Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 33/2011
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I Relatório
1 - Requerente e objecto do pedido. - O Representante da República para a Região Autónoma da Madeira vem pedir a apreciação e declaração da ilegalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no artigo 4.º-A do Decreto Legislativo Regional 1/2009/M, de 12 de Janeiro, aditado pelo artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional 9/2010/M, de 4 de Junho, bem como da norma contida no artigo 4.º, n.º 2, deste último diploma, intitulado «Primeira alteração ao Decreto Legislativo Regional 1/2009/M, que adapta à Região Autónoma da Madeira a Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, que estabelece os regimes de vinculação de carreiras e remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas».O teor das normas questionadas é o seguinte:
Decreto Legislativo Regional 1/2009/M, de 12 de Janeiro, aditado pelo artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional 9/2010/M, de 4 de Junho
«Artigo 4.º-A
Aplicação de diplomas de revisão de carreiras e corpos especiais
Aos trabalhadores abrangidos nos n.os 1 e 2 do artigo anterior, que tenham mantido o vínculo de nomeação e estejam integrados em carreiras ou corpos especiais aos quais sejam aplicáveis regimes jurídicos de âmbito nacional, aplicam-se os diplomas legais que, em cumprimento do artigo 101.º da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, procedam à revisão das respectivas carreiras ou corpos especiais, independentemente do vínculo de emprego público a que respeite o âmbito de aplicação desses diplomas.» Decreto Legislativo Regional 9/2010/M, de 4 de Junho
«Artigo 4.º
...2 - O artigo 4.º-A, aditado pelo presente diploma, produz efeitos à data da entrada em vigor dos diplomas que em cumprimento do artigo 101.º da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, procedam ou tenham procedido à revisão das respectivas carreiras ou corpos especiais.» 2 - Fundamentos do pedido. - O requerente alega, em síntese, o seguinte:
A Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, «estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas». Ela abrange «todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da modalidade de vinculação e de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respectivas funções» e é também aplicável «aos serviços das administrações regionais e autárquicas».
A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira aprovou, em sessão plenária de 21 de Outubro de 2008, um decreto que «Adapta à administração regional autónoma da Madeira a Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, que estabelece os regimes de vinculação de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas».
Este decreto foi devolvido ao Parlamento Regional pelo Representante da República no exercício da competência conferida pelo artigo 233.º, n.º 2, da Constituição, solicitando-se nova apreciação do artigo 4.º, n.os 1 e 2, por se considerar que os mesmos preceitos padeciam do vício de ilegalidade.
Todavia, o Parlamento Regional confirmou o voto por maioria absoluta dos seus membros em efectividade de funções, mantendo integralmente o decreto que veio depois a ser assinado e publicado como Decreto Legislativo Regional 1/2009/M, de 12 de Janeiro.
O Representante da República requereu então ao Tribunal Constitucional, em processo de fiscalização abstracta sucessiva, a declaração, com força obrigatória geral, da ilegalidade das normas contidas no artigo 4.º, n.os 1 e 2, daquele diploma regional, por desconformidade com o artigo 79.º, n.º 2, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, nos termos do qual «o regime de quadros e carreiras dos funcionários dos serviços regionais regem-se pelos princípios fundamentais estabelecidos para os funcionários do Estado», tendo este Alto Tribunal considerado o pedido procedente, no Acórdão 256/2010, de 23 de Junho.
De facto, os n.os 1 e 2 do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional 1/2009/M, permitiam que os actuais trabalhadores da administração regional autónoma nomeados definitivamente mantivessem a nomeação definitiva e que aqueles que estejam provisoriamente nomeados ou em comissão de serviço durante o período probatório, bem como em contrato administrativo de provimento para a realização de estágio ou em comissão de serviço extraordinária pudessem transitar para a modalidade de nomeação definitiva.
Ora tal está em contrariedade com o princípio fundamental da Lei 12-A/2008, aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas que faz transitar a generalidade dos trabalhadores da Administração Pública definitivamente nomeados (mesmo, nos termos do artigo 88.º, n.º 4, os trabalhadores já em funções) para o regime do contrato por tempo indeterminado.
Entretanto, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, aprovou, em sessão plenária de 9 de Março do ano em curso, um decreto intitulado «Primeira alteração ao Decreto Legislativo Regional 1/2009/M, de 12 de Janeiro, que adapta à administração regional autónoma da Madeira a Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, que estabelece os regimes de vinculação de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas».
Este decreto foi devolvido ao Parlamento Regional pelo Representante da República no exercício da competência conferida pelo artigo 233.º, n.º 2, da Constituição, solicitando nova apreciação da norma contida no artigo 4.º-A a aditar ao Decreto Legislativo Regional 1/2009/M, por se considerar que esse preceito padecia do vício de ilegalidade.
