Decreto Legislativo Regional 28/2020/A
Sumário: Interdita o uso no espaço público de herbicidas cuja substância ativa seja o glifosato.
Interdita o uso no espaço público de herbicidas cuja substância ativa seja o glifosato
Os efeitos da exposição ao glifosato continuam a ser estudados e a levantar muitas questões quanto às consequências para a saúde pública.
A Agência Internacional para a Investigação sobre o Cancro (AIIC) da Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou, em março de 2015, o glifosato como «carcinogénico provável para o ser humano».
O glifosato é o herbicida mais utilizado no País e também no planeta. A investigação da AIIC identificou a relação entre a exposição ao herbicida e o linfoma não Hodgkin (LHN), mais uma vez confirmada por um novo estudo da Icahn School of Medicine em Mount Sinai, Nova Iorque. Segundo o documento publicado na Science Direct há um risco acrescido em 41 % para os trabalhadores que estão em contacto com o produto químico.
O glifosato, comercializado em Portugal por empresas como a Monsanto, Dow, Bayer e Syngenta, entre outras, também é vendido livremente para uso doméstico em hipermercados. Segundo a Quercus, muito embora não se possam atribuir todos os casos deste cancro a uma única substância, é relevante que Portugal apresente uma taxa de mortalidade claramente superior à média da União Europeia, sendo o sétimo país europeu onde mais se morre de LNH.
Além disso, a nível nacional o LNH é o 9.º cancro mais frequente (1700 novos casos por ano), de 24 avaliados, tendo já a Ordem dos Médicos considerado inaceitável a não proibição do glifosato.
A oposição, cada vez maior, ao glifosato é internacional, o que se pode comprovar por uma petição, promovida pelo movimento Avaaz, que reuniu 1,4 milhões de assinaturas e que apelava à União Europeia para que não fosse renovada a licença deste composto químico.
Em 2016, um conjunto de organizações não governamentais (ONG) (9 internacionais e 59 nacionais de vários países) associadas na «EDC Free Europe» lançaram uma campanha contra a renovação da licença do glifosato.
Em outubro de 2014, várias organizações não governamentais ambientais internacionais (ClientEarth, the European Environment Bureau, PAN-Europe e a Earth Open Source) escreveram um artigo na revista científica Environmental Research em que consideravam que o quadro regulamentar para a avaliação do uso de químicos falha devido à falta de sensibilidade dos testes. Em concreto, consideravam que as normas aceites pelo REACH (Registration, Evaluation, Authorisation and Restriction of Chemicals) para a avaliação de risco são baseadas nos estudos da indústria e ignoram o trabalho feito por investigadores independentes.
É, por isso, imperiosa a manutenção de espaços públicos livres de glifosato com o recurso a meios mecânicos, biológicos, biotécnicos ou culturais, no controlo de ervas espontâneas.
Várias localidades abandonaram já o uso de glifosato, provando que é possível o combate às ervas espontâneas de outras formas. No entanto, ainda são muitas as que, nesta Região, optam pela sua utilização o que gera preocupação e críticas da população, que tem conhecimento dos possíveis efeitos nefastos do composto químico.
Considerando que o Governo Regional dos Açores deve promover e proteger a saúde pública e pugnar pelas boas práticas ambientais e pela proteção dos ecossistemas.
Assim, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição da República Portuguesa e do n.º 1 do artigo 37.º do Estatuto Político-Administrativo, o seguinte:
Artigo 1.º
Objeto
É proibida a aplicação, na Região Autónoma dos Açores, de quaisquer produtos fitofarmacêuticos contendo glifosato, sob qualquer forma, nos espaços públicos.
Artigo 2.º
Âmbito de aplicação
O presente diploma aplica-se a todos os espaços públicos: zonas urbanas, zonas de lazer e vias de comunicação da Região Autónoma dos Açores.
Artigo 3.º
Definições
Para efeitos do disposto no presente diploma, entende-se por:
a) «Glifosato» - herbicida sistémico de amplo espectro e dessecante de culturas. É um composto organofosforado, especificamente um fosfonato;
b) «Vias de comunicação» - estradas, ruas, caminhos públicos, incluindo bermas e passeios;
c) «Zonas de lazer» - zonas destinadas à utilização pela população em geral, incluindo grupos de pessoas vulneráveis, em diversas vertentes, nomeadamente parques e jardins públicos, jardins infantis, parques de campismo, parques e recreios escolares e zonas destinadas à prática de atividades desportivas e recreativas ao ar livre;
d) «Zonas urbanas» - zonas de aglomerados populacionais, incluindo quaisquer locais junto a estabelecimentos de ensino ou de prestação de cuidados de saúde, ainda que contíguas a zonas destinadas a utilização agrícola.
Artigo 4.º
Norma transitória
No prazo de um ano a contar da data da entrada em vigor do presente decreto legislativo regional, todo o processo de controlo de ervas espontâneas, em espaços públicos, deve ser feito com recurso a métodos alternativos.
Artigo 5.º
Fiscalização e contraordenações
1 - Sem prejuízo das competências atribuídas por lei às autoridades policiais e a outras entidades fiscalizadoras, a fiscalização do cumprimento do disposto no presente diploma compete à Inspeção Regional do Ambiente (IRA), à Guarda Florestal (GF) e aos Vigilantes da Natureza (VN).
2 - Quando qualquer autoridade ou agente de autoridade referido no número anterior, no exercício das suas funções de fiscalização, presenciar a violação ao disposto no presente diploma, levanta ou manda levantar o correspondente auto de notícia e encaminha-o para a IRA, a quem compete a instrução do processo de contraordenação e aplicação da respetiva coima.
3 - Constitui contraordenação punível com coima de (euro) 2 500,00 (dois mil e quinhentos euros) a (euro) 25 000,00 (vinte e cinco mil euros) a utilização de produtos fitofarmacêuticos contendo glifosato nos espaços públicos, conforme disposto nos artigos 1.º a 4.º do presente diploma.
Artigo 6.º
Regulamentação
O Governo Regional regulamenta o presente decreto legislativo regional no prazo de 60 dias.
Artigo 7.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor a 1 de janeiro de 2021.
Aprovado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, na Horta, em 10 de setembro de 2020.
A Presidente da Assembleia Legislativa, Ana Luísa Luís.
Assinado em Angra do Heroísmo em 8 de outubro de 2020.
Publique-se.
O Representante da República para a Região Autónoma dos Açores, Pedro Manuel dos Reis Alves Catarino.
113626114