Processo 2/RO- JRF/04
I - Do Relatório
1 - Notificados do Acórdão 2/06, proferido em Sessão de 18 de Outubro de 2006, pelo Plenário da 3.ª Secção, vieram os demandados apresentar, no prazo legal, reclamação, nos termos do artigo 80.º, alínea a) da Lei 98/97, de 26 de Agosto e dos artigos 668.º, n.º 1, alíneas c), d) e e) e n.º 3 e 669.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alíneasa) e b) todos do C.P.C.
2 - Os demandados Rui Jorge Teixeira de Freitas, Francisco Cunha de Oliveira, Isabel Truninguer de Albuquerque Morais de Sousa apresentaram em conjunto a reclamação, que consta de fls 796 a fls. 811 destes autos e que se dá como reproduzida.Em síntese, fundamentaram a reclamação arguindo a nulidade do Acórdão, requerendo quer a reforma quer a aclaração do mesmo, invocando:
a) Que o Acórdão seria nulo (artigo 668.º, n.º 1, alíneas d) e e) do CPC) porque, ao condenar os demandados no pagamento das despesas de representação recebidas em duplicado, o Tribunal pronunciou-se sobre uma questão que nunca havia sido suscitada nos autos, designadamente pelo Ministério Público, tendo constituído uma "decisão surpresa" violadora dos preceitos legais e constitucionais que garantem o direito de audiência e de defesa, da tutela judicial efectiva de um processo justo e equitativo.
b) Que o Acórdão deveria ser reformado nos termos do disposto no artigo 669.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPC, porque a condenação no pagamento dos honorários autorizados a um jurisconsulto teria resultado de manifesto lapso na determinação da norma aplicável, além de constarem do processo elementos que, por si só, implicariam decisão diversa da proferida uma vez que o parecer em causa não se destinava a fundamentar a defesa dos demandados em processo judicial e não se provara dolo ou
má fé dos mesmos.
A título subsidiário, o Acórdão deveria ser aclarado (artigo 669.º, n.º 1, do CPC) uma vez que não teria ficado esclarecido o sentido e a razão de ser do raciocínio que estevesubjacente a este segmento do Acórdão.
3 - O demandado Álvaro Eiras de Carvalho apresentou reclamação em separado, que consta de fls. 770 a fls 792. destes autos e que se dá como reproduzida.3.1 - Em síntese, fundamenta a reclamação arguindo diversas nulidades do Acórdão e requerendo quer a reforma, quer a aclaração do mesmo.
No que respeita às nulidades, arguiu:
a) Que o Acórdão tomou conhecimento de objecto diverso do pedido e de questão de que não podia tomar conhecimento (artigo 668.º, n.º 1, alíneas e) e d) e n.º 3 do CPC).Para tal entende que a única questão suscitada no recurso do Ministério Público era da incompetência do Conselho Administrativo do Hospital Garcia de Orta para fixação da remuneração base pelo que o Acórdão, ao analisar e decidir também qual a base de incidência das despesas de representação, conheceu da questão que não foi suscitada nos autos, que não foi sujeita a contraditório e não foi objecto do recurso, nesta parte
convergindo com os restantes demandados.
b) Que o Acórdão modificou ilegalmente a matéria de facto provada porque, alegadamente, ao considerar que as condutas dos demandados são cesuráveis a título de culpa consciente por violação dos deveres de diligência, estaria a modificar a matéria de facto provada na 1.ª instância especificamente quanto ao facto "os demandados exerceram os seus cargos com grande dedicação, zelo e competência".c) Que no Acórdão os fundamentos estão em oposição com a decisão (artigo 668.º, n.º 1, alínea c) do CPC) de condenação dos demandados por se ter entendido que os mesmos não agiram diligentemente no concreto o condicionalismo verificado.
No que respeita à reforma do Acórdão (artigo 669.º, n.º 2, alínea b) do CPC) alega o reclamante que no processo existem elementos que podiam e deviam determinar decisão diversa da proferida, mormente no tocante à composição do conceito de retribuição, bem como, à ausência de culpa dos demandados.
No que respeita à aclaração do Acórdão (artigo 669.º, n.º 1, alínea a) do CPC) o reclamante alega que o Acórdão não esclarece se os valores da reposição são líquidos
ou ilíquidos.
