Acórdão 75/85
Processo 8584
Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional:
1 - Ao abrigo do disposto no artigo 281.º da Constituição e no artigo 51.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, o Presidente da Assembleia da República requereu ao Tribunal Constitucional que declarasse com força obrigatória geral a inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 111.º do Estatuto do Pessoal Civil dos Serviços Departamentais das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei 380/82, de 15 de Setembro.
Em abono da sua pretensão, alega o Presidente da Assembleia da República:
a) O artigo 111.º do referido Estatuto impõe que as formas de participação do pessoal civil dos serviços departamentais na vida dos organismos em que presta serviço sejam regulamentadas por despacho do respectivo chefe de estado-maior e, mesmo assim, só quando sejam admitidas;
b) Além disso, ainda quando tal participação haja de ter lugar, só pode abranger domínios de natureza sócio-profissional, com exclusão de assuntos de natureza política ou que ponham em causa a hierarquia das Forças Armadas ou de qualquer órgão de soberania, e mantendo-se sempre a decisão das chefias;
c) Ora isto viola claramente os n.os 1, 2, 3 e 4 do artigo 56.º da Constituição, por envolver restrições à liberdade sindical e a todos os direitos resultantes dessa liberdade, contidos, designadamente, nas alíneas a), b), c), d) e e) do n.º 2 do citado artigo, violando-se ainda o artigo 57.º, n.os 1, 2 e 3, da mesma Constituição, em virtude de as restrições contidas no artigo 111.º do Estatuto colidirem também com os direitos das associações sindicais;
d) Em conclusão, o artigo 111.º do mencionado Estatuto é materialmente inconstitucional, por violar o disposto nos n.os 1, 2, 3 e 4 do artigo 56.º e nos n.os 1, 2 e 3 do artigo 57.º da Constituição.
Admitido o pedido, não houve que dar cumprimento ao preceituado no artigo 54.º da Lei 28/82, por o Decreto-Lei 380/82 ter sido editado pelo Conselho da Revolução e este órgão já ter sido extinto.
2 - O questionado artigo 111.º do Estatuto do Pessoal Civil dos Serviços Departamentais das Forças Armadas estabelece o seguinte:
1 - As formas de participação do pessoal civil dos serviços departamentais na vida dos organismos em que presta serviço são, quando admitidas, objecto de regulamentação através de despacho do respectivo chefe de estado-maior.
2 - Essa participação, quando haja de ter lugar, abrangerá unicamente domínios de natureza sócio-profissional do pessoal do respectivo departamento e será sempre feita:
a) Sem ofensa do direito de decisão (administrativa, técnica e funcional), que pertencerá sempre aos chefes hierarquicamente responsáveis e sem exclusão da apresentação e defesa dos interesses individuais, que serão feitas, directamente, pelos próprios, perante os respectivos chefes;
b) Com exclusão de assuntos de natureza política ou que ponham em causa a hierarquia das Forças Armadas ou de qualquer órgão de soberania.
O artigo 56.º da Constituição, por seu lado, reconhece aos trabalhadores a liberdade sindical, garantindo a todos eles, sem qualquer discriminação, designadamente, a liberdade de constituição de associações sindicais, a liberdade de inscrição, a liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais, o direito de exercício de actividade sindical na empresa e o direito de tendência [n.os 1 e 2, alíneas a), b), c), d) e e)]. E, para além disso, consagra os princípios da organização e da gestão democráticas das associações sindicais, excluindo expressamente a possibilidade de a eleição dos respectivos órgãos dirigentes ser sujeita a qualquer autorização ou homologação (n.º 3), bem como o princípio da independência das mesmas associações, designadamente perante o Estado (n.º 4).
Finalmente, o artigo 57.º da lei fundamental determina que compete às associações sindicais «defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem» (n.º 1), bem como «exercer o direito de contratação colectiva, o qual é garantido nos termos da lei» (n.º 3), especificando, ainda, no seu n.º 2, que constituem direitos das mesmas associações participar «na elaboração da legislação do trabalho» [alínea a)], «na gestão das instituições de segurança social e outras organizações que visem satisfazer os interesses dos trabalhadores» [alínea b)] e «no controle de execução dos planos económico-sociais» [alínea c)].
