de 7 de junho
Sumário: Classifica como conjunto de interesse nacional os 3 astrolábios provenientes de recolha arqueológica subaquática realizada em São Julião da Barra, as 6 pirogas monóxilas provenientes de recolha arqueológica subaquática realizada no rio Lima, em Viana do Castelo, e os 10 canhões provenientes de recolha arqueológica subaquática, realizada na Ponta do Altar, sendo-lhes atribuída a designação «tesouro nacional».
A arqueologia e o património subaquático vistos, respetivamente, como uma prática científica e um recurso cultural, têm vindo a ser objeto de uma atenção acrescida em todo o mundo, tanto pelo público em geral, como pelas entidades públicas responsáveis neste domínio.
Em Portugal, a gestão pública da arqueologia subaquática iniciou-se nos anos 80 do século xx no quadro do Museu Nacional de Arqueologia, beneficiando, desde essa altura, da experiência pioneira de diversas personalidades e instituições como resposta aos desafios da sua salvaguarda, estudo e valorização.
Só em 1997, com as profundas modificações da arqueologia portuguesa, decorrentes do movimento de preservação das gravuras rupestres de Vale do Côa, viria a ser criado o Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática (CNANS), no âmbito do então Instituto Português de Arqueologia.
Desde então, compete à Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) através do CNANS a gestão da atividade arqueológica subaquática, de processos de achados fortuitos, projetos de investigação, de situações de emergência, assim como as ações de fiscalização técnica e de peritagem e as intervenções no quadro de grandes obras do litoral, sem prejuízo das numerosas iniciativas no âmbito da divulgação científica e cultural, desenvolvidas tanto no plano nacional como internacional.
A arqueologia subaquática vem-se, assim, afirmando progressivamente como atividade científica e recurso patrimonial ímpar, competindo ao CNANS, não só a definição das normas a que deve obedecer o impacto arqueológico de obras públicas ou privadas, em meio subaquático e a fiscalização e acompanhamento técnico da realização dos trabalhos arqueológicos em meio aquático, mas também a promoção da salvaguarda e valorização dos bens arqueológicos náuticos e subaquáticos, móveis e imóveis classificados ou em vias de classificação, bem como os não classificados situados ou não em reservas arqueológicas de proteção.
O presente decreto procede à classificação, como bens de interesse nacional, com a designação «tesouro nacional» dos seguintes bens móveis: os 3 astrolábios provenientes de recolha arqueológica subaquática realizada em São Julião da Barra, as 6 pirogas monóxilas provenientes de recolha arqueológica subaquática realizada no rio Lima, os 10 canhões provenientes de recolha arqueológica subaquática realizada na Ponta do Altar.
De acordo com os critérios e os pressupostos de classificação previstos na Lei 107/2001, de 8 de setembro, que estabelece as bases da política e do regime de proteção e valorização cultural, os bens que o Governo classifica como de interesse nacional revestem-se de excecional interesse nacional, pelo que se torna imperativo que se lhes proporcione especial proteção e valorização, nos termos que a lei prevê.
Nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei 148/2015, de 4 de agosto, os bens ora classificados refletem os critérios constantes do artigo 16.º do mesmo diploma relativos ao seu interesse cultural relevante, nomeadamente arqueológico, científico, histórico e técnico, demonstrando ainda valor de memória, antiguidade, autenticidade e raridade e interesse enquanto testemunhos notáveis de vivências ou factos históricos. Ao que acresce que estes bens, apresentam, também, valor estético, técnico ou material intrínseco à sua importância na perspetiva da investigação histórica e científica e ao que nele se reflete do ponto de vista de memória coletiva.
Assim, no que concerne aos três astrolábios, provenientes de recolha arqueológica subaquática, incorporados nos espólios arqueológicos do CNANS, encontravam-se associados aos destroços de um naufrágio que se supõe ser da Nau Nossa Senhora dos Mártires, ocorrido em São Julião da Barra a 14 ou 15 de setembro de 1606.
Relativamente às seis pirogas monóxilas, ou seja, pequenas embarcações construídas a partir de um único tronco de árvore, neste caso o Carvalho (Quercus robur L.), foram sendo identificadas no rio Lima a partir de 1985.
Trata-se de um conjunto que, no contexto da Península Ibérica, não possui paralelo tendo em conta o número de embarcações envolvidas, constituindo um testemunho notável da navegação que se praticava no rio Lima desde a Idade do Ferro, até à Baixa Idade Média, datações estas obtidas por radiocarbono. Refira-se que a maior parte das pirogas foi encontrada perto de um local onde, curiosamente, persiste até hoje o topónimo Lugar da Passagem. Esta tradição, historicamente comprovada por uma inscrição gravada num bloco de granito com a data de 1742, que ainda hoje se conserva, refere-se ao local onde pessoas e mercadorias eram transportadas e onde, mais tarde, surgira uma ponte de ligação entre as duas margens do Lima.
