Recomendação sobre Formação Contínua de Educadores de Infância e Professores dos Ensinos Básico e Secundário
Preâmbulo
No uso das competências que por lei lhe são conferidas e nos termos regimentais, após apreciação do projeto de Recomendação elaborada pelos Conselheiros Almerindo Janela Afonso, Assunção Folque, Maria Arminda Bragança e Paulo Sucena, o Conselho Nacional de Educação, em reunião plenária de 24 de abril de 2013, deliberou aprovar o referido projeto, emitindo assim a sua segunda Recomendação no decurso do ano de 2013.
Recomendação
Justificação da Recomendação
A formação de professores em Portugal confronta-se hoje com novos dilemas e desafios, a que não são indiferentes as condições sociais e institucionais decorrentes da atual conjuntura de crise económica e financeira, a retração do investimento público e as novas prioridades da política educativa. A este propósito, verifica-se já uma diminuição da procura quer da formação inicial, quer da formação contínua ao nível do ensino superior e o decréscimo dos lugares disponíveis para a docência nos ensinos básico e secundário, a que se soma a estagnação da carreira docente e a mudança das orientações relativas à organização das escolas e aos papéis dos professores. Por estas e outras razões, a formação contínua não pode ser repensada à margem das mudanças sociais, culturais e políticas que ocorreram nas últimas décadas e que continuam hoje a verificar-se.
Paralelamente à nova realidade dos agrupamentos de escolas, com consequências decorrentes da alteração da representação social da Escola Pública como instituição, e das identidades docentes a ela referenciadas, alguns normativos legais têm induzido sentidos mais instrumentais e pragmáticos, no que diz respeito à exigência de formação especializada (agora exclusivamente explicitada para certos cargos de gestão intermédia, como o de coordenador(a) de departamento: formação em supervisão pedagógica, em avaliação do desempenho docente ou em administração educacional). Também a consagração da liderança unipessoal dos agrupamentos ou escolas não agrupadas induziu o "direito à formação específica" como uma prerrogativa do(a) diretor(a), subdiretor(a) e adjuntos (cf. Decreto-Lei 137/2012 de 2 de julho, respetivamente, artigo 45.º, 5 e artigo 28.º, 1) - o que acontece, aliás, paralelamente à expectativa oficial de que se "valorize a atividade letiva e se criem condições para que as escolas e os docentes recentrem o essencial da sua atividade: o ensino e a aprendizagem" (cf. Preâmbulo do Decreto Regulamentar 26/2012 de 21 de fevereiro), implicando uma formação contínua predominantemente voltada para as dimensões científicas e técnicas e as competências didáticas relativas a certas disciplinas e componentes curriculares em prejuízo de outras (cf. Recomendação 1/2012 do CNE sobre Educação para a Cidadania).
Tal como se tem chamado a atenção em diversos estudos, a reconfiguração de uma política de formação contínua terá de considerar simultaneamente as vantagens e desvantagens de um eventual (novo) papel das instituições de ensino superior neste processo e a tendência para uma valorização de lógicas formativas centradas nos locais de trabalho e de interação pedagógica (cf. Albano Estrela et al. A investigação sobre formação contínua de professores em Portugal, 1990-2004. Revista Investigar em Educação, 2005, n.º 4, pp. 109-148). Em nenhum dos casos, deixará de ser urgente redefinir o papel dos centros de formação de associação de escolas e encontrar alternativas adequadas para a ausência de financiamento que se tem vindo a verificar nos últimos anos.
São os diferentes constrangimentos e pressupostos atrás referidos que informam e justificam a oportunidade da presente Recomendação, reafirmando a centralidade e continuidade da formação contínua, ao mesmo tempo em que se reconhece a importante experiência já acumulada e os projetos e ações realizados ao longo do tempo, muitos dos quais com impacto muito significativo em termos de melhoria das práticas docentes e das aprendizagens dos alunos.
Formação contínua: Uma breve revisitação diacrónica
A Lei de Bases do Sistema Educativo - Lei 46/86, de 14 de outubro - no seu artigo 30.º, estabelece os princípios gerais da formação dos educadores e professores e prevê, entre outros aspetos, "formação contínua que complemente e atualize a formação inicial numa perspetiva de educação permanente"; [...] formação integrada quer no plano da preparação científico-pedagógica quer no da articulação teórico-prática; [...] formação que favoreça e estimule a inovação e a investigação; [...] formação participada que conduza a uma prática reflexiva e continuada de auto-informação e auto-aprendizagem". Os pontos 1 e 2 do artigo 35.º consagram o direito à formação contínua de todos os educadores, professores e outros profissionais da educação, a qual deverá ser "suficientemente diversificada, de modo a assegurar o complemento, aprofundamento e atualização de conhecimentos e de competências profissionais, bem como possibilitar a mobilidade e a progressão na carreira".
