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Acórdão 230/2016, de 29 de Junho

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma do artigo 27.º, n.º 3, do Código das Expropriações, cujas regras de cálculo indemnizatório não atendem às «infraestruturas urbanísticas que servem parcelas expropriadas e o prédio em que se integra», à «localização das parcelas expropriadas numa zona infraestruturada e edificada (núcleos urbanos e construção dispersa a 300 m)», à «capacidade edificativa das parcelas expropriadas e da sua zona envolvente prevista no PDM», ou à «capacidade edificativa das parcelas expropriadas prevista no projeto de revisão do PDM, pendente à data da declaração de utilidade pública (ainda que não em vigor)», em ambos estes últimos casos «mesmo nas situações em que a zona envolvente dessas parcelas é já constituída por diversos espaços urbanos»

Texto do documento

Acórdão 230/2016

Processo 393/15

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional, I - Relatório 1 - António Manuel Ganchas Rodrigues e outros, ora recorrentes, expropriados, interpuseram recurso quanto à quantia arbitrada da indemnização no Tribunal de Família e de Menores e de Comarca de Vila Franca de Xira. O recurso foi julgado parcialmente procedente e fixado o valor da indemnização a atribuir aos expropriados em virtude da expropriação das parcelas em causa.

Inconformados, recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a apelação proposta, alterando o valor da indemnização de uma das parcelas e, em tudo o mais, mantendo a sentença recorrida, em acórdão de 18 de setembro de 2012.

Por ainda inconformados, os recorrentes, após pedido de esclarecimentos e reforma do acórdão, indeferido por acórdão de 20 de novembro de 2012, interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento em ofensa de caso julgado, e requereram supletivamente nova reforma do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de setembro de 2012. O Supremo Tribunal de Justiça decidiu negar a revista por decisão singular de 20 de fevereiro de 2014. Os recorrentes reclamaram desta decisão para a conferência, que acordou não conhecer do recurso, por acórdão de 7 de maio de 2014.

2 - De seguida, os recorrentes requereram a baixa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, para conhecimento do seu pedido de reforma do acórdão de 18 de setembro de 2012, tendo também requerido a admissão de recurso deste aresto para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de novembro [LTC]), delimitando, no seu requerimento, o objeto respetivo nos seguintes termos (fls 1357-1360):

«

a) a do artigo 27.º, n.º 3, do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de as infraestruturas urbanísticas que servem parcelas expropriadas e o prédio em que se integra não constituírem circunstâncias objetivas a atender no cálculo indemnizatório dos solos classificados como aptos para outros fins;

b) a do artigo 27.º, n.º 3, do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de a localização das parcelas expropriadas numa zona infraestruturada e edificada (núcleos urbanos e construção dispersa a 300 m) não constituir uma circunstância objetiva a atender no cálculo indemnizatório dos solos classificados como aptos para outros fins;

c) a do artigo 27.º, n.º 3, do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de a capacidade edificativa das parcelas expropriadas e da sua zona envolvente prevista no PDM não constituir uma circunstância objetiva a atender no cálculo indemnizatório dos solos classificados como aptos para outros fins, mesmo nas situações em que a zona envolvente dessas parcelas é já constituída por diversos espaços urbanos;

d) a do artigo 27.º, n.º 3, do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de a capacidade edificativa das parcelas expropriadas prevista no projeto de revisão do PDM, pendente à data da declaração de utilidade pública (ainda que não em vigor) não constituir uma circunstância objetiva a atender no cálculo indemnizatório dos solos classificados como aptos para outros fins, mesmo nas situações em que a zona envolvente dessas parcelas é já constituída por diversos núcleos urbanos e construção dispersa;

e) a dos arts. 25.º e 27.º do Código das Expropriações, quando interpretados no sentido de que a integração de uma parcela expropriada na Reserva Agrícola Nacional implica, por si só, a sua classificação como solo para outros fins e a sua avaliação de acordo com os seus rendimentos agrícolas, sem se poder atender, naquela classificação ou nesta avaliação, a quaisquer outros fatores, como a localização, envolvente, proximidade a infraestruturas ou núcleos urbanos, etc., mesmo naquelas situações em que os solos expropriados (a) se integram em prédios servidos por todas as infraestruturas urbanísticas e onde se localizam núcleos urbanos infraestruturados, a menos de 300 m. dos mesmos, (b) se localizam numa zona infraestruturada e edificada, a menos de 300 m. de vários núcleos urbanos infraestruturados;

(c) para os quais o projeto de revisão do PDM aplicável prevê a alteração da sua classificação urbanística (passando os mesmos a ser classificados como zonas urbanizáveis)

»

, decorrente da interpretação dos artigos 25.º e 27.º do CE;

f) a do artigo 26.º, n.º 2, do Código das Expropriações, quando interpretado no sentido de que os solos integrados na RAN não podem ser indemnizados, diretamente ou por analogia, de acordo com esse regime indemnizatório, mesmo naquelas situações em que os solos expropriados (a) se integram em prédios servidos por todas as infraestruturas urbanísticas e onde se localizam núcleos urbanos infraestruturados, a menos de 300 m. dos mesmos, (b) se localizam numa zona infraestruturada e edificada, a menos de 300 m. de vários núcleos urbanos infraestruturados;

(c) para os quais o projeto de revisão do PDM aplicável prevê a alteração da sua classificação urbanística (passando os mesmos a ser classificados como zonas urbanizáveis).

