Resolução do Conselho de Ministros n.º 94/2010
A presente resolução aprova o II Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos, enquanto instrumento catalisador de uma acção multidisciplinar, integrada e transversal, envolvendo diversos ministérios, entidades públicas e privadas e organizações não governamentais (ONG).
O tráfico de seres humanos, em qualquer uma das suas formas, constitui um atentado aos direitos humanos, pelo que assume primordial importância combater este flagelo de forma determinada. Com efeito, na esteira da crescente preocupação com este fenómeno ao nível das instituições internacionais, Portugal, a exemplo do que sucede na maioria dos países europeus, adoptou uma estratégia visando combater o problema de forma integrada.
O XVII Governo Constitucional aprovou o I Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos (2007-2010), através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 81/2007, de 22 de Junho. No âmbito desse Plano, adoptaram-se diversas medidas, das quais se destaca a criação do Observatório do Tráfico de Seres Humanos, estrutura nuclear de monitorização para um melhor e mais aprofundado conhecimento da temática, tendo em vista uma actuação mais eficaz e sustentada dos diversos actores.
Neste quadro, importa dar continuidade e consolidar as medidas adoptadas, criar um leque de novas medidas operacionais numa lógica facilitadora da sua implementação e, ainda, aprofundar o conhecimento sobre as diferentes vertentes que caracterizam o tráfico de seres humanos, nomeadamente o que visa fins de exploração sexual e exploração laboral.
Neste sentido, e conforme consta das Grandes Opções do Plano para 2010-2013, aprovadas pela Lei 3-A/2010, de 28 de Abril, a presente resolução aprova o II Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos, cuja implementação decorre entre 2011 e 2013, que comporta 45 medidas estruturadas em torno de quatro áreas estratégicas de intervenção:
i) Conhecer, Sensibilizar e Prevenir;
ii) Educar e Formar;
iii) Proteger e Assistir; e iv) Investigar Criminalmente e Cooperar.
Entre as 45 medidas, destacam-se as seguintes: elaborar campanhas anuais de sensibilização, promover a integração de módulos disciplinares sobre o tráfico de seres humanos nos conteúdos formativos académicos, integrar o tema do tráfico de seres humanos na área de projecto do ensino secundário, promover a formação de magistrados nesta matéria, promover a formação de pessoal de saúde e de forças de segurança que intervenham junto de vítimas de tráfico para fins de exploração sexual ou laboral, promover linhas de financiamento que incentivem projectos na área da protecção e da assistência das vítimas e implementar mecanismos de apoio e consulta jurídica a vítimas de tráfico de seres humanos.
Estas medidas permitem, assim, reforçar o conhecimento do fenómeno, privilegiar a acção pedagógica junto dos diversos actores ligados ao mesmo, possibilitando acções concretas e concertadas que visem a protecção, a assistência das vítimas e o sancionamento dos agentes do tráfico.
A coordenação do Plano é assumida pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, enquanto entidade com atribuições na área da cidadania e da promoção e defesa da igualdade de género. Tendo em conta o carácter transversal das acções, a implementação de algumas medidas é da responsabilidade de outras entidades, exigindo-se nesses casos uma intervenção partilhada e orientada para objectivos comuns.
O presente Plano foi submetido a consulta pública.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Aprovar o II Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos, doravante designado Plano, em anexo à presente resolução, da qual faz parte integrante.
2 - Designar a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) como entidade coordenadora do Plano, a quem compete, para estes efeitos, designadamente:
a) Elaborar relatórios anuais sobre o grau de execução do Plano, deles dando conhecimento ao membro do Governo de que depende;
b) Acompanhar as medidas constantes do Plano e solicitar às entidades responsáveis informações sobre o grau de execução das mesmas;
c) Pronunciar-se, quando solicitada, sobre medidas legislativas relativas ao combate ao tráfico de seres humanos e à protecção das vítimas de tráfico;
d) Pronunciar-se, quando solicitada, sobre matérias relativas ao combate ao tráfico de seres humanos e à protecção das vítimas de tráfico;
e) Desenvolver uma rede de contactos institucionais, envolvendo a sociedade civil, que permita o acompanhamento e monitorização das diversas formas de tráfico de seres humanos;
f) Relacionar-se com entidades congéneres estrangeiras e internacionais ao nível do tráfico de seres humanos;
g) Promover e participar no desenvolvimento de estruturas e redes de informação a nível nacional e internacional;
h) Promover a implementação integrada de todas as medidas constantes do Plano;
i) Garantir a avaliação final da execução do Plano por entidade externa.
