Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional I - Relatório 1 - PORTSIMI - EMPRESA DE TRABALHO TEMPORÁRIO, S. A., interpôs recurso para este Tribunal da Decisão Arbitral de 30 de outubro de 2015, nos termos da qual foi julgado improcedente o pedido de pronúncia arbitral que havia apresentado.
O requerimento de recurso é do seguinte teor:
[...] Exige o artigo 75.º-A da Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, na redação em vigor) que, no presente requerimento, se indique, desde logo, a norma cuja inconstitucionalidade, ou ilegalidade, se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie.
6.º
Pelo que a REQUERENTE esclarece, desde já, que a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie e cuja desconformidade à Constituição da República Portuguesa foi objeto de discussão, da Decisão Arbitral recorrida, corresponde ao artigo 103.º, n.º 4, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), onde se dispõe que “Tratando-se de rendimentos sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos respetivos beneficiários, o substituto assume responsabilidade solidária pelo imposto não retido”.
7.º
Com efeito, sustentou a REQUERENTE, no Pedido de Pronúncia Arbitral em causa e, bem assim, nas suas alegações, que aquele artigo 103.º, n.º 4, do Código do IRS, deverá ser interpretado, de acordo com a Constituição da República Portuguesa, no sentido de que apenas quando, eventualmente, o substituído não tenha meios suficientes para satisfazer o crédito do Estado, existe a possibilidade legal de a entidade patronal, ou seja, o substituto, ser responsabilizado, em sede de reversão de eventual processo de execução fiscal que venha a ser instaurado contra o responsável originário - o substituído -, por força do não pagamento voluntário do montante de imposto alegadamente devido (cf. Certidão do processo relativo ao pedido de pronúncia arbitral n.º 18/2015-T, emitida pelo Centro de Arbitragem Administrativa e que ora se junta como Documento n.º 3).
8.º
Sendo, consequentemente, inconstitucional o mesmo artigo 103.º, n.º 4, do Código do IRS, quando interpretado - como fez a Administração tributária e acedeu a Decisão Arbitral ora recorrida - no sentido de que, estando em causa rendimentos sujeitos a retenção que não foram contabilizados, nem comunicados, como tal, aos respetivos beneficiários, o substituto assume responsabilidade solidária pelo imposto não retido, responsabilidade essa que se materializa, no entendimento da Administração tributária, na possibilidade de exigir o imposto, alegadamente devido, direta e integralmente ao substituto, ainda na fase de pagamento voluntário.
9.º
Com efeito, como melhor sustentará a REQUERENTE em sede de Alegações, entende a REQUERENTE que o artigo 103.º, n.º 4 do Código do IRS, na interpretação defendida pela Administração tributária e acolhida pela Decisão Arbitral proferida no âmbito do Pedido de Pronúncia Arbitral n.º 118/2015T, é materialmente inconstitucional.
10.º
De facto, conforme alegou a REQUERENTE, no Pedido de Pronúncia Arbitral n.º 118/2015T, o artigo 103.º, n.º 4, do Código do IRS, na interpretação acolhida pela Administração tributária, viola o princípio da capacidade contributiva, previsto no artigo 104.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, o princípio da igualdade fiscal, ínsito nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, o princípio da proporcionalidade em sentido amplo e da coerência do sistema fiscal, previstos no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e, ainda, os direitos à propriedade e à iniciativa privada, previstos nos artigos 61.º e 66.º da Constituição da República Portuguesa.
11.º
Não obstante, o Tribunal Arbitral, na Decisão Arbitral objeto do presente recurso e proferida no processo de apreciação do Pedido de Pronúncia Arbitral n.º 118/2015T, e no âmbito do qual se discutiu a (in)constitucionalidade do artigo 103.º, n.º 4, do Código do IRS, entendeu que “não se vê [...] que pela circunstância de o legislador ter introduzido uma regra de responsabilidade solidária no pagamento de um tributo nas condições específicas em que o fez, daí decorra qualquer violação do princípio da capacidade contributiva, ainda que tal regime se verifique em fase de pagamento voluntário” (cf. pág. 27 da Decisão).