4 - O Ministério Público emitiu parecer e apresentou contra alegações, que constam de fls 819. a fls.825 destes autos e se dão como reproduzidas.Em síntese, o Magistrado do Ministério Público entende que as reclamações não têm fundamento e devem ser indeferidas uma vez que o Acórdão mais não fez do que reapreciar toda a matéria factual, não tendo exorbitado do objecto do processo e conheceu das questões necessárias à decisão sobre as responsabilidades financeiras de
quem gere e utiliza dinheiros públicos
5 - Tendo tomado conhecimento da resposta do Ministério Público, os reclamantes reafirmaram as posições assumidas nas reclamações, nos termos e com os fundamentos que constam de fls. 832 a fls. 864 e aqui se dão como reproduzidas.
II - As questões a decidir
1 - As questões que têm que ser conhecidas e decididas pelo Tribunal são as seguintes:
A.Arguição das seguintes nulidades:
A1. Conhecimento de objecto diverso do pedido e de questões que o Tribunal não podia conhecer em sede de recurso e relativamente às quais os demandados não foram confrontados antes da prolação da decisão do Tribunal proferida em 2.ª Instância.A2. Modificação ilegal da matéria de facto e contradição entre os fundamentos da
decisão e esta.
B.Reforma e aclaração do acórdão na parte relativa à condenação dos responsáveis nopagamento dos honorários a jurisconsulto.
C.Aclaração quanto ao montante líquido ou ilíquido das condenações decididas peloacórdão impugnado.
III - Arguição da nulidade do acórdão por conhecimento de objecto diverso do pedido e de questões que o Tribunal não podia conhecer em sede de recurso e relativamente às quais os demandados não foram confrontados antes da prolação da decisão doTribunal proferida em 2.ª Instância.
1 - O núcleo argumentativo dos reclamantes incide sobre o facto de o Acórdão se ter pronunciado e decidido sobre a base de incidência das despesas de representação pagas aos demandados, questão que, alegam, não tinha sido suscitada pelo Ministério Público e que, assim, constituiria uma decisão surpresa para os demandados.2 - O Ministério Público, na petição inicial apresentada em 1.ª Instância, delimitou a causa de pedir e pedido, por forma a abranger, entre outros, ilícitos financeiros por pagamentos indevidos, a título de remunerações de base e despesas de representação autorizadas e pagas pelo Conselho de Administração do Hospital Garcia de Orta, aos
seus próprios membros.
3 - No que diz respeito aos ilícitos financeiros de pagamentos indevidos relativos às remunerações autorizadas e pagas pelo conselho de administração do Hospital Garcia de Orta, e à não observância dos limites impostos pelo n.º 2 do artigo 6.º do Decreto Regulamentar 3/88, de 22 de Janeiro, o MP fundamentou a sua asserção nos seguintes argumentos retirados da sua adesão à interpretação veiculada pelas Circulares Normativas supra mencionadas do Departamento de Recursos Humanos da Saúde:a) A remuneração de referência dos membros do Conselho de Administração do Hospital corresponde à remuneração da categoria e escalão de topo no regime regra de exercício profissional sem qualquer acréscimos remuneratórios específicos.
b) O montante das despesas de representação a que se refere a situação acima referida nunca poderá ser superior ao recebido por um gestor público cuja remuneração base decorra exclusivamente do respectivo estatuto.
4 - É pois com base nestes critérios interpretativos relativos aos limites impostos pelo artigo 6.º, n.º 2, do Decreto Regulamentar 3 /88, de 22 de Janeiro relativos à remuneração de referência e com incidência nos limites a observar na remuneração de base e nas despesas de representação dos gestores hospitalares que o Ministério Público quantifica o montante do pedido de condenação no total de
90.064.783$00/Euros 449.241, 00
5 - Daí os pagamentos indevidos, duplicados, calculados pelo Ministério Público relativamente à Rui Jorge Teixeira de Freitas.
Mapa 1
(ver documento original)
Mapa 2
(ver documento original)
Total Global (Mapa 1 + Mapa 2) Esc. 19.483.540$00 (euro) 97.183,49) 6 - Daí os pagamentos indevidos, calculados pelo Ministério Público relativamente aFrancisco Cunha Oliveira.
Mapa 1
(ver documento original)
(ver documento original)
Total Global (Mapa 1 + Mapa 2) Esc. 28.139.670$00 (euro) 140.360,08) 7 - Daí os pagamentos indevidos, calculados pelo Ministério Público relativamente aÁlvaro Eiras de Carvalho.
Mapa 1
(ver documento original)
Mapa 2
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Total Global (Mapa 1 + Mapa 2) Esc. 14.301.903$00 (euro) 71.337,59) 8 - Daí os pagamentos indevidos, calculados pelo Ministério Público relativamente àIsabel Truninger Sousa.
