Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional:
Relatório - Marco - Confiante com Ferreira Torres, grupo de cidadãos eleitores, apresentou uma lista candidata às eleições autárquicas marcadas para o dia 11 de Outubro de 2009 à Câmara Municipal de Marco de Canaveses.
O primeiro candidato efectivo desta lista é Avelino Ferreira Torres.
Após convite ao mandatário da referida lista para suprir algumas irregularidades, em 27 de Agosto de 2009 foi proferido despacho que considerou regular aquela lista, apesar de por evidente lapso de escrita se ter trocado a sua identificação com a lista "LIS - Lista Independente de Soalhães", candidata à Assembleia de Freguesia de Soalhães.
A lista apresentada por um grupo de cidadãos eleitores Marco - Confiante com Ferreira Torres foi afixada em 28 de Agosto de 2009 nos termos do artigo 28.º, da Lei 1/2001 - Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (LEOAL).
Em 31 de Agosto de 2009 o Presidente da Comissão Política Concelhia do Marco de Canaveses do Partido Socialista, Artur Elísio de Braga de Melo e Castro apresentou no Tribunal Judicial de Marco de Canaveses um requerimento com o seguinte
conteúdo:
«Presidente da Comissão Política Concelhia de Marco de Canaveses do Partido Socialista - Artur Elísio Braga Melo e Castro;Vem apresentar reclamação da admissão da candidatura de Avelino Ferreira Torres pelo movimento independente Marco Confiante à Presidência da Câmara Municipal de
Nos termos e com os seguintes fundamentos:
Por acórdão proferido pelo tribunal da Relação do Porto nos autos n.º 7062/04.4 Tribunal Judicial do Marco de Canaveses foi o candidato Avelino Ferreira Torrescondenado com a perda de mandato.
Do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação recorreu o arguido para o TribunalConstitucional.
Nos autos n.º 46/2009 o Tribunal Constitucional proferiu acórdão transitado em julgado e junto nos autos n.º 698/96TBMCN - 1.º Juízo Tribunal Judicial de Marco de Canaveses, que julgou improcedente o recurso interposto do acórdão proferido peloTribunal da Relação.
Tendo transitado em julgado o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação em data posterior ao término desse mandato, assiste legítimas dúvidas se o candidato Avelino Ferreira Torres pode concorrer às próximas eleições autárquicas, sob pena de o podendo fazer, o acórdão que o condenou na perda de mandato não ter produzidoqualquer efeito útil.
Face ao exposto, e perante as legítimas dúvidas quanto à capacidade do candidato Avelino Ferreira Torres para ser eleito, o Presidente da Comissão Política Concelhia do Marco de Canaveses do Partido Socialista vem requerer a V. Exª que se pronuncie quanto à admissibilidade da candidatura de Avelino Ferreira Torres à Presidência daCâmara Municipal de Marco de Canaveses.»
Após resposta do grupo de cidadãos eleitores Marco - Confiante com Ferreira Torres, foi proferida em 3-9-2009 a seguinte decisão:Veio o Presidente da Comissão Política Concelhia do Marco de Canaveses do Partido Socialista apresentar reclamação da admissão da candidatura de Avelino Ferreira Torres pelo movimento independente Marco Confiante à Presidência da Câmara
Municipal de Marco de Canaveses.
Alega em resumo que por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, nos autos n.º 7062/04.4, foi o candidato Avelino Ferreira Torres condenado com a perdade mandato.
Notificado para, querendo, se pronunciar, veio o movimento de cidadãos Marco Confiante com Ferreira Torres pugnar pelo indeferimento do requerido.Alega em síntese que o Tribunal já se pronunciou sobre tal questão, quando admitiu a
candidatura.
Mais alega que, não tendo deduzida prévia impugnação contra a candidatura de Avelino Ferreira Torres, não pode depois reclamar contra a admissibilidade dessamesma candidatura.
Alega ainda que não apresenta o reclamante qualquer fundamento legal para a suapretensão.
Cumpre apreciar e decidir.
A propósito da reclamação apresentada pelo Presidente da Comissão Política Concelhia do Marco de Canaveses do Partido Socialista, duas questões se suscitam:
a) A admissibilidade da reclamação;
b) Em caso de resposta positiva à primeira questão, a condenação de perda de mandato torna o candidato Exmo. Sr. Avelino Ferreira Torres inelegível? Comecemos por analisar a questão da admissibilidade da reclamação.De acordo com o alegado pelo grupo de cidadãos Marco Confiante com Ferreira Torres, a reclamação não pode proceder dado que não houve prévia impugnação da candidatura apresentada pelo Exmo. Sr. Avelino Ferreira Torres.
Sobre as reclamações, estatui o artigo 29.º, n.º 1, da Lei Orgânica 1/2001, de 14/9, «das decisões relativas à apresentação de candidaturas podem reclamar os candidatos, os seus mandatários, os partidos políticos, as coligações ou os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores concorrentes à eleição para o órgão da autarquia, até quarenta e oito horas após a notificação da decisão, para o juiz que tenha proferido a
decisão».
Por seu turno, o n.º 2 do mesmo artigo dispõe que «tratando-se de reclamações apresentadas contra a admissão de qualquer candidatura, o juiz manda notificar imediatamente o mandatário e os representantes da respectiva lista para responder, querendo, no prazo de quarenta e oito horas».Do elemento literal de interpretação das normas decorre que a reclamação pode ser apresentada contra a admissão de qualquer candidatura, no prazo de quarenta e oito horas, sem dependência de qualquer prévia impugnação da admissão da candidatura - basta atentar na circunstância de um determinado facto que afecte a admissibilidade de uma candidatura só ter ocorrido ou só ser do conhecimento do reclamante já depois da possibilidade de impugnar a admissibilidade da candidatura. Nesse caso, mesmo que se verificasse uma situação de violação dos preceitos legais no que concerne à elegibilidade, o tribunal não se poderia pronunciar? Cremos que não pode ser esse o
entendimento.
Para reforçar este entendimento, pode ver-se Maria de Fátima Abrantes Mendes e Jorge Miguéis, lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, 1.ª reedição, p. 41, que escrevem, em anotação ao artigo 25.º, da mencionada lei, «não obstante a verificação das candidaturas, é efectuado o sorteio das listas e afixado o respectivo edital. A admissão das listas e, nesta fase, considerada provisória».E a p. 46, em anotação ao artigo 31.º, escrevem que «O recurso deve ser sempre antecedido de reclamação nos termos do artigo 29.º e o TC só dele conhecerá se o despacho recorrido for a decisão final relativa à apresentação de candidaturas (decisão final é, para o efeito, a que for proferida sobre urna reclamação - Acórdão do TC 696/97, DR 2.ª série, n.º 10, de 13/01/1998)».
Por conseguinte, a admissão de uma candidatura não preclude o direito de ser apresentada reclamação contra essa mesma admissibilidade da candidatura, sem prévia
impugnação.
Pelo exposto, considero que a reclamação apresentada pelo Presidente da Comissão Política Concelhia do Marco de Canaveses do Partido Socialista é legal, admissível etempestiva.
Analisemos agora a segunda questão - em caso de resposta positiva à primeira questão (o que foi o caso), a condenação de perda de mandato torna o candidato Exmo. Sr.
