de 22 de Setembro
Iniciado, em 2002, um processo de reforma da gestão hospitalar mediante o aprofundamento das formas de natureza empresarial e de gestão de recursos humanos, com a alteração da natureza jurídica dos hospitais para sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, determinou-se, posteriormente, em finais de 2005, a transformação das referidas unidades de saúde em entidades públicas empresariais.No que concerne aos recursos humanos, tem-se revelado como linha condutora dos regimes do sector empresarial do Estado, sucessivamente aprovados, em 1999 e 2007, fazer aplicar, aos respectivos trabalhadores, o Código do Trabalho, enquanto sede legal do respectivo estatuto de pessoal.
Na presente legislatura, iniciou-se a reforma da Administração Pública. Em conformidade, a Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, veio estabelecer novos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, prevendo, em particular, a revisão dos regimes dos corpos ou carreiras especiais.
No âmbito da reformulação do regime de carreiras da Administração Pública, criou-se um patamar de referência para as carreiras dos profissionais de saúde a exercer em entidades públicas empresariais no âmbito do Serviço Nacional de Saúde (SNS), pelo que adquire, neste contexto, particular importância a intenção de se replicar o modelo no sector empresarial do Estado.
Efectivamente, a padronização e a identidade de critérios de organização e valorização de recursos humanos contribuem para a circularidade do sistema e sustentam o reconhecimento mútuo da qualificação, independentemente do local de trabalho e da natureza jurídica da relação de emprego.
Para alcançar este desiderato, torna-se imperativo alterar, em conformidade, o regime de pessoal das entidades públicas empresariais no domínio do SNS para todos os profissionais de saúde. Cumpre, a este propósito, referir que a presente alteração não condiciona a aplicação do Código do Trabalho nem a liberdade de negociação reconhecida às partes no âmbito da contratação colectiva.
Em síntese, através do presente decreto-lei, o Governo pretende garantir que os enfermeiros das instituições de saúde no âmbito do SNS possam dispor de um percurso comum de progressão profissional e de diferenciação técnico-científica, o que possibilita também a mobilidade interinstitucional, com harmonização de direitos e deveres, sem subverter a autonomia de gestão do sector empresarial do Estado.
Foram ouvidos os representantes das associações sindicais.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
CAPÍTULO I
Objecto e âmbito
Artigo 1.º
Objecto
O presente decreto-lei define o regime legal da carreira aplicável aos enfermeiros nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, em regime de gestão e financiamento privados, integradas no Serviço Nacional de Saúde, bem como os respectivos requisitos de habilitação profissional e percurso de progressão profissional e de diferenciação técnico-científica.
Artigo 2.º
Âmbito
1 - O presente decreto-lei aplica-se aos enfermeiros em regime de contrato individual de trabalho, nos termos do Código do Trabalho, nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, em regime de gestão e financiamento privados, integradas no Serviço Nacional de Saúde, nos termos dos diplomas legais que definem o regime jurídico dos trabalhadores das referidas entidades, sem prejuízo da manutenção do mesmo regime laboral e dos termos acordados no respectivo instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.2 - O disposto no número anterior não prejudica os contratos de gestão já aprovados, bem como os que se encontrem em fase de procedimento prévio à contratação ou em fase de procedimento concursal à data de entrada em vigor do presente decreto-lei.
CAPÍTULO II
Nível habilitacional
Artigo 3.º
Natureza do nível habilitacional
1 - O nível habilitacional exigido para a carreira de enfermagem corresponde aos requisitos prescritos para a atribuição, pela Ordem dos Enfermeiros, de título definitivo de enfermeiro.2 - Os enfermeiros têm uma actuação de complementaridade funcional relativamente aos demais profissionais de saúde, embora dotada de igual nível de dignidade e autonomia de exercício profissional.
Artigo 4.º
Qualificação de enfermagem
A qualificação de enfermagem é estruturada em títulos de exercício profissional em função de níveis diferenciados de competências e tem por base a obtenção das capacidades e conhecimentos adquiridos ao longo da formação.
Artigo 5.º
Utilização do título
No exercício e publicitação da sua actividade profissional, o enfermeiro deve sempre fazer referência ao título detido.
Capítulo III
Estrutura da carreira
Artigo 6.º
Áreas de exercício profissional
1 - A carreira de enfermagem organiza-se por áreas de exercício profissional e de cuidados de saúde, tais como as áreas hospitalar e de saúde pública, bem como de cuidados primários, continuados e paliativos, na comunidade, pré-hospitalar e de enfermagem no trabalho, podendo vir a ser integradas, de futuro, outras áreas.2 - Cada área de exercício profissional tem formas de exercício adequadas à natureza da actividade que desenvolve, sendo objecto de definição em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
Artigo 7.º
Categorias
1 - A carreira de enfermagem estrutura-se nas seguintes categorias:a) Enfermeiro;
b) Enfermeiro principal.
2 - Os rácios dos enfermeiros principais na organização dos serviços, estruturados conforme a carreira aprovada pelo presente decreto-lei, e desenvolvidos em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, são estabelecidos em diploma próprio, no prazo de 30 dias após a entrada em vigor do presente decreto-lei.