[...] As referidas interpretações sãos inconstitucionais por violação do princípio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos, do direito de propriedade privada, do direito a uma justa indemnização e do princípio da proporcionalidade (arts. 13.º, 266.º e 62.º da Constituição

»

.

3 - Por despacho de 19 de dezembro de 2014, mandou o Supremo Tribunal de Justiça que os autos fossem remetidos à 2.ª instância. Em 24 de fevereiro de 2015, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão indeferindo o pedido de reforma e admitindo o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.

Prosseguindo o processo para alegações, os recorrentes alegaram (fls. 1398-1405) concluindo do seguinte modo:

«

São estas constatações que nos levam a defender que a interpretação do artigo 27.º, n.º 3, do Código das Expropriações no sentido que os fatores referidos no n.º 4 destas Alegações (cada um por si e todos em conjunto) não constituem circunstâncias objetivas a atender no cálculo indemnizatório dos solos classificados como para outros fins (impedindo assim uma justa indemnização correspondente ao valor real e corrente dos bens expropriados numa situação normal de mercado; determinando assim uma situação de desigualdade entre proprietários expropriados, só porque foram expropriados, e proprietários não expropriados, porque não o foram, sem qualquer suporte material; e de onde resulta um valor indemnizatório desproporcionado face às características do bem expropriado), é inconstitucional por violação do princípio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos, do direito fundamental de propriedade privada, do direito fundamental a uma justa indemnização e do princípio da proporcionalidade (arts. 13.º, 266.º e 62.º da Constituição).

»

Por sua vez, a recorrida, Brisa - Auto Estradas de Portugal, S. A., contraalegou (fls. 1414-1423), concluindo:

«

Não é inconstitucional a interpretação do art. 27º, n.º 3 do C.E., por entender que não constituem circunstâncias objetivas a atender no cálculo indemnizatório dos solos classificados para outros fins, os fatores elencados pelos recorrentes no n.º 4 das suas alegações de recurso.

A aplicação, ainda que extensiva ou analógica do n.º 12 do art. 26º do C.E. a terrenos integrados na RAN, só porque se verificam as circunstâncias que, para terrenos situados fora da RAN, o art.º 25º, n.º 2, do C.E. releva como elementos qualificantes de terrenos para construção, redundaria numa clara violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.

Os terrenos inseridos em REN ou RAN são avaliados pelo mercado e como terrenos que não são aptos a fins urbanísticos ou de construção mas a outros fins, ainda que disponha de acesso a infraestruturas urbanística e se insira em núcleo urbano, porque o mercado conhece a finalidade a que o mesmo se destina resultante das limitações que a lei impõe sobre os mesmos.

Pelo que, face a tudo quanto se disse, dúvidas não existem de que, não se verificou, na interpretação seguida pelo Acórdão recorrido, violação dos princípios de justa indemnização e de igualdade (art. 62º, n.º 2 e art. 13º da Lei Fundamental), nem de qualquer outro princípio jurídico-constitucional.

»

Cumpre apreciar e decidir II - Fundamentação a) Admissibilidade do recurso 4 - A decisão recorrida, no presente processo, é o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de setembro de 2012, relativamente à qual os recorrentes questionam a constitucionalidade de seis normas (cf. 1358-1360):

a) As

«

infraestruturas urbanísticas que servem parcelas expropriadas e o prédio em que se integra não constituírem circunstâncias objetivas a atender no cálculo indemnizatório dos solos classificados como aptos para outros fins

»

, decorrente da interpretação do artigo 27.º, n.º 3, do Código das Expropriações (CE);

b) A

«

localização das parcelas expropriadas numa zona infraestruturada e edificada (núcleos urbanos e construção dispersa a 300m) não constituir uma circunstância objetiva a atender no cálculo indemnizatório dos solos classificados como aptos para outros fins

»

, decorrente da interpretação do artigo 27.º, n.º 3, do CE;

c) A

«

capacidade edificativa das parcelas expropriadas e da sua zona envolvente prevista no PDM não constituir uma circunstância objetiva a atender no cálculo indemnizatório dos solos classificados como aptos para outros fins, mesmo nas situações em que a zona envolvente dessas parcelas é já constituída por diversos espaços urbanos

»

, decorrente da interpretação do artigo 27.º, n.º 3, do CE;

d) A

«

capacidade edificativa das parcelas expropriadas prevista no projeto de revisão do PDM, pendente à data da declaração de utilidade pública (ainda que não em vigor) não constituir uma circunstância objetiva a atender no cálculo indemnizatório dos solos classificados como aptos para outros fins, mesmo nas situações em que a zona envolvente dessas parcelas é já constituída por diversos núcleos urbanos e construção dispersa

»