Avelino Ferreira Torres inelegível?.
O Presidente da Comissão Política Concelhia do Marco de Canaveses do o Partido Socialista alega que a condenação do Exmo. Sr. Avelino Ferreira Torres com perda do mandato, no âmbito do Proc. n.º 7062/04.4, o torna inelegível.No âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 698/96.2 TBMCN, que correu os seus termos pelo 1.º Juízo deste Tribunal Judicial da Comarca do Marco de Canaveses, o Exmo. Sr. Avelino Ferreira Torres foi condenado, por Acórdão proferido no dia 11 de Junho de 2004, pela prática de factos que consubstanciam um crime continuado de peculato, previsto e punido pelo artigo 20.º, n.º 1, da Lei 34/87, de 16/07, na pena de três anos de prisão e 50 dias de multa à taxa diária de (euro) 75, e pela prática de factos que consubstanciam um crime continuado de peculato de uso, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, da Lei 34/87 de 16/07 na pena de 40 dias de multa à taxa
diária de (euro) 75.
Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de três anos de prisão e 70 dias de multa à taxa diária de (euro) 75, sendo a pena de prisão suspensa na sua execução peloperíodo de quatro anos.
Mais foi condenado na pena acessória de perda do respectivo mandato de Presidente da Câmara, nos termos do artigo 29.º, alínea f), da Lei 34/87, de 16/07.Deste Acórdão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que veio a
ser parcialmente procedente.
Com efeito, por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto tirado em 22 de Fevereiro de 2006, transitado em julgado, foi o Exmo. Sr. Avelino Ferreira Torres absolvido da prática do crime continuado de peculato, previsto punido pelo artigo 20.º, n.º 1, da Lei 34/87, de 16/07, sendo condenado em co-autoria material e na forma consumada de um crime continuado de abuso de poderes, previsto e punido pelo artigo 26.º, n.º 1, da Lei 34/87, de 16/07, na pena de dois anos de prisão e pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime continuado de peculato de uso, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, da Lei 34/87, de 16/07, na pena de 10 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de dois anos e três meses de prisão, mantendo-se em tudo o mais o decidido na primeira instância, designadamente no que concerne à suspensão da execução da pena de prisão e à perda de mandato.O Exmo. Sr. Avelino Ferreira Torres interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que foi indeferido, não tendo obtido provimento o recurso que interpôs para o
Tribunal Constitucional.
A propósito da perda de mandato, o artigo 29.º, da Lei 34/87, de 16/07, estatui que «implica a perda do respectivo mandato a condenação definitiva por crime de responsabilidade cometido no exercício das suas funções dos seguintes titulares decargo político:
a)...
b)...
c)...
e)...
f) Membro de órgão representativo de autarquia local».Conforme se escreve no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, exarado no âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 698/96.2 TBMCN, que correu os seus termos pelo 1.º Juízo deste Tribunal Judicial da Comarca do Marco de Canaveses, p. 141, «[...] no âmbito da Lei 34/87, por força do seu artigo 29.º, a perda de mandato pode resultar como sanção acessória e com a abrangência prevista
no artigo 13.º da Lei 27/96».
O mencionado artigo 13.º, da Lei 27/96, de 1 de Agosto, dispõe que «a condenação definitiva dos membros dos órgãos autárquicos em qualquer dos crimes de responsabilidade previstos e definidos na Lei 34/87, de 16 de Julho, implica a sua inelegibilidade nos actos eleitorais destinados a completar o mandato interrompido e nos subsequentes que venham a ter lugar no período de tempo correspondente a novo mandato completo, em qualquer órgão autárquico».Do cotejo destes normativos legais, conclui-se que gera a inelegibilidade de um cidadão a condenação definitiva enquanto membro dos órgãos autárquicos em qualquer dos crimes de responsabilidade previstos e definidos na Lei 34/87, de 16/07, nos actos eleitorais destinados a completar o mandato interrompido e nos subsequentes que venham a ter lugar no período de tempo correspondente a novo mandato completo, em
qualquer órgão autárquico.
O Exmo. Sr. Avelino Ferreira Torres foi condenado, por decisão transitada em julgado em 22 de Fevereiro de 2006, pela autoria material e na forma consumada de um crime continuado de abuso de poderes, previsto e punido pelo artigo 26.º, n.º 1, da Lei 34/87, de 16/07 e pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime continuado de peculato de uso, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, da Lei 34/87, de 16/07, bem como na perda de mandato.Portanto, foi condenado por dois crimes de responsabilidade previstos e definidos na
Lei 34/87, de 16/07.
Foi condenado por decisão transitada em julgado, em 22 de Fevereiro de 2006.É certo que entre a decisão proferida em primeira instância - proferido em 11 de Junho de 2004 e o presente acto eleitoral para os órgãos das autarquias locais, já decorreu um outro acto eleitoral para os referidos órgãos, e no qual o Exmo. Sr. Avelino Ferreira Torres se candidatos e foi eleito vereador do Município de Amarante. Contudo, na data de realização desse acto eleitoral - Outubro de 2005, a decisão condenatória do Exmo. Sr. Avelino Ferreira Torres ainda não tinha transitado em julgado, não sendo por isso definitiva - tal só veio a verificar-se em 22 de Fevereiro de 2006.
Pelo que o acto eleitoral para os órgãos das autarquias locais subsequente ao trânsito em julgado dessa decisão condenatória é o presente.
Por tudo o exposto, julgo procedente a reclamação apresentada pelo Presidente da Comissão Política Concelhia do Marco de Canaveses do Partido Socialista apresentar, julgando inelegível o candidato Exmo. Sr. Avelino Ferreira Torres".
Desta decisão recorreram para o Tribunal Constitucional o grupo de cidadãos eleitores Marco - Confiante com Ferreira Torres e Avelino Ferreira Torres, que apresentaram
alegações com as seguintes conclusões:
«I. O presente recurso tem por objecto a douta decisão do Tribunal de Comarca de Marco de Canaveses que julgou inelegível o candidato Avelino Ferreira Torres ao acto eleitoral para a Presidência da Câmara Municipal do Município de Marco de Canaveses, na sequência de requerimento apresentado pelo Presidente da Comissão Política Concelhia do Marco de Canaveses do Partido Socialista.II. O que se pedia nesse requerimento é que, "face ao exposto, e perante as legítimas dúvidas quanto à capacidade do candidato Avelino Ferreira Torres para ser eleito", o Tribunal a quo se pronunciasse "quanto à admissibilidade da candidatura de Avelino Ferreira Torres à Presidência da Câmara Municipal de Marco de Canaveses".
III. Assim, os termos em que o Requerente se dirigiu ao Tribunal a quo não configuraram, verdadeiramente, uma reclamação, mas tão-só um pedido de tomada da decisão prevista no artigo 25.º da Lei Orgânica 1/2001, a qual, bem vistas as
coisas, já havia sido proferida!
IV. E todavia, o Tribunal a quo veio agora declarar, na decisão recorrida, "julgar procedente a reclamação", julgando, do mesmo passo, "inelegível o candidato Exmo.Sr. Avelino Ferreira Torres", extrapolando, deste modo, o pedido deduzido pelo requerente, o que determina a sua nulidade, que expressamente se argui (artigo 668.º-1, e), do CPC, ex vi artigo 231.º da Lei Orgânica 1/2001).