Todavia, a Assembleia Regional confirmou o voto por maioria absoluta dos seus membros em efectividade de funções, mantendo integralmente o decreto que veio depois a ser assinado e publicado como Decreto Legislativo Regional 9/2010/M, de 4 de Junho.
O artigo 4.º-A do Decreto Legislativo Regional 1/2009/M, aditado pelo artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional 9/2010/M, manda aplicar aos trabalhadores que tenham mantido o vínculo de nomeação nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 4.º, do primeiro decreto legislativo, os diplomas de revisão de carreiras, cuja aprovação aparece prevista no artigo 101.º da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro. Pressupõe assim que possa haver trabalhadores nomeados definitivamente nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional 1/2009/M.
Este artigo 4.º-A é, além disso, completado pelo n.º 2 do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 9/2010/M, que estabelece o momento a partir do qual o artigo primeiramente citado produz efeitos.
Ambos os artigos padecem de ilegalidade.
Por força do disposto no artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, as regiões autónomas têm o poder de «[l]egislar no âmbito regional em matérias enunciadas no respectivo estatuto político-administrativo e que não estejam reservadas aos órgãos de soberania».
Mas, em concomitância com o respeito pelo limite do respeito da reserva de competência dos órgãos de soberania, hão-de tomar em consideração, como parâmetro de legalidade, o estabelecido no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma.
Ora, na situação em apreço, e tendo em atenção o quadro normativo invocado como credencial autorizadora no formulário inicial do diploma - o artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, e artigo 37.º, n.º 1, alínea c), do Estatuto Político-Administrativo - importa, desde logo, ter presente o já citado artigo 79.º, n.º 2, do Estatuto Político-Administrativo da Região.
Por força desta norma estatutária, os princípios fundamentais estabelecidos no regime de vinculação dos trabalhadores que exercem funções públicas haverão de ser, no essencial, os mesmos para os funcionários dos quadros da administração regional e da administração central.
Ficou explicito no Acórdão 256/10 do Tribunal Constitucional que o Estatuto Político-Administrativo impõe uma uniformidade de disciplina quanto aos «princípios estabelecidos para os funcionários do Estado», merecendo a qualificação de princípio fundamental o princípio que se extrai da Lei 12-A/2008, em matéria de manutenção e conversão da relação jurídica de emprego, da «transição imediata dos funcionários do Estado para a modalidade regra de contrato por tempo indeterminado, sem qualquer possibilidade de opção por parte deles».
Esse princípio foi desrespeitado pelas normas contidas nos n.os 1 e 2 do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional 1/2009/M e consequencialmente pela disciplina contida no artigo 4.º-A, aditado ao mesmo diploma pelo artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional 9/2010/M.
Este artigo reveste natureza idêntica à contida no artigo 4.º, n.os 1 e 2, daquele decreto legislativo, na medida em que dela resulta a possibilidade, para determinados trabalhadores, de manutenção do vínculo da nomeação definitiva, enquanto que, nos termos dos artigos 2.º, 3.º e 88.º da Lei 12-A/2008, esses mesmos trabalhadores, nomeados definitivamente, exercendo funções em condições diferentes das referidas no artigo 10.º da mesma lei, transitam necessariamente, sem outras formalidades, para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, não podendo manter o regime da nomeação definitiva.
Deste modo, deverá considerar-se ferida do vício de ilegalidade a norma contida no artigo 4.º-A aditado ao Decreto Legislativo Regional 1/2009/M pelo artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional 9/2010/M, por desrespeito do artigo 79.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira. Em concomitância, o n.º 2 do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional 9/2010/M, que determina a data de produção de efeitos do artigo 4.º-A aditado ao Decreto Legislativo Regional 1/2009/M pelo artigo 2.º daquele decreto legislativo regional, padecerá, consequentemente, do vício de ilegalidade.
3 - Resposta do órgão autor da norma. - Notificado para se pronunciar, querendo, sobre o pedido, o Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira veio dizer o seguinte:
O requerimento de declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas no artigo 4.º-A do Decreto Legislativo Regional 1/2009/M, de 12 de Janeiro, aditado pelo Decreto Legislativo Regional 9/2010/M, de 4 de Junho, bem como no n.º 2 do artigo 4.º, deste último diploma, parece envolver uma questão de formalismo jurídico, sem impacto na materialidade do ordenamento.