, decorrente da interpretação do artigo 27.º, n.º 3, do CE;

e) A

«

integração de uma parcela expropriada na Reserva Agrícola Nacional implica, por si só, a sua classificação como solo para outros fins e a sua avaliação de acordo com os seus rendimentos agrícolas, sem se poder atender, naquela classificação ou nesta avaliação, a quaisquer outros fatores, como a localização, envolvente, proximidade a infraestruturas ou núcleos urbanos, etc., mesmo naquelas situações em que os solos expropriados (a) se integram em prédios servidos por todas as infraestruturas urbanísticas e onde se localizam núcleos urbanos infraestruturados, a menos de 300 m. dos mesmos, (b) se localizam numa zona infraestruturada e edificada, a menos de 300 m. de vários núcleos urbanos infraestruturados;

(c) para os quais o projeto de revisão do PDM aplicável prevê a alteração da sua classificação urbanística (passando os mesmos a ser classificados como zonas urbanizáveis)

»

, decorrente da interpretação dos artigos 25.º e 27.º do CE;

f) A regra segundo a qual

«

os solos integrados na RAN não podem ser indemnizados, diretamente ou por analogia, de acordo com esse regime indemnizatório, mesmo naquelas situações em que os solos expropriados (a) se integram em prédios servidos por todas as infraestruturas urbanísticas e onde se localizam núcleos urbanos infraestruturados, a menos de 300 m. dos mesmos, (b) se localizam numa zona infraestruturada e edificada, a menos de 300 m. de vários núcleos urbanos infraestruturados;

(c) para os quais o projeto de revisão do PDM aplicável prevê a alteração da sua classificação urbanística (passando os mesmos a ser classificados como zonas urbanizáveis)

»

, decorrente da interpretação do artigo 26.º, n.º 12, do CE.

5 - O presente recurso vem interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos termos da qual, cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisão que aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, sendo ainda indispensável que a norma cuja inconstitucionalidade se requer tenha constituído o fundamento normativo da decisão recorrida. Começa por analisar-se o preenchimento dos requisitos de conhecimento quanto às questões de constitucionalidade suscitadas.

Nesse âmbito, verifica-se que falta o preenchimento do requisito da necessária suscitação prévia, de forma adequada, perante o tribunal a quo, das questões de inconstitucionalidade e) e f), elencadas no ponto anterior.

O ónus de suscitação atempada e processualmente adequada da questão de constitucionalidade traduz uma exigência formal essencial, como tem sido entendido pelo Tribunal Constitucional (cf., entre muitos outros, Acórdãos n.os 156/2000 e 195/2006, disponíveis em www.trib-constitucional.pt). Para que ocorra uma suscitação prévia da questão da inconstitucionalidade é necessária a sua enunciação

«

durante o processo

»

(artigo 72.º, n.º 2, da LTC), de forma a permitir que o tribunal recorrido se pronuncie sobre a questão de inconstitucionalidade levantada.

Ora, como os recorrentes admitem no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, estas

«

inconstitucionalidades foram suscitadas no n.º 13 do requerimento dos recorrentes de 11.12.2012

»

(cf. n.º 3.3. do requerimento, fls. 1360), ou seja, em momento posterior à prolação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa do qual recorrem, que data de 18 de setembro de 2012.

Aliás, relativamente à questão de constitucionalidade constante da alínea e), os recorrentes admitem, nas alegações de recurso, que aceitam o entendimento do Tribunal Constitucional de que inexiste suscitação prévia adequada (cf. n.º 3 das alegações, fls. 1400).

Quanto à questão de constitucionalidade constante da alínea f), os recorrentes alegam que não lhes era

«

exigível [...] antecipar esse entendimento (que nunca antes tinha sido anunciado ou decidido)

»

, invocando que teriam sido confrontados com uma “decisão-surpresa”.

Não procede a argumentação expendida. Não é o facto de o recorrente ficar subjetivamente surpreendido com o sentido com que determinado preceito legal foi interpretado, por esperar uma outra solução, que o dispensa de cumprir a exigência legal de suscitar a inconstitucionalidade de forma adequada - ou seja, perante o tribunal a quo, em tempo para que este tenha de a julgar (cf., v.g., o Acórdão deste Tribunal n.os 394/2005, disponível em www.tribconstitucional.pt).

A razão pela qual o Tribunal Constitucional tem dispensado este ónus em casos excecionais ou anómalos, é a de considerar não exigível antecipar um sentido objetivamente inesperado, sobre o qual o recorrente não teve a oportunidade de se pronunciar antes de proferida a decisão recorrida.

Ora, não pode ser defendido que a interpretação adotada pelo acórdão recorrido tenha constituído uma surpresa, no sentido de uma decisão insólita ou imprevisível. Se os recorrentes aceitam que

«

(a tese de que a integração de uma parcela expropriada na RAN implica, por si só, a sua classificação como solo para outros fins) já resultava de alguma forma da sentença da primeira instância

»

(cf. n.º 3 das alegações, fls. 1400), então, forçosamente, deveriam ter considerado pelo menos possível que o tribunal a quo aplicasse o regime legal correspondente a esta classificação. Assim sendo, os recorrentes deveriam ter configurado a possibilidade de aplicação na decisão em causa da norma segundo a qual

«

os solos integrados na RAN não podem ser indemnizados, diretamente ou por analogia, de acordo com

» o regime indemnizatório constante do artigo 26.º, n.º 12, do CE, cujo âmbito incide sobre solos aptos para construção,
«

mesmo naquelas situações em que os solos expropriados (a) se integram em prédios servidos por todas as infraestruturas urbanísticas e onde se localizam núcleos urbanos infraestruturados, a menos de 300 m. dos mesmos, (b) se localizam numa zona infraestruturada e edificada, a menos de 300 m. de vários núcleos urbanos infraestruturados;

(c) para os quais o projeto de revisão do PDM aplicável prevê a alteração da sua classificação urbanística (passando os mesmos a ser classificados como zonas urbanizáveis)

»

. Assim, a interpretação ora contestada pelos recorrentes deveria ser por eles considerada como suscetível de ser aplicada, pelo que sempre deveriam ter suscitado a questão da sua inconstitucionalidade em sede de recurso.