Vejamos, então, se as normas constantes do transcrito artigo 111.º do Estatuto se encontram em contradição com as disposições constitucionais acima citadas, conforme sustenta a entidade requerente.
3 - Antes de mais, cumpre determinar qual o objecto do preceito impugnado, isto é, quais as situações a que se dirige e que visa regular.
Ora a resposta a esta questão parece encontrar-se, de forma textual, logo no n.º 1 do citado artigo: o que nele se pretende regular são as formas de participação do pessoal civil na vida dos organismos em que presta serviço. Excluem-se, pois, do seu âmbito de aplicação quaisquer formas de organização daqueles trabalhadores que não tenham por objecto assegurar a respectiva participação na organização e gestão interna dos serviços departamentais das Forças Armadas.
Nesta conformidade, e não estando as associações sindicais naturalmente vocacionadas para assegurar a intervenção dos trabalhadores na vida das empresas ou organismos onde prestem serviço nem sendo constitucionalmente reconhecida ou cometida aos sindicatos essa função, forçosamente se há-de entender que, pelo menos na sua generalidade, o âmbito de aplicação do artigo 111.º do Estatuto, por um lado, e dos artigos 56.º e 57.º da CRP, por outro, é necessariamente distinto.
E, na verdade, não se vislumbra, desde logo, como é que as normas impugnadas, ao regularem e condicionarem a participação do pessoal civil dos serviços departamentais das Forças Armadas na vida dos respectivos organismos, podem afectar quer a liberdade constitucionalmente garantida àqueles trabalhadores de constituírem sindicatos, de neles se inscreverem e de democraticamente participarem na respectiva organização e gestão, quer os princípios constitucionalmente consagrados da auto-organização democrática e da independência desses mesmos sindicatos.
De igual forma não se consegue enxergar qual a conexão que possa existir entre as normas impugnadas e os direitos das associações sindicais ou o direito de contratação colectiva, constitucionalmente garantido nos termos da lei.
Quanto aos direitos das associações sindicais, a inexistência de conexão resulta imediatamente do facto de os serviços departamentais não terem competência para elaborar legislação do trabalho nem serem instituições de segurança social, encontrando-se, outrossim, regulada em legislação própria a participação das associações sindicais no controle de execução dos planos económico-sociais.
No que se refere ao direito de contratação colectiva, cabe assinalar que, qualquer que seja o entendimento que se tenha relativamente ao exacto alcance da protecção constitucional daquele direito, uma coisa é certa: a contratação colectiva não é um fenómeno atinente à participação na vida interna de uma empresa ou de um organismo público, pelo que se não pode encontrar relacionada com o preceituado no artigo 111.º do Estatuto, ora em apreciação.
Assim sendo, pode concluir-se com segurança que não ocorre qualquer violação do disposto no n.º 1, nas alíneas a), b), c) e e) do n.º 2 e nos n.os 3 e 4 do artigo 56.º, bem como nos n.os 2 e 3 do artigo 57.º, da Constituição.
4 - Conclusão diversa só poderia assentar no entendimento de que, ao regular as formas de participação do pessoal na vida dos organismos em que presta serviço, o estatuto havia pretendido excluir, simultaneamente, qualquer outra forma de organização própria dos trabalhadores dos serviços departamentais das Forças Armadas, proibindo, designadamente, a respectiva filiação sindical ou a defesa colectiva dos respectivos direitos e interesses pelas associações sindicais.
Nada, porém, no texto do referido artigo 111.º do Estatuto vem permitir que se possa sufragar um tal entendimento. E se, porventura, tivesse sido essa a intenção do legislador, a verdade é que ela não encontra expressão minimamente convincente no teor literal do preceito em apreço.
Quando muito, o artigo em causa poderá pressupor a inexistência, nos serviços departamentais, de comissões de trabalhadores constituídas nos termos previstos no artigo 54.º da Constituição e com os direitos referidos no artigo 55.º do mesmo diploma fundamental. E isto exactamente porque, nos termos constitucionais, as comissões de trabalhadores, elas sim, visam a «intervenção democrática» dos trabalhadores «na vida da empresa», competindo-lhes, designadamente, aí «exercer o controle de gestão».