Três anos depois, com o Decreto-Lei 344/89, de 11 de outubro, é consagrado o ordenamento jurídico da formação de educadores de infância e professores dos ensinos básico e secundário, onde a formação contínua não aparece apenas como um direito mas também como um dever "visando promover a atualização e aperfeiçoamento da atividade profissional, bem como a investigação aplicada e a divulgação da inovação educacional" (artº. 25.º). Entre os objetivos expressos no artigo 26.º, o ponto 4 afirma que "a formação contínua constitui ainda condição de progressão na carreira" e o artigo 28.º remete para decreto regulamentar o estabelecimento do regime de creditação das respetivas ações de formação.
Estava definitivamente assumida a inter-relação entre a formação contínua e a progressão na carreira, que foi consolidada no Estatuto da Carreira Docente dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei 139-A/90, de 28 de abril. Este normativo, no seu artigo 4.º, 2, alínea b) reafirma "o direito à formação e informação para o exercício da função educativa" que é garantido pelo "acesso a ações de formação contínua regulares destinadas, a atualizar e aprofundar os conhecimentos e as competências profissionais dos docentes" e ainda "pelo apoio à autoformação", podendo também "visar objetivos de reconversão profissional, bem como de mobilidade e progressão na carreira" (artigo 6.º, 1 e 2).
Tornava-se assim necessário e urgente organizar o sistema de formação contínua, tendo o CNE sido chamado a pronunciar-se através do Parecer 5/90 de que foi Relator o Prof. João Formosinho. Começando por se reconhecer a diversidade terminológica existente, propõe-se que a formação contínua de professores seja entendida como "formação dos professores profissionalizados visando o seu aperfeiçoamento pessoal e profissional, isto é, o seu desenvolvimento profissional". A formação contínua opõe-se assim conceptualmente à formação inicial, sendo deste modo "uma formação profissional posterior à profissionalização, no campo específico da docência e insere-se no ideal da educação permanente [...]".
Depois de distinguir a formação contínua dos modelos da profissionalização em exercício e da profissionalização em serviço conclui o parecer que "a formação contínua destina-se a aperfeiçoar quem já possui os saberes, saber fazer e saber ser, básicos ao exercício da profissão, [podendo] "ser certificada ou não certificada, [...] visar a preparação para cargos e tarefas específicas no sistema educativo (formação especializada) ou ser mais generalista".
Entre outros aspetos, considera ainda o parecer que o vasto consenso gerado em torno da necessidade de formação contínua corresponde a tendências europeias e se prende, em primeiro lugar, com "a evolução tecnológica e a complexidade da sociedade atual [que] fazem com que a formação inicial em qualquer profissão ou ocupação seja cada vez mais insuficiente para garantir um bom desempenho durante toda a vida". Explicitando uma segunda razão, o referido parecer remete para "uma constelação de causas que se expressam diferentemente na perceção da crise da educação. Tal crise que tem tradução no cada vez mais falado 'mal-estar dos professores' necessita de uma resposta estatal e social e a formação contínua dos professores surge como parte integrante dessa resposta". Salientando uma terceira razão, sublinha-se ainda que a formação contínua "deriva do próprio imperativo filosófico e moral inerente ao conceito de educação permanente".