Tal basta para que não seja admissível o recurso quanto às questões de inconstitucionalidade v) e vi).

b) Delimitação da questão de constitucionalidade 6 - A questão de constitucionalidade colocada pelos recorrentes prende-se, assim com a interpretação do artigo 27.º, n.º 3, do CE, mais especificamente com o facto de as regras de cálculo indemnizatório aí previstas não atenderem às

«

infraestruturas urbanísticas que servem parcelas expropriadas e o prédio em que se integra

»

, à

«

localização das parcelas expropriadas numa zona infraestruturada e edificada (núcleos urbanos e construção dispersa a 300m)

»

, à

«

capacidade edificativa das parcelas expropriadas e da sua zona envolvente prevista no PDM

»

, ou à

«

capacidade edificativa das parcelas expropriadas prevista no projeto de revisão do PDM, pendente à data da declaração de utilidade pública (ainda que não em vigor)

»

, em ambos estes últimos casos

«

mesmo nas situações em que a zona envolvente dessas parcelas é já constituída por diversos espaços urbanos

»

.

O artigo 27.º, n.º 3, do CE dispõe sobre o cálculo do valor do solo para outros fins, estabelecendo que:

«

Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n.º 1, por falta de elementos, o valor do solo para outros fins será calculado tendo em atenção os seus rendimentos efetivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objetivas suscetíveis de influir no respetivo cálculo

»

7 - Os recorrentes alegam que as dimensões normativas em questão violam o princípio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos, o direito de propriedade privada, o direito a uma justa indemnização e o princípio da proporcionalidade (cf. n.º 3.2. do recurso de constitucionalidade, fls. 1360).

De acordo com as suas alegações

«

a interpretação do artigo 27.º, n.º 3, do Código das Expropriações no sentido de que os fatores referidos [...] não constituem circunstâncias objetivas a atender no cálculo indemnizatório dos solos classificados como para outros fins (impedindo assim uma justa indemnização correspondente ao valor real do mercado; determinando assim uma situação de desigualdade entre proprietários expropriados, só porque foram expropriados, e proprietários não expropriados, porque não o foram, sem qualquer suporte material; e de onde resulta um valor indemnizatório desproporcionado face às características do bem expropriado) é inconstitucional

» por violação dos parâmetros referidos (cf. n.º 7 das alegações de recurso, fls 1404-10405).

c) Do mérito da questão de constitucionalidade 8 - Nos presentes autos, é dado analisar a constitucionalidade do critério para o cálculo do valor da indemnização a ser paga por expropriação de solo classificado como “para outros fins”, previsto no artigo 27.º, n.º 3, do CE. O tema do quantum da indemnização devida por expropriação está inevitavelmente ligado ao conceito de “justa indemnização” constante do artigo 62,º, n.º 2, da Constituição.

A Constituição, de facto,

«

do mesmo passo que cauciona estas formas extremas de intervenção, afirma-se como norma de garantia da posição do titular

»

, pois vem

«

fixar três requisitos fundamentais, cuja verificação cumulativa é condição da licitude da privação do direito de propriedade por requisição ou expropriação

»

. Estabelece-se que

«

só com suporte na lei, por razões concretas de utilidade pública e tendo como contrapartida uma “justa indemnização” pode [o cidadão] ser privado do seu direito

»

(J. de Sousa Ribeiro, “O direito de propriedade na jurisprudência do Tribunal Constitucional”, pp. 36-27, Relatório apresentado à Conferência Trilateral Espanha/Itália/Portugal, em outubro de 2009, disponível no sítio da internet supra aludido).

Desta forma, a Constituição obriga a que a indemnização por expropriação deva ser justa, não definindo, no entanto, nenhum critério objetivo de fixação ou método direto de avaliação da indemnização a aplicar, remetendo para o legislador ordinário a sua definição.

9 - O critério da delimitação, pelo legislador da República, do que será uma “justa indemnização”, no entanto, conhece limites que têm vindo a resultar da jurisprudência do Tribunal Constitucional.

Como refere o Acórdão 408/2008, no seu n.º 2.2:

«

Apesar da Constituição ter remetido para o legislador ordinário a fixação dos critérios conducentes à fixação da indemnização por expropriação, ao exigir que esta seja “justa”, impõe a observância dos seus princípios materiais da igualdade e proporcionalidade, assim como do direito geral à reparação dos danos, como corolário do Estado de direito democrático (artigo 2.º da C.R.P.).