3 - Determinar que as entidades envolvidas na implementação do Plano devem prestar toda a colaboração à entidade coordenadora.
4 - Determinar que, sem prejuízo dos números anteriores, cada ministério é responsável pela implementação das medidas cometidas às entidades que deles dependem.
5 - Determinar que o relator nacional para o tráfico de seres humanos seja designado, de entre um dos membros da entidade coordenadora, por despacho do membro do Governo responsável pela área da igualdade, pelo período de vigência do Plano.
6 - Determinar a criação de uma comissão técnica de apoio à entidade coordenadora, constituída pelos seguintes elementos:
a) O relator nacional para o tráfico de seres humanos;
b) O chefe de equipa do Observatório do Tráfico de Seres Humanos;
c) Um representante do Ministério dos Negócios Estrangeiros;
d) Um representante da Presidência do Conselho de Ministros;
e) Um representante do Ministério da Administração Interna;
f) Um representante do Ministério da Justiça;
g) Um representante do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social;
h) Um representante do Ministério da Saúde.
7 - Determinar que a designação dos representantes referidos no número anterior, para o período de vigência do Plano, é feita por despacho do membro do Governo responsável pela área da igualdade, sob proposta dos diferentes ministérios.
8 - Determinar que o exercício de funções na comissão técnica de apoio pode ser feito mediante o recurso a mobilidade geral prevista no n.º 5 do artigo 28.º da Lei 4/2004, de 15 de Janeiro.
9 - Determinar que os encargos orçamentais decorrentes da aplicação da presente resolução são suportados por dotações provenientes do orçamento da CIG, sem prejuízo das medidas a cargo dos departamentos ministeriais identificados serem suportadas pelos respectivos orçamentos.
Presidência do Conselho de Ministros, 11 de Novembro de 2010. - O Primeiro-Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
ANEXO
II PLANO NACIONAL CONTRA O TRÁFICO DE SERES HUMANOS
Sumário executivo
O II Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos (2011-2013) foi estruturado segundo um modelo que define quatro áreas estratégicas, a partir das quais surgem 45 medidas para a sua operacionalização. A todas estas medidas estão associadas as entidades responsáveis pela sua implementação e os respectivos indicadores de execução.No capítulo i apresenta-se uma contextualização nacional e internacional do tráfico de seres humanos, assim como o enquadramento das políticas de combate a este fenómeno. O capítulo ii apresenta a metodologia de operacionalização e a forma como o II Plano irá ser executado nas suas diferentes vertentes.
No capítulo iii especificam-se as quatro áreas estratégicas de intervenção:
i) Conhecer, Sensibilizar e Prevenir;
ii) Educar e Formar;
iii) Proteger e Assistir; e iv) Investigar Criminalmente e Cooperar.
A 1.ª área estratégica inclui 16 medidas, 5 no âmbito da subárea Conhecer, 6 na Sensibilizar e, por último, 5 medidas alocadas à subárea Prevenir.
A 2.ª área compreende 13 medidas de operacionalização que se subdividem na vertente Educar, com 6 medidas, e Formar, com 7 medidas.
A 3.ª área é composta por 8 medidas de operacionalização, sendo que 3 medidas estão destinadas a Proteger e 5 medidas a Assistir.
A 4.ª área integra um total de 8 medidas de operacionalização, 3 incluídas em Investigar Criminalmente e 5 em Cooperar.