Continuando a analisar a "proposta do Governo sobre Formação Contínua de Professores», a argumentação do parecer vai no sentido da defesa de "um modelo de formação contínua não estatista e não centralista, baseado nos princípios da descentralização funcional, da desconcentração territorial, da concertação social e da coordenação quadripartida da formação (administração do Ministério da Educação, empregadores, sindicatos e instituições de formação) [...]. Os sindicatos de professores seriam representados pelas federações e pelos sindicatos nacionais. Para além disso, propõe-se a liberdade de iniciativa na formação e a pluralidade de entidades formadoras, dentro do respeito pelas normas do sistema; uma separação dos papéis do Estado em relação à formação contínua - tutela, empregador, administrador e formador; a não consideração dos serviços do Ministério da Educação que desempenham papéis de administração no sistema como entidades formadoras; o respeito pela especificidade das instituições de ensino superior de formação de professores, dentro dos princípios da descentralização funcional; a criação de Centros de Recursos, prioritariamente onde houver menos oferta de outras entidades formadoras; o princípio da desconcentração territorial, o apoio à ação formativa das escolas e à constituição de associações de escolas; um modelo de concertação social para a definição normativa, planeamento e financiamento do sistema, através da criação de uma Comissão Permanente Quadripartida com representantes do Ministério da Educação, dos empregadores, dos sindicatos de professores e das entidades formadoras; uma forma de coordenação baseado na Comissão Permanente Quadripartida e nas Comissões Regionais de Coordenação, aceitando uma diversidade de modelos pedagógicos e de modalidades de formação". Para além destes aspetos, o parecer sublinha que "a certificação dos formandos exige uma prova individual do seu aproveitamento, bem como o estabelecimento de um sistema de acreditação das entidades formadoras, as quais, no caso de instituições de ensino superior de formação de professores, ou de Ciências da Educação, e dos Centros de Recursos, deverão ter uma acreditação automática, sendo desejável um sistema de unidades de crédito para a creditação das ações de formação".
Em síntese, apesar de algumas marcas do tempo, o Parecer 5/90, que sugere uma modificação profunda da proposta governamental relativa à formação contínua de professores, evidencia, de algum modo, o pensamento primordial do CNE sobre esta matéria de incontestável relevância, complexidade e até de conflitualidade de interesses, ontem e hoje. Passadas mais de duas décadas, com a atual supremacia da designada educação/formação ao longo da vida, ganha nova atualidade e pertinência o facto de o parecer sublinhar o conceito de educação permanente.
Todavia, ao contrário do que poderia ter parecido evidente naquela conjuntura, talvez merecesse hoje uma reflexão cuidada o facto de a formação contínua, enquanto "parte do processo de educação permanente", continuar a desconsiderar os professores não profissionalizados, ou profissionalizados desempregados ou sem vínculo contratual - situação que, se viesse a ser alterada, poderia contribuir para contrariar, ou pelo menos atenuar, o efeito dos fatores que provocam a erosão acelerada do valor dos diplomas, de que esses mesmos professores são portadores.
O Regime Jurídico da Formação Contínua acabou por ser instituído pelo Decreto-Lei 249/92 de 9 de novembro. No seu preâmbulo é dito que "no presente diploma estabelecem-se as finalidades da formação contínua de professores, realçando, entre elas, a melhoria da qualidade de ensino". Para além disso, "definem-se os princípios a que a formação contínua deve obedecer, as áreas sobre que deve incidir e as várias modalidades e níveis que pode assumir. Contribuindo a formação contínua para a progressão na carreira do pessoal docente, prevê-se a avaliação dos formandos e a consequente atribuição de créditos." Foi publicado na mesma data o Decreto Regulamentar 29/92 que "define o número de unidades de crédito de formação contínua contabilizáveis para a progressão na carreira docente" (artº1.º).
Ao longo de mais de duas décadas foram sendo feitas alterações ao sistema de avaliação contínua, embora este tenha mantido "as suas características fundamentais quanto à missão e objetivos e à forma da sua organização no terreno" (cf. Sérgio Machado dos Santos. Percurso da Formação Contínua de Professores - Um Olhar Analítico e Prospectivo. Braga: Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua, 2009).
Há, porém, uma questão que hoje é mais pertinente do que nunca, a estreita relação criada, desde o início, entre a formação contínua e a progressão na carreira. Ao fazer depender a progressão na carreira da obrigatoriedade da frequência de um mínimo de horas, por ano de formação, devidamente creditado, poderemos admitir que os professores tenderão a procurar a formação porque precisam dela para avançar na carreira e não porque estejam predominantemente motivados ou orientados para o desenvolvimento pessoal e profissional.
Por outro lado, tal como chama a atenção Sérgio Machado dos Santos na publicação atrás referenciada, "Os mecanismos de progressão na carreira por simples acumulação de créditos geraram algumas situações perversas de falta de uma correspondência entre as ações de formação frequentadas pelos professores e as suas necessidades reais de formação".
Algumas das alterações mais importantes que foram sendo introduzidas no sistema tiveram como objetivo restringir este efeito perverso e orientar mais os professores para uma formação adequada à sua área específica de lecionação, a área científico-didática.
