de 6 de fevereiro
A participação de Portugal na União Europeia e na área do euro obriga ao cumprimento de requisitos exigentes em matéria orçamental, plasmados no Tratado de Funcionamento da União Europeia, no protocolo e nos regulamentos que desenvolvem o Pacto de Estabilidade e Crescimento e ainda no Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária, que inclui, no Título III, as disposições relativas ao Pacto Orçamental.
Estes compromissos europeus estabelecem, em particular, o respeito dos valores máximos de referência de 3 % do Produto Interno Bruto (PIB) para o défice orçamental e de 60 % do PIB para o rácio de dívida pública, bem como a obrigação de assegurar uma situação orçamental equilibrada ou excedentária. No período de transição para estes objetivos, o Estado Português deve ainda definir e executar uma trajetória de consolidação que assegure a convergência do saldo orçamental estrutural para o objetivo de médio prazo, sob pena de ativação de mecanismos de correção automáticos.
Os compromissos de sustentabilidade das finanças públicas estão já incluídos na Lei de Enquadramento Orçamental, aprovada pela Lei 91/2001, de 20 de agosto, com a alteração introduzida pela Lei 37/2013, de 14 de junho, aprovada por partidos que representam uma larga maioria no Parlamento, que de resto também confirmaram a ratificação do Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária.
O incumprimento dos limites de défice e da dívida pode, em consequência do reforço das regras de governação económica na área do euro, determinar a aplicação de sanções pecuniárias aos Estados em incumprimento. Essas sanções pecuniárias podem atingir 0,5 % do PIB e são aplicadas segundo um mecanismo de maioria qualificada invertida, que facilita a adoção pelo Conselho Europeu das sanções propostas pela Comissão Europeia, enquanto guardiã dos tratados. Assim, no atual contexto, e mesmo após a conclusão formal do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro, acordado com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, encontram-se reforçadas as disposições de correção de desequilíbrios orçamentais e significativamente intensificadas as disposições na vertente de monitorização e prevenção de novos desequilíbrios.
Às responsabilidades assumidas no quadro europeu acresce a relevância da sustentabilidade das finanças públicas e da estabilidade financeira para o crescimento económico sustentado. A disciplina orçamental, em particular, assume um papel decisivo neste processo, na medida em que constitui um dos pilares essenciais para uma economia dinâmica e competitiva.
Antes de mais, um orçamento equilibrado é um contributo determinante para a estabilidade financeira. A sustentabilidade das finanças públicas transmite um sinal de tranquilidade aos credores, no que respeita à capacidade de respeitar os compromissos assumidos. Esta tranquilidade, por sua vez, traduz-se em custos de financiamento mais baixos e mais estáveis. Deste modo, torna-se possível recorrer aos mercados para preencher as necessidades de financiamento e acomodar posteriormente o pagamento dos juros, em circunstâncias mais favoráveis.
Este quadro permite evitar aumentos de impostos sistemáticos, contribuindo para a criação de um quadro fiscal mais estável e, consequentemente, de um ambiente de negócios mais atrativo, criando ainda condições de previsibilidade para as famílias.
A disciplina orçamental, nomeadamente no que respeita à contenção da despesa pública, permite ainda que o Estado utilize apenas os recursos necessários para concretizar a função de redistribuição de riqueza e para assegurar aos cidadãos a prestação de serviços públicos essenciais, criando assim as bases para uma menor carga fiscal e uma maior libertação de recursos para a economia, em particular para o investimento privado produtivo, que, por sua vez, potencia a criação duradoura de emprego e de novos recursos.
Neste sentido, cumpre assinalar que é ao Estado, no exercício da função legislativa, que cabe selecionar os meios mais adequados para assegurar a estabilidade e a disciplina orçamental, nomeadamente por via da receita ou da despesa pública. É ao legislador que compete definir, no quadro constitucional, o interesse geral da coletividade e ordenar as grandes opções e as necessidades coletivas a cumprir, por via de normas gerais e abstratas. Por este motivo se reconhece à função legislativa do Estado uma natureza criadora e um carácter primário e discricionário.