12.º
Acresce que, quanto ao argumento, apresentado pela REQUERENTE, de que a interpretação que a Administração tributária fez do artigo 103.º, n.º 4, do Código do IRS, afigura-se, também, violadora do princípio da igualdade fiscal, do princípio da proporcionalidade e do princípio da coerência do sistema fiscal, o Tribunal Arbitral entendeu dever ser improcedente tal fundamento, escudando-se no argumento segundo o qual “não se está [...] perante a criação de um novo imposto [...] mas perante uma alteração ao regime de responsabilidade fiscal específica na previsão de situações de substituição tributária”.
13.º
Pelo que, não se conformando a REQUERENTE com o teor da referida Decisão Arbitral, vem, pelo presente, interpor recurso da mesma para o Tribunal Constitucional, com fundamento na inconstitucionalidade material do artigo 103.º, n.º 4, do Código do IRS, conforme melhor explanará, em sede própria, nas suas Alegações [...]
»2 - Na parte que ora releva, foi a seguinte a decisão objeto de recurso:
[...] É pois à luz destes princípios e igualmente tendo em conta a intenção e os fins visados pelo legislador subjacentes à alteração levada a cabo no artigo 103.º do CIRS que não encontramos razões para discordar da interpretação que a AT fez do mesmo, traduzida e corporizada ria prática, e face ao regime de responsabilidade solidária aí consagrado, na possibilidade de exigência do pagamento do imposto de forma indistinta, ao substituto ou ao substituído, da acordo com o regime em questão.
Concluindo-se ainda, e como se verá, que a alteração legislativa em causa, materializada na responsabilidade solidária entre substituto e substituído nas condições aí expressamente previstas e tendo em conta o fim visado com a mesma, não afronta quaisquer princípios da “constituição fiscal” ou normas do ordenamento jurídico normativo tributário.
A Requerente em defesa da sua tese subscreve ainda que a interpretação do n.º 4 do artigo 103.º do CIRS, na redação que lhe foi conferida pela LOE 2007, levada a cabo pela AT, no sentido de “viabilizar a exigência do imposto não retido ainda, em fase de pagamento voluntário, e já não, apenas, na fase de cobrança coerciva” (cf. artigo 93.º do pedido de pronúncia arbitral) viola vários princípios constitucionais, de entre os quais o principio da capacidade contributiva, da igualdade fiscal, da proporcionalidade em sentido amplo e da coerência do sistema fiscal, estribando-se para tanto num parecer da autoria do Professor Casalta Nabais junto com o seu articulado sob o documento n.º 6.
Quanto à violação do princípio constitucional da capacidade contributiva, há de ter-se em conta, subscrevendo aqui a posição de Manuel Faustino [...], que “os critérios geralmente invocados para justificar a repartição dos encargos fiscais pelos contribuintes assentam modernamente em duas teorias fundamentais:
a teoria do benefício e a teoria da capacidade contributiva. Para a primeira, cada beneficiário dos bens e serviços prestados pelo Estado deve suportar os respetivos custos:
paga quem tem recursos que permitam aceder à utilização dos bens e serviços. Para a segunda não deve existir qualquer relação entre a utilização dos bens e serviços prestados pelo Estado e o dever de os suportar; paga quem pode e na medida em que puder, independentemente da utilização dos serviços que o imposto visa tomar possíveis. O encargo não tem qualquer relação direta com a utilidade efetiva que os bens públicos possam ter para o contribuinte”
A capacidade contributiva sendo um conceito jurídico económico [...], reconduz-se ao princípio de que “todos os cidadãos devem pagar impostos sobre a totalidade dos seus rendimentos, e na medida destes”, princípio este normativado no artigo 4.º da LGT:
Artigo 4.º
Pressupostos dos tributos
“1 - Os impostos assentem essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património.
2 - As taxas assente, na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou ma remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.
3 - As contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumento de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade são considerados impostos.”
Se bem que, no caso específico do n.º 4 do artigo 103.º do CIRS, não estejamos especificamente perante “rendimento”, a verdade é que não se vê (ao contrário do que infere a Requerente) que pela circuns-tância de o legislador ter introduzido uma regra de responsabilidade solidária no pagamento de um tributo nas condições específicas em que o fez, daí decorra qualquer violação do princípio da capacidade contributiva, ainda que tal regime se verifique em fase de pagamento voluntário.