Uma das razões dessa mudança diz respeito ao suposto esvaziamento burocrático do processo e o facto de se considerar que o "País investiu avultados recursos em formação contínua [que] esteve em regra divorciada do aperfeiçoamento das competências científicas e pedagógicas relevantes para o exercício da atividade docente" (cf. decreto-lei, n.º 15/2007 de 19 de janeiro). Como consequência, esta e outras revisões do Estatuto da Carreira Docente passaram a sobrevalorizar na formação contínua "os conteúdos de natureza científico-didática com estreita ligação à matéria [que o docente] leciona", concedendo também lugar a ações mais "relacionadas com as necessidades de funcionamento da escola definidas no respetivo projeto educativo ou plano de atividades" - em ambos os casos formações muito importantes e prioritárias mas que se sobrepõem totalmente (na própria avaliação de desempenho) a outras iniciativas (e necessidades) de formação mais voltadas para a promoção de competências de investigação (como doutoramentos ou mestrados académicos em diferentes áreas das ciências da educação) ou para as dimensões éticas e de desenvolvimento pessoal, agora secundarizadas ou não explicitamente referidas, mesmo quando podem ter repercussões positivas na ação profissional dos professores.
No momento presente as carreiras estão congeladas e não há progressão. Mas a formação, apesar de ter desacelerado um pouco, continua a ser procurada. Quanto às diversas motivações que levam os professores e educadores a procurar a formação, pode ler-se num estudo encomendado pelo Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua que "todos os professores/formandos valorizam a formação como oportunidade de partilha com os colegas", salientando ainda que, sendo a maturidade e estabilidade profissional importantes, a sua adesão não é indiferente ao facto de não haver necessidade de créditos para progressão na carreira (cf. Amélia Lopes et al. Formação Contínua de Professores, 1992-2007. Contributos de Investigação para uma apreciação retrospectiva". Braga: CCPFC, 2011). Dito de outro modo, a procura de formação pelos docentes tem muitas outras motivações para além da mera necessidade de créditos para progredir na carreira. É um direito e um dever dos docentes e das escolas. Todavia, convirá acrescentar que a formação contínua realizada durante o percurso profissional dos professores não pode deixar de coadunar-se com um processo de desenvolvimento profissional. Isto implica que deverá ser tida em conta na progressão da carreira a existência de uma coesa articulação entre a formação contínua, as necessidades da escola/agrupamento e as necessidades próprias e específicas do docente. Assim, a formação contínua deve visar a atualização pedagógica, científica e tecnológica do docente, o acompanhamento reflexivo do ritmo e da evolução da sociedade, e contribuir para o esforço de afirmação da dignidade e da relevância da carreira docente. Não pode, por isso, ser considerada como uma obrigação a cumprir para progredir na carreira, nem tão pouco como uma simples e avulsa atualização ou complemento de formação inicial. Também não deve subordinar-se à imposição arbitrária que obriga que dois terços da formação incidam sobre conteúdos de natureza científico-didática.
Contextos de mudança, competências docentes e formação contínua
Diversos documentos e estudos dão conta dos novos problemas que são colocados aos professores, quer no quadro mais amplo de uma sociedade cada vez mais complexa, quer nos contextos de trabalho onde quotidianamente se confrontam diferentes e, não raramente, contraditórias exigências e expectativas. No âmbito de uma autonomia condicionada e mais voltada para dimensões instrumentais, o desafio da gestão das diferenças (sociais, culturais, étnicas, de classe...) cruza-se com as pressões para a produção de resultados de excelência académica, muitas vezes indiferentes aos novos fatores de instabilidade que afetam as motivações e empenhamentos na profissão. Nestes contextos em que as condições do exercício da atividade docente estão em profunda alteração, pede-se aos professores que, mesmo assim, garantam aprendizagens de qualidade, incluindo nestas a transmissão de conhecimentos em constante desenvolvimento e mudança, que assegurem a promoção do desenvolvimento cognitivo e moral dos alunos e que adotem modelos de ensino inovadores, entre muitas outras solicitações.
As competências chave a desenvolver por parte dos cidadãos num processo de educação e de aprendizagem ao longo da vida a que a escola deverá responder, incluem: comunicação na língua materna; comunicação em línguas estrangeiras; competência matemática e competências básicas em ciências e tecnologia; competência digital; aprender a aprender; competências sociais e cívicas; espírito de iniciativa e espírito empresarial; sensibilidade e expressão culturais (cf. Recomendação do Parlamento Europeu e do Conselho sobre as competências essenciais para a aprendizagem ao longo da vida - 2006/962/CE). Mas o que parece particularmente relevante é que a mesma recomendação europeia também refere que o pensamento crítico, a criatividade, o espírito de iniciativa, a resolução de problemas, a avaliação de riscos, a tomada de decisões e a gestão construtiva dos sentimentos são dimensões importantes nas oito competências essenciais. É de lembrar, aliás, que muitas destas competências colocam igualmente grandes desafios aos professores, que podem não as ter adquirido durante a sua formação, constituindo-se assim como um referencial para a formação contínua.