A política remuneratória da Administração Pública carece de clareza nas suas componentes e de instrumentos que permitam aos decisores uma atuação mais informada e mais direcionada à adequada distinção dos trabalhadores, nomeadamente pela complexidade ou exigência das funções exercidas, contribuindo, assim, para um maior rigor, para a promoção da disciplina orçamental e para a necessária aproximação ao setor privado.
Apesar das reformas efetuadas nos últimos anos, até ao levantamento determinado pela Lei 59/2013, de 23 de agosto, não era possível perceber o exato alcance e composição dos suplementos remuneratórios existentes na Administração Pública. O prazo determinado na Lei 12-A/2008, de 27 de fevereiro, que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas (LVCR), para revisão da matéria de suplementos remuneratórios na Administração Pública esgotou-se ainda em 2008, sem que a mesma tivesse sido entretanto concluída. Deste facto resulta um tratamento discriminatório entre os trabalhadores cujas componentes remuneratórias já foram revistas e conformadas nos termos da LVCR e os que mantêm os benefícios remuneratórios não revistos. Neste contexto, o levantamento das componentes adicionais à remuneração de todas as entidades do setor público, com exceção dos órgãos de soberania de carácter eletivo e respetivos serviços de apoio, permite adotar iniciativas com vista ao aumento da transparência e da equidade da política remuneratória da Administração Pública. O reconhecimento da relevância deste processo conduziu à intensificação dos trabalhos no ano de 2013, tendo as principais conclusões sido publicadas, num relatório preliminar, a 19 de dezembro do mesmo ano.
Neste período foi ainda negociada e aprovada a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada pela Lei 35/2014, de 20 de junho, diploma que reúne, de forma racional, tecnicamente rigorosa e sistematicamente organizada, o essencial do regime laboral destes trabalhadores, e que, em matéria de suplementos remuneratórios, reforçou o seu enquadramento, implicando a respetiva referenciação ao exercício de funções de carácter mais exigente descritas no posto de trabalho, sendo apenas devidos a quem os ocupe e somente durante o exercício efetivo de funções.
Com o presente decreto-lei, e na sequência do trabalho de recolha e tratamento da informação e do seu aprofundamento, explicitam-se os fundamentos de atribuição dos suplementos remuneratórios, no quadro dos limites estabelecidos pelo artigo 159.º da LTFP, e habilita-se à aprovação de uma Tabela Única de Suplementos (TUS) que concretiza, conforme previsto no artigo 112.º da LVCR, a revisão e simplificação dos suplementos remuneratórios, tendo por base uma política clara visando a transparência e harmonização de políticas e valores entre estruturas.
Tal harmonização implica necessariamente a maior abrangência dos princípios previstos no presente decreto-lei. Assim, e ainda que não sejam diretamente abrangidos pelo presente diploma, aos trabalhadores referidos no n.º 2 do artigo 2.º da LTFP serão aplicáveis os respetivos princípios, nos termos que constem das leis especiais que aprovem os respetivos regimes.
Para além disso, é intenção do Governo promover a integração nos estatutos dos magistrados dos princípios que enformam o presente decreto-lei.
O presente decreto-lei estabelece ainda prazos e regras para a fundamentação da atribuição de suplementos remuneratórios e para a transição dos suplementos remuneratórios para a TUS, assim como estabelece regras comuns para a gestão e manutenção desta componente remuneratória.
Significa isto que, concomitantemente com a integração da remuneração base de todos os cargos, carreiras e categorias na Tabela Remuneratória Única, também os suplementos remuneratórios que tenham sido criados por lei especial ou cujo abono decorra por conta de outro tipo de ato legislativo ou instrumento jurídico, serão integrados numa TUS, concretizando um alinhamento ao nível das práticas de gestão entre as componentes remuneratórias. Este aumento de transparência e de equidade na política remuneratória da Administração Pública concorre para a tornar mais racional e competitiva, contribuindo para a motivação e valorização do mérito e competência dos seus trabalhadores.
Com este objetivo, explicita-se um conjunto de pressupostos para a atribuição de suplementos num leque alargado de situações específicas, sejam estas permanentes ou temporárias, com os quais se visa retribuir os trabalhadores que exercem funções em ambiente e condições mais gravosas do que os demais.