A citada norma contida no artigo 4.º-A do Decreto Legislativo Regional 1/2009/M, segundo o aditamento introduzido pelo Decreto Legislativo Regional 9/2010/M, está indissociavelmente ligada, através de referência expressa, ao regime constante dos n.os 1 e 2 do artigo 4.º daquele primeiro diploma.
Ora, tendo o Acórdão 256/2010, do Tribunal Constitucional, declarado a ilegalidade, com força obrigatória geral, dos referidos n.os 1 e 2 do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional 1/2009/M, está bem de ver que ilegal é a norma cuja aplicação depende da existência das que foram declaradas ilegais.
Por seu turno, o n.º 2 do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional 9/2010/M está directamente associado ao mencionado artigo 4.º-A, conforme também expressamente se refere no seu texto, pelo que a sua ilegalidade está já efectivada, também, na materialidade do ordenamento jurídico.
A este propósito, cabe referir que o presente requerimento do Sr.
Representante da República apenas parece ter por efeito «designar de morto, aquilo que já está morto». Mas realmente será assim? É que o ordenamento jurídico contém, validamente, normativos idênticos aos declarados ilegais, preexistentes estes, baseados em idênticas normas constitucionais, estatutárias e legais, não parecendo de acolher que um igual regime jurídico existente no País, aí interpretado e aplicado, possa ser ilegal num lugar ou para alguns cidadãos e noutro lugar e para outros cidadãos, legal.
Na verdade, iguais às declaradas como ilegais, pelo referido Acórdão 256/2010, são as constantes dos n.os 1 e 2 do artigo 7.º do Decreto Legislativo Regional 26/2008/A, de 24 de Julho, embora não referenciadas pela douta jurisprudência do Tribunal Constitucional.
Assim, pensamos que fará sentido que o Tribunal Constitucional - única entidade que em Portugal possui competência para apreciar e declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de quaisquer normativos - examine, designadamente, as normas contidas no artigo 4.º-A do Decreto Legislativo Regional 1/2009/M, de 12 de Janeiro, aditado pelo Decreto Legislativo Regional 9/2010/M, de 4 de Junho, bem como no n.º 2 do artigo 4.º, deste último diploma, visto que, atento o quadro factual descrito, não existe a absoluta certeza sobre a sua invalidade.
Nestes termos, oferecemos o merecimento dos autos além do supra-referido, aguardando a justa conclusão do Tribunal Constitucional sobre toda a matéria aqui em causa.
Elaborado o memorando a que se refere o artigo 63.º, n.º 2, da lei do Tribunal Constitucional, e tendo este sido submetido a debate, cumpre agora decidir de acordo com a orientação que o Tribunal fixou.
II Fundamentação
4 - A Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (LVCR), veio regular os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções na Administração Pública. Esta lei reduziu o universo dos trabalhadores nomeados definitivamente, estabelecendo que os trabalhadores da função pública ficam, por regra, sujeitos ao regime do contrato de trabalho por tempo indeterminado. De facto, só os trabalhadores que exerçam funções nas áreas especificamente indicadas no artigo 10.º da LVCR mantêm um vínculo de nomeação definitiva; os restantes trabalhadores da Administração Pública com nomeação definitiva passam a reger-se pelo regime do contrato por tempo indeterminado. Esta passagem do vínculo de nomeação definitiva para o regime de contrato por tempo indeterminado aplica-se mesmo aos trabalhadores que já exercem funções na Administração Pública (ficando estes embora, nos temos do n.º 4 do artigo 88.º da LVCR, ao abrigo do regime próprio da nomeação definitiva no que respeita à cessação da relação jurídica de emprego público e à reorganização de serviços e colocação de pessoal em situação de mobilidade especial).Na sequência da aprovação da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira aprovou o Decreto Legislativo Regional 1/2009/M cujo artigo 4.º tem a seguinte redacção:
«Artigo 4.º
Manutenção e conversão da relação jurídica de emprego público
1 - Os actuais trabalhadores da administração regional autónoma nomeados definitivamente mantêm a nomeação definitiva, sem prejuízo de poderem optar pela transição para o regime de contrato por tempo indeterminado, nos termos previstos na Lei 12-A/2008, caso manifestem essa intenção por escrito, no prazo de 90 dias contados da entrada em vigor do presente diploma ou do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP).
2 - Os actuais trabalhadores provisoriamente nomeados ou em comissão de serviço durante o período probatório, bem como em contrato administrativo de provimento para a realização de estágio ou em comissão de serviço extraordinária, findos os respectivos períodos probatórios ou os estágios e reunidos os demais requisitos de ingresso previstos nos regimes que lhes deram origem, transitam para a modalidade de nomeação definitiva, aplicando-se o disposto na parte final do número anterior.
