Decreto-Lei 44708
O interesse nacional e urgência na criação de um estaleiro naval para construir, docar e reparar grandes unidades tem sido manifestado pelo Governo por diferentes vezes. Assim, o empreendimento foi incluído no I Plano de Fomento, iniciando-se pela construção de uma doca seca, e no II Plano de Fomento, acompanhando o progresso dos estudos, figura já um estaleiro naval completo.
Correspondendo ao programa desses planos e ao apelo feito em vários despachos sobre a marinha mercante no sentido de incentivar a construção de um estaleiro naval, uma empresa nacional, em 1954, apresentou um anteprojecto localizando-o no Samouco. Todavia, os condicionamentos de ordem militar impeditivos de se aproveitar a cala natural que daria acesso ao estaleiro e, o enorme investimento de capital em aterros e expropriações, que tornavam o empreendimento econòmicamente inviável, não permitiram a sua materialização.
Estudada por várias comissões a localização desta indústria, em Março de 1958 o Ministério das Comunicações empreendeu diligências junto de alguns estaleiros estrangeiros no sentido de se interessarem pela construção de um grande estaleiro em Lisboa, enunciando certas regalias e facilidades que o Governo concederia.
Empreendimento de grande projecção e envergadura, não devia levar-se a cabo sem um exame ponderado que permitisse ao Governo lançá-lo após conhecimento antecipado e quanto possível exacto da sua viabilidade, aproveitando sem demora a oportunidade de dotar o País com um novo instrumento de progresso e riqueza. Para isso entendeu-se necessário nomear uma comissão (Decreto-Lei 42890, de 28 de Março de 1960) incumbida de rever o problema, estudando todas as sugestões e anteprojectos entretanto obtidos.
Quanto à localização, a comissão teria de dedicar particular atenção a uma instalação dentro da área do porto de Lisboa, conforme é definido no diploma que a criou. De facto, é Lisboa o porto que melhores condições reúne para satisfazer as da grande navegação, tanto da nacional, que tem aqui o seu principal porto de armamento, como da internacional que aqui faz escala.
Em resultado do primeiro relatório da comissão (Dezembro de 1960) fixou-se como orientação geral que a iniciativa, o delineamento, o projecto técnico, o estudo económico, a exploração e tudo o que respeita ao empreendimento devem pertencer à iniciativa de empresas privadas idóneas, limitando-se o Estado a intervir supletivamente apenas pela concessão de facilidades a acordar. Previu-se ainda na mesma altura que a melhor solução consistiria em confiar o empreendimento a uma só empresa nacional constituída por entidade estrangeira idónea e por todas as empresas exploradoras de estaleiros navais de ferro, naquela integradas.
Em segunda fase dos seus trabalhos, a comissão (relatório de Maio de 1961), depois de apreciar exaustivamente todas as sugestões, requerimentos e anteprojectos resultantes da consulta geral de Março de 1958, considerou que a única firma a dar à orientação expressa era a constituída pelos dois estaleiros instalados no porto de Lisboa associados a firmas congéneres de nacionalidades holandesa e sueca de reputação técnica consagrada.
Na sequência dos seus trabalhos a comissão chegou à conclusão de que o local mais do Porto de Lisboa para o duplo efeito de construção e reparação é a zona do Tejo entre Cacilhas e o Alfeite, por oferecer melhores condições de acesso e segurança a navios de grande tonelagem, o que é da maior importância. De resto, esse local foi considerado em parecer da Câmara Corporativa como indicado para a construção de docas de querenagem e reparação dos navios (parecer 12, de 21 de Março de 1946).
À semelhança do que se faz noutros países, importa dar ao estaleiro condições de concorrência com os seus congéneres, indispensáveis à sua viabilidade, dado que irá viver também das frotas estrangeiras.
O aterro da área escolhida e as obras necessárias impõem o investimento de avultados capitais. Nestes termos, a propriedade particular dessa área justifica-se pelo elevado preço em que fica a sua preparação e porque, concedendo à sociedade a possibilidade de escolha das oportunidades de amortização dos capitais investidos, estimula a modernização constante do seu equipamento.
Consideradas ainda as condições económicas previstas para a futura exploração do estaleiro e a necessidade de facilitar a viabilidade financeira do empreendimento, concede-se à empresa, dentro da orientação anteriormente referida quanto à intervenção supletiva do Estado, a isenção das contribuições do Estado e dos corpos administrativos por período superior ao autorizado na base IV da Lei 2005, bem como outras regalias de que normalmente usufruem as indústrias congéneres noutros países. Fica, porém, excluída a hipótese da concessão de subsídios pela administração portuária e nesse sentido revoga-se a legislação que presentemente os admite.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º Fica autorizado o Governo, pelo Ministério da Economia, a conceder à sociedade Lisnave - Estaleiros Navais de Lisboa, S. A. R. L., licença para construir e explorar um estaleiro naval de construção e reparação de embarcações nacionais e estrangeiras na área do porto de Lisboa, nas condições do presente diploma.