Foram observados os procedimentos decorrentes da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei 35/2014, de 20 de junho.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objeto e âmbito
1 - O presente decreto-lei explicita as obrigações ou condições específicas que podem fundamentar a atribuição de suplementos remuneratórios aos trabalhadores abrangidos pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada pela Lei 35/2014, de 20 de junho, bem como a forma da sua integração na Tabela Única de Suplementos (TUS).
2 - A aplicação do disposto no presente decreto-lei à administração local faz-se por diploma próprio.
Artigo 2.º
Fundamentos de atribuição de suplementos remuneratórios
1 - A atribuição de suplementos remuneratórios só é devida quando as condições específicas ou mais exigentes não tenham sido consideradas, expressamente, na fixação da remuneração base da carreira ou cargo, e enquanto perdurem as condições de trabalho que determinaram a sua atribuição e haja exercício de funções efetivo ou como tal considerado em lei.
2 - Constituem fundamento para a atribuição de suplemento remuneratório com carácter permanente, as obrigações ou condições específicas seguintes:
a) Disponibilidade permanente para a prestação de trabalho a qualquer hora e em qualquer dia, sempre que solicitada pela entidade empregadora pública;
b) Prevenção ou piquete para assegurar o funcionamento ininterrupto do órgão ou serviço;
c) Isenção de horário de trabalho;
d) Penosidade da atividade ou tarefa realizada originando sobrecarga física ou psíquica ou originada pelo horário em que é prestada a função;
e) Risco inerente à natureza das atividades e tarefas concretamente cometidas, de investigação criminal, ou de apoio à investigação criminal, proteção e socorro, informações de segurança, segurança pública, quer em meio livre, quer em meio institucional, fiscalização e inspeção;
f) Insalubridade suscetível de degradar o estado de saúde do trabalhador devido aos meios utilizados ou pelas condições climatéricas ou ambientais inerentes à prestação do trabalho;
g) Manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos representativos de valores ou numerário;
h) Alojamento ou residência determinada pelo Estado, sem possibilidade de usufruir de alojamento ou residência facultado pelo Estado;
i) Necessidades de representação do cargo ou função;
j) Exercício de funções de administração e cobrança tributária e aduaneira.
3 - Constituem fundamento para a atribuição de suplemento remuneratório com carácter transitório, as seguintes obrigações temporárias ou condições específicas delimitadas no tempo:
a) Missão humanitária e de paz;
b) Mudança ou alteração temporária do local de trabalho determinada pelo Estado, sem possibilidade de usufruir de alojamento ou residência facultado pelo Estado;
c) Prevenção ou piquete temporário;
d) Trabalho suplementar;
e) Trabalho noturno ocasional;
f) Exercício de funções de coordenação, quando legalmente previstas e não integradas em categoria ou cargo;
g) Exercício de funções nas Regiões Autónomas por trabalhadores com vínculo de emprego público afetos a órgão ou serviço sediado no continente e cuja deslocação seja da iniciativa do órgão ou serviço.
4 - Os suplementos remuneratórios a que se refere o n.º 2, bem como os do n.º 3 quando a situação que os originou se prolongue por mais de um ano, são devidos e pagos em 12 meses por ano.
Artigo 3.º
Tabela única de suplementos
É aprovada por portaria do Primeiro-Ministro e do membro do Governo responsável pela área das finanças e da Administração Pública a TUS, contendo a totalidade dos montantes pecuniários a observar na fixação de suplementos remuneratórios.
Artigo 4.º
Valor dos suplementos remuneratórios
1 - O valor do suplemento remuneratório deve considerar o conjunto das obrigações ou condições específicas identificadas para o posto de trabalho, salvo os elementos ocasionais ou não permanentes, de acordo com os níveis definidos no diploma legal que o cria.
2 - O número máximo de níveis a prever nos termos do número anterior é de 10.
3 - O valor dos suplementos remuneratórios é fixado em montante pecuniário e apenas excecionalmente em percentagem da remuneração base, não sendo atualizados, em regra, com a progressão na carreira.
4 - Os suplementos remuneratórios por trabalho noturno, de turno e por trabalho suplementar são fixados em percentagem da remuneração base mensal.