Não estamos propriamente perante a criação de qualquer “novo” imposto, mas sim perante a alteração de um regime de responsabilidade no caso de não cumprimento de uma norma cuja observância e cumprimento compete ao responsável tributário.
No que se refere à ofensa ao princípio constitucional da igualdade fiscal:
A dimensão constitucional estruturante do princípio da igualdade, tem expressão no artigo 13.º da Constituição da República no sentido de que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”, daqui resultando um princípio de generalidade ou universalidade da tributação no sentido de que “todos deverão contribuir para as despesas do Estado” uma igualdade perante ou encargos públicos e igualdade dos sacrifícios.
“A igualdade tributária é hoje entendida como igualdade material, postulando não apenas a consideração da capacidade contributiva, mas também a introdução de critérios de justiça contributiva e igualdade substancial, atentos ao facto de que a igualdade do sacrifício das pessoas com rendimentos diferentes aponta para a progressividade das taxas de imposto e para a personalização do imposto”. [...]
Contudo, a dimensão material do princípio da igualdade fiscal, não encerrará em si própria um fim absoluto, traduzida na proibição de diferenciações ou discriminações.
A própria Lei Geral Tributária, ao enunciar sob o artigo 7.º os “ob-jetivos e limites da distribuição” prevê no n.º 3 que “a tributação não discrimina qualquer profissão ou atividade nem prejudica a prática de atos legítimos de caráter pessoal, sem prejuízo dos agravamentos ou benefícios excecionais determinados por finalidade económicas, sociais, ambientais ou outras”.
Mesmo que se entendesse a tese da Requerente, que no subscrevemos, no sentido de que se está perante “uma violação do princípio da igualdade material, pois força-se todas as empresas, mesmo as em dificuldades financeiras, a responder pelos impostos devidos pelos seus trabalhadores, mesmo quando esta já pagou as remunerações em bruto” (cfr, artgº 120.º do pedido de pronúncia arbitral) ainda assim não se estaria perante qualquer violação do princípio da igualdade tributária, recentrando aqui a questão fundamental de que a alteração legislativa que nos convoca, tem unicamente subjacente um regime de responsabilidade solidária de pagamento, nas condições em que era obrigatória a retenção na fonte por conta do imposto devido e não já, com quaisquer outras realidades, nomeadamente a consideração de a mesma não ser devida pela sua consideração como “ajudas de custo”.
Relativamente à alegada violação do princípio constitucional da proporcionalidade ou princípio da proibição do excesso, e como vem sido entendido, poderemos materializálo “enquanto principio constitucional estruturante e densificador do próprio Estado de Direito, apresenta como dimensões significativas as exigências de:
(i) adequação, isto é a medida que se vai introduzir no ordenamento jurídico deve ser qualitativamente certa para prosseguir o fim que no caso concreto se visa;
(ii) necessidade ou seja, a intervenção restritiva apenas deverá ser feira se outra menos gravosa não puder ser lavada a efeito; e
(iii) proporcionalidade em sentido restrito, que significa que a medida restritiva deve ser quantitativamente acertada (i.é, não exa-gerada) em relação ao fim em causa”.[...]
Enquanto referido à atividade administrativa o princípio em causa, surge positivado (a par de outros princípios estruturantes) no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição no sentido de que, “os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”
O Tribunal Constitucional nas diversas vezes que tem sido convocado a pronunciar-se sobre o princípio da proporcionalidade (ou proibição do excesso) não se tem afastado da construção clássica da doutrina quanto às vertentes da sua dimensão e densidade por forma diferente da acabada de referir.
No Acórdão 632/2008 de 23/12/2008, (com expressa remissão para o Acórdão do mesmo Tribunal n.º 634/93), pode ler-se:
“O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios:
[...]
Princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos);
Princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato);
Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adotar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos [...]”
Podendo ainda extrair-se do Acórdão 632/2008, de 23-12-2008, com respeito à dimensão “proporcionalidade em sentido estrito ou critério da justa medida” que “o que aqui se mede, na verdade, é a relação concretamente existente entre a carga coativa decorrente das medidas que se visa alcançar. Ou, como se disse ainda no Acórdão 187/2001, (trata-se [...] de exigir a intervenção, nos seus efeitos restritivos ou lesivos, se encontra numa relação ‘calibrada’ - de justa medida com os fins prosseguidos, o que exige uma ponderação, graduação e correspondência dos efeitos e das medidas possíveis”
Quanto à violação do princípio da coerência do sistema fiscal, temos para nós que o regime de responsabilidade solidária em causa não o belisca minimamente face ao teor do artigo 103.º n.º 1 da Constituição da República.
