sede da sociedade empregadora e das sociedades com esta coligadas - e, assim, a determinação do concreto regime jurídico aplicável em matéria de responsabilidade por crédito emergente de contrato de trabalho, tem por efeito a subtração, o afastamento das sociedades com sede num outro Estado Membro, à (da) regra de autolimitação espacial (prevista no artigo 481.º, n.º 1, proémio, do CSC) da responsabilização solidária do artigo 334.º do CT. Como atrás se afirmou, essa autolimitação espacial não vale, no quadro das regras decorrentes do Regulamento Roma I, relativamente a sociedades com sede num outro Estado-Membro. Sendo, em caso de situação transnacional de incidência intra união europeia, a lei portuguesa a lei aplicável de acordo com os critérios de determinação dessa lei consagrados no Regulamento Roma I, não pode valer ou projetar-se aquela autolimitação espacial relativamente às sociedades (empregadoras ou não empregadoras) com sede no território de um qualquer Estado-membro da União Europeia, sob pena de se modelar os efeitos de um acto de direito derivado (com aplicabilidade direta e obrigatório em todos os seus elementos) e, desse modo, afetar a uniformidade de aplicação do Regulamento na ordem jurídica da União Europeia. Note-se que o sentido teleológico do artigo 8.º, n.º 1, segunda parte, do Regulamento Roma I, concretiza o princípio geral, afirmado no respetivo considerando (23) ("[n]o caso dos contratos celebrados com partes consideradas vulneráveis, é oportuno protegê-las através de normas de conflitos de leis que sejam mais favoráveis aos seus interesses do que as normas gerais"), do favor laboratoris, referido à determinação da lei aplicável aos contratos individuais de trabalho: "[t]al como sucede com as disposições respeitantes aos contratos celebrados por consumidores, contratos de transporte relativos a passageiros e de seguro relativos ao tomador de seguro [considerando (32)], o propósito geral do artigo 8.º é o que está declarado no considerando (23) do Regulamento. Isto torna claro que a interpretação do artigo 8.º deve ser guiada pelo princípio do 'favor laboratoris' no sentido da proteção dos empregados, a parte mais fraca, através de regras de conflito especiais, 'mais favoráveis aos interesses destes que as regras gerais'. Isto corresponde ao mesmo objetivo legislativo prosseguido no domínio da Convenção de Roma, limitando-se o referido considerando (23) [do Regulamento Roma I] a sinalizar a persistência do mesmo princípio, que igualmente encontramos presente no considerando (18) do Regulamento Bruxelas I (reformulado)[] ["[n]o respeitante aos contratos de seguro, de consumo e de trabalho, é conveniente proteger a parte mais fraca por meio de regras de competência mais favoráveis aos seus interesses do que a regra geral"] e na jurisprudência [case law] relativa a este último Regulamento, no que respeita a ações respeitantes a contratos individuais de trabalho[]. Tudo isto reflete a preocupação, de âmbito mais geral, de garantir que a protecção substancial garantida aos trabalhadores por conta de outrem pelo DUE e pelas leis nacionais não possa perder-se através da designação como aplicável da lei de um país cuja proteção dos trabalhadores seja menos desenvolvida".

Assim, estando em causa a solidarização prevista no artigo 334.º do CT relativamente a sociedade com sede noutro Estado-membro, perde sentido a autolimitação espacial, tudo funcionando como se essa sociedade sedeada fora de Portugal o não fosse. Esta seria, com efeito, a interpretação correta do DUE, projetado na ordem interna, funcionando a obtenção desse mesmo resultado, nesses casos, por via da declaração de inconstitucionalidade, com o sentido - e trata-se de fornecer uma simples imagem ilustrativa - de uma espécie de "arrombamento" de uma porta que sempre esteve aberta. Percebemos - e compreendemos - que as decisões pretexto aqui generalizadas foram confrontadas com decisões de recusa das instâncias assentes no descaso total desta vertente do problema, mas cremos que o Tribunal, instrumentalmente da questão de constitucionalidade que lhe era apresentada, poderia reconduzir o problema aos seus corretos parâmetros interpretativos, aqui (aliás, no caso pretexto correspondente ao Acórdão 277/2015) verdadeiramente condicionantes da própria abordagem do problema de inconstitucionalidade.

2.1.2 - A segunda incidência, acima referida, do DUE sobre a conjugação normativa sindicada reporta-se à perspetiva do empregador e das sociedades com este coligadas com sede em outro Estado-membro da União Europeia, resultante da aplicação das regras respeitantes ao mercado interno. Isto, já que a existência de sociedades coligadas com sede em diversos Estados-membros da União, que encerra um elemento de transnacionalidade ou transfronteiriço, necessariamente convoca (ou pode convocar) a aplicação das regras aplicáveis às liberdades no mercado interno (estabelecimento, livre prestação de serviços e capitais).