Mapa 1
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Mapa 2
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Total Global (Mapa 1 + Mapa 2) Esc. 28. 139. 670$00 (euro) 140.360,08) 9 - Como acima se disse o total de pagamentos indevidos atingiu o montante de Esc.90.064.783$00/(euro)449.241,24, relativos à remuneração base e às despesas de
representação.
10 - A reconstituição do iter cognoscitivo de como o Ministério Público apurou os montantes quantificados do pedido de condenação na obrigação de reposição de pagamentos indevidos, na modalidade de pagamentos em duplicado, impunha que se analisasse e decidisse sobre a legalidade dos fundamentos e critérios adoptados peloMinistério Público
11 - Fundamentos que se manterão, aliás, inalteráveis no requerimento de recurso, quando, nas conclusões, o Ministério Público, retoma, na íntegra, o montante do pedido e a forma como o cálculo do pedido foi efectuado.12 - Na verdade, ao concluir no requerimento do recurso pela condenação no pedido formulado em 1.ª instancia, o Ministério Público assume na íntegra os fundamentos de facto e de direito que estiveram subjacentes ao cálculo do montante do pedido, designadamente a não observância dos limites constantes do artigo 6.º, n.º 2 do Decreto Regulamentar 3/88, de 22 de Janeiro de acordo com a interpretação veiculada pelas circulares normativas do Departamento de Recursos Humanos da Saúde expressamente invocadas nos mapas constantes do pedido inicial.
13 - Entre os fundamentos que conduziram ao cálculo do montante do pedido de condenação formulado em 1.ª instância e retomado em sede de recurso encontra-se a interpretação constante da Circular Normativa n.º 29/93, de 23 de Novembro, segundo a qual não era legítimo ao presidente e aos membros do conselho de administração do Hospital Garcia de Orta, em execução do artigo 6.º, n.º 2 do Decreto Regulamentar 3/88, de 22 de Janeiro, face à entrada em vigor do Decreto-Lei 73/90, de 6 de Março, auferirem despesas de representação de montante em concreto superior àquelas que resultariam do estatuto remuneratório dos gestores públicos.
14 - Pelo que as diferenças apuradas nos mapas constantes na petição inicial do Ministério Público e retomadas nas conclusões do requerimento de recurso, são precisamente as diferenças que resultam do montante auferido pelos gestores públicos nos termos da Resolução do Conselho de Ministros n.º 29/89 de 3 de Agosto, calculado através da percentagem nela prevista sobre as remunerações base nela
fixadas.
15 - O que constitui fundamento para, nas conclusões finais, requerer a este Tribunal "que deverá ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que condene os demandados no pedido".16 - Ou seja, na obrigação de reposição, entre outras, de pagamentos indevidos, dos montantes relativos ao abono de despesas de representação enunciados nos mapas, autorizados e pagos e constantes da petição inicial apresentada em 1.ª instância, que excedessem os limites constantes da interpretação veiculada pela Circular Normativa n.º 23/93, de 23 de Novembro, ou seja, os montantes que resultassem directamente do estatuto do gestor público, sem qualquer elevação que resultasse da consideração da
remuneração de referência.
17 - Excesso esse que o Acórdão qualificou como pagamento em duplicado 18 - Conclui-se, assim, que a questão relativa à base de incidência das despesas de representação foi suscitada nos autos e integra objecto de recurso.19 - Conclui-se assim que o cálculo das despesas de representação é objecto do processo e do recurso e, por isso, primeiro, na contestação e, depois, na resposta ao recurso, aos reclamantes foi dada a possibilidade de se pronunciarem, o que retira qualquer sustentação ao que, no âmbito da invocação de nulidades, ao abrigo das alínea d) e e) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, eles agora invocam sobre pronúncia excessiva, pronúncia sobre objecto alheio ao pedido, negação da tutela judicial, falta de contraditório, processo não equitativo e decisão surpresa.
20 - Que esses vícios se não verificam, confirma-se, aliás, pela forma como os ora reclamantes intervieram no processo, quer na contestação, quer na resposta ao recurso, expressamente se havendo batido pelas despesas de representação nos montantes que
decidiram aprovar.