Aí se diz, com efeito que, o “sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos em causa”. Subscrevemos aqui o discurso de Vasco Nuno Coelho Martins [...] ao salientar que um sistema fiscal ao qualificar-se como um regime agregador dos seus tributos, “não significa unicamente a aglomeração das várias figuras tributárias, isto é, o conjunto dos vários tributos patentes num determinado ordenamento jurídicotributário. Pois um sistema fiscal assim construído carece de um quadro de valores que o configurem e que acautelem a harmonia das suas diversas figuras jurídicas, de forma a garantir a sua consonância com os objetivos gerais de política económica:
necessita de racionalidade, de ser presidido por uma séria de princípios, bem como prosseguir determinados fins.
Este sistema fiscal, enformado por um conjunto de impostos, será tanto mais sistematizado quanto maior for o equilíbrio entre esse conjunto e a sua adequação aos objetivos fiscais e extrafiscais, já que necessita de uma integração entre todos os seus componentes”.
Ora, foram precisamente os fins e objetivos fiscais, traçados e evidenciados no Relatório do Orçamento de Estado para 2007 que foi consagrada, neste segmento, como medida essencial de combate e à fraude e evasão fiscais, a criação de “um regime de responsabilidade solidária do substituto pelo imposto não retido aos beneficiários dos rendimentos em situações qualificadas como práticas fraudulentas relacionadas com a omissão ou redução do montante das remunerações pagas seja pela sua não contabilização, seja pela sua caracterização como rendimentos não sujeitos a tributação (vg., ajudas de custo”) normativa do pela introdução do n.º 4 ao artigo 103.º do CIRS.
De tudo o que vem dito, não se vislumbra que o regime de responsabilidade solidária aí previsto, e da interpretação que do mesmo se faz, viole, colida ou ofenda o princípio da coerência do sistema fiscal da mesma forma que não concorre para qualquer ofensa ao direito de propriedade ou ao princípio da livre iniciativa privada e da autonomia.
Concluindo-se pois que não se nos afigura que a capacidade contributiva, a igualdade, a proporcionalidade, e a coerência do sistema fiscal sejam sacrificadas no altar do regime de responsabilidade solidária do pagamento do imposto nas situações previstas no n.º 4 do artigo 103.º do CIRS, ou seja, perante “rendimentos sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos despectivos beneficiários [...]
»3 - Notificados para alegar, tanto a recorrente, PORTSIMI - EMPRESA DE TRABALHO TEMPORÁRIO, S. A., como a recorrida, Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “AT”) o fizeram. Foi também junto ao processo, pela recorrente, um parecer de um professor universitário. 4 - A recorrente conclui as suas alegações da seguinte forma:
I. O presente Pedido de Pronúncia Arbitral tem por objeto a Decisão do Tribunal Arbitral do CAAD, de 30 de outubro de 2015, proferida no âmbito do Processo 118/2015-T, nos termos do qual foi julgado improcedente o Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pela RECORRENTE, na medida em que interpreta o artigo 103.º, n.º 4, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), o qual dispõe que “tratando-se de rendimentos sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos respetivos beneficiários, o substituto assume responsabilidade solidária pelo imposto não retido”, no sentido de que tal disposição permite que a responsabilidade solidária do substituto tributário se traduza numa responsabilidade originária, a ocorrer numa fase anterior à notificação para o cumprimento voluntário do (sujeito passivo) substituído tributário, ou mesmo antes da fase coerciva do recebimento do imposto contra esse mesmo substituído tributário;
II. A decisão arbitral recorrida concluiu que, estando em causa rendimentos sujeitos a retenção que não foram contabilizados, nem comunicados aos respetivos beneficiários, cabe ao substituto, no caso à RECORRENTE, a responsabilidade solidária pelo imposto não retido, nos termos do artigo 103.º, n.º 4 do Código do IRS;
III. Esta responsabilidade materializa-se, no entendimento do tribunal arbitrai recorrido, na possibilidade de exigir o imposto, que se entenda como devido, diretamente ao substituto (neste caso, a RECORRENTE), ainda na fase de pagamento voluntário, notificando, assim, para pagamento, não o titular dos rendimentos sujeitos a retenção e pessoa em relação à qual se verificou o facto tributário, mas antes a RECORRENTE, na qualidade de responsável solidária pelo imposto não retido, ao abrigo do disposto no artigo 103.º, n.º 4, do Código do IRS;