I - Introdução
O tráfico de seres humanos não é um fenómeno recente mas tem assumido proporções cada vez mais preocupantes à escala mundial. O crescimento deste fenómeno deu origem a uma reflexão e a uma acção sistemática, quer no plano internacional (multilateral ou bilateral) quer no âmbito nacional, orientadas para a sua erradicação.O aumento das assimetrias sócio-económicas entre diferentes países e regiões origina um aumento da criminalidade organizada e da vulnerabilidade das pessoas, criando situações de exploração humana.
Esta exploração constitui uma forma moderna de escravatura, configurando uma grave violação dos direitos humanos.
Realidades associadas à pobreza, à falta de oportunidades, à discriminação e à violência de género, aos reduzidos níveis de educação, à corrupção ou aos conflitos armados constituem, entre outras, algumas das principais causas deste crescente fenómeno.
O tráfico de seres humanos reveste diversas formas, tais como a exploração sexual, a exploração laboral, o tráfico de órgãos, a mendicidade, as adopções ilegais e o trabalho doméstico ilegal.
Segundo a United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC), mais de 2,4 milhões de pessoas são actualmente vítimas de tráfico para fins comerciais. Trata-se de uma realidade que priva as pessoas dos seus direitos de cidadania mais elementares, com um impacto dramático nas suas dimensões física, psicológicas ou emocionais. De acordo com o relatório Global Report on Trafficking in Persons, elaborado no âmbito da Iniciativa Global contra o Tráfico de Seres Humanos das Nações Unidas (UN.GIFT), de Fevereiro de 2009, a exploração sexual assume-se como a forma mais relatada de tráfico, com 79 % dos casos, registando o tráfico para fins de exploração laboral 18 % das situações identificadas.
Sendo uma realidade à escala global importa destacar que, directa ou indirectamente, as mulheres e as crianças continuam a ser as principais vítimas do tráfico. Com efeito, as mulheres e as crianças continuam a apresentar um maior risco de vulnerabilidade maioritariamente associada a factores de exclusão social e de discriminação. Assim, é determinante que as políticas de prevenção e de apoio dediquem uma especial atenção a estas realidades específicas.
A já referida partilha de responsabilidades e a cooperação ao nível internacional, promovida quer no âmbito das administrações dos Estados quer no âmbito das diferentes organizações da sociedade civil (nomeadamente das organizações não governamentais, das universidades ou dos demais actores sociais), começa a apresentar resultados positivos. Tal traduz-se na progressiva sensibilização das populações para esta questão e na implementação de medidas que visam a erradicação deste flagelo humano.
Diversas organizações internacionais têm vindo a dedicar especial atenção ao estudo desta realidade produzindo documentos orientadores de intervenção política, científica ou técnica e que funcionam como referenciais estratégicos nos contextos internacional e nacional.
Destacam-se neste âmbito a Organização das Nações Unidas, a União Europeia, o Conselho da Europa e a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE).
Neste domínio pode referir-se o Protocolo Adicional Relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças (adoptado por Portugal em 2004) que foi inserido na Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada. Este Protocolo foi ratificado por mais de dois terços dos Estados membros da ONU, o que demonstra o inequívoco posicionamento desses Estados relativamente ao combate ao tráfico de seres humanos.
Neste contexto, foi ainda aprovado o Plano Global de Acção de Combate ao Tráfico de Pessoas das Nações Unidas (Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas n.º 64/293), de 12 de Agosto de 2010, que apela aos governos para que desenvolvam medidas coordenadas e consistentes na erradicação deste flagelo.
No âmbito do combate ao tráfico de seres humanos a ONU adoptou ainda outras resoluções. Saliente-se a Resolução 63/156 - Trafficking in Women and Girls, de 30 de Janeiro de 2009, que propõe uma abordagem do tráfico alicerçada nas perspectivas da igualdade de género e da idade.
A 63.ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, realizada em Setembro de 2008, aprovou uma resolução sobre Improving the Coordination of Efforts against Trafficking in Persons. Esta resolução sublinha a importância de melhorar a coordenação de acções no combate ao tráfico de seres humanos.