V. No sentido da improcedência do pedido do Requerente militava ainda a circunstância de o mesmo não ter deduzido prévia impugnação, ao abrigo do artigo 25.º, n.º 3, da Lei Orgânica 1/2001 contra a candidatura do recorrente Avelino
Ferreira Torres proposta.
VI. Uma interpretação sistemática do regime definido pelos artigo 25.º a 29.º da Lei Orgânica 1/2001 determina que só deva ser admissível reclamação se a mesma forprecedida da competente impugnação.
VII. Logo, ao ter omitido qualquer prévia oposição, sob a forma de impugnação da elegibilidade do candidato Ferreira Torres, nos termos previstos no artigo 25.º, n.º 3, da Lei Orgânica 1/2001, não tinha agora o Requerente legitimidade para vir reclamar contra a decisão judicial que reconheceu a sua elegibilidade, pelo que o seurequerimento deveria ter sido rejeitado.
Sem prescindir, subsidiariamente:
VIII. O Tribunal a quo julgou o recorrente inelegível à Presidência da Câmara Municipal de Marco de Canaveses, tendo em conta os factos descritos na decisão e sintetizados supra e com fundamento no artigo 13.º da Lei 27/96, o qual determina uma clara e óbvia restrição ao direito político-constitucional de acesso a cargos públicos, plasmado no artigo 50.º, n.º 1, da Constituição - cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, CRP Anotada, I, artigo 50.º, II. e VII.IX. Considerando o seu conteúdo e a consequência jurídica que determina, este artigo 13.º da Lei 27/96 constitui inequivocamente um efeito penal da condenação criminal, pois a inelegibilidade surge como efeito necessário da condenação penal, sem qualquer procedimento que revele consideração pelas concretas circunstâncias do
caso!
X. Por ser efectivamente assim, é manifesto que o efeito sancionatório previsto no artigo 13.º da Lei 27/96, colide frontalmente com o disposto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, tal como o mesmo vem sendo, constante e reiteradamente, interpretado há longos anos por este Tribunal Constitucional, que nele funda a proibição de efeitos penais necessários ou automáticos, sejam eles efeitos da pena, efeitos docrime ou efeitos da condenação.
XI. Sendo certo que, na medida em que o disposto nos artigo 50.º-3 e 117.º, n.º 3, da Constituição, em nada restringem ou sequer contendem com a proibição constante do artigo 30.-4 da lei Fundamental, também em nada se repercutem sobre a (in)constitucionalidade do artigo 11.º da Lei 27/96 quando perspectivada à luz do previsto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição.XII. Para a inconstitucionalidade do artigo 13.º da Lei 27/96 concorre ainda a circunstância de o mesmo violar o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, plasmado no artigo 18.º-2 da Constituição.
XIII. Por ser inconstitucional, deve o artigo 13,0 da Lei 27/96 ser desaplicado no presente caso de avaliação da capacidade eleitoral passiva do candidato (artigo 204.º
da Constituição).
Sem prescindir, subsidiariamente, por cautela:XIV. Tal como se referiu supra, é pacífica na jurisprudência constitucional e na doutrina portuguesa a equiparação entre efeitos da pena e efeitos da condenação, nomeadamente, no contexto da aplicação do artigo 30.º-4 da Constituição.
XV. Uma leitura do artigo 13.º da Lei 27/96 coerente e integrada no quadro global da Constituição penal e harmoniosa com a jurisprudência constitucional nesta matéria impõe, deste modo, a sua qualificação como autêntica sanção penal - assim, por outros, Gomes Canotilho/Vital Moreira, CRP Anotada, I, artigo 50.º, VII, e Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, II, § 200 e s.
XVI. Sendo sanção penal, a inelegibilidade só pode ser decretada pelo próprio Tribunal Penal que profere a condenação, no âmbito do processo penal e com todas as garantias que lhe são próprias (cf. artigo 27.º-2 e 32.º da Constituição; e artigo 499.º-4 Código de Processo Penal) - neste exacto sentido, António Cândido de Oliveira, cit., Crimes de Responsabilidade dos Eleitos Locais, p. 16:
XVII. Deste modo, o decretamento da inelegibilidade escapa à competência do Juiz a quem é cometido a "supervisão" do processo eleitoral autárquico, que pode (e deve), naturalmente, declarar inelegível um qualquer candidato que se encontre em condições de inelegibilidade ditada por um Tribunal Criminal, mas não pode, todavia, fazer as vezes do Tribunal penal e exercer a função que lhe é constitucionalmente confiada, a de
aplicar sanções pela prática de crimes.
XVIII. Nem o Acórdão de 1.ª Instância de 11-06-2004, nem o Acórdão do Tribunal da Relação de Fevereiro de 2006 determinaram a inelegibilidade do candidato, nos termos previstos no artigo 13.º da Lei 27/96, mas o Mm. Juiz a quo decidiu decretar, ex novo, a inelegibilidade prevista no dito preceito.XIX. Ao fazê-lo o Tribunal a quo, intervindo em processo eleitoral, extrapolou a sua esfera de competência, violando do mesmo passo a reserva de jurisdição material dos Tribunais Penais e o princípio do juiz natural, com dignidade constitucional, o que gera vício de nulidade absoluta, que deverá determinar a sua revogação.
XX. Além disso, constata-se que no processo crime em causa o candidato não foi objecto de condenação na sanção de inelegibilidade estatuída no artigo 13.º da Lei n.º 27/96 e por isso a sua penalização neste momento, no âmbito deste processo eleitoral, com a sanção de inelegibilidade traduz-se, em substância, numa dupla e sucessiva penalização criminal do candidato pelos factos que já foram objecto do processo crime, o que representa uma flagrante afronta ao princípio ne bis in idem que goza de tutela constitucional no artigo 29.º-5 da Constituição, motivo pelo qual a decisão recorrida
deve igualmente ser revogada.
Ainda sem prescindir, novamente de modo subsidiário:XXI. Mesmo que se dê como improcedente o que vai alegado supra e se considere constitucionalmente válido e aplicável o artigo 13.º da Lei 27/96, deverá ainda assim revogar-se a douta decisão recorrida, em virtude da errada interpretação e aplicação
que dele se faz no presente caso.
XXII. Uma leitura do artigo 13.º da Lei 27/96 concatenada com o artigo 29.º da Lei 34/87 deve levar ao estabelecimento de uma relação de mútua referência entre o mandato a que se reporta o artigo 29.º da Lei 34/87 e o mandato a que se fazalusão no artigo 13.º da Lei 27/96.
XXIII. O texto legal não consente uma interpretação que desligue e marque uma cisão entre os actos eleitorais destinados a completar o mandato interrompido e os subsequentes que venham a ter lugar no período de tempo correspondente a novo mandato completo, de modo a que, em tese, estes actos eleitorais referidos em segundo lugar possam ser uns quaisquer, desde que ocorridos após a decisão se tornar definitiva e independentemente dos períodos correspondentes a mandatos completosque entretanto se tenham interposto.
XXIV. A inelegibilidade prevista no artigo 13.º da Lei 27/96 poderá ocorrer apenas no acto eleitoral aberto em virtude da perda do mandato e no que se lhes seguirem, mas apenas no imediato tempo subsequente correspondente a um novo mandatocompleto, ou seja, 4 anos.