Art. 2.º São criadas no porto de Lisboa, entre Cacilhas e a Base Naval de Lisboa, no Alfeite, zonas reservadas exclusivamente para a construção e protecção e para a futura expansão desse estaleiro.
Art. 3.º Essas zonas são definidas pelos limites indicados na planta anexa a este decreto-lei, como segue:
Uma zona para a construção, confinando a oeste com a actual margem do rio Tejo entre Cacilhas e o Caramujo, a sul com a bacia da Base Naval e a norte e leste com o rio.
Uma zona de protecção, no rio.
Três zonas para expansão, constituídas pelos terrenos pertencentes à Administração-Geral do Porto de Lisboa existentes de cada lado da estrada n.º 10 entre Cacilhas e o Caramujo.
Art. 4.º A Lisnave fará à sua custa, na zona de construção, os aterros, docas, cais, molhes e outras obras da mesma natureza, à medida que se tornem necessárias de acordo com as fases de realização do estaleiro.
§ 1.º A Administração-Geral do Porto de Lisboa regulará a utilização da zona de protecção a fim de que possa ser aproveitada para complemento da actividade do estaleiro, ficando a cargo da Lisnave as dragagens necessárias para esse aproveitamento.
§ 2.º A utilização das três zonas de expansão referidas no artigo 3.º terá de fazer-se de forma a garantir boas condições de circulação no troço da estrada nacional n.º 10 que lhes está adjacente. A Administração-Geral do Porto de Lisboa ajustará oportunamente com o Ministério das Obras Públicas as disposições a tomar para esse efeito.
Art. 5.º Os locais de qualquer das zonas onde a Lisnave necessitar fazer obras para a construção ou expansão do estaleiro serão desafectados do domínio público e vendidos à Lisnave, a requerimento desta sociedade, embora sobre eles se mantenha a jurisdição da Administração-Geral do Porto de Lisboa.
§ 1.º As áreas fluviais e os terrenos de qualquer das zonas serão vendidos ao preço e nas condições que forem acordados entre a Administração-Geral do Porto de Lisboa e a Lisnave e aprovados em Conselho de Ministros.
§ 2.º A desafectação tornar-se-á efectiva, para todos efeitos, por despacho do Ministro das Comunicações lançado sobre o requerimento da Lisnave.
§ 3.º As desafectações feitas ao abrigo deste decreto ficam dispensadas das formalidades impostas pela legislação em vigor.
Art. 6.º Os locais vendidos à Lisnave ao abrigo deste diploma reverterão para o Estado se aquela sociedade deixar de exercer a sua actividade tanto de reparação como de construção de navios naqueles locais.
Art. 7.º Se esta reversão tiver lugar depois de decorridos dez anos de exploração do estaleiro, o Estado, através do Ministério das Comunicações, indemnizará a Lisnave por todas as obras portuárias fixas, edifícios e equipamentos, uns e outros indispensáveis ao funcionamento das docas existentes nos locais revertidos. A indemnização será estabelecida pelo justo valor dessas obras, edifícios e equipamentos à data da reversão, consideradas as amortizações técnicas normais.
§ único. A avaliação desses bens será efectuada por uma comissão composta por três peritos, sendo um nomeado pelo Ministro das Comunicações, outro pela Lisnave e o terceiro por acordo entre os dois e, na falta de acordo, pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
Art. 8.º As zonas indicadas no artigo 2.º serão demarcadas em carta do porto de Lisboa à escala de 1:2500.
Art. 9.º É concedida à sociedade Lisnave - Estaleiros Navais de Lisboa, S. A. R. L., isenção de quaisquer taxas ou impostos do Estado e dos corpos administrativos, salvo o imposto do selo, pelo período de quinze anos, a contar do começo da exploração.
Art. 10.º As embarcações que venham a Lisboa exclusivamente para reparar ou desmanchar e as que forem construídas pela Lisnave nos seus estaleiros serão isentas do pagamento de quaisquer taxas de porto.
Art. 11.º Sem prejuízo das disposições do Decreto-Lei 43962, de 14 de Outubro de 1961, os materiais e equipamentos destinados à construção e apetrechamento do estaleiro naval serão isentos de direitos de importação, por despacho do Ministro das Finanças, depois de ouvido o Ministério da Economia sobre se os mesmos têm aplicação na construção e apetrechamento do referido estaleiro e se nele serão utilizados sob fiscalização dos seus serviços competentes.
§ único. Para efeito do disposto neste artigo deve a entidade interessada, ao requerer ao Ministro das Finanças a isenção de direitos, fazer acompanhar o seu pedido de lista, em triplicado, do material que deseja importar, suas características essenciais, preço e despesas acessórias, incluindo direitos de importação.