Só que se tem entendido - e, segundo parece, bem - que, não sendo os serviços públicos «empresas», não se encontra constitucionalmente garantido aos respectivos trabalhadores o direito conferido pelo n.º 1 do artigo 54.º da lei fundamental.
5 - Poder-se-ia pensar, igualmente, que as normas em apreço, ao condicionarem as formas de participação dos trabalhadores na vida dos respectivos organismos, se encontravam em contradição com o disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 56.º da Constituição, o qual garante o direito de exercício de actividade sindical na empresa.
Na verdade, o exercício de tal direito pressupõe, designadamente, a existência de reuniões de trabalhadores e de formas de organização próprias destes, bem como a livre difusão da informação sindical (cf. os artigos 25.º a 36.º do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril), o que vai necessariamente interferir com a vida da empresa ou dos serviços onde tais actividades sejam exercidas.
Todavia, ainda aqui a eventual contradição é apenas aparente.
Efectivamente, o artigo 111.º do Estatuto não condiciona, de forma alguma, o exercício da actividade sindical no local de trabalho, na medida em que, como vimos atrás, a participação na vida interna das empresas - ou, como no caso vertente, dos serviços públicos - não constitui objectivo da actividade sindical, e só as formas de organização dos trabalhadores que visem essa participação são contempladas naquele preceito.
É bem verdade que, como referimos, o exercício da actividade sindical pode interferir com a vida dos organismos em causa. Mas tal interferência é coisa bem diferente de a participação na vida daqueles organismos constituir objectivo do exercício da actividade sindical no local de trabalho.
Nestes termos, e porque o artigo 111.º do Estatuto não veda nem restringe o exercício da actividade sindical aos trabalhadores dos serviços departamentais das Forças Armadas nos respectivos locais de trabalho, também se não acha violado o disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 56.º da Constituição.
E isto independentemente da questão de saber se o exercício da actividade sindical no local de trabalho, quando este é um serviço público, pode sofrer limitações ou restrições não admissíveis quando tal local de trabalho é uma empresa.
6 - De tudo o que vem sendo dito deveria resultar igualmente que as normas constantes do preceito impugnado em nada contradiriam o disposto no n.º 1 artigo 57.º, da CRP, segundo o qual «compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem».
Com efeito, as associações sindicais, no exercício da competência que lhes é constitucionalmente reconhecida, actuam numa perspectiva da defesa dos interesses dos trabalhadores bem diversa daquela em que podem actuar as estruturas de participação desses mesmos trabalhadores na vida das empresas ou dos organismos em que prestem serviço.
Aparentemente, pois, também não se verificaria qualquer violação do citado preceito constitucional.
Só que não nos devemos fiar nas aparências. E, se bem analisarmos o estabelecido na alínea a) do n.º 2 do questionado artigo 111.º do Estatuto, somos levados a concluir que, aí, se ultrapassa a mera regulamentação das formas de participação dos trabalhadores na vida dos respectivos organismos, para se passar a tratar de questão bem diferente.
Vejamos, então.
Na mencionada alínea a) do n.º 2 do artigo em apreço estabelece-se, em primeiro lugar, que a participação do pessoal na vida dos organismos será sempre feita sem ofensa do direito de decisão das respectivas chefias e sem exclusão da apresentação e defesa dos direitos individuais.
Mas, seguidamente, na parte final da mesma alínea, acrescenta-se que essa apresentação e defesa dos interesses individuais serão feitas, directamente, pelos próprios, perante os respectivos chefes.
Ora, nesta última parte, já se não está, obviamente, a regular as formas de participação do pessoal civil na vida dos respectivos organismos, mas a forma que obrigatoriamente deve revestir a apresentação e defesa dos interesses individuais de cada trabalhador.
E, mais concretamente, ao determinar-se que a apresentação e defesa de tais interesses terá de ser feita directamente pelos próprios, exclui-se necessariamente a defesa colectiva de interesses individuais, designadamente através da intervenção das associações sindicais.
Todavia, quando a Constituição, no n.º 1 do seu artigo 57.º, reconhece a estas associações competência para defenderem os direitos e interesses dos trabalhadores que representem, não restringe tal competência à defesa dos interesses colectivos desses trabalhadores: antes supõe que ela se exerça igualmente para defesa dos seus interesses individuais.