XXV. Neste caso, a ser aplicável o artigo 13.º da Lei 27/96, o candidato Ferreira Torres seria inelegível para estas eleições para o período de 2009 a 2013 se o mandato autárquico por si perdido tivesse sido o de um mandato iniciado após as eleições autárquicas de 9 de Outubro de 2005, para o arco temporal de 2005 a 2009.XXVI. Porém, o mandato cuja perda foi decretada pela 1.ª Instância e confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto foi o "respectivo mandato de Presidente da Câmara", mandato esse compreendido no período entre 1983 e 2004, mais precisamente, 11-06-2004, data em que foi prolatado o Acórdão de 1.ª Instância.
XXVII. Deste modo, é claro que, a existir, a inelegibilidade do candidato Ferreira Torres reportar-se-ia, quando muito, ao do período de um novo mandato completo imediatamente subsequente ao seu mandato que se iniciou em 2001 e deveria terminar em 2005, ou seja, o mandato autárquico correspondente ao período compreendido entre 2005 (após as eleições autárquicas de 09-10-2005) E Outubro de 2009.
XXVIII. As próximas eleições autárquicas de 11 de Outubro de 2009 a que o candidato Ferreira Torres ora concorre, para um mandato que cobrirá o período de 2009 a 2013, já não estão assim cobertas pela inelegibilidade eventualmente ditada pelo artigo 13.º da Lei 27/96, donde não há qualquer motivo para o considerar inelegível às presentes eleições autárquicas.
Sem prescindir, subsidiariamente:
XXIX. Ainda que se quisesse fazer descaso do conteúdo do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - em manifesta violação, aliás, do princípio do caso julgado! - e da clara identificação do mandato expressamente declarado perdido, "o respectivo mandato de Presidente da Câmara", que, segundo a matéria provada, foi titulado pelo candidato Ferreira Torres entre 1983 e 11-06-2004;XXX. isso não significaria necessariamente que o mandato a ter em conta como mandato interrompido para efeito da aplicação artigo l3.º da Lei 27/96 fosse um qualquer decorrido entre 2005 e 2009, na sequência das eleições autárquicas de
Outubro de 2005.
XXXI. Como se defendeu supra, o mandato interrompido a que o artigo 13.º da Lei 27/96 alude é e só pode ser o mandato considerado perdido ao abrigo do artigo 29.ºda Lei 34/87.
XXXII. Sendo certo que o mandato em causa é aquele que se reporta às funções no âmbito das quais foram praticados os factos que justificaram a condenação - nesse sentido aponta o teor literal desse artigo 29.º, mas igualmente a própria lógica sistemática do diploma que estabelece o regime de responsabilidade dos titulares decargos políticos.
XXXIII. Demais que a existência futura de um outro mandato que não o respeitante ao das funções no âmbito das quais o crime foi cometido é sempre incerta - nesta direcção, António Cândido de Oliveira, cit., in: Crimes de Responsabilidade dos EleitosLocais, p. 16.
XXXIV. Nestes termos, considerando que, de acordo com a matéria dada como provada nos Arestos, os factos que se consideraram como integradores dos crimes de responsabilidade reportam a um período compreendido entre 1995 e Junho de 1997, terá de reconhecer-se que o mandato visado pela condenação do candidato na pena acessória de perda de mandato foi o que se encontrava em curso em Junho de 1997, o mandato correspondente ao período de 1993-1997.XXXV. A julgar-se haver inelegibilidade fundada no artigo 13.º da Lei 27/96 a mesma reportou-se ao mandato posterior àquele sobre que a perda de mandato incidiu, o mandato de 1997- 2001, pelo que há muito que a eventual inelegibilidade se produziu e entretanto esgotou pelo decurso do prazo legal, o do período de tempo
correspondente a novo mandato completo.
XXXVI. Não se vê, por último, em que termos poderia levar-se a efeito uma outra eventual interpretação dos artigo 29.º da Lei 34/87 e 13.º da Lei 27/96, de acordo com a qual o mandato perdido, com relevo para o desencadeamento da inelegibilidade seria aquele que se encontrasse em curso no momento em que a condenação respectiva formasse caso julgado.XXXVII. Uma tal tese não só não tem aderência à realidade, como incorre numa confusão conceitual inaceitável entre a exequibilidade de uma condenação em perda de mandato e o objecto dessa sanção propriamente dito.
Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas. proficientemente suprirão, requer-se a V. Exas. se dignem substituir a douta decisão recorrida por uma outra que julgue o recorrente Avelino Ferreira Torres elegível ao acto eleitoral a que se candidata
no Município de Marco de Canaveses."
Respondeu o Presidente da Comissão Política Concelhia do Partido Socialista, Artur Elísio de Braga de Melo e Castro, apresentando alegações com as seguintesconclusões:
"I- A sentença recorrida não enferma de qualquer nulidade.II - O requerimento apresentado pelo presidente da Comissão Política do Partido Socialista do Marco de Canaveses foi uma reclamação nos termos do artigo 29.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14/ 8, contra a candidatura dos ora recorrentes.
III - As reclamações podem ser apresentadas contra a admissão de qualquer candidatura, no prazo de quarenta e oito horas, sem dependência de qualquer prévia
impugnação da admissão da candidatura.
IV - De nenhuma forma a lei faz depender a reclamação constante do artigo 29.º da Lei Orgânica, de uma qualquer prévia impugnação da admissão da candidatura. Até porque, e como bem consta da decisão recorrida, basta atender na circunstância de um determinado facto que afecte a admissibilidade da candidatura só ter ocorrido ou só ser do conhecimento do reclamante já depois da possibilidade de impugnar aadmissibilidade da candidatura.
V - A decisão de reclamar contra a admissão da candidatura em causa adveio do conhecimento superveniente pelo reclamante em 28.08.2009, da decisão do Tribunal Constitucional que considerou improcedente o recurso apresentado por Avelino Ferreira Torres, confirmando dessa forma a perda de mandato aplicada pelo TribunalConstitucional.
VI - Ao contrário do alegado pelos recorrentes, nunca se poderá entender que a admissão de uma candidatura preclude o direito de ser apresentada uma reclamação contra essa mesma admissibilidade da candidatura, sem prévia impugnação.Impugnação e reclamação tal como constam da Lei Orgânica 1/2001, são conceitos e figuras jurídicas distintas e que não têm entre si qualquer relação de interdependência.
VII - A reclamação prevista no artigo 29.º, n.º 1 da referida lei Eleitoral, contra decisão judicial sobre a apresentação de candidaturas - reclamação, essa, com a qual, como se disse, não deve ser confundida a impugnação da elegibilidade deduzida ao abrigo do artigo 25.º, n.º 3, deste diploma, que é anterior à decisão judicial sobre a elegibilidade.
Ora a reclamação apresentada, foi de facto, uma reclamação interposta nos termos do artigo 29 da citada lei, após decisão judicial (provisória) De admissibilidade da
candidatura em questão.
VIII - Pelo que, e bem, a reclamação foi considerada pelo tribunal "a quo" como legal,admissível e tempestiva.