A Iniciativa Global contra o Tráfico de Seres Humanos das Nações Unidas (UN.GIFT), em Março de 2007, criou uma parceria entre o Gabinete das Nações Unidas para a Droga e Crime (UNODC), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização Internacional das Migrações (OIM), o Fundo das Nações Unidas para as Crianças (UNICEF), o Gabinete do Alto Comissário para os Direitos Humanos das Nações Unidas (OHCHR) e a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), orientada para a mobilização de todos os agentes na erradicação do tráfico de seres humanos, tendo sido realizado o seu primeiro Fórum Global em Viena, em Fevereiro de 2008.
A União Europeia tem registado avanços significativos no combate ao tráfico de seres humanos. A exemplo disto refira-se o Plano da União Europeia sobre boas práticas, normas e procedimentos para combate e prevenção do tráfico de seres humanos, adoptado em Dezembro de 2005 (JO C 311, de 9 de Dezembro de 2005), o qual foi objecto de avaliação em finais de 2008.
No seguimento dessa avaliação foram elaboradas diversas recomendações dirigidas aos Estados membros, à Europol, ao Eurojust, à Presidência da União Europeia e à própria Comissão Europeia. Entre essas recomendações destaca-se:
a) A implementação de um sistema de relatores nacionais ou outros mecanismos similares;
b) O estabelecimento de mecanismos de referência nacionais para a identificação e apoio às vítimas;
c) A formação contínua ao nível das estruturas de combate ao tráfico de seres humanos.
Em 2008, a Comissão Europeia elegeu um novo grupo de peritos sobre tráfico de seres humanos, constituídos por 21 membros, entre os quais um português, com formação em diversas áreas, escolhidos segundo os seus perfis profissionais. A missão deste grupo de peritos consiste no aconselhamento da Comissão Europeia através da elaboração de relatórios e pareceres sobre este tema.
Importa igualmente realçar que o dia 18 de Outubro foi designado, pela Comissão Europeia, como o Dia Europeu contra o Tráfico de Seres Humanos.
Em Junho de 2009, o Conselho da União Europeia adoptou as conclusões relacionadas com a necessidade de implementação de uma rede informal de relatores nacionais ou mecanismos similares. O objectivo que norteia esse documento está relacionado com a necessidade de promover um maior e melhor conhecimento do fenómeno, contribuindo para desenvolver informações fiáveis que permitam uma resposta mais adequada e eficaz nesta área.
Actualmente, está em fase de elaboração uma directiva relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à protecção das vítimas que revoga a Decisão Quadro n.º 2002/629/JAI. Esse novo instrumento estará alicerçado na Convenção do Conselho da Europa contra o Tráfico de Seres Humanos, de 16 de Maio de 2005, desenvolvendo, contudo, um quadro mais ambicioso nesta área.
Ao nível do Conselho da Europa, a Convenção contra o Tráfico de Seres Humanos, de 16 de Maio de 2005, constitui o primeiro documento internacional que contém uma definição mais ampla de «vítima de tráfico» e impede que cada Estado Parte decida quem deve ter esse estatuto. Nesse sentido, essa Convenção realça que o tráfico de seres humanos constitui uma violação dos direitos humanos e é uma ofensa à dignidade e integridade das pessoas. Os elementos que constituem o crime de tráfico de seres humanos são os mesmos que estão consagrados no Protocolo Adicional Relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças, das Nações Unidas.
Enumera igualmente um conjunto de medidas de apoio para vítimas de tráfico, incluindo assistência psicológica e física, apoio à sua reintegração na sociedade, aconselhamento, informação, assim como alojamento apropriado e compensação.
Contempla, também, medidas de protecção das vítimas ao nível judicial (segurança, realojamento, alteração da identidade), prevê um período de reflexão, a par da possibilidade de se conceder uma autorização de residência quer por motivos humanitários quer alicerçado em circunstâncias de cooperação com as autoridades judiciais.
Através do mecanismo de monitorização da aplicação desta Convenção, a efectuar pelo Grupo de Peritos sobre o Tráfico de Seres Humanos (GRETA), os respectivos Estados que a ratificaram devem providenciar informação relativa à sua implementação e, posteriormente, são elaboradas as respectivas recomendações.
Portugal será envolvido neste processo de recolha de informação a partir de Fevereiro de 2011.