Existe, assim, contradição entre a norma constante da parte final da alínea a) do n.º 2 do artigo 111.º do Estatuto e o preceituado no n.º 1 do artigo 57.º da Constituição.
7 - Aliás, a norma em referência ofende ainda o disposto no n.º 1 do artigo 52.º da lei fundamental.
Segundo este, «todos os cidadãos têm o direito de apresentar, individual ou colectivamente, aos órgãos de soberania ou a quaisquer autoridades petições, representações, reclamações ou queixas para defesa dos seus direitos, da Constituição, das leis ou do interesse geral».
Ao consagrar o direito de petição, o legislador constituinte teve, pois, o cuidado de expressamente prever que ele pudesse ser exercido quer individual, quer colectivamente. Não pode, assim, sob pena de inconstitucionalidade, vir o legislador ordinário estabelecer que determinados cidadãos, mesmo que apenas relativamente a certas matérias, só possam exercer o direito de petição individualmente, privando-os da possibilidade de subscreverem petições colectivas, ainda que tão-só para defesa de direitos ou interesses individuais.
Mas, para além disso, o n.º 1 do artigo 52.º da Constituição estabelece, também expressamente, que as petições podem ser apresentadas «aos órgãos de soberania ou a quaisquer autoridades», pelo que ao legislador ordinário também não é lícito restringir ou limitar o leque de entidades a quem tais petições podem ser dirigidas, exigindo, designadamente, o respeito pela via hierárquica.
Ora, na parte final da mencionada alínea a) do n.º 2 do artigo em apreço não só se exclui a apresentação e defesa colectiva de interesses individuais, com restrição ilegítima do direito de petição colectiva, como se exige que as petições individuais sejam apresentadas «directamente [...] perante os respectivos chefes».
8 - Restaria saber, finalmente, se as restrições apontadas referentes ao exercício de direitos consignados nos artigos 57.º, n.º 1, e 52.º, n.º 1, da lei fundamental se não encontrariam justificadas pelo facto de respeitarem a funcionários públicos que prestam serviço em organismos integrados na estrutura das Forças Armadas.
Mas a resposta a esta questão parece ter de ser necessariamente negativa.
Com efeito, não nos podemos esquecer de que os direitos em causa se encontram ambos enunciados no título II da Constituição, pelo que beneficiam indubitavelmente do regime aplicável aos denominados «direitos, liberdades e garantias».
E quanto a estes preceitua-se no n.º 2 do artigo 18.º da lei fundamental que a lei só os pode restringir «nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos».
Ora no caso vertente não se descortina onde possa existir credencial constitucional bastante para legitimar tais restrições.
É bem verdade que o artigo 270.º da Constituição prevê que a lei possa «estabelecer restrições ao exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação e petição colectiva e à capacidade eleitoral passiva dos militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo, na estrita medida das exigências das suas funções próprias» (itálico nosso).
Tais restrições, como é óbvio, destinam-se a garantir a disciplina das Forças Amadas, interesse de indiscutível relevância constitucional e cuja importância num verdadeiro Estado de direito democrático se não ignora.
Só que o legislador constituinte entendeu que a salvaguarda desse interesse, no que se reporta ao exercício dos direitos de associação (incluindo o de associação sindical) e de petição colectiva, apenas justificava o estabelecimento de restrições relativamente aos militares e agentes militarizados.
Ora o pessoal civil dos serviços departamentais das Forças Armadas nem é militar nem, na sua generalidade, se encontra militarizado.
Consequentemente, a norma constante da parte final da alínea a) do n.º 2 do artigo 111.º do Estatuto do Pessoal Civil dos Serviços Departamentais das Forças Armadas, que estabelece que a apresentação e defesa dos interesses individuais serão feitas, directamente, pelos próprios, perante os respectivos chefes, viola o disposto no n.º 1 do artigo 57.º e no n.º 1 do artigo 52.º da Constituição.
9 - Uma última questão terá ainda de ser resolvida, muito embora não tenha sido suscitada pelo Presidente da Assembleia da República: a da eventual inconstitucionalidade orgânica das normas impugnadas, ou seja, de todo o artigo 111.º do Estatuto, por falta de competência do Conselho da Revolução para as editar.