Art. 12.º Os materiais e equipamentos a que se refere o artigo antecedente, quando desviados do destino ou aplicação por virtude dos quais beneficiaram da isenção de direitos, serão considerados em descaminho de direitos.
§ único. Aos serviços competentes do Ministério da Economia cumpre fazer comunicação imediata à Direcção-Geral das Alfândegas sempre que tenham conhecimento de desvios de destino ou aplicação dos materiais ou equipamentos importados com isenção de direitos ao abrigo do artigo anterior.
Art. 13.º Os aparelhos, máquinas e materiais destinados à construção de embarcações para o estrangeiro têm despacho de reexportação.
§ 1.º Os direitos de importação correspondentes serão garantidos por depósito ou fiança, até que a alfândega verifique a aplicação dos aparelhos, máquinas e materiais e o ulterior destino das embarcações.
§ 2.º A autorização para despacho das mercadorias a que se refere o presente artigo será concedida pela alfândega desde que o Ministro das Finanças tenha autorizado prèviamente a aplicação, para a construção, do regime estabelecido.
Art. 14.º Os aprestos, sobresselentes e os aparelhos, máquinas e materiais destinados à reparação de embarcações de nacionalidade estrangeira têm também despacho de reexportação.
Art. 15.º Cumpre aos directores das alfândegas adoptar as necessárias medidas de fiscalização, a fim de evitar que os aparelhos, máquinas e materiais despachados ao abrigo dos artigos 13.º e 14.º tenham aplicação diversa daquela que foi declarada pelo interessado.
Art. 16.º Sempre que se prove que os aparelhos, máquinas e materiais despachados ao abrigo dos artigos 13.º e 14.º deste diploma tiveram destino diferente do que lhes foi autorizado será instaurado o correspondente processo fiscal por descaminho de direitos.
Art. 17.º Os aparelhos, máquinas e materiais substituídos ou os que sobejarem dos trabalhos realizados, quando tenham valor para direitos, podem, com a autorização da alfândega, ter os seguintes destinos: ser despachados para consumo ou reexportados; dar entrada em depósitos fiscalizados, acompanhados da competente guia, cobrando-se recibo que ficará junto ao processo do navio; ficar a bordo como sobresselentes, se a alfândega não vir nisso inconveniente fiscal, sendo logo inscritos na respectiva lista regulamentar.
Art. 18.º Logo que fiquem concluídos os trabalhos de construção de cada embarcação deverá o estaleiro naval, por intermédio do seu serviço competente, participar à alfândega em declaração assinada, indicando a quantidade e a qualidade de quaisquer materiais que porventura hajam sobejado.
§ único. Recebida a referida declaração realizar-se-á imediatamente, ex officio, a verificação da aplicação dos materiais, em face dos talões das guias de reexportação respectivas, devendo ser exarado na aludida declaração o resultado da verificação efectuada.
Art. 19.º As embarcações construídas com destino ao estrangeiro, não obstante o regime aduaneiro a que ficaram sujeitos os aparelhos, máquinas e materiais nelas empregados, serão isentas de direitos de exportação.
Art. 20.º As actividades do actual estaleiro naval da Administração-Geral do Porto de Lisboa e a do novo estaleiro deverão ser coordenadas no sentido da desejada unidade de exploração, através de acordo a estabelecer para tal fim entre as respectivas empresas.
Para tanto, fica a Administração-Geral do Porto de Lisboa, mediante aprovação do Ministro das Comunicações, autorizada a alterar o actual contrato de exploração do seu estaleiro naval, permitindo que a Lisnave possa tomar de traspasse a concessão do referido estaleiro ou contratar ou acordar com a actual concessionária a exploração, administração ou gerência do citado estaleiro, sem haver pròpriamente traspasse da concessão.
Art. 21.º Fica revogado o Decreto 29603, de 16 de Maio de 1939.
Publique-se e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 20 de Novembro de 1962. - AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ - António de Oliveira Salazar - José Gonçalo da Cunha Sottomayor Correia de Oliveira - Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior - João de Matos Antunes Varela - António Manuel Pinto Barbosa - Mário José Pereira da Silva - Fernando Quintanilha Mendonça Dias - Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira - Eduardo de Arantes e Oliveira - Manuel Lopes de Almeida - José do Nascimento Ferreira Dias Júnior - Carlos Gomes da Silva Ribeiro - José João Gonçalves de Proença - Henrique de Miranda Vasconcelos Martins de Carvalho.
(ver documento original)
Ministérios das Finanças, da Marinha, da Economia e das Comunicações, 20 de Novembro de 1962. - O Ministro das Finanças, António Manuel Pinto Barbosa - O Ministro da Marinha, Fernando Quintanilha Mendonça Dias. - O Ministro da Economia, José do Nascimento Ferreira Dias Júnior. - O Ministro das Comunicações, Carlos Gomes da Silva Ribeiro.