Também neste mesmo documento da União Europeia (EU) são referidas cinco ações chave para apoiar os professores: definir um perfil de competências profissionais docentes, redefinir o sistema de recrutamento para selecionar os melhores para o ensino, assegurar sistemas de apoio na indução de novos docentes, rever as oportunidades dadas aos professores para formação contínua, assegurando uma aprendizagem profissional colaborativa; apoiar o desenvolvimento profissional dos professores através de feedback constante ao seu desempenho profissional. Chama-se ainda a atenção para a necessidade da formação das lideranças escolares, devendo estas centrar-se em melhorar as aprendizagens dos alunos. Em relação aos formadores de professores este documento refere a necessidade de definir o seu perfil e de reforçar a colaboração entre todos os atores chave nas diversas fases da formação de professores (cf. Supporting the Teaching Professions for Better Learning Outcomes. Strasbourg, 2012, pp. 60-64).
O perfil geral de desempenho profissional dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário, tal como definido no Decreto-Lei 240/2001, de 30 de agosto, "enuncia referenciais comuns à atividade dos docentes de todos os níveis de ensino, evidenciando exigências para a organização dos projetos da respetiva formação e para o reconhecimento de habilitações profissionais docentes", constituindo-se igualmente como um referencial quer da identidade profissional quer da formação inicial e contínua dos professores. Nele se incluem quatro dimensões da profissionalidade: a) "dimensão profissional, social e ética - o professor promove aprendizagens curriculares, fundamentando a sua prática profissional num saber específico resultante da produção e uso de diversos saberes integrados em função das ações concretas da mesma prática, social e eticamente situada"; b) "dimensão de desenvolvimento do ensino e da aprendizagem - o professor promove aprendizagens no âmbito de um currículo, no quadro de uma relação pedagógica de qualidade, integrando, com critérios de rigor científico e metodológico, conhecimentos das áreas que o fundamentam"; c) "dimensão de participação na escola e de relação com a comunidade - o professor exerce a sua atividade profissional, de uma forma integrada, no âmbito das diferentes dimensões da escola como instituição educativa e no contexto da comunidade em que esta se insere"; d) "dimensão de desenvolvimento profissional ao longo da vida - o professor incorpora a sua formação como elemento constitutivo da prática profissional, construindo-a a partir das necessidades e realizações que consciencializa, mediante a análise problematizada da sua prática pedagógica, a reflexão fundamentada sobre a construção da profissão e o recurso à investigação, em cooperação com outros profissionais".
A definição de quadros de referência claros sobre o perfil de competências profissionais dos professores é um elemento importante mas não suficiente para se promover a qualificação das práticas educativas e o desempenho docente desejado. O desempenho docente resulta não só das competências dos próprios docentes mas também da sua motivação e das condições que o docente tem para pôr em prática as competências de que dispõe. Nesta linha, será importante ter em conta, por exemplo, as condições que as escolas oferecem aos professores para exercer a sua profissão, com conhecimento científico atualizado, pensamento crítico, criatividade, espírito de iniciativa...
Mas persistem ainda outras condicionantes culturais e sociais que não podem ser desconsideradas numa política de formação contínua, nomeadamente aquelas que introduzem desigualdade no próprio acesso à formação. A este propósito, são de salientar os constrangimentos ainda existentes no que diz respeito às questões de género, nomeadamente pelo facto de os mesmos poderem ter repercussões importantes em termos de igualdade de oportunidades no uso dos tempos e espaços disponíveis de formação, sobretudo quando se sabe que, em Portugal, mais de 70 % dos professores são mulheres.