Artigo 5.º
Colocação na Tabela Única de Suplementos
1 - Os trabalhadores que auferem suplementos remuneratórios à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, na transição para a TUS, ficam colocados no nível correspondente ao exato montante pecuniário do suplemento remuneratório, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - Sempre que não existir coincidência de montantes pecuniários, por o suplemento auferido pelo trabalhador ser de montante pecuniário superior, a sua transição para a TUS faz-se da seguinte forma:
a) O trabalhador transita para o nível que, por defeito, for o mais aproximado do montante pecuniário que vai auferir;
b) A diferença que resultar do montante pecuniário global recebido à data da entrada em vigor do presente decreto-lei e o nível para o qual transita, nos termos da alínea anterior, é auferido mediante o pagamento de um diferencial de integração.
3 - Sempre que os níveis da TUS forem atualizados, nos termos que vierem a ser definidos, o diferencial de integração é reduzido na proporção do aumento dos níveis únicos da tabela até ser totalmente absorvido.
4 - O diferencial de integração referido no n.º 2 não pode ser atribuído a situações constituídas após a entrada em vigor da portaria que aprova a TUS.
5 - Os trabalhadores que venham a auferir suplementos remuneratórios após a entrada em vigor do presente decreto-lei, são integrados na TUS em nível correspondente.
6 - A transição e a integração dos trabalhadores é efetuada por lista nominativa aprovada pelo dirigente máximo do serviço ou organismo.
Artigo 6.º
Procedimento de revisão
1 - No prazo de 60 dias a contar da data da entrada em vigor do presente decreto-lei, os suplementos remuneratórios são revistos para assegurar a sua conformação com o disposto na LTFP e no presente diploma, devendo, de acordo com o resultado do processo de revisão:
a) Ser mantidos, total ou parcialmente, como suplementos remuneratórios, por integração na tipologia de fundamentos definida no artigo 2.º, determinação do respetivo grau e integração na TUS;
b) Ser integrados, total ou parcialmente, na remuneração base;
c) Deixar de ser auferidos;
d) Ser extintos.
2 - Da integração na TUS não pode resultar o aumento dos valores dos suplementos remuneratórios estabelecidos à data da entrada em vigor do presente decreto-lei.
3 - Para efeitos do disposto no n.º 1 os dirigentes máximos dos órgãos e serviços comunicam, através do respetivo membro do Governo, ao membro do Governo responsável pela área da Administração Pública, no prazo de 30 dias a contar da data da entrada em vigor do presente decreto-lei, os suplementos remuneratórios que processam, bem como o respetivo enquadramento, fundamentos, pressupostos e critérios de atribuição, nos termos do presente diploma.
4 - A compilação de elementos constantes da comunicação referida no número anterior é disponibilizada no sítio na internet da Direção-Geral da Administração e Emprego Público.
5 - As associações sindicais podem apresentar propostas de inclusão, no prazo de cinco dias a contar da data da disponibilização, indicando os suplementos remuneratórios omissos.
6 - Excetuam-se do disposto no n.º 3 os suplementos remuneratórios previstos nos artigos 160.º a 162.º da LTFP.
Artigo 7.º
Disposição final
1 - No caso de se verificar a existência de suplementos que pela sua especificidade não se incluem nos n.os 2 e 3 do artigo 2.º, relativamente aos quais venha a ser tomada a decisão de refletir o montante em causa em remuneração de natureza diferente, e em que tal exija a revisão dos fundamentos, atos ou diplomas que os originaram, o seu exato montante pecuniário continua a ser auferido pelos trabalhadores até ao final do procedimento de revisão, nos termos do número seguinte.
2 - A revisão prevista no número anterior é aprovada no prazo de 180 dias a contar do termo do prazo referido no n.º 3 do artigo anterior.
Artigo 8.º
Entrada em vigor
O presente decreto-lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 23 de dezembro de 2014. - Pedro Passos Coelho - Maria Luís Casanova Morgado Dias de Albuquerque.
Promulgado em 4 de fevereiro de 2015.
Publique-se.
O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Referendado em 5 de fevereiro de 2015.
O Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho.