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Acórdão 187/87, de 17 de Junho

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Sumário

Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade orgânica do n.º 2, alínea c), do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 187/83, de 13 de Maio, por violação da alínea c) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição da República Portuguesa.

Texto do documento

Acórdão 187/87
Processo 29/87
Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional (T. Const.):
I - O procurador-geral-adjunto em exercício neste Tribunal veio requerer, nos termos do artigo 82.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, conjugado com o artigo 281.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que se aprecie e declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do artigo 9.º, n.º 2, alínea c), do Decreto-Lei 187/83, de 13 de Maio, com o fundamento de que a mesma já foi julgada inconstitucional organicamente nos Acórdãos n.os 254/86, 356/86 e 357/86, publicado, o primeiro, no Diário da República, 2.ª série, n.º 273, de 26 de Novembro de 1986, e os dois restantes proferidos nos processos n.os 101/86 e 94/86 e publicados no Diário da República, 2.ª série, n.º 85, de 11 de Abril de 1987.

Juntou cópias dos citados acórdãos.
Nos termos e para o efeito do artigo 54.º da citada Lei 28/82, foi notificado para responder, querendo, o Primeiro-Ministro, o qual se limitou a oferecer o merecimento dos autos.

II - A norma da alínea c) do n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei 187/83 dispõe:

2 - Na mesma pena incorre:
...
c) Quem puser em circulação mercadoria que, não sendo livre, se efectue sem o processamento das competentes guias ou outros documentos requeridos ou sem a aplicação de selos, marcas ou outros sinais legalmente previstos.

A pena é a do n.º 1 do artigo, isto é, prisão de 3 meses a 2 anos e multa de 50 a 200 dias.

III - Os acórdãos citados no pedido decidiram como segue:
1 - Acórdão 254/86:
Nestes termos, julgam-se inconstitucionais, por violação do artigo 168.º, n.º 1, alínea c), da Constituição, as normas do artigo 9.º, n.os 1 (tão-só na parte em que fixa a sanção do crime de contrabando) e 2, alínea c), do Decreto-Lei 187/83, de 13 de Maio.

2 - Acórdão 356/86:
[...] julga-se inconstitucional o artigo 35.º do Decreto-Lei 187/83, conjugado com o artigo 9.º, n.º 2, alínea c), do mesmo diploma [...]

3 - Acórdão 357/86:
[...] julgam-se inconstitucionais as normas dos artigos 9.º, n.º 2, alínea c), e 35.º, ambos do Decreto-Lei 187/83 [...]

IV - De acordo com o n.º 2 do artigo 281.º da CRP, o T. Const. aprecia e declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer norma desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos.

E, segundo o artigo 82.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, essa apreciação e declaração pode ser promovida por iniciativa de qualquer dos juízes do Tribunal ou pelo Ministério Público.

No caso presente, a iniciativa dessa promoção partiu do Ministério Público, estando assim preenchido um dos dois requisitos impostos para que o Tribunal possa apreciar e declarar a inconstitucionalidade.

O segundo requisito - isto é, que as normas em causa tenham já sido julgadas inconstitucionais em três casos concretos - não pode oferecer dúvidas de que igualmente se acha satisfeito.

Na verdade, nos três acórdãos, proferidos em três processos de fiscalização concreta, juntos ao processo pelo Ministério Público em exercício neste Tribunal para instruir o pedido, e como se vê da transcrição feita das respectivas decisões, foi julgada inconstitucional a norma do artigo 9.º, n.º 2, alínea c), do Decreto-Lei 187/83, de 15 de Maio.

E não obsta a este seguro entendimento o facto de em dois desses arestos se fazer também referência ao artigo 35.º do citado decreto-lei, porque em todos eles há expressa citação de inconstitucionalidade da norma da alínea c) do n.º 2 do artigo 9.º do diploma.

E até, em todas as decisões, a razão delas é a mesma, pois é o mesmo o vício de inconstitucionalidade, ou seja a violação do artigo 168.º, n.º 1, alínea c), que confere exclusiva competência à Assembleia da República (AR) para legislar, salvo autorização do Governo, sobre «definição de crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal».

Ora a norma daquela alínea c) do n.º 2 do artigo 9.º contém, inquestionavelmente, matéria reservada à competência exclusiva da AR pela alínea c) do n.º 1 do artigo 168.º da CRP, como em qualquer dos três acórdãos juntos se demonstra e acentua, sendo o que mais desenvolvidamente faz essa demonstração o Acórdão 254/86, junto a f1. 2, e que nesse ponto aqui se dá como reproduzido para todos es efeitos.

A AR, pela Lei 2/83 - Lei do Orçamento do Estado para 1983 (provisório) -, aprovada em 3 de Fevereiro e publicada em 18 do mesmo mês, autorizou o Governo, no seu artigo 19.º, a «alterar o Contencioso Aduaneiro, aprovado pelo Decreto-Lei 31664, de 22 de Novembro de 1941, nomeadamente no sentido do pagamento transaccionado» [alínea d)], e ainda sobre a definição do ilícito aduaneiro, incluindo o estabelecimento de penas e coimas, e sobre o respectivo processo, com a consequente reestruturação dos respectivos tribunais (organização e competência) [alínea e)].