IX - Não se verifica a inconstitucionalidade do disposto no artigo 13.º da Lei 27/96.É errada essa interpretação, conforme resulta do acórdão 46/09 «resulta pois, que a perda de mandato que foi aplicada ao ora recorrente não decorre, automática e imediatamente da condenação de que o mesmo foi alvo pela prática dos sobreditos
crimes».
X - Não se verifica a inconstitucionalidade do disposto no artigo 13.º da Lei 27/96.É errada essa interpretação, conforme resulta do acórdão 46/09 «resulta pois, que a perda de mandato que foi aplicada ao ora recorrente não decorre, automática e imediatamente da condenação de que o mesmo foi alvo pela prática dos sobreditos
crimes.
XI - Não. Ao invés, o que dali decorre é que tal medida lhe foi aplicada tendo por fundamento a gravidade concreta e a reiteração continuada da infracção cometida.XII - Dispõe o artigo 117.º, n.º 3 da CRP, que "A lei determina os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, bem como as sanções aplicáveis e os respectivos efeitos, que podem incluir a destituição do cargo ou a perda do mandato".
XIII - É a própria constituição que prevê a hipótese de perda de mandato na sequência da prática de certos crimes quando os seus autores são titulares de cargos políticos.
XIV - A perda do mandato, conforme resulta do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, não «resulta pois, que a perda de mandato que foi aplicada ao ora recorrente não decorre, automática e imediatamente da condenação de que o mesmo foi alvo pela prática dos sobreditos crimes. Não. Ao invés, o que dali decorre é que tal medida lhe foi aplicada tendo por fundamento a gravidade concreta e a reiteração
continuada da infracção cometida.»
XV - E também não se diga que não foi respeitado o princípio da proporcionalidade na medida em que a impossibilidade de se candidatar não foi ad etemum, respeita os limites previstos no artigo 13.º da Lei 27/96 e o artigo 18.º da CRP, permite restrições aos direitos liberdades e garantias, nos casos expressamente previstos, limitando-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interessesconstitucionalmente protegidos.
XVI - A decisão proferida pelo Tribunal a quo não configura uma nova sanção, antes configura o decretamento da inelegibilidade por força da condenação transitada em julgado, pela autoria material e na forma consumada de um crime continuado de abuso de poderes, previsto e punido pelo artigo 26.º, n.º 1, da Lei 34/97, de 16/07 e pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime continuado de peculato de uso, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, da Lei 34/87, de 16/07, bem comona perda de mandato.
XVII - Não se violou o princípio do Juiz natural limitando-se o Tribunal a quo, dentro das suas competências, a decidir a questão que lhe foi colocada quanto a elegibilidadedo Exm.º Sr. Avelino Ferreira Torres.
XVIII - A decisão que considerou inelegível o Exmº Sr. Avelino Ferreira Torres não viola o princípio ne bis ia idem, pois não se trata de uma nova penalização pelos factos que já mereceram censura penal, mas tão só do decretamento da inelegibilidade, condição necessária para que a decisão transitada em julgado que condenou na perdado mandato possa ser, finalmente, cumprida.
XIX - Bem decidiu o Tribunal a quo ao considerar inelegível o Exmº Sr. Avelino Ferreira Torres ao acto eleitoral de 2009, pois este é o primeiro acto eleitoral após o trânsito em julgado da decisão que o condenou na perda do mandato. Deve, pois, deve entender-se como o acto eleitoral para os órgãos das autarquias locais subsequente ao trânsito em julgado dessa decisão condenatória como o presente acto eleitoral, e nessa medida deve ser neste acto eleitoral que deve operar a inelegibilidade.XX - Admitir-se os argumentos do ora recorrentes seria aceitar que quando se utiliza o direito de recurso e tendo este efeito suspensivo, partindo do pressuposto de que o transito em julgado da decisão será posterior ao mandato a que se reportam os factos, esse recurso utilizado não teria um efeito suspensivo mas sim um efeito extintivo, servindo sempre para os recorrente se eximirem posteriormente (trânsito em julgado da condenação) Ao cumprimento da referida decisão.
XXI - A admitir-se a tese de que o mandato perdido seria o exercido à data da prática dos factos ou o imediatamente subsequente, seria como "dar o ouro ao bandido" ou como "meter o lobo no galinheiro". Seria permitir exactamente o contrário do que serviu como um dos fundamentos para não aplicar a prisão efectiva. Com efeito, se um dos fundamentos para não aplicar a prisão efectiva foi o facto de já não exercer o cargo e não se verificar o risco da reiteração da actividade criminosa, como se compreenderia que lhe fosse permitido concorrer ao mesmo cargo sem que, contudo, tivesse cumprido
a pena - perda de mandato.
XXII - A entender-se que a perda do mandato se refere ao mandato subsequente, isto é, ao mandato exercido como vereador na Câmara Municipal de Amarante, levaria a admitir-se, em última análise, que todas as deliberações tomadas pelo Câmara Municipal de Amarante poderiam ser atacadas judicialmente na sua validade,inclusivamente, o próprio acto eleitoral.
XXIII - Não se trata de descortinar se o mandato em causa é o de Presidente da Câmara ou não. A ratio legis do preceito do artigo 13.º da Lei 27/96, prende-se com a "necessidade de acautelar a protecção de bens jurídicos essenciais da comunidade politicamente organizada, relacionados com o exercício de funçõespoliticas"
XXIV - Não importa se estamos perante o cargo de Presidente da Câmara, vereador ou Presidente de Junta de Freguesia, não são as funções exercidas que conta para efeitos de considerar inelegível ao cargo, mas antes os factos terem sido praticados no exercício políticas e terem sido de tal modo graves que lesaram bens jurídicos essenciais à comunidade politicamente organizada e em virtude dessa gravidade e reiteração impôs-se como pena acessória a perda do mandato.Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exa.s suprirão, deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão do Tribunal recorrido que julgou o Exm.º Sr. Avelino Ferreira Torres inelegível ao acto eleitoral a que se candidata no Município
de Marco de Canaveses."
Fundamentação - 1 - Da nulidade da decisão recorrida Os recorrentes arguiram a nulidade da decisão que declarou inelegível o candidato Avelino Ferreira Torres, alegando que o requerimento apresentado pelo Presidente da Comissão Política Concelhia do Partido Socialista não era uma autêntica reclamação contra qualquer decisão anterior, mas sim um pedido de apreciação da elegibilidade do referido candidato, pelo que a decisão recorrida extrapolou o pedido deduzido ao encará-lo como uma reclamação à admissão daquele candidato.Apesar do referido requerimento terminar, invocando a existência de "legítimas dúvidas quanto à capacidade do candidato Avelino Ferreira Torres para ser eleito" e requerendo que o juiz "se pronuncie quanto à admissibilidade da candidatura", na sua introdução anuncia que "vem apresentar reclamação da admissão da candidatura", pelo que, atendendo ao momento em que foi apresentado tal requerimento e aos seus termos, não se revela abusivo qualificá-lo como uma reclamação deduzida nos termos do artigo 29.º, da LEOAL, pelo que a decisão recorrida não se afastou do objecto do
pedido.
Improcede, assim, a arguição de nulidade deduzida pelos recorrentes.2 - Da falta da prévia impugnação da candidatura de Avelino Ferreira Torres Alegam os recorrentes que o Presidente da Comissão Política Concelhia do Partido Socialista não tinha legitimidade para reclamar da admissão do candidato Avelino Ferreira Torres, uma vez que não havia previamente impugnado essa candidatura, nos
termos do artigo 25.º, n.º 3, da LEOAL.