Em termos gerais e utilizando definição comum à jurisprudência deste Tribunal, poder-se-á dizer que a “justa indemnização” há de tomar como ponto de referência o valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda do bem que lhe pertencia, com respeito pelo princípio da equivalência de valores. O valor pecuniário arbitrado, a título de indemnização, deve ter como referência o valor real do bem expropriado

»

.

O Acórdão 641/2013, do Plenário, n.º 9, refere igualmente que:

«

Sem prejuízo da liberdade de escolha deixada ao legislador, a imposição da “justa indemnização” inserida na norma constitucional não pode ser vista como uma fórmula vazia, antes se apresentando como carregada de sentido limitador da discricionariedade legislativa.

Compreende-se, assim, que, sendo vasta a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriação, parte significativa da mesma incida sobre o conceito de “justa indemnização”.

Analisando essa jurisprudência emerge que

«

na valoração dos vários critérios legais aplicáveis, de acordo com a natureza e situação do bem expropriado, o Tribunal tem perfilhado consolidamente a orientação geral de que “tal indemnização tem como medida o prejuízo que para o expropriado resulta da expropriação”, na sintética, mas rigorosa, formulação do Acórdão 52/90. Pondo de lado fatores especulativos, muitas vezes artificialmente criados (Acórdão 381/89), a “justa indemnização” há de tomar como ponto de referência o valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda do bem que lhe pertencia, com respeito pelo “princípio da equivalência de valo-res”, como se extrata do Acórdão 11/2008. O princípio da justa indemnização impõe uma compensação integral, tendencialmente correspondente ao valor venal do bem, de acordo com a sua cotação no mercado. A função da indemnização é a de fazer entrar, na esfera do atingido, o equivalente pecuniário do bem expropriado, de tal modo que, efetuada a expropriação, o seu património ativo muda de composição, mas não diminui de valor

»

(Joaquim de Sousa Ribeiro, ob. cit. p. 39).

Assim,

«

a indemnização deve corresponder à reposição no património do expropriado do valor dos bens de que foi privado, por meio de pagamento do seu justo preço em dinheiro. Por isso se diz que a expropriação vem a resolver-se numa conversão de valores patrimoniais:

no património onde estavam imóveis, a entidade expropriante põe o seu valor pecuniário

»

(Marcello Caetano, in Manual de Direito Administrativo, em colaboração com Freitas do Amaral, 9.ª edição (reimpressão), revista e atualizada por Diogo Freitas do Amaral, Almedina, tomo II, p. 1036).

»

Como de há muito foi notado pela doutrina,

«

o conceito constitucional de “justa indemnização” leva implicado três ideias:

a proibição de uma indemnização meramente nominal, irrisória ou simbólica; o respeito pelo princípio da igualdade de encargos; e a consideração do interesse público da expropriação

»

(cf. Fernando Alves Correia, “A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999”, Coimbra, 2000, p. 33).

10 - O legislador veio a fixar os critérios para a determinação da justa indemnização, em concretização destas diretrizes constitucionais, nos artigos 23.º e seguintes do CE. Aí se estabelece que

«

a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal

»

. O objetivo a prosseguir, eleito desta forma pelo legislador para o cálculo do valor da indemnização, foi o da correspondência com o valor real e corrente do bem expropriado (n.os 1 e 5 do artigo 23.º do CE).

Para este efeito, o regime jurídico contém um conjunto de elementos ou fatores de cálculo variáveis consoante o objeto da expropriação consista num solo, num edifício ou numa construção. No que respeita à indemnização devida por solos expropriados, o regime legal assenta na distinção entre “solo apto para construção” e “solo para outros fins”, assentado a distinção num critério concreto de definição da aptidão edificativa. Desta forma, se em abstrato todo o solo, mesmo o de prédios rústicos, pode comportar edificação, na classificação a empreender em concreto, a recondução de cada solo expropriado a uma das referidas categorias implica o preenchimento de requisitos objetivos.

Assim, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 25.º do CE, considera-se “solo apto para construção”, o que dispõe de determinadas infraestruturas urbanísticas [

«

acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia elétrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir

»

- alínea a)]; o que, dispondo apenas em parte daquelas infraestruturas, se encontra todavia inserido em núcleo urbano existente [alínea b)]; o que, de acordo com instrumento de gestão territorial, está destinado a adquirir aquelas infraestruturas [alínea c)]; o que possui alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública [desde que o respetivo procedimento do licenciamento se tenha iniciado antes da data da notificação da resolução de requerer a expropriação - alínea d)]. Numa lógica de exclusão de partes, todo o solo que não deva ser considerado como “solo apto para construção”, por não observar um dos requisitos objetivos enunciados, considera-se “solo para outros fins” (artigo 25.º, n.º 3).

O artigo 26.º indica os critérios referenciais do cálculo do valor do solo apto para construção e o artigo 27.º contém os critérios referenciais do cálculo do valor do solo para outros fins.