IV. Entende, contudo, a ora RECORRENTE que o artigo 103.º, n.º 4, do Código do IRS é inconstitucional, devido à violação (i) do princípio constitucional da capacidade contributiva, previsto no artigo 104.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (ii) do princípio da igualdade fiscal, ínsito nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, (iii) do princípio da proporcionalidade em sentido amplo, previsto no artigo 18.º, n.º 2 e artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e (iv) do princípio da coerência do sistema fiscal, previsto no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa;
V. Assumindo que as verbas em causa se qualificam, efetivamente, como trabalho dependente sujeito a IRS, estaremos perante um caso típico de substituição tributária, em que a prestação tributária é exigida a pessoa diferente do contribuinte, sendo este, no caso concreto, o trabalhador - o substituto (cf. artigo 20.º, n.º 1, da LGT);
VI. Como se evidenciou nas presentes alegações, importa ter presente a dicotomia entre “contribuinte” e “devedor de imposto”, considerando-se como o primeiro a pessoa em relação à qual se verifica o facto tributário, sendo, por isso, o titular da manifestação de capacidade contributiva, enquanto o devedor do imposto será a pessoa sobre a qual impende o dever de cumprimento da obrigação de imposto pelo que, no caso em apreço, não parece suscitar dúvidas o facto de o substituído - neste caso, o trabalhador - ser o verdadeiro contribuinte, isto é, a pessoa em relação à qual se verifica o facto tributário, sendo o substituto - a RECORRENTE-, por determinação da lei, um mero devedor na relação jurídica tributária, por se encontrar ligado ao contribuinte por uma relação subjacente de direito privado, nos termos da qual é devedora da prestação de rendimentos;
VII. Assim sendo, o trabalhador, titular do rendimento pessoal, deveria ter sido considerado como responsável pelo pagamento do imposto liquidado adicionalmente, reconhecendo-se que a empresa que disponibiliza tal rendimento - neste caso, a RECORRENTE - desempenha uma função meramente acessória, em particular, pela retenção do imposto e pela sua posterior entrega ao Estado - no momento em que estiver, por lei, obrigada a fazê-lo-, efetuada meramente a título de pagamento por conta do imposto devido a final, pelo trabalhador;
VIII. Efetivamente, ainda que, na substituição tributária, o contribuinte surja numa posição diferente daquela que normalmente assumiria numa relação dita “normal” de imposto, não se poderá deixar de onerar quem pratica o facto tributário e é titular da capacidade económica que se visa tributar;
IX. Deverá, pois, concluir-se que o substituído é o verdadeiro titular do rendimento sujeito a tributação, mais especificamente das verbas que foram requalificadas pela Administração tributária como rendimento do trabalho dependente, pelo que é a sua situação tributária que carecia de correção, devendo a liquidação do imposto alegadamente em falta terlhe sido dirigida e não à RECORRENTE, como ocorreu no caso concreto;
X. Em abono deste entendimento, deverá atender-se ao disposto no artigo 28.º, n.º 2, da LGT, já que, no caso em apreço, as retenções na fonte que alegadamente, deveriam ter ocorrido, relativamente às ajudas de custo pagas aos trabalhadores, configuram uma situação de retenção a título de pagamento por conta de imposto, o que consubstancia uma substituição em sentido impróprio;
XI. Ao contrário do que sucede na situação prevista no artigo 28.º, n.º 1, da LGT, aplicável no caso de retenção na fonte a título definitivo, em que o imposto é retido, mas não é entregue nos cofres do Estado, ficando o substituído desonerado de qualquer responsabilidade no seu pagamento, no caso de retenção na fonte com natureza de pagamento por conta, prevista no n.º 2 da referida disposição legal, a não retenção na fonte não desonera o substituído das suas obrigações fiscais, nomeadamente declarativas e de pagamento do tributo, de onde se retira que, no caso em apreço, em que deveria ter ocorrido a retenção na fonte, a título de pagamento por conta do imposto devido a final, a responsabilidade pelo imposto não entregue é do substituído, uma vez que os montantes lhe foram integralmente pagos, ficando, consequentemente, o substituto desonerado da responsabilidade referente ao pagamento;
