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Acórdão 605/2013, de 20 de Novembro

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Sumário

Decide não julgar inconstitucional o n.º 3 do artigo 3.º da Lei da Nacionalidade consagrada na Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, na redação que lhe foi dada pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril. (Proc. 156/2012)

Texto do documento

Acórdão 605/2013

Processo 156/2012

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - Darcila Engel intentou no Tribunal da Comarca de Silves ação contra o Estado Português, pedindo que fosse declarado e reconhecido que vivia em união de facto com Humberto Ibeas Junior há mais de 3 anos, para que assim, nos termos do n.º 3 do artigo 3.º da Lei da Nacionalidade (Lei 37/8, de 3 de outubro, na redação que lhe foi dada pela Lei Orgânica 2/2006, de 17 de abril) pudesse adquirir a nacionalidade portuguesa.

Contudo, o Tribunal da Comarca de Silves decidiu, a 7 de outubro de 2011, "declarar [sic] materialmente inconstitucional a regra de competência patente no n.º 3 do artigo 3.º da Lei da Nacionalidade, na versão dada pela Lei Orgânica 2/2006 ", pelo que, recusando a aplicação dessa regra, absolveu o Estado da instância.

A decisão fundamentou-se nos seguintes termos:

A Lei da Nacionalidade (alterada e republicada peia Lei Orgânica 2/2006 de 17.4) do mesmo passo que passou a permitir a aquisição da nacionalidade portuguesa a estrangeiros que vivam em união de facto há mais de três anos com cidadão nacional, estabeleceu que a nacionalidade pode ser assim adquirida "após ação de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível", nos termos do n.º 3 do artigo 3.º daquela lei.

Como ressalta do demais articulado legal, a atribuição daquela nacionalidade é da competência das Conservatórias do Registo Civil, perante as quais terá de ser efetuada a declaração de existência daquela união de facto (como resulta da conjugação com o texto do n.º 1 do mesmo artigo legal).

Ou seja, a decisão do tribunal (sentença, portanto) ali mais não é do que um documento comprovativo da declaração que inicia o processo de registo, o qual culmina com ato tipicamente administrativo.

Daí que, depois e nos termos da mesma lei (artigos 25.º e 26.º) "quaisquer atos relativos à atribuição, aquisição ou perda de nacionalidade", sejam passíveis de recurso para o qual têm legitimidade "os interessados diretos e o Ministério Público", sendo aplicáveis ao correspondente contencioso "o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos e demais legislação complementar".

Isto é, o processo judicial em causa visa, exclusivamente, a instrução de um processo administrativo, tal como se o tribunal se integrasse na Administração Pública como um dos seus órgãos, para o efeito, equiparado a órgão policial ou, quando muito, a Junta de Freguesia, já que a atribuição é típica de um ou outro.

Nada pois que tenha que ver com as competências dos tribunais, plasmadas nos n.os 1 e 2 do artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa.

Na verdade, ali se dispõe que "os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.

Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados".

Na densificação do conceito de administração de justiça patente naquele n.º 1, dispõe o número seguinte três ordens de competências, nenhuma das quais compatível com o papel reservado pela Lei da Nacionalidade aos tribunais, no particular que aqui nos ocupa, pelo que a norma em causa é materialmente inconstitucional, sendo pois insuscetível de ser aplicada, tal como preceitua o artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa.

A administração da justiça pressupõe sempre um conflito, ainda que de mera pretensão contestada, sendo patente, nos termos da lei em questão, que conflito algum existe no estádio do processo em que se reclama a intervenção do tribunal.

De resto e como se disse, é a própria lei que, em caso de conflito, regula a legitimidade para o mesmo, bem como o processo de resolução, naturalmente e em consonância com a natureza dos atos em causa.

Isto é, do ato administrativo que conceda, ou não, a cidadania a estrangeiro unido de facto a nacional por mais de três anos, cabe recurso para os Tribunais Administrativos.

Como a Lei não exclui qualquer ato nesse sentido para efeitos de recurso teríamos também aberta a possibilidade de caber recurso de sentença judicial de tribunal cível de 1.ª instância para os tribunais administrativos de 1.ª instância.

O desacerto é patente, salvo o devido respeito por posição adversa.

Mais evidenciado até com a escolha dos tribunais em causa.

Em matéria eminentemente administrativa, que, quando muito, entronca em matéria de direito de família, elegem-se os tribunais cíveis.

Ainda que se entendesse que a competência para o efeito poderia caber a um tribunal, nunca seriam escolhidos os que por lei detêm a competência constitucional para "dirimir os conflitos de interesses... privados".

Mais não resta pois do que recusar a aplicação da norma de competência em causa e por carência de competência do tribunal em razão da matéria e absolver o réu da instância, nos termos dos artigos 493.º e 494.º do Código de Processo Civil.

2 - O Ministério Público recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82 de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional: LTC) "tendo em vista a apreciação da constitucionalidade do n.º 3 do artigo 3.º da Lei da Nacionalidade, na versão dada pela Lei Orgânica 2/2006, de 17 de abril".

Admitido o recurso no Tribunal, nele apresentou alegações o recorrente, que disse:

[...] é manifesta a falta de suporte da interpretação normativa acolhida na sentença recorrida.

2.3 - A norma em causa, n.º 3 do artigo 3.º da Lei da Nacionalidade, na redação introduzida pela Lei Orgânica 2/2006, estabelece que:

«O estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível».

2.4 - Trata-se de uma inovação introduzida pela Lei Orgânica 2/2006, em sede de aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, e que se insere no movimento geral de equiparação da união de facto ao casamento.

Assim, reconhecida judicialmente a verificação da união de facto entre estrangeiro e nacional português por um período superior a três anos, e à semelhança do que se passa com o casamento, basta a declaração de vontade do interessado em adquirir a nacionalidade, para a obtenção desse resultado.

A solução de fazer depender a relevância da declaração que desencadeia a aquisição da nacionalidade, de uma prévia ação judicial que reconheça a união de facto, encontra plena justificação no propósito de diminuir os riscos de abusos e fraudes nesta matéria.

2.5 - Pelo que a ação judicial de reconhecimento da união de facto é um dos requisitos necessários, que o cidadão estrangeiro, que pretenda adquirir a nacionalidade portuguesa, deve preencher para iniciar o processo de aquisição de nacionalidade portuguesa, esse já a cargo da Conservatória dos Registos Centrais (artigo 16.º da Lei 37/81, de 3 de outubro, tal como republicada pela Lei Orgânica 2/2006).

Mas, como é óbvio, essa ação judicial de reconhecimento da união de facto não se confunde com o processo de aquisição de nacionalidade, este sim, um procedimento administrativo que culmina com um ato relativo à aquisição da nacionalidade, suscetível de impugnação contenciosa, de recurso, aplicando-se a esse contencioso da nacionalidade o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos e demais legislação complementar (artigos 25.º e 26.º da Lei 37/81, de 3 de outubro, tal como republicada pela Lei Orgânica 2/2006).

2.6 - No entanto, dúvidas não restam de que, no âmbito da ação de reconhecimento da união de facto, a competência para julgar qualquer recurso da decisão final, ou de eventual decisão interlocutória, proferida pelo tribunal cível de 1.ª instância recai no tribunal da Relação territorialmente competente (e não nos tribunais administrativos de 1.ª instância como refere a decisão recorrida).

2.7 - Ora, interpretada desta forma, como, efetivamente, deve ser, a norma em apreço não afronta a Constituição, nomeadamente o seu artigo 204.º 2.8 - E, à semelhança do que este Tribunal Constitucional já decidiu, nomeadamente, através do Acórdão 583/98, revelando-se inaceitável a interpretação efetuada pelo tribunal a quo, deve ser revogada a sentença recorrida, determinando-se que a mesma seja reformulada em conformidade com o que atrás se disse.

Cumpre apreciar e decidir:

II - Fundamentação

3 - A Lei da Nacionalidade (Lei 37/81, de 3 de outubro) foi pela quarta vez alterada em 2006. Foram numerosas as modificações então introduzidas ao regime inicialmente fixado em 1981. Basta que se diga que a Lei Orgânica 2/2006, de 17 de abril, veio a dar nova redação a doze dos quarenta artigos que compunham a Lei 37/81 (veja-se o artigo 1.º da referida Lei Orgânica).

Todavia, apesar de as modificações terem incidido sobre aspetos diversos do regime (substantivo e adjetivo) da atribuição, aquisição e perda da nacionalidade portuguesa, nem por isso implicaram o surgimento, neste domínio, de um Direito novo e diferente, assente sobre outros princípios que não aqueles que estruturaram o regime a partir de 1981. Em 2006 não se escreveu uma nova lei da nacionalidade. Apenas se alterou - se bem que significativamente - a lei já existente desde 1981: isto mesmo resulta, quer da epígrafe da Lei Orgânica 2/2006, quer do seu artigo 8.º, que mandou republicar, com as alterações por ela introduzidas, a Lei 37/81.

No domínio da aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, a alteração mais significativa é aquela que agora consta do n.º 3 do artigo 3.º da Lei 37/81. De acordo com a redação atual do preceito, o estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor em tribunal cível.

Quer isto dizer que, a partir de 2006, a união de facto entre estrangeiro e nacional português passou a ser rigorosamente equiparada ao casamento, no que ao regime de aquisição da nacionalidade por efeito da vontade diz respeito. Na verdade, verificada que seja a constância da união de facto por período superior a três anos - período esse que é idêntico ao que é previsto para a duração do casamento, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º -, basta a mera declaração do interessado para desencadear o processo de aquisição da nacionalidade portuguesa. O mesmo sucede com o casamento, uma vez que o estrangeiro [casado há mais de três anos com nacional português] pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração de vontade feita na constância do matrimónio (artigo 3.º, n.º 1, da Lei 37/81). Em ambas as circunstâncias (casamento ou união de facto) a comunhão de vida com nacional português é um pressuposto de facto que permite a aquisição de nacionalidade por declaração de vontade: quem viva more uxorium com cidadão ou cidadã nacional, ou quem com ele ou ela esteja casado, pode, se quiser e se o declarar como tal, tornar-se também membro da comunidade política portuguesa através do vínculo da nacionalidade.

Nos termos do artigo 16.º da Lei 37/81, as declarações de que dependem a aquisição da nacionalidade (tal como aquelas de que dependem a sua atribuição ou perda) devem constar do registo central da nacionalidade, a cargo da Conservatória dos Registos Centrais. Na sequência desta determinação, o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (aprovado pelo Decreto-Lei 237-A/2006, de 14 de dezembro) veio definir, com maior precisão, os procedimentos a seguir junto da Conservatória, incluindo aqueles que visam a "aquisição [da nacionalidade] em caso de casamento ou união de facto mediante declaração de vontade" (artigo 14.º do Regulamento).

Por outro lado, e nos termos do artigo 26.º da Lei da Nacionalidade, "ao contencioso da nacionalidade são aplicáveis, nos termos gerais, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais e demais legislação complementar." A redação do preceito foi também introduzida pela Lei Orgânica 2/2006. Antes dessa altura, e desde a primeira versão da Lei 37/81, cabia ao Tribunal da Relação de Lisboa conhecer dos recursos interpostos "de quaisquer atos relativos à atribuição, aquisição, ou perda da nacionalidade portuguesa." Os recursos podiam ser interpostos pelo Ministério Público ou pelos "interessados diretos", que para tanto tinham legitimidade (artigos 25.º e 26.º da Lei 37/81).

4 - Foi de tomo a alteração introduzida pela Lei Orgânica 2/2006 à redação do artigo 26.º da Lei da Nacionalidade. Como acabou de ver-se, a partir de então, a competência para o conhecimento de questões atinentes ao "contencioso da nacionalidade" deixou de pertencer aos tribunais comuns (mais rigorosamente, ao Tribunal da Relação de Lisboa, para quem se recorria de todos os atos relativos à atribuição, aquisição ou perda da nacionalidade portuguesa), para passar a ser atribuída à jurisdição administrativa, nos termos gerais do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e demais legislação complementar. Todavia, como à altura a doutrina sublinhou (cf. Rui Moura Ramos, "A renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica 2/2006, de 17 de abril", em Estudos em Homenagem ao Prof.

Doutor Manuel Henrique Mesquita, Coimbra, 2009, Vol. II, p. 653) tal modificação, se bem que de relevo, justifica-se por razões exógenas à natureza do direito da nacionalidade. A assunção do novo perfil da jurisdição administrativa, que entretanto se fora evidenciando a partir da revisão constitucional de 1982, tornava claro que àquela jurisdição deveria preferencialmente caber a apreciação de litígios que materialmente implicassem com a tutela de direitos fundamentais; pelo que, "se a competência da jurisdição comum tinha sido reconhecida [no âmbito do contencioso da nacionalidade como em outras matérias] em homenagem à ideia de que o máximo alcance da tutela daqueles direitos a exigia, compreende-se que, face ao novo perfil da jurisdição administrativa, o legislador [tivesse] optado por reafirmar a inserção no âmbito de domínios [...] que anteriormente lhe haviam sido subtraídos por expressa determinação legal." (Ob. cit, pp. 653-4) 5 - Subjacente a esta justificação para a alteração introduzida pela Lei Orgânica 2/2006 à redação do artigo 26.º da Lei 37/81 está a ideia segundo a qual o direito da nacionalidade, a apresentar alguma "natureza" (ou a ser, por substância, de índole "publicística" e não "privatística"), fá-lo-á por implicar desde logo a definição dos critérios jurídicos que presidem à constituição do vínculo das pessoas à comunidade política portuguesa (artigo 4.º da CRP), e por se reportar ao modo de exercício de um direito que, por isso mesmo, não pode deixar de deter dignidade jusfundamental (artigo 26.º, n.º 1).

É, aliás, esta especial "sensibilidade" que o direito da nacionalidade ostenta face a valores constitucionais (por essência "públicos", mas nem por isso administrativos), que explica que esse direito tivesse que ser redefinido por lei ordinária, pouco tempo depois da entrada em vigor da Constituição da República. A Lei da Nacionalidade foi escrita em 1981 porque foi então que, neste domínio, o direito português se conformou com as diferentes exigências de valor decorrentes da nova ordem constitucional. Não vale a pena recordar todas essas exigências (Rui Moura Ramos, O Direito Português da Nacionalidade, Coimbra, 1984); mas basta que se sublinhe o novo regime, que então se definiu, de aquisição da nacionalidade em caso de casamento, segundo o qual o estrangeiro casado com nacional português pode[ria] adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio (artigo 3.º, n.º 1, da Lei 37/81, na versão original), para que imediatamente se compreenda a especial reverberação do direito da nacionalidade aos novos valores constitucionais. O regime assim definido vinha, como muito bem se sabe, substituir o outro que fora fixado em 1959 pela Lei 2098, que não apenas contrariava o princípio da igualdade entre cônjuges como desconsiderava a relevância decisiva da vontade na aquisição da nacionalidade por efeito do casamento. Quer isto dizer que a disciplina contida no artigo 3.º da Lei 37/81 foi, desde o início, reflexo especialmente vivo da inevitável comunicação entre direito da nacionalidade e valores constitucionais.

As alterações, posteriores a 1981, que a redação do artigo sofreu são disso mesmo exemplo claro. Em 1994 veio acrescentar-se, ao n.º 1 do referido preceito, a exigência de duração do casamento [de estrangeiro com nacional português] de pelo menos três anos. O casamento passou a partir de então a ser pressuposto de facto idóneo para a aquisição da nacionalidade portuguesa por mero efeito da vontade desde que se verificasse a sua subsistência durante um lapso significativo de tempo. A exigência, que ainda hoje consta da redação desde então inalterada do n.º 1 do artigo 3.º, visou evidentemente evitar que, sob a pressão entretanto acrescida de fluxos migratórios, se manipulasse fraudulentamente, através de "falsos casamentos", este pressuposto de acesso à cidadania portuguesa.

Do mesmo modo, através da Lei Orgânica 2/2006, na quarta alteração à Lei da Nacionalidade, veio o legislador, como já se disse, equiparar, neste domínio, a união de facto ao casamento. A homenagem a princípios constitucionais como os princípios da igualdade e da não discriminação é evidente. Mas também é evidente a necessidade de impedir (à semelhança do que acontece com o casamento) que a via de acesso à condição de nacional português que assim - e em consonância com soluções idênticas propugnadas por direitos estrangeiros e por convenções internacionais - se abre a estrangeiros que tenham laços vivenciais com a comunidade nacional seja fraudulentamente manipulada, através da invocação de estados de união de facto que sejam, na realidade, inexistentes. Foi por isso que se estabeleceu, no n.º 3 do artigo 3.º da Lei 37/81, na redação dada pela Lei Orgânica 2/2006, de 17 de abril, que, nestes casos, a declaração de vontade de aquisição da nacionalidade portuguesa fosse necessariamente precedida de ação de reconhecimento da situação de união de facto, a interpor no tribunal cível.