Todavia, com exceção da harmonização efetuada pela Diretiva (UE) 2017/1132 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de junho de 2017, relativa a determinados aspetos do direito das sociedades, inexistem normas de harmonização de direito da União em matéria de sociedades coligadas. Ora, na ausência de normas de harmonização europeias em matéria de direito das sociedades em geral (com exceção das indicadas) e, em especial, em matéria de sociedades coligadas, afigura-se caber a definição do regime jurídico destas na margem de conformação do legislador nacional, no quadro do princípio da subsidiariedade - e desde que não contenda com os princípios fundamentais aplicáveis no quadro do mercado interno. Ora, o regime jurídico previsto no n.º 1 do artigo 481.º do CSC, aprovado no quadro daquela margem de conformação, não se afigura constituir em si, tal como consagrado, um entrave à livre circulação no mercado interno (nomeadamente de capitais e de participações sociais) em termos tais que viole os princípios que regulam o mercado interno. Assim se compreende a interpretação efetuada pelo TJUE do artigo 49.º do TFUE no Acórdão Impacto Azul (processo C-186/12, de 20/6/2013, ECLI:EU:C: 2013:412), pese embora a crítica da doutrina apontada a esse aresto por ter assumido como pressuposto - apesar de uma das sociedades 'coligadas' ter sede num Estado membro diferente de Portugal - que se tratava de sociedades com sede em Portugal.

3 - No segundo grupo de situações agora abrangida pela declaração de inconstitucionalidade (não delimitada) com força obrigatória geral - correspondente à incidência extra união europeia da situação transnacional -, o sentido que a autolimitação espacial da lei portuguesa apresenta, quando envolve sociedades com essa localização, encontra fundamento racional bastante, ou motivo inteligível e congruente com os dados práticos relevantes, nas razões de política legislativa que levam o legislador nacional a estabelecer essa diferenciação de situações. Existe, com efeito, previsivelmente, um regime mais exigente de responsabilidade por créditos laborais de sociedades coligadas com sede em Portugal, do que sociedades coligadas com sede no 'estrangeiro' i.e, em países terceiros em relação à União Europeia. Regime mais exigente esse (que transforma a responsabilidade objetiva instituída pela lei nacional em norma de aplicação imediata, imperativa) que, como atrás se referiu, neste caso (para o Acórdão do qual dissentimos) fez acionar o princípio da igualdade.

Constituem, porém, tais razões de política legislativa motivo suficiente da diferenciação, não implicando qualquer violação do princípio da igualdade - em conformidade com a metódica seguida na jurisprudência deste Tribunal -, seja na sua dimensão de controlo negativo da proibição do arbítrio, seja na sua dimensão de controlo mais intenso da igualdade, também por referência à adequação da razão da diferenciação e à extensão e medida da diferenciação, e da "igualdade proporcional" (como admitido, mais recentemente, no Acórdão 157/2018).

Na dimensão de controlo negativo (ou de dimensão mínima) da proibição do arbítrio, entende-se que existe motivo justificativo bastante da distinção de tratamento (que se afigura razoável ou suficiente): a proteção do regime de responsabilidade por dívidas da sociedade dominante, que decorrerá exclusivamente da sua lei pessoal (lei do Estado onde tiver a sede real e efetiva, nos termos do artigo 3.º do CSC). Assim, a diferenciação, a existir, resulta da regulação (do regime de responsabilidade) por leis distintas e ordens jurídicas soberanas distintas, por força da determinação da lei aplicável a situações transnacionais ou plurilocalizadas.

Além dessa justificação - a proteção do âmbito de aplicação da lei pessoal das sociedades com sede no estrangeiro, a quem compete determinar o regime da responsabilidade por dívidas, nos termos do artigo 3.º do CSC -, a previsão normativa em causa funda-se ainda, admite-se, em outros motivos racionais de diferenciação: i) a regulação harmoniosa dos grupos de sociedades em situações plurilocalizadas, precludindo as dificuldades inerentes à aplicação do regime pátrio a sociedades com lei pessoal distinta; e, ainda, ii) algum tipo de atração do investimento estrangeiro (extra-União Europeia). Tais razões, no quadro da margem de liberdade de conformação do legislador democrático, constituem um fundamento racional da distinção ínsita nas normas sindicadas, obstando ao seu carácter arbitrário.