Recentemente, a OSCE também tem desenvolvido esforços relacionados com o combate ao tráfico de seres humanos. No seguimento do conselho ministerial de 2007 foi publicada uma decisão relacionada com o combate ao tráfico laboral, em que se apresentou um conjunto de recomendações relacionadas com a identificação e apoio às vítimas deste tipo de tráfico. Em 2008, a Assembleia Parlamentar da OSCE aprovou uma resolução relacionada com o reforço dos meios para combater todas as formas de tráfico de seres humanos, tendo em especial atenção as necessidades das crianças (Astana Declaration).
Por fim, importa referir que a Declaração de Vilnius (2009) associa a vulnerabilidade económica das mulheres e dos homens ao aparecimento de fenómenos associados à exploração. No âmbito desta Declaração, os Estados foram incentivados a desenvolver programas de prevenção e campanhas de sensibilização.
Importa destacar que Portugal tem, cada vez mais, uma posição de vanguarda nas políticas relacionadas com o combate ao tráfico de seres humanos.
Com efeito, o I Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos (I PNCTSH) teve como objectivo fundamental a construção e a consolidação de um amplo mecanismo de referência nacional, no qual a vertente do apoio e protecção às vítimas teve um papel nuclear. Por via dos instrumentos legais publicados (em que se destaca a Lei 23/2007, de 4 de Julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência e afastamento de estrangeiros do território nacional) e da consolidação do modelo de sinalização-identificação-integração, Portugal dispõe actualmente de um mecanismo de protecção adequado às necessidades existentes e que vai ao encontro de níveis de exigência que a comunidade internacional requer para o combate ao tráfico de seres humanos. Todo este modelo está alicerçado no primado dos direitos humanos e na intervenção com base na cooperação entre os diversos actores.
A criação do Centro de Acolhimento e Protecção (CAP) constituiu igualmente um elemento estruturante na abordagem a esta realidade numa perspectiva de direitos humanos. Este apoio é suficientemente abrangente que contempla, entre outros, as vertentes da protecção/segurança, do apoio médico, jurídico e psicológico, da tradução e do acesso a programas oficiais. Toda a intervenção está direccionada para o apoio à vítima e às suas necessidades de integração.
A criação do Observatório contra o Tráfico de Seres Humanos (OTSH) é um instrumento fundamental para a abordagem eficaz e adequada desta realidade.
Com efeito, a implementação do OTSH (efectuada no decurso do I PNCTSH) permite - e permitirá - um maior conhecimento sobre esta realidade, que, até à data, se mantinha sob um elevado grau de ocultação.
Um dos principais méritos da implementação do I PNCTSH, tal como evidencia o respectivo relatório de avaliação, foi a aposta nas áreas de intervenção relacionadas com a prevenção, com a sensibilização, com a formação e com a investigação. Tal suscita, de resto, a necessidade de lhe ser dada a adequada continuidade como forma de garantir a sua consolidação.
A introdução e a consolidação do tema na agenda pública e política representam alguns dos resultados mais significativos da aplicação do I PNCTSH.
Com efeito, o I PNCTSH contribuiu de forma assinalável para o despertar da opinião pública e do poder político para a realidade do tráfico de seres humanos. O I PNCTSH cumpriu dois grandes desafios: uma maior consciencialização sobre este fenómeno e, consequentemente, uma maior responsabilização política no que concerne ao seu combate.
O II Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos (II PNCTSH) parte da experiência e do conhecimento adquiridos, bem como da participação de organizações da sociedade civil (nomeadamente as ONG ou os profissionais desta área) para desenvolver medidas de intervenção no combate ao tráfico de seres humanos adequadas à realidade portuguesa.
Com o II PNCTSH pretende-se consolidar a estratégia nacional neste domínio através do reforço das respectivas áreas de intervenção. O II PNCTSH assenta nas seguintes orientações estratégicas:
a) Continuar a desenvolver o combate dos estereótipos numa perspectiva de género, tendo como primado a questão dos direitos humanos;
b) Privilegiar a construção de um acervo de medidas operacionais nas diferentes áreas estratégicas com objectivos claros e precisos, de modo a facilitar a sua execução;
c) Apostar na reflexão sobre as diferentes temáticas e realidades que caracterizam o tráfico de seres humanos, nomeadamente no que se refere ao tráfico para fins de exploração sexual e tráfico para fins de exploração laboral, na perspectiva de país de destino, de trânsito e de origem.