O problema, aliás, carece de novidade, já que, para além de ter sido tratado nos pareceres n.º 8/79 e 17/81 da Comissão Constitucional, foi objecto de apreciação por este Tribunal no seu Acórdão 31/84 (publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 91, de 17 de Abril de 1984).
Os argumentos que podem ser aduzidos em abono ou em desabono da competência do Conselho da Revolução para legislar sobre o estatuto jurídico do pessoal civil dos serviços e organismos integrados na estrutura organizatória das Forças Armadas, na vigência da versão originária da Constituição, encontram-se exaustivamente sumariados no referido acórdão.
E aí acabou por se concluir que a alínea a) do n.º 1 do artigo 148.º da Constituição, na sua versão originária, ao atribuir competência ao Conselho da Revolução para legislar sobre «a organização, o funcionamento e a disciplina das Forças Armadas», havia adoptado «um conceito delimitador da organização militar no qual avulta o estatuto funcional e objectivo, e não a caracterização técnica e subjectiva», pelo que era lícito àquele órgão de soberania regular o estatuto jurídico dos funcionários civis «que participam na organização militar e no desempenho de funções inerentes e indispensáveis ao funcionamento da própria organização».
Com base nestas considerações, e reiterando os fundamentos então desenvolvidamente enunciados, o Tribunal mantém o entendimento adoptado no citado acórdão, pelo que não julga que as normas constantes do artigo em apreço sejam organicamente inconstitucionais, por violação do preceituado, designadamente, na primitiva alínea m) do artigo 167.º da lei fundamental, que reservava à Assembleia da República a competência para legislar sobre o «regime e âmbito da função pública».
10 - Nestes termos, decidem:
a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante da parte final da alínea a) do n.º 2 do artigo 111.º do Estatuto do Pessoal Civil dos Serviços Departamentais das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei 380/82, de 15 de Setembro, que estabelece que a apresentação e defesa dos interesses individuais «serão feitas, directamente, pelos próprios, perante os respectivos chefes», por violação do disposto no n.º 1 do artigo 57.º e no n.º 1 do artigo 52.º da Constituição;
b) Não declarar a inconstitucionalidade das restantes normas do mesmo artigo.
Lisboa, 6 de Maio de 1985. - Luís Nunes de Almeida [relator, vencido na parte em que não se declarou a inconstitucionalidade das restantes normas do artigo 111.º do Estatuto, pois entendo que as normas se encontram feridas de inconstitucionalidade orgânica, por violação do preceituado na alínea m) do artigo 167.º da Constituição, na sua versão originária, conforme declaração de voto junta ao Acórdão 31/84 deste Tribunal] - José Martins da Fonseca (vencido nos mesmos termos do Exmo. Conselheiro Nunes de Almeida) - Vital Moreira (entendendo, porém, que se verifica também inconstitucionalidade orgânica, pelas razões constantes da declaração de voto do relator) António Luís Correia da Costa Mesquita - Antero Alves Monteiro Dinis - Mário Augusto Fernandes Afonso - Mário de Brito (vencido em parte, conforme declaração de voto junta) - José Magalhães Godinho (vencido na parte em que se declara não se verificar inconstitucionalidade orgânica do artigo 111.º do Estatuto. Com efeito, e como expressei no voto de vencido no Acórdão 31/84, de 27 de Março, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 91, de 17 de Abril seguinte, entendo que o Conselho da Revolução carecia de competência para legislar sobre a matéria em causa, pelas razões aduzidas nesse citado voto de vencido e que aqui dou como integralmente reproduzidas) - Raul Mateus (vencido quanto à declaração de inconstitucionalidade, de acordo com a declaração de voto junta) - José Manuel Cardoso da Costa [vencido quanto à alínea a) da conclusão, nos termos da declaração de voto conjunta anexa] - Messias Bento (vencido quanto à declaração de inconstitucionalidade, nos termos da declaração de voto conjunta que se anexa) - Jorge Campinos (vencido quanto à declaração de inconstitucionalidade, de acordo com a declaração de voto anexa) - Armando Manuel Marques Guedes (vencido quanto às duas conclusões pelas razões constantes das declarações de voto dos Srs. Conselheiros Raul Mateus e Luís Nunes de Almeida, respectivamente).