Conforme resulta da leitura do disposto no artigo 29.º, n.º 1, da LEOAL, não constitui requisito de legitimidade para efeito de dedução de reclamação à decisão judicial de admissão de um candidato a apresentação de anterior impugnação da sua elegibilidade, podendo a dedução dessa reclamação ser efectuada por quem antes não se opôsàquela candidatura.
Neste caso, a lei prevê dois momentos para que os interessados possam por em causa a elegibilidade dos candidatos às eleições autárquicas, situando-se o primeiro momento antes do juiz aceitar as candidaturas e o segundo momento após a sua aceitação, não estando esta segunda oportunidade dependente da utilização da primeira.Deste modo, improcede também este argumento dos recorrentes.
3 - Da inconstitucionalidade da aplicação automática do efeito previsto no artigo 13.º,
No âmbito do processo criminal comum n.º 698/96.2TBMVN, que correu os seus termos pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Marco de Canaveses, Avelino Ferreira Torres foi condenado por acórdão proferido no dia 11 de Junho de 2004, pela prática de um crime continuado de peculato, p.p. pelo artigo 20.º, n.º 1, da Lei 34/87, de 16/7, e pela prática de um crime de peculato de uso, p.p. pelo artigo 21.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por um período de 4 anos, 70 dias de multa, à razão diária de (euro). 75, e na pena acessória de perda do respectivo mandato de Presidente da Câmara, nos termos do artigo 29.º,f), da Lei 34/87, de 16 de Julho.
Em recurso, o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão proferido em 22-2-2006, absolveu Avelino Ferreira Torres do crime continuado de peculato pela prática do qual havia sido condenado pelo tribunal de 1.ª Instância, e condenou-o pela prática de um crime continuado de abuso de poderes, p.p. pelo artigo 26.º, n.º 1, da Lei 34/87, de 16 de Julho, e pela prática de um crime de peculato de uso, p.p. pelo artigo 21.º, n.º 1, da Lei 34/87, de 16 de Julho, na pena única de 2 anos e três meses de prisão.Manteve a suspensão da execução da pena de prisão e a perda de mandato constantes
da decisão de 1.ª instância.
Este acórdão, nesta parte, transitou em julgado após ter sido negado provimento a recurso interposto para o Tribunal Constitucional.A decisão aqui recorrida, por causa desta condenação, julgou inelegível o candidato Avelino Ferreira Torres, aplicando automaticamente o disposto no artigo 13.º, da Lei
n.º 27/96, de 1 de Agosto.
Consta deste preceito o seguinte:
"A condenação definitiva dos membros dos órgãos autárquicos em qualquer dos crimes de responsabilidade previstos e definidos pela lei 34/87, de 16 de Julho, implica a sua inelegibilidade nos actos eleitorais destinados a completar o mandato interrompido e nos subsequentes que venham a ter lugar no período de tempo correspondente a novo mandato completo, em qualquer órgão autárquico".Por sua vez, o artigo 29.º, f), da Lei 34/87, de 16 de Julho, a qual regula a responsabilidade dos titulares de cargos políticos, dispõe:
"Implica a perda do respectivo mandado a condenação definitiva por crime de responsabilidade cometido no exercício das suas funções dos seguintes titulares de
cargo político:
...
f) Membro de órgão representativo de autarquia local."Na fundamentação do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que, em recurso, condenou Avelino Ferreira Torres pela prática de dois crimes previstos na Lei 34/87, de 16 de Julho, escreveu-se o seguinte:
"Em segundo lugar, o ora recorrente insurge-se contra a sanção de perda de mandato que lhe foi imposta, com o fundamento em que a mesma tem por base factos ocorridos há mais de 7 anos e em mandato há muito já terminado à data da sujeição a julgamento, em violação do disposto nos artigos 13 da Lei 27/96, de 1/8 e 29 da Lei 34/87.
Quanto a tal e relativamente aos Acórdãos do STA citados pelo recorrente; os mesmos respeitam a decisões proferidas no âmbito da Lei 87/89, de 9/9, a qual regula a perda de mandato decorrente de acções ou omissões que consubstanciam infracções de natureza. administrativa e não de índole criminal, pelo que aqui não têm aplicação.
Efectivamente, enquanto no domínio da Lei 87/89 se prevê a propositura de acção nos tribunais administrativos com vista a que se decrete a perda de mandato, no âmbito da Lei 34/87, por força do seu artigo 29, a perda de mandato pode resultar como sanção acessória e com a abrangência prevista no artigo 13.º da Lei 27/96, de
acordo com o qual:
"A condenação definitiva dos membros dos órgãos autárquicos em qualquer dos crimes de responsabilidade previstos e definidos na Lei 34/87, de 16 de Julho, implica a sua inelegibilidade nos actos eleitorais destinados a completar o mandato interrompido e nos subsequentes que venham a ter lugar no período de tempo correspondente a novo mandato completo, em qualquer órgão autárquico".Ora, atendendo a que os factos (enquadrados na figura da continuação criminosa) Que deram origem aos presentes autos ocorreram desde 1995 a Junho de 1997 e que o Acórdão recorrido foi proferido em 11 de Junho de 2004, dele tendo sido interposto recurso, daqui decorre que a decretação de tal medida era legalmente possível, uma vez que ainda se estava no decurso do âmbito temporal assinalado em tal preceito -
mandato subsequente a novo mandato completo.
De resto, a aplicação de tal medida, em caso de condenação pela prática de crime de responsabilidade de titular de cargo político, nos termos já expostos, terá de ser sempre ponderada e se vier a ser entendido que o deve ser, sempre será de decretar.Questão diferente é a da sua eficácia temporal, face ao disposto no citado artigo 13, da Lei 27/96, ou seja, se ainda tem aplicabilidade prática ou não, se ainda vem a ser decretada a tempo de impedir a eleição do agente, condenado pela prática de um de tais crimes, num acto eleitoral subsequente ou não, por, entretanto, ter decorrido o lapso de tempo a que se refere o artigo 13.º ora citado.
Pelo que, também por este fundamento, improcede a presente conclusão."
Apesar da leitura deste excerto poder, eventualmente, indiciar que os subscritores deste aresto perfilhavam o entendimento que a sanção de perda de mandato abrange a inelegibilidade do condenado nos actos eleitorais subsequentes, nos termos do artigo 13.º, da Lei 27/96, de 1 de Agosto, estamos perante meras declarações incidenter tantum, insusceptíveis de configurar uma decisão sobre essa questão com a força de um
caso julgado.
Relativamente à perda de mandato, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto limitou-se a confirmar a decisão da 1.ª instância que aplicou tal sanção ao arguido Avelino Ferreira Torres, sem ter ponderado a aplicação da inelegibilidade prevista no artigo 13.º, da Lei 27/96, de 1 de Agosto (esta omissão de ponderação parece, aliás, ser corrente na jurisprudência, como nota, com estranheza, António Cândido de Oliveira e Marta machado dias, em "Crimes de responsabilidade dos eleitos locais", pág. 15-16, da ed. de 2008 da CEJUR, ao que não será alheia a inserção sistemáticada respectiva previsão legal).