XII. Por outro lado, e no mesmo sentido, importa atender ao disposto no artigo 103.º, n.º 2, do Código do IRS, do qual resulta que, nos casos em que o imposto que seria devido não é retido pela entidade que coloca o rendimento à disposição, no momento dessa colocação à disposição, o imposto não retido deverá ser pago, em primeira linha, pelo substituído, enquanto titular do rendimento em causa;
XIII. Com efeito, apenas quando, eventualmente, o substituído não tenha meios suficientes para satisfazer o crédito do Estado é que este preceito concebe que exista a possibilidade legal de a entidade patronal, ou seja, o substituto, ser responsabilizado, em sede de reversão de eventual processo de execução fiscal que venha a ser instaurado contra o responsável originário - o substituído - , por força do não pagamento voluntário do montante de imposto devido;
XIV. Sendo o substituído o verdadeiro titular do rendimento sujeito a tributação, mais especificamente das verbas requalificadas pela Administração tributária como rendimento do trabalho dependente, é a sua situação tributária que carece de correção, devendo a liquidação do imposto em falta serlhe dirigida;
XV. Assim, como se demonstrou supra, a obrigação principal cabe ao trabalhador - e não à RECORRENTE-, sendo sobre ele, enquanto sujeito passivo, que incide, pessoalmente, o imposto em causa, de acordo com o artigo 31.º da LGT e artigos 2.º, 13.º e 15.º do Código do IRS. Assim, é manifesto que a - assume, nos termos do artigo 119.º do Código do IRS, um papel meramente acessório, no que respeita aos rendimentos dos seus trabalhadores, pelo que os atos tributários contestados devem ser anulados;
XVI. Não restam, pois, quaisquer dúvidas de que a posição do tribunal arbitral, acima descrita, é manifestamente inconstitucional, na medida em que viola os princípios fundamentais do ordenamento tributário, designadamente, o princípio constitucional da capacidade contributiva, o princípio constitucional da igualdade fiscal, o princípio constitucional da proporcionalidade em sentido amplo e o princípio da coerência do sistema fiscal;
XVII. A interpretação a que aderiu o tribunal arbitral, relativamente ao artigo 103.º, n.º 4, do Código do IRS, viola o princípio constitucional da capacidade contributiva, na medida em que o pressuposto e fundamento da medida dos impostos têm de atender à capacidade contributiva dos contribuintes, sendo esta capacidade revelada pela obtenção de um rendimento, pela titularidade de património ou pela aquisição onerosa de bens ou serviços;
XVIII. Neste sentido, o princípio da capacidade contributiva impõe, primariamente, que cada contribuinte responda, tributariamente, somente pelos seus rendimentos e não pelos rendimentos de terceiro, sendo que qualquer desvio deste princípio deve ser justificado pela necessidade de acautelar um bem jurídicoconstitucional, por meio de medidas que sejam adequadas a protegêlo, indispensáveis para tal proteção e que não se revelem desproporcionadas;
XIX. Ora, conforme ficou demonstrado, a RECORRENTE não é, neste caso concreto, o contribuinte sujeito a IRS, para efeitos do disposto do artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do Código do IRS e, bem assim, não é, também, considerada como sendo a devedora do imposto, alegadamente feita pois está em causa a tributação pessoal do rendimento obtido pelas pessoas singulares, que são cada um dos trabalhadores da RECORRENTE, à data da ocorrência dos factos, sendo, por isso, estes últimos os efetivos devedores do imposto. Deste modo, é evidente que a RECORRENTE não pode, no caso concreto, assumir o papel do contribuinte - substituído-, visto estar em causa a tributação de um rendimento de terceiro;
XX. Assim, sob pena de violação deste princípio constitucional, o artigo 103.º, n.º 4, do Código do IRS deverá, necessariamente, ser interpretado no sentido de estabelecer, efetivamente, uma responsabilidade solidária do substituto, mas - e é aqui que a interpretação da RECORRENTE diverge da adotada pelo tribunal arbitral - apenas suscetível de ser acionada a partir da instauração do processo executivo, para cobrança coerciva do montante de imposto não retido, no pressuposto de que este foi objeto de liquidação adicional dirigida ao sujeito passivo da relação tributária - o trabalhador - e que este não o pagou voluntariamente no prazo indicado nessa liquidação;