No que alude aos 10 canhões que surgiram na Ponta do Altar, embocadura do rio Arade, em Portimão, foram recuperados entre os anos de 1992 e 2006. Tendo em conta os estudos efetuados, considera-se que estes canhões deveriam estar associados ao naufrágio de um navio espanhol ou português, ainda não detetado, que terá ocorrido após 1605, data inscrita numa das peças.
Em termos de dimensão e calibre, a maioria das peças filia-se num modelo de colubrina dito de Habsburgo, apresentando uma interessante variedade de elementos, nomeadamente decorativos como insígnias, cartelas, inscrições etc. Refira-se que cinco destes canhões foram fundidos em Lisboa, por Fernando de Vallestros, personagem oriunda de uma família espanhola mas ativa na cidade entre os finais do século xvi e a primeira metade do século xvii.
Face ao exposto, nos termos do artigo 17.º do Decreto-Lei 148/2015, de 4 de agosto, foram obtidos pareceres favoráveis da Secção dos Museus, da Conservação e Restauro e do Património Imaterial do Conselho Nacional de Cultura, bem como foram cumpridos os procedimentos de audiência prévia previstos no artigo 20.º do mencionado diploma, de acordo com o disposto no Código do Procedimento Administrativo, aprovado em anexo ao Decreto-Lei 4/2015, de 7 de janeiro, na sua redação atual.
Assim:
Nos termos do n.º 1 do artigo 28.º da Lei 107/2001, de 8 de setembro, do n.º 1 do artigo 23.º do Decreto-Lei 148/2015, de 4 de agosto, e da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Classificação
1 - O presente decreto classifica, como conjunto de interesse nacional, os seguintes bens, que integram os espólios arqueológicos do CNANS:
a) Os três astrolábios provenientes de recolha arqueológica subaquática realizada em São Julião da Barra, identificados no anexo i ao presente decreto e do qual faz parte integrante;
b) As seis pirogas monóxilas provenientes de recolha arqueológica subaquática realizada no rio Lima, em Viana do Castelo, com os números 1 a 6, identificadas no anexo ii ao presente decreto e do qual faz parte integrante;
c) Os 10 canhões provenientes de recolha arqueológica subaquática, realizada na Ponta do Altar, com os números 1 a 8, 10 e 11, identificados no anexo iii ao presente decreto e do qual faz parte integrante.
2 - É atribuída a designação «tesouro nacional» aos bens classificados.
Artigo 2.º
Entrada em vigor
O presente decreto entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 22 de abril de 2021. - António Luís Santos da Costa - Graça Maria da Fonseca Caetano Gonçalves.
Assinado em 24 de maio de 2021.
Publique-se.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Referendado em 28 de maio de 2021.
O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.
ANEXO I
[a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º]
Descrição dos bens móveis classificados
Astrolábio n.º 1
Designação: Astrolábio I (SJB I);
Cronologia: último quartel do século xvi e primeiro quartel do século xvii;
Função original: equipamento náutico de medição e cálculo;
Material: latão com forte teor de chumbo e estanho;
Dimensões: 167 mm de diâmetro por 1690 g.
Astrolábio n.º 2
Designação: Astrolábio II (SJB II);
Cronologia: século xvii;
Função original: equipamento náutico de medição e cálculo;
Material: latão com forte teor de chumbo e estanho;
Dimensões: 1173-175 mm de diâmetro por 1769 g.
Astrolábio n.º 3
Designação: Astrolábio III (SJB III);
Cronologia: 1605;
Função original: equipamento náutico de medição e cálculo;
Material: latão com forte teor de chumbo e estanho;
Dimensões: 174 mm de diâmetro por 2843 g.
ANEXO II
[a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 1.º]
Descrição dos bens móveis classificados
Piroga n.º 1
Designação: Piroga 1 [N.º Inventário Nacional: 1726. Código Nacional de Sítio (CNS): 22629];
Cronologia, por radiocarbono: 2.ª metade do século x - 1.ª metade do século xi;
Função original: embarcação fluvial;
Material: madeira de carvalho (Quercus robur L.);
Dimensões: cerca de 4,35 m de comprimento, por 0,55 cm de largura e 0,4 m de altura.
Piroga n.º 2
Designação: Piroga 2 [N.º Inventário Nacional: 5235. Código Nacional de Sítio (CNS): 24060];
Cronologia, por radiocarbono: 2.ª metade do século vii-final do século ix;
Função original: embarcação fluvial;
Material: madeira de carvalho (Quercus robur L.);
Dimensões: cerca de 3,83 m de comprimento, por 0,5 m de largura e 0,31 m de altura.