A perda de mandato estatuída no artigo 29.º, f), da Lei 34/87, de 16 de Julho, traduz-se na cessação da qualidade de membro de órgão representativo de autarquia local, enquanto a inelegibilidade prevista no transcrito artigo 13.º, da Lei 27/96, de 1 de Agosto, consiste na suspensão do direito a ser eleito para um desses órgãos.Enquanto aquele primeiro efeito da condenação penal impede que o membro de um órgão autárquico permaneça nesse cargo político para o qual já foi eleito, o segundo efeito que ele volte a aceder a esse cargo, candidatando-se em subsequentes eleições.
Pode dizer-se que estes dois efeitos se completam no sentido de afastar da titularidade dos órgãos autárquicos, durante um determinado período de tempo, aquele que, no exercício dessas funções, cometeu qualquer um dos crimes previstos na Lei 34/87, de 16 de Julho, de modo a garantirem a isenção e independência do exercício das funções autárquicas, assim como o reconhecimento público destas qualidades.
Apesar de ambos terem como pressuposto a condenação definitiva pela prática daqueles crimes, completando-se na perseguição da mesma finalidade, não deixam de ser dois efeitos distintos, não se podendo aceitar a construção jurídica de que a perda de mandato inclui a inelegibilidade relativamente aos actos eleitorais que se seguirem ao
mandato interrompido.
Não é possível, pois, considerar-se que o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 22-6-2006, declarou o aí arguido Avelino Ferreira Torres inelegível, nos termos do artigo 13.º, da Lei 27/96, de 1 de Agosto, uma vez que este aresto apenas confirmou a aplicação ao arguido da sanção de perda de mandato, prevista no artigo 29.º, f), da Lei 34/87, de 16 de Julho, pela sentença proferida pelo tribunal de1.ª instância.
Assim sendo, a decisão recorrida não se limitou a constatar uma anterior aplicação judicial de inelegibilidade do candidato Avelino Ferreira Torres, e a verificar somente a vigência dessa interdição relativamente às presentes eleições autárquicas. Na verdade, foi o tribunal a quo quem, pela primeira vez, extraiu da condenação penal o efeito automático previsto no artigo 13.º, da Lei 27/96, de 1 de Agosto.A inelegibilidade temporária traduz-se na perda de um direito político, constitucionalmente qualificado como direito, liberdade e garantia (artigo 50.º, n.º 1, da C.R.P.). O facto de ela ser circunscrita ao acto eleitoral destinado a completar o mandato interrompido e aos subsequentes que venham a ter lugar no período de tempo correspondente a novo mandato completo, em qualquer órgão autárquico não deixa de configurar uma perda de um direito, uma vez que a interdição à participação eleitoral passiva nesses actos é definitiva e irremediável.
O Tribunal Constitucional tem elaborado abundante jurisprudência - em consonância com a doutrina - segundo a qual o sentido do artigo 30.º, n.º 4, da C.R.P., proíbe ao legislador ordinário a possibilidade de criar um sistema de punição complexa, no seio do qual a lei possa fazer corresponder automaticamente à condenação pela prática de determinado crime, e como seu efeito, a perda de direitos.
Como se disse no Acórdão 239/08 (pub. em D.R. 1.ª série, de 15-5-2008):
"A introdução no texto constitucional deste preceito (a história da sua aprovação encontra-se pormenorizadamente narrada no acórdão deste Tribunal n.º 748/93, pub.
em "Acórdãos do Tribunal Constitucional", 26.º vol., pág. 31) Correspondeu à elevação a princípio jurídico-constitucional da ideia de que certos efeitos jurídicos das penas, ou da condenação, não podem resultar destas duma forma puramente
mecanicista.
Proíbe-se que duma condenação penal possa resultar, como consequência automática, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos, sem necessidade de se efectuar um juízo que pondere, na situação concreta, a adequação e necessidade da produçãodesses efeitos.
Na verdade, ao estabelecer-se um nexo consequencial entre a aplicação duma pena e a perda de direitos civis, profissionais ou políticos, alguns dos princípios que presidem à aplicação das penas devem também estar presentes na aplicação daquelas medidas, nomeadamente os princípios da culpa, da necessidade e da proporcionalidade, pelo que é imprescindível a mediação de um juízo que avalie os factos praticados e pondere a adequação e a necessidade de sujeição do condenado a essas medidas, não podendo as mesmas resultarem ope legis da simples condenação penal (vide, neste sentido, DAMIÃO DA CUNHA, em "Constituição Portuguêsa anotada", dirigida por Jorge Miranda e Rui Medeiros, tomo I, pág. 337-338, da ed. de 2005, da Coimbra Editora).Além disso, não se pode olvidar que tal proibição tem como seu principal fundamento o combate ao efeito estigmatizante, dessocializador e criminógeno das penas, prejudicial à integração social dos condenados (vide, neste sentido, Eduardo Correia, em "As grandes linhas da reforma penal", em "Jornadas de Direito Criminal", p. 29, FIGUEIREDO DIAS, em "Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime", pág. 53-54, 95-96, e 158-160, da ed. de 1993, da Aequitas e Editorial Notícias, e GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, em "Constituição da República Portuguesa anotada", vol. I, pág. 504, da 4.ª ed., da Coimbra Editora), vector necessariamente integrante de qualquer programa político-criminal de um Estado de direito, visando a realização de uma democracia social (FIGUEIREDO DIAS, na ob. cit., pág. 159-160, e em "Os novos rumos da política criminal e o direito penal português no futuro", na R.O.A., Ano 43.º, vol. I, pág. 33). A determinação da perda de um direito civil, profissional ou político, como efeito automático de uma condenação penal, prejudicaria a ressocialização do condenado, sem qualquer possibilidade de ponderação da necessidade e adequação da extensão do efeito estigmatizante da
pena."
Por estas razões a inelegibilidade prevista no artigo 13.º, da Lei 27/96, de 1 de Agosto, não pode ser encarada como um efeito necessário da condenação pela prática de um crime previsto na Lei 34/87, de 16 de Julho, pelo que não podia a decisão recorrida ter aplicado automaticamente, como fez, essa sanção ao candidato AvelinoFerreira Torres.
Note-se que o facto do artigo 50.º, n.º 3, da C.R.P., autorizar o legislador a prever no acesso a cargos electivos, as inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respectivos cargos, não permite que essa previsão seja feita como um efeito automático de uma condenação penal, valendo sempre nessa tarefa legislativa a proibição do artigo 30.º,n.º 4, da C.R.P..
E sendo necessária a realização de um juízo que pondere a necessidade de aplicação daquela sanção, o mesmo nunca poderá ser feito neste processo eleitoral, atentas as suas regras específicas, com prazos apertados, ditados por um calendário rigoroso, que não permite assegurar o cumprimento de todas as garantias de defesaconstitucionalmente exigíveis.
Como disse Gomes Canotilho, a propósito da inelegibilidade anteriormente prevista no artigo 14.º, da Lei 87/89, de 9 de Setembro "a sanção da inelegibilidade poderá, assim, ser uma sanção adequada ou um efeito justo de certos comportamentos dos membros de órgãos electivos, mas isso terá de ser demonstrado com base nos princípios materiais da ilicitude e da culpa no âmbito de um verdadeiro due process"(In R.L.J., Ano 125.º, n.º 3825, pág. 381-382).Tendo a declaração de inelegibilidade em apreciação, como consequência automática da condenação definitiva pela prática de crimes previstos na Lei 34/87, de 16 de Julho, sido efectuada em violação do disposto no artigo 30.º, n.º 4, da C.R.P., não pode essa declaração manter-se, devendo o recurso interposto ser julgado procedente.