É este último preceito que releva para efeitos da presente ação, na medida em que estamos perante um terreno classificado como “solo para outros fins”. Ora, na explicitação do regime em causa, o Tribunal Constitucional já referiu, no Acórdão 408/2008, no seu n.º 2.2, que:

«

Deste preceito resulta que, relativamente aos “solos aptos para outros fins” [...] adotou-se como critério instrumental preferencial o cálculo aritmético do valor médio atualizado entre os preços unitários das aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efetuados na mesma freguesia, ou nas freguesias limítrofes nos 3 anos, de entre os últimos 5, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão específica (artigo 27.º, n.º 1, do C. das Exp.).

Mas, no caso de não poder ser aplicado este critério por falta de elementos, o que ocorre por sistema, como já previa PEDRO ELIAS DA COSTA (em “Guia das expropriações por utilidade pública”, pág. 310, da ed. de 2003, da Almedina), o valor de mercado será encontrado, por aplicação de um segundo critério instrumental subsidiário complexo que ponderará, em conjunto, os seguintes elementos do terreno expropriado:

os seus rendimentos efetivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e ainda quaisquer outras circunstâncias objetivas suscetíveis de influir no respetivo cálculo (artigo 27.º, n.º 3, do C. das Exp.).

»

Retendo os traços legais caracterizadores da extensão da indemnização devida pela expropriação, cumpre agora apreciar a validade da norma sub judicio.

11 - Começa por dar-se nota de que não vem questionada a classificação do terreno em causa como “solo para outros fins”, pelo que a presente análise de constitucionalidade não vai incidir sobre os critérios normativos subjacentes a essa classificação. Para além disso, recorda-se que não compete a este Tribunal ajuizar da correção infraconstitucional da aplicação da cláusula geral constante do artigo 27.º, n.º 3, do CE, ao caso concreto em presença, nem da valoração da matéria de facto apurada.

Ao Tribunal Constitucional apenas cabe verificar se as normas aplicadas pelo tribunal a quo aquando do cálculo da indemnização são conformes aos parâmetros constitucionais e, em especial, se contrariam a exigência constitucional de que a indemnização pela expropriação por utilidade pública desse terreno deva ser justa.

12 - Com esse enquadramento, a norma objeto do presente processo, tal como delimitada pelos recorrentes, resulta da interpretação do artigo 27.º, n.º 3, do CE, realizada pelo tribunal a quo, que não atendeu, nas regras de cálculo indemnizatório aí previstas, às

«

infraes-truturas urbanísticas que servem parcelas expropriadas e o prédio em que se integra

»

, à

«

localização das parcelas expropriadas numa zona infraestruturada e edificada (núcleos urbanos e construção dispersa a 300m)

»

, à

«

capacidade edificativa das parcelas expropriadas e da sua zona envolvente prevista no PDM

»

, ou à

«

capacidade edificativa das parcelas expropriadas prevista no projeto de revisão do PDM, pendente à data da declaração de utilidade pública (ainda que não em vigor)

»

, em ambos os casos

«

mesmo nas situações em que a zona envolvente dessas parcelas é já constituída por diversos espaços urbanos

»

.

A questão de constitucionalidade colocada, portanto, consiste em saber se os critérios constantes do artigo 27.º, n.º 3, do CE, são suficientes para garantir uma “justa indemnização” pela expropriação dos terrenos em causa, ou se esta apenas seria garantida através do recurso aos critérios alegados, nomeadamente as infraestruturas que servem o terreno em causa e a sua capacidade edificativa.

Ora, quanto a este aspeto, não pode ser olvidado que o artigo 27.º, n.º 3, do CE se aplica apenas a “solos para outros fins” - ou seja, recorde-se, que não preenchem as condições constantes do n.º 2 do artigo 25.º do CE para serem considerados “solos aptos para construção” (por não possuírem as infraestruturas aí referidas; por, possuindo apenas algumas dessas infraestruturas, não estarem inseridos em núcleo urbano existente; por não estarem destinados a adquirir aquelas infraestruturas, de acordo com instrumento de gestão territorial; ou por não possuir alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública). Classificando-se um terreno como “solo para outros fins”, por não possuir nenhuma destas características (como aconteceu no presente processo), tem de se aceitar como constitucionalmente admissível que o legislador adote critérios para o cálculo da indemnização da sua expropriação distintos dos estabelecidos para os “solos aptos para construção” - pois as realidades presentes são substancialmente diferentes. Necessário, no entanto, será sempre que as regras em causa conduzam a uma “justa indemnização”, ou seja,

«

uma compensação integral, tendencialmente correspondente ao valor venal do bem, de acordo com a sua cotação no mercado

»

(cf. Acórdão 641/2013, n.º 9).

Ora, o preceito em causa, na valoração da indemnização por expropriação de “solo para outros fins”, manda atender ao

«

rendimento efetivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objetivas suscetíveis de influir no respetivo cálculo

»

. Esta formulação permite que o valor em causa seja calculado tendo em conta diversos elementos relevantes, não se podendo concluir que estes critérios são insuficientes para alcançar um valor que corresponda à “justa indemnização” pela respetiva expropriação.