Modelos e práticas de formação contínua e sua qualidade: testemunhos
A maioria dos responsáveis pela formação contínua ouvidos pelo CNE, quer através da audição de 5 de fevereiro de 2013, quer através de consulta por escrito, manifestou-se no sentido de se manterem (de forma geral) as atuais modalidades de formação previstas pelo regime jurídico da formação contínua de professores, as quais oferecem diversas possibilidades de formação. Sem prejuízo da importância dada às formações de caráter mais académico, a maioria dos parceiros reforçou a necessidade da formação estar em estreita articulação com o trabalho docente desenvolvido na escola, quer na prática letiva quer noutras funções educativas. Nesta linha, reforça-se a relevância das oficinas de formação, de estágios, de projetos e círculos de estudos. Das entidades consultadas, várias são as vozes que referem a necessidade de reforçar as dinâmicas colaborativas nas escolas, quer através da realização de oficinas de formação, quer de projetos com vista à melhoria das práticas letivas (aspetos, aliás, igualmente reforçados pelos documentos da Comissão Europeia).Várias foram as associações consultadas que indicaram ser de valorizar as modalidades de formação contínua que dessem relevo à investigação e à procura de soluções de aprendizagem colaborativa, podendo ter formatos presenciais e a distância.
Neste caso, a modalidade de formação a distância surge com muita premência e é referida por vários interlocutores na medida em que vem responder de forma mais flexível às condições individuais dos docentes que poderão gerir o tempo de formação de forma individual. A disponibilidade de formação on-line poderá igualmente colmatar a falta de oferta relevante em certas áreas geográficas.
No que se refere à duração da formação, enquanto a maioria das entidades auscultadas se manifestou a favor de uma formação com uma duração mínima de 25 horas, algumas associações de professores indicaram que deveriam ser contempladas outras formações mais pontuais como a participação em congressos, encontros e workshops.
Também seria de relevar a constituição de equipas de formadores envolvendo, em processos colaborativos, professores mais experientes ou com especialização.
De igual modo, a participação por parte dos professores em projetos internacionais tem vindo a ganhar sentido e pertinência no quadro de uma mobilidade crescente entre países da União Europeia e entre países de língua oficial portuguesa. Seria interessante, por isso, assumir a natureza formadora destes projetos considerando-os como suscetíveis de creditação no âmbito da formação contínua.
Desenvolvimento profissional, formação em contexto de trabalho e planos nacionais de formação
Durante alguns anos, quando disponível, os docentes beneficiaram de alguma autonomia na escolha da formação que melhor respondesse aos seus interesses e necessidades recorrendo a instituições de ensino superior e a centros de formação de associações profissionais e sindicais, ou centros de associação de escolas. Algumas avaliações do impacto desta formação referem que a mesma nem sempre se traduziu em melhorias do desempenho docente na escola pelo facto de ser, muitas vezes, descontextualizada - razão pela qual se procura, atualmente, uma focalização na escola como local privilegiado de formação.
Todavia, sem prejuízo desta opção, não deveremos limitar a possibilidade dos professores escolherem a sua formação, em contextos avaliados por estes como mais propícios ao seu desenvolvimento profissional, sobretudo quando aquela não é possível nos contextos escolares de que fazem parte. Em qualquer dos casos, nos últimos anos, houve uma evolução da oferta de formação acreditada no sentido de se equilibrar os tipos de formação, notando-se positivamente o aumento da formação centrada nos contextos escolares.
O plano de ação no domínio de uma formação centrada na escola deve ser encarado como adequado às realidades específicas, não pretendendo, necessariamente, ser eficaz em todos os contextos. Este plano deve ser construído com uma ampla participação dos professores, acautelando eventuais tendências para o condicionamento a lógicas que, entre outros aspetos, possam acentuar a vontade unilateral do(a) diretor(a), enquanto principal órgão de administração e gestão da escola ou agrupamento de escolas ou mesmo de estruturas de gestão intermédia.
Paralelamente, os planos de formação a nível nacional, através de oportunidades criadas pelos governos, justificam-se na medida em que garantam maior equidade, possibilitem acesso a conhecimento científico-pedagógico atualizado ou relativo a programas e orientações curriculares nacionais, disponibilizem recursos e condições mais substantivos e eficazes do que no caso da formação organizada em contexto de trabalho ou, mesmo, em centros de formação de associação de escolas. Ressalva-se, todavia, a importância da participação das instituições de ensino superior e das associações profissionais, sindicais e científicas na implementação destes planos. Por exemplo, 40 % dos professores que participaram no Programa de Formação Contínua em Matemática (2006-2010) nunca tinham frequentado, até à data, qualquer formação na área. Estas iniciativas que vêm colmatar algumas falhas de oferta de formação local, ao nível das escolas, das instituições de ensino superior ou das associações profissionais, também revelam que é necessário promover a implementação de políticas nacionais neste domínio.