21 - Na verdade os demandados Rui Jorge Teixeira de Freitas, Francisco Cunha de Oliveira, Isabel Truninguer de Albuquerque Morais de Sousa, invocam, no artigo 36.º da contestação e na resposta do recurso do Ministério Público, um parecer emitido em 4 de Dezembro de 1992, pelo Gabinete de Apoio Jurídico da Direcção-Geral dos Hospitais e que consta de fls. 685/686 do processo da 1.ª instância.22 - A solução constante no referido parecer dava resposta à questão da observância dos limites do número dois do artigo 6.º do Decreto Regulamentar 3/88, de 22 de Janeiro na interpretação da Circular Normativa, n.º 17/94, de 21 de Outubro, na parte relativa à remuneração base e ao abono de despesas de representação, contraditando os argumentos do Ministério Público, na parte relativa à remuneração base, aceitando os limites invocados pelo Ministério Público quanto às despesas de representação, mas introduzindo relativamente ao somatório da remuneração base e das despesas de representação um factor correctivo e limitativo suplementar.
23 - Por sua vez, o recorrido Álvaro Eiras de Carvalho, confrontado com o pedido do Ministério Público, em 1.ª instância, na parte relativa às despesas de representação alegou na contestação "Não se refere nesta sede as despesas de representação porque em qualquer caso o R. a elas teria direito" (artigo 109.º da contestação, a fls. 483 do
24 - Do mesmo modo, quando confrontado com a 2.ª instância com a remissão para o pedido de condenação formulado em 1.ª instância nas parcelas relativas à remuneração base e às despesas de representação e seus fundamentos, respondeu: "O conselho de administração do Hospital Garcia de Orta, limitou-se a aplicar os critérios contidos nas normas legais, diploma habilitante, as quais são de aplicação directa e automática e não carecem de qualquer despacho ministerial mediador. Outro seria o caso se tivessem deliberado fixar remuneração superior a tal critério, pois que tal só poderia suceder por via de nova disposição legal ou por via do putativo despacho" (a fls. 53 do processo n.º2-RO/JRF/2004).
25 - Os reclamantes foram, pois, confrontados com o pedido de condenação formulado pelo Ministério Público no requerimento de recurso com os fundamentos expressos nele constantes e os que resultavam da retoma, na íntegra, do montante do pedido dos seus métodos de cálculo, dos seus fundamentos de facto e de direito constantes da petição apresentada em 1.ª instância e dos mapas nele constantes, com a contraposição entre os cálculos efectuados pelo conselho de administração do hospital, de acordo com as orientações constantes dos pareceres do Dr. Inácio de Oliveira e do jurisconsulto Mário Esteves de Oliveira e os cálculos efectuados pelo Ministério Público de acordo com os critérios interpretativos veiculados pela Circular Normativa n.º23/93, de 23 Novembro.
26 - E também foram confrontados, designadamente, quanto ao carácter de pagamento indevido, na modalidade de pagamento em duplicado do abono de despesas de representação, na parte que excedesse o montante decorrente do estatuto do gestorpúblico.
27 - E optaram por reafirmar o carácter legal do critério adoptado pelo conselho de administração com fundamento em dois pareceres jurídicos. E consequentemente concluíram pela legalidade substantiva dos pagamentos, quer no que diz respeito às parcelas das remunerações base, quer no que diz respeito às parcelas do abono dedespesas de representação.
28 - Nesta matéria, pois, não há excesso de pronúncia. O Tribunal conheceu das questões que lhe foram colocadas pelo Ministério Público. E das quais tinha o poder - dever de conhecer e decidir. E ponderou os argumentos e fundamentos que estavam subjacentes ao seu pedido. E também os que vieram aos autos trazidos pelos recorridos. Se o não tivesse feito nos termos em que o fez havia, sim, omissão depronúncia.
29 - Improcedem assim as razões invocadas pelos reclamantes quanto às alegadas nulidades de conhecimento pelo Tribunal de 2.ª instância de factos que não constavam do pedido do Ministério Público ou relativamente às quais o Tribunal não podiaconhecer.
30 - Improcedem também as razões invocadas pelos reclamantes quanto à alegada nulidade de não realização do contraditório, de colocação dos demandados numa posição de indefesa e da não observância de um processo justo e equitativo.31 - Será assim de indeferir o pedido da declaração das alegadas nulidades.
IV - Das alegadas nulidades por modificação ilegal da matéria de facto e oposição
entre os fundamentos e a decisão
1 - O reclamante Álvaro Eiras de Carvalho arguiu a nulidade (artigo 90.º a 103.º) do Acórdão por, alegadamente, ter havido modificação da matéria de facto dada como provada em 1.ª instância quando se decidiu que as condutas dos demandados eram censuráveis a título de culpa consciente por violação de deveres de diligência: tal consubstanciaria uma modificação da factualidade constante da alínea U) do despacho sobre a matéria de facto constante da decisão recorrida: "os demandados exerceram os seus cargos com grande dedicação, zelo e competência".2 - Com base nesta alegada modificação da factualidade, o reclamante arguiu, também a nulidade por alegada oposição entre os fundamentos e a decisão (artigo 104.º a
119.º).