O facto de o artigo 27.º, n.º 3, do CE não atender à eventual capacidade edificativa que poderá (ou não) decorrer de um futuro

«

projeto de revisão do PDM

»

, mas apenas ao seu valor à data da declaração de utilidade pública não é problemático à luz do conceito de uma “justa indemnização” - uma vez que este manda atender ao valor atual efetivo do bem. Por seu lado, o facto de o conceito não abranger a ponderação de

«

infraestruturas urbanísticas que servem parcelas expropriadas e o prédio em que se integra

»

, da

«

capacidade edificativa das parcelas expropriadas e da sua zona envolvente prevista no PDM

» ou da
«

localização das parcelas expropriadas numa zona infraestruturada e edificada

»

, também não é problemático, uma vez que estamos perante “solo para outros fins”, em que estas vertentes não foram consideradas o suficientemente relevantes para justificar a sua classificação como “solo apto para construção”.

Para além disso, o artigo 27.º, n.º 3, do CE, deve ser objeto de uma interpretação sistemática, tendo nomeadamente em conta i) a definição de “justa indemnização” constante do artigo 23.º, n.º 1, do CE, (que estabelece que esta tem por objetivo

«

ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data

»

); e ii) a cláusula de salvaguarda constante do n.º 5 do mesmo preceito (que garante que

«

o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26.º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor

»

).

Nesse sentido, o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de analisar este aspeto do artigo 27.º, n.º 3, do CE, no Acórdão 599/2015, da 3.ª Secção, n.º 21. Aí se referiu que:

«

[...] não é possível afirmar, sem mais, que o cálculo do valor do terreno inserido em RAN através dos critérios referenciais contidos no artigo 27.º do CE leve a que os expropriados sejam indemnizados num montante inferior ao valor de mercado da parcela de terreno expropriada e assim ocorrendo um défice da indemnização que desrespeitasse o princípio constitucional da justa indemnização.

Para mais, o próprio artigo 27.º do CE admite a correção do montante apurado, em concreto no seu n.º 3, de que resulta a possibilidade de poderem ser tidas em conta outras circunstâncias objetivas suscetíveis de influir no respetivo cálculo. Assim sendo, afigura-se, prima facie, que tal formulação não exclui a ponderação da existência de elementos objetivos associados à edificação (designadamente os previstos no n.º 2 do artigo 25.º do CE) ou a proximidade de construções na área envolvente, como invocado pelos recorrentes, de modo a permitir que o cálculo do valor da indemnização possa corresponder ou aproximar-se o mais possível do valor real e corrente da parcela expropriada numa situação de normalidade económica (artigo 23.º, n.º 1, CE).

Cumpre recordar que sobre o artigo 27.º, n.º 3, do CE já ponderou a jurisprudência constitucional (cf. Acórdão 408/2008):

«

Será que a inclusão entre as circunstâncias suscetíveis de serem ponderadas no cálculo do valor da indemnização devida pela expropriação de um terreno, da existência de expectativas de construção em terreno situado em zona RAN, resultantes do forte desenvolvimento urbanístico da zona onde se localizam as parcelas expropriadas, inviabiliza que o resultado dessa ponderação seja um valor justo, na aceção constitucional acima enunciada?

»

E a resposta foi negativa (cf. idem):

«

[...] Influindo essas expectativas na determinação do valor corrente de mercado de um imóvel, em situação de normalidade, e sendo este o valor de referência do conceito constitucional de uma justa indemnização, constante do artigo 62.º, n.º 2, da C.R.P., a ponderação dessas expectativas no cálculo da indemnização pela expropriação de um solo classificado como apto para fim diferente da construção não é, de modo algum, ofensiva daquele princípio.

»

Importa ainda ter presente que

«

para situações particulares que comprovadamente se afastem da normalidade, o sistema contém o remédio da cláusula de salvaguarda constante do n.º 5 do artigo 23.º do Código, pelo que, nesses casos extremos, a “justa indemnização” sempre está assegu-rada.

»

(Acórdão 196/2011), na medida em que nesta disposição legal se prevê que os critérios referenciais legalmente estabelecidos devem ser afastados e encontrados outros critérios sempre que se não verificar uma correspondência entre o valor dos bens calculado de acordo com os critérios legais e o valor real e corrente dos mesmos numa situação normal de mercado.

A partir deste breve excurso pelo quadro normativo para que remeteu a decisão recorrida - e não cabendo neste recurso de constitucionalidade sindicar a correção das decisões das instâncias quanto ao montante indemnizatório em concreto apurado - dificilmente se pode concluir que o apelo aos critérios referenciais previstos no artigo 27.º do CE para efeitos de determinação do valor da parcela expropriada - consideradas as limitações da sua localização em área de RAN - resulte necessariamente num afastamento (em défice) do valor justo e devido pela perda do bem expropriado, de modo constitucionalmente vedado.

»

É perante esta visão de conjunto, que se adota, que se pode concluir que a aplicação dos critérios constantes do artigo 27.º, n.º 3, do CE, mesmo sem atender aos critérios constantes do presente pedido de fiscalização, não conduz a uma inconstitucionalidade por violação do princípio da “justa indemnização” (ou do direito de propriedade) no caso de expropriação de “solos para outros fins”, na medida em que permite o cálculo de um valor justo para a indemnização.

13 - De acordo com o mesmo raciocínio, também não se pode aceitar que a aplicação do artigo 27.º, n.º 3, do CE, conduz a

«

valor indemnizatório desproporcionado face às características do bem expropriado

»

, como alegam os recorrentes. Como foi referido, a norma em causa, enquadrada sistematicamente, tem a virtualidade de garantir a correspondência entre o valor da indemnização e o

«

valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data

»

(artigo 23.º, n.º 1, do CE).