XXI. Deste modo, não pode prevalecer o entendimento do tribunal arbitral, sob pena de violação do princípio constitucional da capacidade contributiva, por se fundar na adoção de uma interpretação normativa materialmente inconstitucional, violadora do disposto no artigo 104.º, n.os 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, devendo ser anulado em conformidade;
XXII. Ainda relativamente à invocada inconstitucionalidade do disposto no artigo 103.º, n.º 4, do Código do IRS, importa fazer referência à interpretação sustentada pelo tribunal arbitral, a qual consubstancia uma clara violação do princípio da igualdade, na medida em que considera que o mero retentor de pagamentos por conta constitui um devedor primário:
XXIII. Naturalmente, a pessoa coletiva empregadora e o trabalhador encontram-se em situações relativamente distintas, mas as diferenças não são de ordem a justificar uma responsabilização solidária direta do empregador em relação ao imposto devido pelos rendimentos dos seus trabalhadores;
XXIV. Basta ter presente que muitas empresas sobrevivem à beira da rutura financeira, pelo que presumir que estas têm sempre uma capacidade contributiva superior à totalidade dos seus trabalhadores constitui uma ficção abusiva, o que implica a violação do princípio da igualdade material, pois força-se todas as empresas, mesmo aquelas em dificuldades financeiras, a responder pelos impostos devidos pelos seus trabalhadores, incluindo quando esta já pagou as remunerações em bruto;
XXV. Em face do exposto, é evidente que a decisão arbitral é inconstitucional, por se fundar na adoção de uma interpretação normativa materialmente inconstitucional, violadora do princípio de igualdade fiscal;
XXVI. Por fim, o artigo 103.º, n.º 4, do Código do IRS viola o princípio constitucional da proporcionalidade, na medida em que impor uma solidariedade direta à pessoa coletiva empregadora será uma solução adequada para uma célere e eficaz cobrança dos impostos, mas tal não constitui a medida adequada menos lesiva, já que é possível acolher uma solução que imponha uma solidariedade meramente subsidiária, perante um eventual incumprimento por parte do trabalhador;
XXVII. Em face do exposto, existe, pois, violação da vertente da indispensabilidade/necessidade da medida em causa, perante o direito à propriedade da empresa (claramente restringido pela tributação) e em face do princípio da capacidade contributiva, entendido como princípio que estabelece que não deve existir transmissão da titularidade passiva dos impostos;
XXVIII. Por outro lado, ao estabelecer, cegamente, uma responsabilidade solidária direta da empresa pelo cumprimento dos impostos dos seus trabalhadores, mesmo quando a empresa atuou de boafé, por ser controversa a qualificação dos pagamentos realizados como meras ajudas de custo ou verdadeiras remunerações, a interpretação normativa em causa revela-se de todo desproporcionada;
XXIX. Deverá, pois, concluir-se que uma tal disposição não se revela, efetivamente, necessária para levar a cabo a liquidação e cobrança eficaz do IRS sobre os rendimentos da categoria A, podendo, em caso de não terem tido lugar as retenções na fonte por parte das entidades a elas obrigadas, ser liquidado e cobrado junto dos correspondentes contribuintes e devedores sem dificuldades que possam ter-se por excessivas ou desproporcionadas para a Administração Tributária, tendo em conta que os retentores sempre podem ser chamados em segunda linha a responder pelo IRS que não foi objeto de retenção, satisfazendo, assim, integralmente o crédito tributário;
XXX. Consequentemente, por se basear numa interpretação normativa inconstitucional, não poderia a Administração tributária liquidar, junto da RECORRENTE, o imposto em falta, sob pena de violação do princípio constitucional da proporcionalidade em sentido amplo, pelo que a decisão arbitral, concordante com tal atuação, é inconstitucional, também, por violar o artigo 266.º, n.º 2, da CRP;
XXXI. O n.º 4, do artigo 103.º, do Código do IRS, na interpretação sustentada pelo tribunal arbitral viola, também, o princípio da coerência do sistema fiscal, previsto no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, na medida em que a aplicação do normativo em causa decorreu de uma interpretação literal, desconforme com a Constituição da República Portuguesa, por ser desnecessariamente restritiva dos direitos e princípios constitucionais acima elencados, no segmento em que atribui a um terceiro (o substituto) o dever solidário (e não subsidiário) de proceder ao pagamento de um imposto que incide sobre um rendimento do contribuinte (o substituído), sem que a instituição de um tal dever se funde na existência de uma efetiva capacidade contributiva ou, sequer, numa necessidade, de facto, face a uma eventual impossibilidade de cobrança a quem a revela (o substituído);
XXXII. Em face do exposto, e salvo melhor opinião, o entendimento do tribunal arbitral, é materialmente inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, da legalidade fiscal, da igualdade e da proporcionalidade, bem como dos direitos à propriedade e à iniciativa privada, dos artigos 104.º, n.os 1 e 2, 61 e 62, 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
»5 - Quanto à recorrida, conclui desta forma:
3 - A AT entende que a decisão arbitral respeitou a mens legis deste preceito legal que foi claramente a de atribuir uma responsabilidade originária e solidária quer às entidades patronais, quer aos seus trabalhadores pelo pagamento do imposto sobre o rendimento, logo na fase da sua cobrança voluntária, estando assim consonante com qualquer um dos princípios constitucionais convocados.
4 - Entende, assim, a AT que a decisão recorrida não viola o princípio da igualdade na medida em o n.º 4 do artigo 103.º do CIRS é uma norma geral e abstrata que determina a igualdade perante os encargos públicos e uma igualdade na distribuição dos sacrifícios;
5 - E que apesar de consubstanciar um enquadramento normativo diferenciado, ela tem por destinatárias todas as entidades patronais que procedem ao pagamento de rendimentos sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos respetivos beneficiários, não se sujeitando a tratamento menos favorável umas entidades patronais em detrimento de outras;
6 - Igualmente porque à norma preside uma motivação objetiva que a justifica, o que significa que não é arbitrária nem desprovida de fundamento material bastante.
7 - E por fim por tratar-se de uma norma antifraude que, entre outros propósitos, visa justamente ajustar as desigualdades materiais que, em regra, tendem a penalizar os sujeitos passivos mais silentes.
8 - A norma não viola também o princípio da capacidade contributiva porquanto a responsabilidade solidária que implica que ambos os obrigados possam ser demandados simultaneamente quanto ao cumprimento da prestação tributária, não transforma as entidades patronais em sujeitos passivos originários do imposto - apenas são sujeitos passivos de IRS todas as pessoas singulares que aufiram rendimentos em território português - que são os verdadeiros titulares de uma situação jurídicotributária passiva e em relação aos quais se verificam os pressupostos tributários.
11 - Pelo que a norma em causa foi também adotada apenas na justa medida (proporcionalidade em sentido estrito), ao ter em consideração os interesses privados eventualmente afetados, por forma a sacrificálos apenas na justa medida, ou seja, os resultados obtidos estão numa relação de “medida” e não “desmedida” com a carga lesiva que acarretam à Recorrente.
12 - Por fim, está em causa a observância do Princípio da Coerência Fiscal sendo que a Recorrente nem sequer aponta uma contradição entre normas, simplesmente afirma que a coerência do sistema fiscal está afetada porque são violados uma série de outros princípios, que como já vimos e o Tribunal Arbitral mui doutamente decidiu não foram violados.
13 - Mais, o normativo aqui em apreço, mesmo quando confrontado com todas as normas que preveem a responsabilidade solidária não as contraria, nem lhes retira qualquer coerência no seu âmbito de aplicação, já que visa objetivos diferentes.
14 - Não se afigurando correto afirmar que o Estado visa com esta norma aumentar desrazoável e arbitrariamente a carga tributária, recorrendo à duplicação de receitas pela via da diversidade na criação de tributos, pois que a carga tributária não aumenta, a questão que se coloca é outra, a de saber quem deve ser responsabilizado pelo pagamento do imposto em falta.
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