3 - O reclamante não tem razão no que alega e evidencia, salvo o devido respeito, uma fragilidade conceptual só possível por uma leitura apressada do texto do Acórdão.4 - Na verdade, o facto de se ter dado por provado que os demandados exerceram os seus cargos com grande dedicação, zelo e competência, não permite inferir que, em todas as situações tal se tenha demonstrado. Desde logo porque a 1.ª instância considerou legal o procedimento dos demandados pelo que a apreciação sobre se as condutas, no caso dos autos, eram ou não culposas ficou prejudicada. A culpa só se aprecia após se decidir que a materialidade apurada integra uma estatuição de infracção
financeira.
5 - Assim, o facto U do probatório só teria sido modificado ou seria contraditório se o Acórdão tivesse considerado que os demandados tinham exercido os seus cargos deforma descuidada e negligente.
6 - Daí que não seja contraditório nem consubstancie qualquer modificação com o provado entender-se e decidir-se que, nas circunstâncias concretas e apuradas nos autos que rodearam a decisão sobre a remuneração, os demandados agiram negligentemente: uma coisa é o juízo genérico positivo sobre a actuação global dos demandados no exercício dos cargos em análise, outra coisa é avaliar negativamente uma concreta actuação destes. Foi isso que o Tribunal fez quando, após considerar ilegais e indevidas as decisões sobre as remunerações, analisou se a concreta actuação dos demandados era ou não susceptível de ser entendida como culposa, e a que título.7 - E, para chegar a uma conclusão, o Tribunal, face à matéria factual apurada:
a) Começou por afastar o dolo, em qualquer das suas formas (página 142 do
Acórdão);
b) Analisou se os demandados tinham agido como se exigiria a um responsável cuidadoso com as funções que lhe estavam atribuídas, no concreto condicionalismoverificado (página 143/144 do Acórdão);
c) E decidiu que os demandados, sempre face à matéria de facto existente não tinham agido como um responsável cuidadoso (página 145 do Acórdão).8 - Anota-se, aliás, que, como é sabido, avaliar da diligência exigível, estando em causa a violação da lei ou de regulamento, é matéria de direito que o Tribunal, restringido à matéria de facto provada, aprecia livremente (cf. entre outros Acórdão do STJ de 27/04/93- Relator Cons. Fernando Faria, JST 0001834; e Acórdão do STJ de 24 /01 /02 - Relator Cons. Abílio Vasconcelos, JST 0000705, in w.w w dgsi.pt.) 9 - Concluindo que a actuação dos demandados era culposa, o Tribunal teve que analisar se haveria fundamentos para a relevação das responsabilidades, tendo entendido que não se verificavam causas que fundamentassem a relevação (número 10, a página 145). Daí "as condutas dos demandados serem indesculpáveis" (página n.º 145 do Acórdão), não se relevando responsabilidades porque as condutas concretas e negligentes foram consideradas como insusceptíveis de desculpa para estes efeitos.
10 - Do exposto e sem mais considerações será de indeferir as arguidas nulidades do
acórdão.
V - Do pedido de reforma e aclaração do acórdão na parte relativa à condenação dos responsáveis no pagamento dos honorários a jurisconsulto 1 - Os reclamantes Rui Jorge Teixeira de Freitas, Francisco Cunha de Oliveira, Isabel Truninguer de Albuquerque Morais de Sousa requerem a reforma e ou a aclaração do Acórdão (artigo 31.º a 45.º) na parte em que decidiu condenar na reposição do montante total de honorários pagos por um parecer jurídico alegando que o mesmo não se destinava a fundamentar a sua defesa em processo e, que não se provara o dolo ou a má fé, pelo que não seria entendível a invocação de jurisprudência anterior do Tribunal que considerou indevidos pagamentos de honorários de pareceres jurídicos destinados à defesa em processo e em que se verificou o dolo dos responsáveis.2 - Os reclamantes não têm, porém, razão no que alegam e invocam, desde logo porque o Tribunal nunca afirmou que as situações eram idênticas.
3 - Na verdade a invocação da jurisprudência da 3.ª Secção serviu antes de mais para ilustrar os casos que houve recurso a consultores jurídicos para junção de pareceres em processos judiciais contra responsáveis financeiros, como se refere expressamente a
página 141 do Acórdão.
4 - É certo que os pareceres jurídicos em causa serviram de fundamento à defesa emprocessos judiciais.
5 - E que no caso sub júdice o parecer jurídico serviu para habilitar um órgão administrativo a tomar uma decisão administrativa.6 - Aliás os reclamantes não desconhecem que este parecer jurídico também foi invocado em defesa, em 1.ª instância, e 2.ª instância para justificar as suas condutas.
7 - Também é certo que o circunstancialismo dos casos decididos por aquelas decisões da 3.ª Secção, assentavam numa legislação específica.
8 - E que havia sido provado, no âmbito dos processos judiciais, que os responsáveis
tinham agido com dolo.
9 - Mas o Tribunal realçou a diferença de circunstancialismo das situações em causa.10 - No entanto, considerou censuráveis a circunstância do parecer em causa ter servido de fundamento a decisões ilegais, em proveito próprio e causadoras de
prejuízos ao erário público.
11 - E que se consubstanciaram em pagamentos ilegais e indevidos, na modalidade depagamentos em duplicado.
12 - Termos em que improcedem as razões que justificam o pedido de reforma dos autos e, em consequência, a requerida aclaração do raciocínio subjacente a estadecisão.
VI - Do pedido de aclaração quanto ao montante líquido ou ilíquido das condenaçõesdecididas pelo acórdão impugnado
1 - Os demandados foram condenados na sua qualidade de presidente e vogais do conselho de administração do Hospital Garcia de Orta, e pela prática de actos financeiros ilegais no exercício das suas funções.2 - No que diz respeito à obrigação de reposição relativa às remunerações autorizadas e pagas pelo próprio conselho de administração aos seus membros, estes encontram-se
numa dupla situação jurídico financeira.
3 - Em primeiro lugar, enquanto ordenadores e pagadores da despesa.4 - Em segundo lugar, enquanto beneficiários desses mesmos pagamentos.
5 - Tendo havido autorização e processamento de remunerações ilíquidas indevidas, também há autorização e processamento de descontos legais indevidos.
6 - O hospital, enquanto pessoa colectiva de direito público diferenciada do Estado, deve pois ser ressarcido da totalidade dos fundos públicos autorizados e pagos indevidamente a título de remunerações e a título de descontos legais obrigatórios efectuados sobre as remunerações legais ilíquidas.
7 - A obrigação de reposição dos ordenadores e pagadores recai sobre a totalidade dos valores autorizados e pagos e saídos de caixa em conformidade com o processamento e a inclusão em folha dos montantes líquidos e dos montantes relativos aos descontos efectuados e entregues às entidades deles titulares.
8 - Nestes termos, o montante das condenações efectuadas foi pelo ilíquido, abrangendo os valores a mais indevidamente descontados e entregues às entidades
deles titulares.
9 - Os ordenadores e pagadores objecto de condenação devem pois repor as quantias a que foram condenados pelo seu valor ilíquido.10 - Assim, o pedido de aclaração vai no sentido de as condenações nas obrigações de reposição, decididas no Acórdão 2/2006 - 3.ª Secção, de 18 de Outubro, relativas às remunerações autorizadas e pagas pelo conselho de administração do Hospital Garcia de Orta aos seus membros, deverem ser executadas e cumpridas pelos
montantes ilíquidos.
VII - Da decisão
Assim pelos fundamentos expostos acorda-se, em Plenário da 3.ª secção do Tribunalde Contas, o seguinte:
I. Julgar improcedentes os pedidos de declaração de nulidades e de reforma doAcórdão 2/2006 de 18 de Outubro;
II. Aclarar o Acórdão 2/2006, no sentido de as condenações na obrigação de reposição, deverem ser interpretadas e executadas nos montantes ilíquidos.
São devidos emolumentos
Notificações necessárias
Publique-se com o Acórdão 2/06 de que o presente faz parte integrante (artigo 670.º, n.º 2 do CPC) no Diário da República, após a notificação e trânsito.
Lisboa, 21 de Novembro de 2007. - Os Juízes Conselheiros: Ernesto Luís Rosa Laurentino da Cunha (relator) - Carlos Alberto Morais Antunes - Amável Dias
Raposo.
Nota. - O presente Acórdão transitou em julgado no dia 27/11/2008, na sequência da notificação às partes do Acórdão 541/2008, do Tribunal Constitucional.
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