14 - No que diz respeito ao princípio da igualdade, os recorrentes alegam que a norma em causa determina

«

uma situação de desigualdade entre proprietários expropriados, só porque foram expropriados, e proprietários não expropriados, porque não o foram, sem qualquer suporte material

»

.

Como já foi referido, a interpretação do artigo 27.º, n.º 3, do CE, dentro do contexto sistemático do Código, tendo em conta a abertura da sua letra, do conceito de justa indemnização (artigo 23.º, n.º 1, do CE) e da cláusula de salvaguarda constante do artigo 23.º, n.º 5, do CE, não permite que se possa afirmar, sem mais, que o cálculo do valor do terreno através dos critérios que daí resultam leve a que os expropriados sejam indemnizados num montante inferior ao valor de mercado. Daí que fica por demonstrar a existência da referida situação de desigualdade.

Para além disso, a utilização do princípio da igualdade no plano externo, em situações como a presente, entre expropriados e não-expropriados, como é alegado, não é possível pois o facto de existir uma expropriação, motivada pela sua “utilidade pública”, introduz uma diferença objetiva entre os expropriados e os restantes proprietários, que mantêm integro o seu património. Face a esse dano causado aos expropriados, a Constituição estabelece a necessidade da sua compensação por uma “justa indemnização” - reconhecendo-se ao legislador a liberdade de definir os respetivos critérios, dentro de alguns limites. Daí decorre que a Constituição não obriga, em nome da igualdade entre proprietários de terrenos expropriados e nãoexpropriados, que sejam valorados de modo absolutamente idêntico os prejuízos que sofrem os primeiros com a expropriação, e o preço de mercado que os segundos conseguem obter com a sua alienação voluntária num determinado caso concreto. O Tribunal Constitucional já decidiu, aliás, no sentido da rejeição da utilização do parâmetro da igualdade no plano externo entre expropriados e nãoexpropriados, embora num contexto e perante elementos distintos, no Acórdão 315/2013, n.º 2.4 (o que foi reafirmado no Acórdão 641/2013, n.º 18).

15 - É, assim, de se concluir da análise feita ao artigo 27.º, n.º 3, do CE, mais especificamente ao facto de as regras de cálculo indemnizatório aí previstas não atenderem às

«

infraestruturas urbanísticas que servem parcelas expropriadas e o prédio em que se integra

»

, à

«

localização das parcelas expropriadas numa zona infraestruturada e edificada (núcleos urbanos e construção dispersa a 300m)

»

, à

«

capacidade edificativa das parcelas expropriadas e da sua zona envolvente prevista no PDM

»

, ou à

«

capacidade edificativa das parcelas expropriadas prevista no projeto de revisão do PDM, pendente à data da declaração de utilidade pública (ainda que não em vigor)

»

, em ambos estes últimos casos

«

mesmo nas situações em que a zona envolvente dessas parcelas é já constituída por diversos espaços urbanos

»

, não violam os parâmetros constitucionais invocados. Não se verifica, portanto, uma violação do princípio da “justa indemnização” (insociavelmente relacionado com a proteção da propriedade privada), nem uma situação em que o valor indemnizatório seja desproporcionado face às características do bem expropriado, nem uma violação do princípio da igualdade entre proprietários expropriados e não expropriados.

III - Decisão Nestes termos, decide-se:

a) Não conhecer do objeto do recurso quanto às questões suscitadas nas alíneas e) e f) do recurso de constitucionalidade;

b) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 27.º, n.º 3, do CE, cujas regras de cálculo indemnizatório não atendem às

«

infraestruturas urbanísticas que servem parcelas expropriadas e o prédio em que se integra

»

, à

«

localização das parcelas expropriadas numa zona infraestruturada e edificada (núcleos urbanos e construção dispersa a 300m)

»

, à

«

capacidade edificativa das parcelas expropriadas e da sua zona envolvente prevista no PDM

»

, ou à

«

capacidade edificativa das parcelas expropriadas prevista no projeto de revisão do PDM, pendente à data da declaração de utilidade pública (ainda que não em vigor)

»

, em ambos estes últimos casos

«

mesmo nas situações em que a zona envolvente dessas parcelas é já constituída por diversos espaços urbanos

»;

c) Consequentemente, negar provimento ao recurso.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta.

Lisboa, 3 de maio de 2016. - Maria de Fátima MataMouros - João Pedro Caupers - Maria Lúcia Amaral (vencida quanto ao conhecimento, de acordo com o voto de vencida ao Acórdão 329/2015. Note-se que, no caso, a admissão pelo tribunal a quo do recurso de constitucionalidade faz-se no mesmo ato em que se indefere o pedido de reforma) - Teles Pereira - Joaquim de Sousa Ribeiro.

209675243

TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE AVEIRO

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2647745.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1990-03-30 - Acórdão 52/90 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 2 do artigo 30.º do Código das Expropriações (Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro), por violação do n.º 2 do artigo 62.º e do n.º 1 do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (Processo n.º 173/89 - 7 de Março de 1990).

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