Declaração de voto. - Votei vencido quanto à questão da inconstitucionalidade orgânica - em conformidade com a posição que tomei no Acórdão 31/84, de 27 de Março de 1984 (proferido no processo 88/83 e publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 91, de 17 de Abril de 1984) - por a disposição em causa, respeitante ao Estatuto do Pessoal Civil dos Serviços Departamentais das Forças Armadas, não caber na «organização, funcionamento e disciplina das Forças Armadas», única matéria em que competia ao Conselho da Revolução fazer leis e regulamentos, nos termos do artigo 148.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, na sua versão originária. - Mário de Brito.
Declaração de voto. - O segmento de norma constante da parte final da alínea a) do n.º 2 do artigo 111.º do Estatuto do Pessoal Civil dos Serviços Departamentais das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei 380/82, de 15 de Setembro, embora comporte hermenêutica que lhe foi dada no acórdão, também admite, em plano de razoabilidade, uma interpretação que não exclui o direito de petição colectiva, nem o direito de defesa através dos sindicatos, direitos estes reconhecidos, respectivamente, nos artigos 52.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Constituição.
Consequentemente, e de acordo com o princípio da conservação das normas, votei contra a declaração de inconstitucionalidade por, no caso, ser possível uma interpretação da norma questionada em conformidade com a lei fundamental. - Raul Mateus.
Declaração de voto. - O artigo 111.º do Decreto-Lei 380/82, de 15 de Setembro (Estatuto do Pessoal Civil dos Serviços Departamentais das Forças Armadas), veio regular - como, de resto, o acórdão, reconhece as formas de participação dos trabalhadores civis na vida dos respectivos departamentos.
Por esta razão, seja qual for o conteúdo do direito consagrado no n.º 1 do artigo 57.º da Constituição, tendo por objecto a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores por parte dos sindicatos que os representam, não pode a norma que se contém na alínea a) do n.º 1 daquele artigo 111.º violar o chamado direito ao sindicato em qualquer dos suas possíveis dimensões. E, por esse mesmo motivo, não pode também essa norma infringir o direito de petição, que o artigo 52.º, n.º 1, da lei fundamental reconhece aos cidadãos enquanto tais, que não especificamente enquanto trabalhadores.
O direito ao sindicato e o direito de petição permanecem, assim, intocados pela mencionada alínea a) do referido artigo 111.º E, por isso, haverão eles de valer quanto ao pessoal civil dos serviços departamentais das Forças Armadas, na exacta medida em que os textos constitucionais, que os consagram, se apliquem a esse pessoal. - José Manuel Cardoso da Costa. - Messias Bento.
Declaração de voto. - Vencido, na medida em que não aderimos à interpretação que no acórdão é dada ao artigo 111.º do Estatuto do Pessoal Civil dos Serviços Departamentais das Forças Armadas. Se a ratio legis deste preceito fosse aquela que o acórdão adopta, não hesitaríamos em aderir à sua conclusão, isto é, a votar pela inconstitucionalidade material daquele preceito. Isto porque, depois da revisão de 1982, a integração do voto 270.º de Constituição da República, no seu título VIII, relativo à «Administração Pública», faz com que só seja constitucionalmente legítimo o estabelecimento de «restrições ao exercício de determinados direitos dos militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo», e já não aos direitos do pessoal civil das Forças Armadas. Simplesmente, na passada do parecer 17/81 da Comissão Constitucional (cf. Pareceres da Comissão Constitucional, Imprensa Nacional, vol. 16.º, 1983, pp. 3 e segs.), consideramos que o referido artigo 111.º nada tem a ver com a liberdade sindical, sob qualquer forma individual ou colectiva; consagra, sim, uma forma atípica de participação daqueles trabalhadores nos respectivos serviços departamentais. Em nossa opinião, esta interpretação flui directamente da letra do preceito questionado, sobretudo quando comparado com os artigos 110.º a 112.º do Estatuto do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas. Mas, mesmo que assim não fosse, a essa conclusão se poderia e deveria chegar por via de uma interpretação em conformidade com a Constituição, não tanto para «salvar» um determinado preceito legislativo, mas sim para proclamar que ao direito sindical do pessoal civil das Forças Armadas, constitucionalmente consagrado, se aplica, a fortiori, imediata e directamente, o regime estabelecido no artigo 18.º da lei fundamental. - Jorge Campinos.