Os programas nacionais de formação de professores do Ensino Básico (1.º e 2.º ciclos) implementados entre 2006 e 2010 - Programa Nacional de Ensino do Português (PNEP), Programa de Formação Contínua em Matemática e o Programa de Formação em Ensino Experimental das Ciências - são três bons exemplos de formação, organizada a partir de um plano nacional, em colaboração com instituições de ensino superior. Estas formações, avaliadas de forma positiva, permitiram a participação de 8 333 docentes no Programa Nacional de Ensino do Português (PNEP); 14 400 docentes do 1.º ciclo e 2 600 no 2.º ciclo no Programa de Formação Contínua em Matemática; 6 000 docentes no Programa de Formação em Ensino Experimental das Ciências do 1.º ciclo. Os dados resultantes dos estudos realizados no contexto de cada programa evidenciam mudanças nas conceções dos professores, nos seus conhecimentos científicos e ao nível das práticas letivas. Por exemplo, no Programa de Formação em Ensino Experimental das Ciências os resultados revelaram que houve um impacto positivo nas aprendizagens dos alunos, nas conceções dos professores sobre a área de formação, na influência sobre o conteúdo dos manuais escolares e no aumento da oferta de formação.
É de relevar, nestes programas de iniciativa nacional, a forte ligação entre instituições de ensino superior e as escolas, a adoção de um modelo de formação centrada na experiência docente, localizada em contexto de trabalho e incidindo na aquisição de competências de ensino nas áreas disciplinares, com avaliação de natureza formativa e desenvolvimento de um processo de supervisão em contexto. A este propósito, os resultados de 2012 do desempenho de alunos portugueses em exames internacionais, como o TIMSS 2011 (Trends in International Mathematics and Science Study), poderão ser explicados, pelo menos em parte, pelo facto de aqueles programas de formação contínua serem consistentes e de duração prolongada, com incidência na escola e na prática docente.
Entidades formadoras e financiamento
A formação contínua é realizada por diferentes entidades públicas e privadas. Segundo informação recente, fornecida pelo Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua (CCPFC), estão atualmente acreditadas 298 entidades: 92 centros de formação de associação de escolas; 112 instituições de ensino superior (incluindo acreditação de unidades orgânicas); 53 centros de formação de associações profissionais ou científicas, sem fins lucrativos; 41 serviços centrais e regionais do Ministério da Educação e Ciência e 41 outras entidades diversas, acreditadas pelo CCPFC por apresentarem candidaturas e cumprirem a exigência definida em portaria própria, nomeadamente não visarem fins lucrativos e serem dotadas de utilidade pública.
O financiamento da formação contínua, numa primeira fase, foi essencialmente procedente de fundos comunitários (União Europeia), tendo tido um papel estruturante os centros de formação de associação de escolas, entre outras entidades. Numa segunda fase, a formação contínua ocorreu, de forma mais expressiva, através de programas nacionais específicos como o Plano de Ação para a Matemática, o Plano Nacional de Leitura (Ler+) em articulação com a Rede de Bibliotecas Escolares, a iniciativa Aprender e Inovar com TIC, o Programa de Formação em Ensino Experimental das Ciências, entre outros. Apenas a título de exemplo, registaram-se 16 000 ações de formação contínua relativas ao ensino experimental das ciências. O então Ministério da Educação lançou também o Programa Mais Sucesso Escolar, incentivando e apoiando iniciativas das escolas para combater o insucesso escolar no ensino básico através de projetos supervisionados cientificamente por entidades externas, sendo os mais conhecidos, pelo seu impacto nas aprendizagens, os projetos "Fénix» e "TurmaMais». No contexto da formação contínua foi também estabelecido um protocolo entre a Direção Geral dos Recursos Humanos da Educação e o ISCTE/IUL para a realização de cursos de Formação de Formadores Especializados em Avaliação do Desempenho Docente. Esta última experiência, que não teve, até ao momento, a continuidade esperada para a multiplicação de ações nesta área, poderia ter constituído outro tipo de iniciativa marcante na formação contínua, mais uma vez motivada pela avaliação do desempenho.
Recomendações
Tendo em conta a análise anterior, deverão ser consideradas, para a prossecução de uma política atualizada e consistente, em relação à formação contínua de professores, as seguintes recomendações:
Enquanto direito e dever dos professores, a formação contínua deverá ser gratuita sempre que proposta e realizada nos agrupamentos de escolas ou escolas não agrupadas, nos centros de formação de associação de escolas, ou a nível nacional por iniciativa do ministério da tutela;
Devem ser apoiados os agrupamentos de escolas e as escolas não agrupadas para que propiciem ações de formação contínua centradas na prática docente, as quais serão promovidas, sempre que possível e conforme os casos, em articulação com os centros de formação de associação de escolas, os institutos politécnicos e universidades, as associações pedagógicas e os sindicatos de professores;
Sendo fundamental o papel das estruturas de administração e gestão (de topo e intermédias) dos agrupamentos de escolas ou escolas não agrupadas, bem como as atribuições dos conselhos pedagógicos nesta matéria, a elaboração dos planos de formação e a concretização das ações deles decorrentes, não pode dispensar o envolvimento e participação dos educadores e professores e, em situações específicas, a auscultação da própria comunidade educativa, através dos órgãos em que esta está representada;
Havendo já um considerável número de professores com mestrado ou doutoramento em áreas científicas específicas ou em ciências da educação, estes deverão, sempre que possível, ser convidados a participar no desenho, organização e orientação de ações de formação contínua;
As instituições de ensino superior devem continuar a ter um papel central na formação contínua de educadores e professores, em articulação com as dinâmicas organizacionais dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, potenciando o trabalho colaborativo e levando em consideração os planos de melhoria e os planos de desenvolvimento profissional;
É importante sobrevalorizar a formação contínua com objetivos de desenvolvimento profissional (considerando diferentes dimensões), diminuindo, simultaneamente, o seu peso atual para a progressão na carreira;
Devem ser incentivados processos de acompanhamento reflexivo sobre as práticas docentes, assumindo-se a gestão intermédia, a supervisão e a avaliação (em vários domínios) como problemáticas centrais da formação contínua, independentemente de os professores terem, ou poderem vir a ter, atribuições específicas nestas matérias;
A atualização científica relativa às disciplinas lecionadas pelos professores é essencial, mas isso não deverá impedir ou dificultar que haja formação contínua em outras áreas, como a das ciências da educação;
Considerando a experiência acumulada, não poderão deixar de ser valorizadas diferentes metodologias de formação contínua, desde que congruentes com os objetivos estabelecidos para cada ação;
As dinâmicas inerentes ao desenvolvimento de projetos coletivos e a participação em projetos internacionais devem ser privilegiadas como espaços e tempos de formação contínua de professores e, como tal, suscetíveis de acreditação;
A opção pela formação contínua a distância, nomeadamente através de fóruns virtuais ou de e-learning, desde que adequadamente fundamentada, poderá, dentro de certos limites, constituir uma importante alternativa para atender às expectativas dos professores e à necessidade das escolas ou agrupamentos de escolas;
Por razões de coordenação e credibilização da formação contínua de professores, deve ser mantido, a nível descentralizado e com autonomia e representatividade nacional, o Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua;
O Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua deve assumir, de forma mais explícita e com maior visibilidade social, a divulgação de relatórios e outras informações sistematizadas decorrentes das suas atribuições de "acompanhamento do funcionamento do sistema de avaliação contínua";
Deve ser avaliado o trabalho realizado pelos centros de formação de associação de escolas antes que as atuais competências possam ser alteradas ou que novas atribuições lhe possam ser confiadas;
Os centros de formação de associação de escolas devem ser mantidos e financiados, passando a constituir-se também como centros de recursos, e ampliando a oferta de formação para outros profissionais da educação para além dos professores;
É necessário ter em conta que é urgente propiciar formação contínua dirigida aos diretores de agrupamentos de escolas ou escolas não agrupadas, não apenas na área da administração e gestão mas também nas áreas da avaliação do desempenho docente, da avaliação institucional e, mesmo, da avaliação dos resultados escolares;
A formação contínua deve estender-se a todos os que, tendo completado a sua formação inicial em cursos destinados ao ensino, aguardam colocação como educadores ou professores, ou têm vínculos laborais precários com o sistema educativo;
Os planos de formação contínua a nível nacional devem ter em conta as disparidades regionais e locais;
As licenças sabáticas e as concessões de equiparação a bolseiro para educadores e professores devem manter-se com um número significativo de vagas, não apenas para permitir a frequência de cursos mais longos de formação contínua, mas também para possibilitar a realização de trabalhos de investigação;
Embora esta Recomendação tenha tido em consideração, sobretudo, as realidades das escolas não agrupadas e agrupamentos de escolas públicas, torna-se indispensável incluir o ensino privado e cooperativo dentro das orientações gerais para a formação contínua de educadores e professores.
24 de abril de 2013. - A Presidente, Ana Maria Dias Bettencourt.
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