Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/92
As preocupações com o apoio e a recuperação de crianças maltratadas, física e psicologicamente, pela gravidade das situações que estão na sua origem, levam, em muitos casos, à aplicação de medidas que implicam a retirada das crianças do seio das famílias maltratantes.
Tal actuação acaba por reforçar os sentimentos de desvalorização dos pais, originando com frequência novas situações de violência familiar e de risco para os filhos que permaneceram em casa ou que nasceram entretanto.
Assiste-se, assim, à perpetuação de um verdadeiro ciclo de violência, sendo as vítimas de hoje potenciais progenitores maltratantes no futuro.
A problemática da criança vítima de maus tratos exige uma intervenção interdisciplinar e interinstitucional articulada e flexível, que combine a qualidade da acção com respeito pelos princípios e garantias constitucionais, em último caso asseguradas pelos tribunais.
A tipificação como ilícito penal dos casos mais graves de maus tratos e a aplicação de medidas tutelares de protecção obriga à intervenção, respectivamente, dos tribunais criminais, dos tribunais de menores e das comissões de protecção de menores.
Com a criação das comissões de protecção e com o desenvolvimento de experiências hospitalares em curso, deu-se um primeiro passo no sentido de, por via administrativa, possibilitar a adopção de medidas que evitam a intervenção dos tribunais e se realizam em colaboração com a família.
Afigura-se, assim, imprescindível reforçar a acção pedagógica que deve ser exercida junto da família, pelo que importa conceber e levar a cabo um programa específico de apoio onde se estimule a dinâmica interpessoal criança-família e o problema dos maus tratos infantis seja abordado de um modo integrado no contexto familiar e social envolvente.
O programa a desenvolver pautar-se-á por critérios que terão em conta a legislação em vigor e os mecanismos instituídos em matéria de protecção de menores, designadamente os Decretos-Leis 314/78, de 27 de Outubro e 189/91, de 17 de Maio.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 202.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolveu o seguinte:
1 - E criado o Projecto de Apoio à Família e à Criança, a funcionar sob a coordenação conjunta dos Ministros da Justiça, da Saúde e do Emprego e da Segurança Social.
2 - O Projecto tem como objectivos prioritários:
a) Detectar as situações de crianças maltratadas;
b) Proceder a um rigoroso diagnóstico das disfunções familiares que motivam os maus tratos à criança, que constará de relatório, a remeter, nos termos da legislação aplicável, às entidades competentes;
c) Desenvolver as acções necessárias de molde a fazer cessar a situação de risco para a criança, actuando junto das famílias por forma a conseguir a sua integração.
3 - A fim de alcançar os objectivos que se propõe, deve o Projecto de Apoio à Família e à Criança propiciar:
a) Apoio psicossocial à família da criança maltratada, ajudando-a a organizar-se e a evoluir de forma a desempenhar, com progressivo sentido de responsabilidade e afectividade, as suas tarefas parentais de modo psicossocialmente satisfatório;
b) Apoio terapêutico à família e à criança;
c) Apoio médico, psicológico e pedagógico à criança;
d) Articulação e integração das intervenções de todos os serviços que a nível local e nacional possam ou devam estar envolvidos na resolução de cada caso.
4 - O Projecto de Apoio à Família e à Criança terá como base de incidência da sua intervenção as crianças vítimas de violência física e ou psíquica que tenham sido submetidas a cuidados médicos nos centros de saúde ou hospitalares, com ou sem internamento.
5 - Em cada hospital central será constituído um núcleo do Projecto de Apoio à Família e à Criança, com a composição a que se refere o n.º 9, presidido por pessoa a eleger de entre os seus membros e secretariado por funcionário a destacar de entre as entidades envolvidas, em regime de rotatividade.
6 - Sempre que o número de crianças e famílias submetidas a acompanhamento o justifique, pode o núcleo do Projecto propor a nomeação de outros elementos que possam colaborar proficuamente na sua acção.
7 - Os serviços sociais dos hospitais centrais e os serviços competentes dos centros de saúde devem contactar o núcleo do Projecto junto do respectivo hospital central sempre que assinalem uma criança maltratada, devendo proceder-se, de imediato, a uma primeira avaliação da situação psicossocial da criança e da família, em colaboração com o Serviço de Apoio Social da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa ou do centro regional de segurança social da área do hospital onde a situação foi detectada.
8 - Os serviços competentes da rede particular de saúde devem contactar o núcleo do Projecto junto do respectivo hospital central, nas condições e para os efeitos do número anterior.
9 - Na avaliação a que se refere o n.º 7 devem intervir pelo menos um médico pediatra, um psicólogo, um enfermeiro, um técnico de serviço social e um jurista, cabendo-lhes, em conjunto, elaborar um relatório, a enviar ao tribunal competente, propondo um plano de apoio e acompanhamento à criança e sua família.
10 - O Projecto de Apoio à Família e à Criança será alargado, numa segunda fase, aos hospitais distritais e aos centros de saúde das respectivas áreas, desenvolvendo-se em colaboração permanente com os serviços competentes do Ministério da Justiça e com as instituições com relevante actividade no domínio do apoio às crianças maltratadas, designadamente centros regionais de segurança social e instituições particulares de solidariedade social.
11 - Nas comarcas em que existam ou venham a ser criadas as comissões de protecção previstas no Decreto-Lei 189/91, de 17 de Maio, o Projecto desenvolverá a sua actuação em conjugação de esforços com tais comissões, abstendo-se de criar núcleos locais sempre que o número diminuto de casos ou outras razões igualmente ponderadas o não justifiquem.
12 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, todos os hospitais e centros de saúde que tenham conhecimento de crianças maltratadas devem comunicar tal facto ao núcleo do Projecto a funcionar junto do hospital central mais próximo.
13 - O Projecto proporcionará igualmente o alojamento das crianças e seu acompanhamento no período que medeia entre a prestação de cuidados hospitalares e o momento em que seja decidido pelas entidades competentes se a criança deve regressar à família ou ser internada em instituição especialmente vocacionada para o efeito.
14 - O Projecto de Apoio à Família e à Criança é coordenado, a nível nacional, por individualidade a designar em despacho conjunto dos Ministros da Justiça, da Saúde e do Emprego e da Segurança Social, ficando sediado em Lisboa.
Presidência do Conselho de Ministros, 23 de Julho de 1992. - O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.