II - Metodologia de operacionalização e de monitorização
Este Plano integra as diversas orientações políticas, científicas e técnicas disponíveis nos planos nacional e internacional, as quais foram devidamente ajustadas à realidade observada, aos recursos disponíveis e ao período de tempo definido para a sua execução. Este Plano exprime uma visão global e integrada no combate ao tráfico de seres humanos estabelecendo uma indispensável ligação com o IV Plano Nacional contra a Violência Doméstica e o IV Plano Nacional para a Igualdade, Cidadania e Género.
O II PNCTSH apresenta uma estrutura que permite desagregar as áreas estratégicas de intervenção segundo as diversas medidas que as constituem, as diferentes entidades responsáveis pela sua execução e os respectivos indicadores. As áreas estratégicas e as respectivas medidas constituem um conjunto integrado que permite a monitorização permanente da intervenção. Pretende-se que a monitorização permanente favoreça a optimização de recursos e permita a obtenção de resultados significativos.
A coordenação deste Plano é da responsabilidade da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), mas a execução das acções depende da participação dos diversos parceiros envolvidos. Com efeito, embora seja atribuída à CIG a coordenação geral da sua execução, trata-se de uma intervenção partilhada entre vários parceiros e orientada para objectivos comuns. Nesse contexto, estão disponíveis financiamentos para projectos a desenvolver por organizações da sociedade civil no âmbito do Eixo n.º 7, «Igualdade de género», do Programa Operacional do Potencial Humano (POPH) do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), nomeadamente as tipologias n.º 7.3, «Apoio técnico e financeiro às ONG», e n.º 7.4, «Apoio a projectos de formação para públicos estratégicos».
Os organismos da Administração Pública envolvidos têm de enviar à CIG, até três meses após a aprovação do presente Plano, as planificações sectoriais devidamente caracterizadas, bem como identificar os responsáveis pela sua execução.
A execução do presente Plano pressupõe uma total colaboração entre todos os parceiros na implementação das diferentes medidas e planificações anuais, a que se sucederão os processos de execução, de monitorização e de avaliação. As responsabilidades de cada organismo estão claramente definidas de modo a garantir a execução das medidas do Plano. É produzido obrigatoriamente um relatório anual de execução.
III - Áreas estratégicas de intervenção
1.ª Conhecer, Sensibilizar e Prevenir
Esta área tem como principal objectivo consolidar o processo de recolha de dados nas diferentes vertentes do tráfico de seres humanos, assim como reforçar o investimento na sensibilização da população geral e de públicos específicos dando prioridade à prevenção do fenómeno.Neste domínio pretende-se ainda contribuir para um conhecimento mais aprofundado sobre este tema capacitando instituições públicas e ou privadas e cidadãos.
Objectivo. - Promover e reforçar o conhecimento sobre as diferentes realidades do tráfico de seres humanos existentes em Portugal, assim como consolidar a consciencialização com vista à prevenção do fenómeno.
(ver documento original)
Nesta área pretende-se promover o aprofundamento do conhecimento sobre o tráfico de seres humanos, nomeadamente através da investigação e da formação/qualificação dos agentes intervenientes no combate a este fenómeno.Objectivo. - Incluir o tema do tráfico de seres humanos nos sistemas educativos em todos os níveis de ensino, assim como reforçar a formação para públicos estratégicos.
(ver documento original)
3.ª Proteger e Assistir
Esta área privilegia a melhoria da protecção e da assistência às vítimas dos diferentes tipos de tráfico de seres humanos.Objectivo. - Consolidar as práticas de intervenção direccionadas às vítimas através de uma maior especialização no seu atendimento, tendo em conta os diferentes tipos de tráfico.