É certo que foi invocando essa autorização que o Governo emitiu o Decreto-Lei 187/83, pois declara que o faz «em cumprimento do determinado no artigo 201.º, n.os 1, alínea b), e 2, da Constituição».

Mas a verdade é que, como igualmente mostram os três acórdãos juntos aos autos, a AR tinha sido dissolvida pelo Decreto do Presidente da República n.º 2/83, de 4 de Fevereiro. Sendo assim, tal dissolução ocorreu em data anterior não só à da publicação do Decreto-Lei 187/83 (13 de Maio), como à data da sua promulgação (23 de Abril) e até à data da sua aprovação em Conselho de Ministros (24 de Março).

E como, de acordo com o n.º 4 do artigo 168.º da CRP, a dissolução da AR arrastou consigo a caducidade da autorização, é indiscutível que o Governo já não a podia utilizar, não podendo, pois, legislar sobre matérias que estavam reservadas à competência exclusiva da AR.

E não se diga que não era assim no caso em apreço, por a autorização ter sido dada na lei do orçamento, pois que, como esta tem vigência anual, não caducam as autorizações que ela concede. De facto, como nos três acórdãos juntos se assinala, tal tese só pode ser sustentável para as autorizações legislativas em matéria fiscal, e não também para as que, achando-se nela inscritas, versem matérias da alínea c) do n.º 1 do artigo 168.º da CRP.

De resto, isto mesmo já se havia decidido no Acórdão 173/85, de 9 de Outubro, da 2.ª Secção deste Tribunal, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 6, de 8 de Janeiro de 1986, citado nos três acórdãos juntos aos autos. Aí se ponderou que, ainda quando se aceite a doutrina da não caducidade das autorizações concedidas pela lei do orçamento com a dissolução da AR, por a sua vigência ser anual, o certo é que ela só pode valer «para as autorizações legislativas em matéria fiscal, embora se admita que não tenham directa, mas apenas indirectamente, a ver com a política financeira ou económico-financeira».

V - Pelo exposto, e sem necessidade de maior desenvolvimento, decidem declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade orgânica do n.º 2, alínea c), do artigo 9.º do Decreto-Lei 187/83, de 13 de Maio, por violação da alínea c) do n.º 1 do artigo 168.º da CRP.

Lisboa, 2 de Junho de 1987. - José Magalhães Godinho - Vital Moreira - Raul Mateus - Antero Alves Monteiro Diniz - Messias Bento - Luís Nunes de Almeida - José Martins da Fonseca - Mário Afonso - Mário de Brito - José Manuel Cardoso da Costa (vencido. De harmonia com o que escrevi noutra sede - «sobre as autorizações legislativas da lei do orçamento», in Estudos em Homenagem ao Prof. Teixeira Ribeiro -, e em consonância com a posição que tenho tomado em diversos acórdãos deste Tribunal, mormente no Acórdão 173/85, versando sobre normas do Decreto-Lei 187/83, votei no sentido de não julgar inconstitucional a norma em apreço.

Efectivamente, penso que a mesma norma ainda se pode dizer conexionada - aceito que indirectamente, ou mediatamente, apenas - com a definição legal da política económico-financeira, que constitui o objecto da lei orçamental. Ainda quanto a ela valerão, assim, as razões que no aludido estudo aduzi no sentido de mostrar que as autorizações legislativas constantes daquela lei não caducam nem com a demissão do Governo - situação que no mesmo estudo foi directamente considerada -, nem com a dissolução da AR - hipótese, esta outra, que já então, na nota 36, julguei paralela à primeira) - Armando Manuel Marques Guedes.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/42637.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1941-11-22 - Decreto-Lei 31664 - Presidência do Conselho e Ministério das Finanças

    Promulga o contencioso aduaneiro.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1983-02-18 - Lei 2/83 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para 1983 (provisório).

  • Tem documento Em vigor 1983-05-13 - Decreto-Lei 187/83 - Ministérios das Finanças e do Plano e da Justiça

    Define as infracções de contrabando e descaminho, estabelece as correspondentes sanções e define regras sobre o seu julgamento.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1988-07-29 - Acórdão 158/88 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes do n.º 1 do artigo 9.º (punição do crime de contrabando), da alínea a) do n.º 1 do artigo 22.º e do artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 187/83, de 13 de Maio (define as infracções de contrabando e descaminho, estabelece as correspondentes sanções e define regras sobre o seu julgamento).

  • Tem documento Em vigor 1989-07-03 - Acórdão 414/89 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de normas de alguns artigos dos Decretos-Leis n.os 187/83, de 13 de Maio, (define as infracções de contrabando e descaminho, estabelece as correspondentes sanções e define regras sobre o seu julgamento) e 424/86, de 27 de Dezembro (define as infracções de contrabando e descaminho, estabelecendo as correspondentes sanções, e define regras sobre o seu julgamento), não toma conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade da norma const (...)

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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