4 - Da inaplicabilidade do efeito previsto no artigo 13.º da Lei 27/96, de 1 de
Agosto
E mesmo para quem não acompanhe este juízo de inconstitucionalidade, a inelegibilidade prevista no artigo 13.º, da Lei 27/96, de 1 de Agosto, nunca seria aplicável ao candidato Avelino Ferreira Torres nas presentes eleições autárquicas.Na verdade, resulta da decisão condenatória de primeira instância, confirmada no Tribunal da Relação do Porto, que o recorrente foi condenado na "pena acessória de perda do respectivo mandato de Presidente da Câmara". Como o recorrente exercia o mandato em 11 de Junho de 2004 (data em que foi prolatada aquela decisão) E não exerceu qualquer mandato de Presidente da Câmara a partir de 9 de Outubro de 2005 (data das últimas eleições autárquicas), será sempre de concluir pela não aplicação do artigo 13.º, da Lei 27/96, de 1 de Agosto.
De acordo com esta disposição, a condenação definitiva dos membros dos órgãos autárquicos em qualquer dos crimes previstos e definidos na Lei 34/87, de 16 de Julho, implica a sua inelegibilidade nos actos eleitorais destinados a completar o mandato interrompido e nos subsequentes que venham a ter lugar no período de tempo correspondente a novo mandato completo, em qualquer órgão autárquico. Ou seja, no limite, a inelegibilidade legalmente prevista corresponde, no caso, ao período de tempo compreendido entre as últimas eleições autárquicas e as que se vão realizar no próximo dia 11 de Outubro, pelo que nunca se aplicaria às presentes eleições.
Assim, também por esta razão, o recurso deve ser julgado procedente, revogando-se a
decisão recorrida.
*
Decisão - Pelo exposto, julga-se procedente o recurso interposto pelo grupo de cidadãos eleitores Marco - Confiante com Ferreira Torres e Avelino Ferreira Torres da decisão proferida em 3-9-2009 pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Marco de Canaveses e, em consequência, revoga-se essa decisão, indeferindo-se a reclamação apresentada por Artur Elísio de Braga de Melo e Castro.
*
Lisboa, 23 de Setembro de 2009. - João Cura Mariano - Vítor Gomes - Maria João Antunes - Ana Maria Guerra Martins - José Borges Soeiro - Carlos Fernandes Cadilha (votei a decisão apenas pelo 2.º fundamento) - Carlos Pamplona de Oliveira (com declaração) - Gil Galvão (votei a decisão apenas pelas razões constantes do n.º 4 da Fundamentação) - Benjamim Rodrigues (vencido de acordo com a declaração conjunta anexa, igualmente subscrita por outros conselheiros) - Joaquim de Sousa Ribeiro (vencido de acordo com a declaração anexa, igualmente subscrita por outros senhores conselheiros) - Maria Lúcia Amaral (vencida de acordo com a declaração anexa, igualmente subscrita por outros senhores conselheiros) - Rui Manuel Moura Ramos (vencido de acordo com a declaração anexa, igualmente
subscrita por outros senhores conselheiros).
Declaração de voto
Voto a decisão por entender que o âmbito normativo da inelegibilidade prevista no artigo 13.º da Lei 27/96 de 1 de Agosto [«A condenação definitiva dos membros dos órgãos autárquicos em qualquer dos crimes de responsabilidade previstos e definidos na Lei 34/87, de 16 de Julho, implica a sua inelegibilidade nos actos eleitorais destinados a completar o mandato interrompido e nos subsequentes que venham a ter lugar no período de tempo correspondente a novo mandato completo, em qualquer órgão autárquico»] não é aplicável ao presente caso. Na verdade, o Tribunal Constitucional tem entendido (veja-se, por exemplo, o Acórdão 430/05 in DR, 2.ª série de 3 de Outubro de 2005, e a jurisprudência nele citada) Que as inelegibilidades constituem restrições ao direito fundamental de ser eleito para cargos políticos, razão pela qual as normas que as estabelecem devem ser tidas como enumerações taxativas, não podendo ser objecto de interpretações extensivas ou aplicações analógicas.Assim interpretado o preceito, deve concluir-se que a eleição agora em causa é, na verdade, posterior aos actos eleitorais identificados na norma, não podendo estender-se-lhe a aludida inelegibilidade. - Carlos Pamplona de Oliveira
Plenário
Declaração de voto
Dissentimos do presente julgamento, tendo-nos pronunciado pela improcedência do recurso interposto pelos recorrentes e pela manutenção da decisão decorrida, noessencial pelos fundamentos seguintes.
Não partilhamos do juízo de inconstitucionalidade formulado quanto ao artigo 13.º da Lei 27/96, norma em que se baseia a decisão recorrida. Na verdade, esta disposição não consagra, em nosso entender, um efeito da sentença condenatória proibido pelo n.º 4 do artigo 30.º da Constituição. Trata-se de uma regra de direito eleitoral que, ao regular o regime das inelegibilidades para as candidaturas às autarquias locais, atribui relevância, como pressuposto de facto, à anterior prolação de uma sentença condenatória por crimes de responsabilidade dos titulares dos cargos políticos. Por não se tratar uma sanção penal, encontra-se vedado ao juiz do respectivo processo a constituição por sentença desse efeito jurídico. Estamos perante um efeito ex lege que encontra credencial constitucional bastante no artigo 50.º, n.º 3 da Constituição, que apenas exclui que o legislador possa estabelecer inelegibilidades que não sejam necessárias para garantir inter alia "a isenção e independência dos respectivos cargos". Ora é incontroverso que a razão de ser da norma cabe na previsão do normativo constitucional no segmento referido. E a isto não se opõe o princípio consagrado no artigo 30.º, n.º 4. Na verdade não estando vedado o estabelecimento de inelegibilidades por via geral e abstracta, em função dos objectivos que com tal previsão se procuram acautelar, não faria sentido que tal fosse excluído pela circunstância de a situação que conduz à inelegibilidade integrar, como pressuposto de facto, a existência de uma sentença penal condenatória. No mínimo, não se pode entender que a existência de uma tal sentença contrarie ou enfraqueça o valor indiciário dos factos tidos em consideração. Não pode assim dar-se ao artigo 30.º, n.º 4 um alcance tal que limite desta forma o exercício de uma competência legislativaconstitucionalmente modelada.
Por outro lado, entendemos também que a situação sub judice cabe na previsão da norma considerada, não obstante o requerente se não encontrar, no momento do trânsito em julgado da decisão condenatória, no exercício do cargo em que praticou os factos por ela sancionados. Na verdade, a eventual impossibilidade, à data do trânsito em julgado da decisão penal, da aplicação integral deste comando normativo não legitima uma interpretação que esvazie completamente o alcance útil da norma. - Benjamim Rodrigues - Joaquim de Sousa Ribeiro - Maria Lúcia Amaral - Rui ManuelMoura Ramos.
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