...» Esta norma permite que mantenham o vínculo da nomeação definitiva trabalhadores que, segundo a lei dos vínculos, carreiras e remunerações, passam obrigatoriamente para o regime de contrato por tempo indeterminado.
Está pois em contradição clara com a LVCR.
Ora o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira estabelece, no n.º 2 do artigo 79.º, que «o regime de quadros e carreiras dos funcionários dos serviços regionais rege[m]-se pelos princípios fundamentais estabelecidos para os funcionários do Estado».
Por esse fundamento, o Tribunal Constitucional declarou, no seu Acórdão 256/2010, de 23 de Junho, a ilegalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas nos n.os 1 e 2 do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional 1/2009/M, de 12 de Janeiro. Fê-lo nos termos conclusivos que se seguem:
«De acordo com o que aqui se dispõe, os actuais trabalhadores da administração regional autónoma nomeados definitivamente mantêm a nomeação definitiva, sem prejuízo de poderem optar pela transição para o regime de contrato por tempo indeterminado; os actuais trabalhadores provisoriamente nomeados ou em comissão de serviço durante o período probatório, bem como em contrato administrativo de provimento para a realização de estágio ou em comissão de serviço extraordinária, transitam para a modalidade de nomeação definitiva, sem prejuízo de poderem optar pela transição para o regime de contrato por tempo indeterminado. A questão está, pois, em saber se este regime viola ou não os 'princípios fundamentais estabelecidos para os funcionários do Estado' em matéria de manutenção e conversão da relação jurídica de emprego público.
Tais princípios hão-de ser os que se extraem da Lei 12-A/2008 - aplicável, com as necessárias adaptações aos serviços das administrações regionais (artigo 3.º, n.º 2) -, diploma que veio definir e regular 'os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas' e, 'complementarmente', definir 'o regime jurídico-funcional aplicável a cada modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público' (artigo 1.º).
Um dos aspectos mais marcantes da reforma operada pela Lei 12-A/2008 é o da consagração do contrato como modalidade regra da constituição da relação jurídica de emprego público, quedando-se a nomeação como uma modalidade de natureza excepcional (artigos 9.º, 10.º e 20.º). Este novo regime é aplicável àqueles que no momento da entrada em vigor daquela lei já eram trabalhadores da função pública, sem lhes ser dada a faculdade de manterem o título jurídico definidor da relação de trabalho (artigos 88.º a 92.º).
Pode, pois, extrair-se do regime transitório estabelecido na Lei 12-A/2008, no tocante à manutenção e conversão da relação jurídica de emprego, que o legislador ordinário estabeleceu para os funcionários do Estado, como princípio fundamental, o da transição imediata para a modalidade regra de contrato por tempo indeterminado, sem qualquer possibilidade de opção por parte deles.
Este princípio foi desrespeitado pelos n.os 1 e 2 do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional 1/2009/M, na medida em que, por força deles, os trabalhadores da administração regional autónoma não transitam imediatamente para a modalidade regra de contrato por tempo indeterminado.
Mantêm a nomeação definitiva ou transitam para a modalidade de nomeação definitiva, fora dos casos previstos no artigo 10.º da Lei 12-A/2008, sem prejuízo de poderem optar pela transição para o regime de contrato por tempo indeterminado.
Não pode aceitar-se, pois, como invoca o autor da norma, que estão em causa meras 'adaptações às regras transitórias de aplicação no tempo do regime instituído pela Lei 12-A/2008', que se trata de 'evitar a imediata conversão da modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público dos actuais funcionários', e que 'a própria disciplina material da Lei 12-A/2008 sai incólume desta iniciativa legislativa regional', apenas se dando 'o alargamento, no domínio da administração regional, do universo de funcionários que, de alguma forma, beneficiam da manutenção do estatuto jurídico anterior'. Com efeito, por força do cumprimento dos dois diplomas (o nacional e o regional), destinatários diferentes embora em idêntica situação vêem-lhes ser aplicados regimes jurídicos diversos, que vão afectar o seu estatuto profissional. Para os actuais trabalhadores da administração regional, a nomeação foi instituída como modalidade regra da relação jurídica de emprego, enquanto que para a grande maioria dos restantes (actuais) trabalhadores passa a ser a do contrato de trabalho em funções públicas, daqui decorrendo consequências jurídicas distintas.» Sucede, porém, que entretanto, na pendência do processo em sede constitucional, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira aprovou novas normas, relativas aos regimes de vinculação e de carreiras dos trabalhadores que exercem funções na Administração Pública, que não estavam incluídas entre as normas impugnadas no processo 375/09 conducente ao Acórdão 256/2010.