6 - Entende o juiz do tribunal da comarca de Silves que é inconstitucional esta atribuição de competência ao tribunal cível, feita na parte final do n.º 3 do artigo 3.º da redação presente da Lei da Nacionalidade, para o reconhecimento da situação da união de facto enquanto pressuposto de aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito de vontade. E fá-lo por entender, também, que tal "nada tem que ver com as competências dos tribunais, plasmadas nos n.os 1 e 2 do artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa", uma vez que está em causa "matéria eminentemente administrativa", a ser resolvida "por ato administrativo" do qual, quando muito, "cabe recurso para os tribunais administrativos".

No entanto, três argumentos há que podem ser aduzidos para contrariar este entendimento.

Em primeiro lugar, o argumento segundo o qual nele (nesse entendimento) se confundiu o procedimento de aquisição da nacionalidade portuguesa por declaração de vontade, cuja tramitação junto da Conservatória dos registos centrais é, como vimos, definida pelo Regulamento da Nacionalidade, com o pressuposto de facto que permite que se atribua a essa declaração o efeito pretendido. O reconhecimento da existência ou inexistência desse pressuposto (neste caso, a união de facto, jurisdicionalmente verificada) é apenas um dos elementos que, de acordo com o que determinam os artigos 14.º e 37.º do Regulamento da Nacionalidade, devem instruir o processo, conducente à aquisição da nacionalidade portuguesa. O que funda este último é a declaração de vontade do estrangeiro que pretende tornar-se cidadão português.

Em segundo lugar, o argumento segundo o qual não é precisa a interpretação que se faz dos n.os 1 e 2 do artigo 202.º da Constituição da República.

Diz-se, na decisão recorrida, que o reconhecimento do pressuposto de aquisição, por vontade, da condição de nacional português, nada tem que ver com as competências dos tribunais, tal como estão plasmadas nos n.os 1 e 2 do artigo 202.º da Constituição da República. Não vale a pena, a este propósito, recordar a abundante jurisprudência constitucional sobre a matéria de definição substancial de função jurisdicional e sua reserva aos tribunais, matéria essa que é a própria do artigo 202.º da CRP. Basta que se diga que no elemento literal constante da primeira frase do n.º 2 do artigo ("na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos interesses e direitos legalmente protegidos dos cidadãos") se incluem, naturalmente, as ações para o reconhecimento de direitos. Tanto mais em domínios como este, em que esse reconhecimento surge como pressuposto de exercício de um outro direito que, como vimos, tem uma clara implicação jusfundamental.

Finalmente, o argumento segundo o qual é igualmente imprecisa a "qualificação" que o tribunal a quo faz da "matéria" que tem perante si para julgar, ao considerá-la "matéria eminentemente administrativa", que "quando muito entronca em matéria de direito da família". As considerações já feitas anteriormente, no ponto 5, dispensam ulteriores clarificações, como as dispensam o facto de já se ter demonstrado que a solução hoje inserta no artigo 26.º da lei (com a atribuição da competência à jurisdição administrativa) é exógena face ao direito de nacionalidade.

Assim, e por estes motivos, só resta ao Tribunal ordenar a reforma da decisão recorrida.

III - Decisão

Pelo exposto, decide-se:

a) Não julgar inconstitucional o n.º 3 do artigo 3.º da Lei da Nacionalidade (Lei 37/81, de 3 de outubro, na redação que lhe foi dada pela Lei Orgânica 2/2006, de 17 de abril), e, consequentemente, b) Conceder provimento ao recurso, ordenando-se a reforma da decisão recorrida quanto à questão de constitucionalidade.

Sem custas.

Lisboa, 24 de setembro de 2013. - Maria Lúcia Amaral - Maria João Antunes - Maria de Fátima Mata-Mouros - José da Cunha Barbosa - Joaquim de Sousa Ribeiro.

207394201

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2013/11/20/plain-313189.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/313189.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1959-07-29 - Lei 2098 - Presidência da República

    Promulga as bases para a atribuição e aquisição da nacionalidade portuguesa.

  • Tem documento Em vigor 1981-10-03 - Lei 37/81 - Assembleia da República

    Aprova a Lei da Nacionalidade.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 2006-04-17 - Lei Orgânica 2/2006 - Assembleia da República

    Altera a Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro (Lei da Nacionalidade) e republica-a em anexo.

  • Tem documento Em vigor 2006-12-14 - Decreto-Lei 237-A/2006 - Ministério da Justiça

    Aprova o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, publicado em anexo, e introduz alterações ao Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de Dezembro, assim como ao Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado por ele aprovado.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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