Mas, mesmo na dimensão de controlo jurisdicional mais intenso do princípio da igualdade - da medida e o grau dos efeitos da distinção -, num juízo de ponderação, a conclusão a alcançar não será diversa. Isto, face: i) ao carácter limitado do efeito distintivo da medida legislativa justapondo as sociedades estrangeiras (cujos tipos sociais são desconhecidos do legislador nacional) às demais sociedades de direito português a que não aplica o regime da responsabilidade solidária pelos créditos salariais - afigurando-se baixa a intensidade da diferenciação, por referência aos demais trabalhadores de sociedades não abrangidas pelo regime das coligações societárias; ii) à valia preponderante dos motivos que justificam a diferenciação, especialmente o que respeita à regulação harmoniosa das situações privadas internacionais e à proteção da disciplina do estatuto pessoal da sociedade pela lei do Estado em que estiver a sua sede real e efetiva (artigo 3.º do CSC); iii) e, finalmente, a inexistência de um efeito distintivo automático, por força da recondução da questão à lei estrangeira competente - não gerando a inaplicabilidade da lei portuguesa, necessariamente, um efeito discriminatório (preclusão do direito de o trabalhador reclamar, da sociedade estrangeira, os créditos salariais de que o seu empregador é devedor), que dependerá da lei estrangeira aplicável à responsabilidade da sociedade coligada com o empregador - e sem prejuízo da eventual invocação da exceção de ordem pública internacional ou, eventualmente, do limite constitucional autónomo de aplicação da norma estrangeira.

3.1 - Aliás, a eliminação da limitação espacial agora introduzida pela declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, tendo como efeito (como pretensão, porventura vã) projetar o regime nacional além fronteiras - no espaço que agora consideramos -, dá a tal regime uma natureza imperativa exterior, sem um real alcance executivo, pouco congruente com a ideia de excepcionalidade que este tipo de normas deve assumir, por razões de efetiva garantia. Postula essa incidência prática, que as leis nacionais dificilmente podem verdadeiramente antagonizar, "[...] uma contenção do legislador estadual na atribuição a normas ou leis imperativas internas de uma esfera de aplicação no espaço mais ampla do que aquela que resultaria do Direito de Conflitos Geral, bem como pela formulação de exigências metodológicas muito estrita com respeito à possibilidade de [...] o intérprete determinar a aplicação imediata ou necessária de uma determinada norma ou lei imperativa [...]".

Estamos, enfim, perante um problema de sempre - num quadro não juridicamente integrado como sucede com o da UE -, concretamente no que toca à consideração unitária de grupos de sociedades num plano transnacional, face a normas internas de um outro país pretendidas impor exteriormente, situação referenciada, logo em 1990, por Rui Manuel Moura Ramos, na respetiva dissertação de doutoramento: "[o] caráter internacional do grupo impede assim, neste caso, a sua consideração unitária - o que parece ficar a dever-se à circunstância de a natureza pública do poder aqui exercido pelas autoridades francesas (o poder de autorizar um despedimento colectivo), supor, para o seu exercício, o respaldo da soberania estadual que se exerce sobre o território onde se encontram situadas as entidades empresariais cuja situação económica importaria analisar" (p. 49). É com este sentido que a autolimitação espacial estabelecida pelo legislador nacional - relativa ao espaço exterior à União Europeia - tem efetivo sentido, reconhecendo realisticamente os condicionalismos do "meio-ambiente" no qual, na falta dessa opção, teria a pretensão de se projetar, o que constitui razão suficiente para que o Tribunal a tivesse aceite - nesse concreto espaço, todavia diferente daquele relativamente ao qual o Acórdão 277/2015 se pronunciou.

De tudo isto decorre a dissensão dos subscritores da presente declaração. - Maria José Rangel de Mesquita, Maria de Fátima Mata-Mouros e José António Teles Pereira.

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Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/4578138.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 2003-06-17 - Acórdão 232/2003 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade do segmento normativo que contém o critério respeitante aos candidatos que tenham acedido ao ensino superior integrados no contingente da Região Autónoma dos Açores, constante da parte final da alínea a) do n.º 7 do artigo 25.º do Regulamento do Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário.(Pocesso nº 306/2003)

  • Tem documento Em vigor 2018-04-19 - Lei Orgânica 1/2018 - Assembleia da República

    Oitava alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), segunda alteração à Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), sétima alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), e primeira alteração à Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos)

  • Tem documento Em vigor 2020-03-13 - Decreto-Lei 10-A/2020 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19

  • Tem documento Em vigor 2020-05-01 - Decreto-Lei 20/2020 - Presidência do Conselho de Ministros

    Altera as medidas excecionais e temporárias relativas à pandemia da doença COVID-19

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