São precisamente as normas agora impugnadas: o artigo 4.º-A do Decreto Legislativo Regional 1/2009/M, de 12 de Janeiro, aditado pelo artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional 9/2010/M, de 4 de Junho, e do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional 9/2010/M, de 4 de Junho.
Estas normas partem, contudo, ambas do pressuposto da validade dos n.os 1 e 2 do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional 1/2009/M.
Na verdade o artigo 4.º-A aplica-se «aos trabalhadores abrangidos nos n.os 1 e 2 do artigo anterior [ou seja, do artigo 4.º], que tenham mantido o vínculo de nomeação». Ele liga-se pois logicamente ao artigo 4.º, n.os 1 e 2, do Decreto Legislativo Regional 1/2009/M, a que faz referência expressa.
Ora os n.os 1 e 2 do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional 1/2009/M, que pretendiam manter vínculos de nomeação definitiva para além do permitido na Lei 12-A/2008, foram declarados, com força obrigatória geral, ilegais, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 256/2010, dado violarem o artigo 79.º, n.º 2, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.
Deste modo, os trabalhadores abrangidos pelos n.os 1 e 2 do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional 1/2009/M não podem ter mantido o vínculo de nomeação definitiva. Isto significa que, com a acima mencionada declaração de ilegalidade do Acórdão 256/2010, a norma do artigo 4.º-A do mesmo diploma, posteriormente aditada e agora impugnada, não tem objecto válido.
Tem como pressuposto de aplicação algo que foi formalmente declarado ilegal pelo Tribunal Constitucional e padece, consequentemente, também de ilegalidade.
Sendo ilegais os n.os 1 e 2 do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional 1/2009/M, na sua previsão e na sua estatuição (que permite manter o vínculo da nomeação definitiva fora das condições previstas na Lei 12-A/2008), é, por consequência, ilegal o artigo 4.º-A desse mesmo diploma que tem como pressuposto necessário de aplicação a estatuição normativa dos preceitos referidos.
O mesmo se diga do artigo 4.º, n.º 2, que pretende determinar o momento a partir do qual a norma do artigo 4.º-A produz efeitos, dizendo que tal sucede «à data da entrada em vigor dos diplomas que em cumprimento do artigo 101.º da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, procedam ou tenham procedido à revisão das respectivas carreiras ou corpos especiais». Esta norma só faz sentido no pressuposto da validade do citado artigo 4.º-A, uma vez que apenas se refere à data da sua entrada em vigor. Simplesmente, já vimos que esse artigo padece de ilegalidade.
Nestes termos, ambas as normas impugnadas são consequencialmente ilegais: o artigo 4.º-A do Decreto Legislativo Regional 1/2009/M, aditado pelo artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional 9/2010/M, pelo facto de só ser aplicável no pressuposto da estatuição de normas já declaradas ilegais pelo Tribunal Constitucional; o artigo 4.º, n.º 2, do diploma por último referido é também consequencialmente ilegal por apenas ser aplicável em função do mencionado artigo 4.º-A, uma vez que apenas determina o momento da sua aplicação.
III Decisão
5 - Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide declarar, com força obrigatória geral, a ilegalidade da norma contida no artigo 4.º-A do Decreto Legislativo Regional 1/2009/M, de 12 de Janeiro, aditado pelo artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional 9/2010/M, de 4 de Junho, bem como da norma contida no artigo 4.º, n.º 2, deste último diploma.Lisboa, 17 de Janeiro de 2011. - José Borges Soeiro - Vítor Gomes - Carlos Fernandes Cadilha - Maria Lúcia Amaral - João Cura Mariano - Joaquim de Sousa Ribeiro - Catarina Sarmento e Castro - Carlos Pamplona de Oliveira (com declaração) - Gil Galvão - (têm voto de conformidade os conselheiros Maria João Antunes, Ana Guerra Martins e Rui Moura Ramos, que não assinam por não estarem presentes) - José Borges Soeiro.
Declaração de voto
Em face da similitude do caso, e mantendo o entendimento firmado na declaração de voto aposta ao Acórdão 256/2010, igualmente concluo pela não ilegalidade das normas impugnadas.Acontece que estas normas se radicam nos n.os 1 e 2 do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional 1/2009/M, de 12 de Janeiro, cuja ilegalidade com força obrigatória geral (por violação do artigo 79.º, n.º 2, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira), o Tribunal declarou no aludido Acórdão 256/2010. Assim, uma vez que as normas impugnadas apresentam como pressuposto normativo as disposições entretanto ilegalizadas, não restará outra solução que não a adoptada no presente Acórdão. - Carlos Pamplona de Oliveira.