Piroga n.º 3
Designação: Piroga 3 [N.º Inventário Nacional: 5272. Código Nacional de Sítio (CNS): 24132];
Cronologia, por radiocarbono: 2.ª metade do século viii-final do século x;
Função original: embarcação fluvial;
Material: madeira de carvalho (Quercus robur L.);
Dimensões: dado o mau estado de conservação não é possível calcular as suas medidas originais; no entanto, o que subsiste apresenta as seguintes medidas (Memorando F. Alves, Processo CNANS 2008/007, 2008): cerca de 4,7 m de comprimento, por de 0,6 m da largura e 0,35 m de altura.
Piroga n.º 4
Designação: Piroga 4 [N.º Inventário Nacional: 6289. Código Nacional de Sítio (CNS): 24329];
Cronologia, por radiocarbono: cerca da 2.ª metade do século iv a. C.-2.ª metade do século ii a. C.;
Função original: embarcação fluvial;
Material: madeira de carvalho (Quercus robur L.);
Dimensões: cerca de 6,96 m de comprimento, largura máx. 0,9 m e a altura máx. 0,7 m.
Piroga n.º 5
Designação: Piroga 5 [N.º Inventário Nacional: 6350. Código Nacional de Sítio (CNS): 21902];
Cronologia, por radiocarbono: fim do século v a.C.-século iii a.C.;
Função original: embarcação fluvial;
Material: madeira de carvalho (Quercus robur L.);
Dimensões: cerca de 5,98 m de comprimento, por 0,99 m e largura e 0,76 m de altura.
Piroga n.º 6
Designação: Piroga 6 [N.º Inventário Nacional: 9123. Código Nacional de Sítio (CNS): 30623];
Cronologia: indeterminada;
Função original: embarcação fluvial;
Material: madeira;
Dimensões: dado ter sofrido uma secagem abruta por processos naturais que resultaram no encolhimento e deformação da sua estrutura, as suas dimensões atuais não correspondem às originais: cerca de 3,56 m de comprimento, por 0,50 m de largura e 0,28 m de altura.
ANEXO III
[a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 1.º]
Descrição dos bens móveis classificados
Canhão n.º 1
Designação: Colubrina bastarda da Ponta do Altar; n.º de inventário 0011.01;
Cronologia: séculos xvi-xvii;
Função original: armamento de bordo;
Material: bronze;
Dimensões: comprimento total: 2,696 m.
Canhão n.º 2
Designação: Colubrina bastarda da Ponta do Altar; n.º de inventário 0011.01.02;
Cronologia: séculos xvi-xvii;
Função original: armamento de bordo;
Material: bronze;
Dimensões: comprimento total: 2,905 m.
Canhão n.º 3
Designação: Colubrina bastarda da Ponta do Altar; n.º de inventário 0011.01.03;
Cronologia: século xvii;
Função original: armamento de bordo;
Material: bronze;
Dimensões: comprimento total: 2,735 m.
Canhão n.º 4
Designação: Colubrina bastarda da Ponta do Altar; n.º de inventário 0011.01.04;
Cronologia: séculos xvi-xvii;
Função original: armamento de bordo;
Material: bronze;
Dimensões: comprimento total: 2,710 m.
Canhão n.º 5
Designação: Colubrina bastarda da Ponta do Altar; n.º de inventário 0011.01.05;
Cronologia: século xvi;
Função original: armamento de bordo;
Material: bronze;
Dimensões: comprimento total: 2,879 m.
Canhão n.º 6
Designação: Colubrina bastarda da Ponta do Altar; n.º de inventário 0011.01.06;
Cronologia: séculos xvi-xvii;
Função original: armamento de bordo;
Material: bronze;
Dimensões: comprimento total: 2,794 m.
Canhão n.º 7
Designação: Meia espera/quarto de canhão da Ponta do Altar; n.º de inventário 0011.01.07;
Cronologia: séculos xvi-xvii;
Função original: armamento de bordo;
Material: bronze;
Dimensões: comprimento total: 2,433 m.
Canhão n.º 8
Designação: Meia espera/quarto de canhão da Ponta do Altar; n.º de inventário 0011.01.08;
Cronologia: séculos xvi-xvii;
Função original: armamento de bordo;
Material: bronze;
Dimensões: comprimento total: 2,744 m.
Canhão n.º 10
Designação: Colubrina bastarda da Ponta do Altar; n.º de inventário 0011.01.10;
Cronologia: século xvii;
Função original: armamento de bordo;
Material: bronze;
Dimensões: comprimento total: 2,625 m.
Canhão n.º 11
Designação: Colubrina bastarda da Ponta do Altar; n.º de inventário 0011.01.11;
Cronologia: séculos xvi-xvii;
Função original: armamento de bordo;
Material: bronze;
Dimensões: comprimento total: 2,708 m.
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