(ver documento original)
4.ª Investigar Criminalmente e Cooperar
Esta área centra-se na detecção e na investigação de casos de tráfico de seres humanos através da estreita cooperação entre as diferentes forças de segurança.
Neste sentido, a execução de grande parte das medidas elencadas neste ponto é da exclusiva competência das entidades com atribuições na área da investigação criminal, sendo que a maior parte delas já se encontra em execução.
Assim, neste ponto em concreto, o papel da entidade coordenadora será integrar estas medidas na estratégia global de combate ao tráfico de seres humanos.
Pretende-se também desenvolver mecanismos de colaboração e de troca de boas práticas com organismos congéneres de outros países para melhorar e harmonizar procedimentos comuns no combate ao tráfico de seres humanos (crime que se caracteriza por movimentações transnacionais).
Objectivo. - Reforçar a investigação de casos de tráfico de seres humanos nas suas diferentes vertentes, alicerçando esta intervenção na especialização e na cooperação entre diferentes organismos.
(ver documento original)
V - Avaliação
A avaliação do II Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos é a forma de aperfeiçoar o conhecimento acerca da sua execução, contribuindo ao mesmo tempo para melhorar o processo de planeamento das intervenções.A metodologia de monitorização permite verificar se os objectivos e as metas estão a ser atingidos. É importante um processo de avaliação específico, através de indicadores, para cada medida do Plano.
Para além das referidas avaliação e monitorização permanentes, da responsabilidade dos parceiros na execução do Plano, a avaliação final deste fica a cargo de uma entidade externa que garanta a imparcialidade do procedimento. A avaliação externa do Plano deve incluir também dados relativos ao seu impacto na sociedade. No âmbito desta avaliação, os diferentes parceiros na execução deste Plano devem garantir o fornecimento dos contributos que sejam solicitados.
Siglas usadas:
ACIDI - Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural.
ACT - Autoridade para as Condições do Trabalho.
ANAFRE - Associação Nacional de Freguesias.
ANM - Associação Nacional de Municípios.
APAVT - Associação Portuguesa de Agências de Viagem e Turismo.
APF - Associação para o Planeamento da Família.
ARS - Administração regional de saúde.
CEPOL - European Police College.
CEJ - Centro de Estudos Judiciários.
CIG - Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género.
CLAI - Centro Local de Apoio ao Imigrante.
CNAI - Centros Nacionais de Apoio ao Imigrante.
CNPCJR - Comissão Nacional de Protecção a Crianças e Jovens em Risco.
CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
DGAI - Direcção-Geral de Administração Interna.
DGES - Direcção-Geral do Ensino Superior.
DGIDC - Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular.
DGPJ - Direcção-Geral de Políticas de Justiça.
EUROPOL - European Police Office.
GMCS - Gabinete para os Meios de Comunicação Social.
GNR - Guarda Nacional Republicana.
GSEI - Gabinete da Secretária de Estado para a Igualdade.
IAC - Instituto de Apoio à Criança.
ICA - Instituto do Cinema e do Audiovisual.
ISS, I. P. - Instituto da Segurança Social, I. P.
IEFP - Instituto de Emprego e Formação Profissional.
MAI - Ministério da Administração Interna.
MAP - Ministro dos Assuntos Parlamentares.
MCTES - Ministério da Ciência, da Tecnologia e do Ensino Superior.
MJ - Ministério da Justiça.
MNE - Ministério dos Negócios Estrangeiros.
MP - Ministério Público.
MS - Ministério da Saúde.
MTSS - Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social.
OIT - Organização Internacional do Trabalho.
ONG - organização não governamental.
OPC - órgão de polícia criminal.
OSTH - Observatório de Tráfico de Seres Humanos.
PCM - Presidência do Conselho de Ministros.
PGR - Procuradoria-Geral da República.
PJ - Polícia Judiciária.
PSP - Polícia de Segurança Pública.
RAPVT - Rede de Apoio e Protecção às Vítimas de Tráfico.
SEF - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
UMIC - Agência para a Sociedade do Conhecimento, I. P.
UNODC - Gabinete das Nações Unidades contra a Droga e o Crime.