Artigo 8.º
Deveres funcionais
Os trabalhadores integrados na carreira de enfermagem estão adstritos, no respeito pela leges artis, ao cumprimento dos deveres éticos e princípios deontológicos a que estão obrigados pelo respectivo título profissional, exercendo a sua profissão com autonomia técnica e científica e respeitando o direito à protecção da saúde dos utentes e da comunidade, e estão sujeitos, para além da observância do dever de sigilo profissional, ao cumprimento dos seguintes deveres funcionais:a) O dever de contribuir para a defesa dos interesses do utente no âmbito da organização das unidades e serviços, incluindo a necessária actuação interdisciplinar, tendo em vista a continuidade e garantia da qualidade da prestação de cuidados;
b) O dever de esclarecer devidamente o utente sobre os cuidados a prestar e prestados, na medida das suas competências, assegurando a efectividade do consentimento informado.
Artigo 9.º
Conteúdo funcional da categoria de enfermeiro
1 - O conteúdo funcional da categoria de enfermeiro é inerente às respectivas qualificações e competências em enfermagem, compreendendo plena autonomia técnico-científica, nomeadamente, quanto a:
a) Identificar, planear e avaliar os cuidados de enfermagem e efectuar os respectivos registos, bem como participar nas actividades de planeamento e programação do trabalho de equipa a executar na respectiva organização interna;
b) Realizar intervenções de enfermagem requeridas pelo indivíduo, família e comunidade, no âmbito da promoção de saúde, da prevenção da doença, do tratamento, da reabilitação e da adaptação funcional;
c) Prestar cuidados de enfermagem aos doentes, utentes ou grupos populacionais sob a sua responsabilidade;
d) Participar e promover acções que visem articular as diferentes redes e níveis de cuidados de saúde;
e) Assessorar as instituições, serviços e unidades, nos termos da respectiva organização interna;
f) Desenvolver métodos de trabalho com vista à melhor utilização dos meios, promovendo a circulação de informação, bem como a qualidade e a eficiência;
g) Recolher, registar e efectuar tratamento e análise de informação relativa ao exercício das suas funções, incluindo aquela que seja relevante para os sistemas de informação institucionais na área da saúde;
h) Promover programas e projectos de investigação, nacionais ou internacionais, bem como participar em equipas e ou orientá-las;
i) Colaborar no processo de desenvolvimento de competências de estudantes de enfermagem, bem como de enfermeiros em contexto académico ou profissional;
j) Integrar júris de concursos ou outras actividades de avaliação, dentro da sua área de competência;
l) Planear, coordenar e desenvolver intervenções no seu domínio de especialização;
m) Identificar necessidades logísticas e promover a melhor utilização dos recursos adequando-os aos cuidados de enfermagem a prestar;
n) Desenvolver e colaborar na formação realizada na respectiva organização interna;
o) Orientar os enfermeiros, nomeadamente nas equipas multiprofissionais, no que concerne à definição e utilização de indicadores;
p) Orientar as actividades de formação de estudantes de enfermagem, bem como de enfermeiros em contexto académico ou profissional.
2 - O desenvolvimento do conteúdo funcional previsto nas alíneas j) a p) do número anterior cabe, apenas, aos enfermeiros detentores do título de enfermeiro especialista.
Artigo 10.º
Conteúdo funcional da categoria de enfermeiro principal
1 - Para além das funções inerentes à categoria de enfermeiro, o conteúdo funcional da categoria de enfermeiro principal é sempre integrado na gestão do processo de prestação de cuidados de saúde, e indissociável da mesma, e compreende, nomeadamente:
a) Planear e incrementar acções e métodos de trabalho que visem a melhoria da qualidade dos cuidados de enfermagem prestados, procedendo à definição ou utilização de indicadores e respectiva avaliação, bem como à coordenação de equipas multiprofissionais;
b) Exercer funções de assessoria ou consultadoria de natureza técnico-científica em projectos ou programas;
c) Participar nos processos de contratualização inerentes ao serviço ou unidades funcionais e colaborar nos do serviço;
d) Coordenar funcionalmente grupo de enfermeiros da equipa de enfermagem do serviço ou de equipa multiprofissional da unidade funcional, em função da organização do trabalho;
e) Gerir o serviço ou unidade de cuidados, incluindo a supervisão do planeamento, programação e avaliação do trabalho da respectiva equipa, decidindo sobre afectação de meios;
f) Promover a aplicação dos padrões de qualidade dos cuidados de enfermagem definidos e actualizar procedimentos orientadores da prática clínica;
g) Identificar as necessidades de recursos humanos, articulando com a equipa a sua adequação às necessidades previstas, nomeadamente através da elaboração de horários e de planos de trabalho e férias;
h) Exercer funções executivas, designadamente integrar órgãos de gestão, ou de assessoria, e participar nos processos de contratualização;
i) Promover a concretização dos compromissos assumidos pelo órgão de gestão com os estabelecimentos de ensino ou outras entidades relativamente ao processo de desenvolvimento de competências de estudantes de enfermagem, bem como de enfermeiros em contexto académico ou profissional;
j) Assegurar a informação que caracteriza o nível de produção, actividade ou qualidade da sua equipa;
l) Assumir a responsabilidade pelas actividades de formação e de desenvolvimento profissional contínuo dos enfermeiros da organização em que exerce actividade;
m) Elaborar, promover ou apoiar a concretização de projectos de desenvolvimento técnico-científico, institucional, de qualidade e inovação que mobilizem e desenvolvam o conjunto da equipa profissional;
n) Garantir a gestão e prestação de cuidados de enfermagem nos serviços e, ou, nas unidades do departamento, ou conjunto de serviços ou unidades;
o) Determinar as necessidades de recursos humanos, designadamente em função dos níveis de dependência ou outros indicadores, bem como de materiais, em quantidade e especificidade, nos serviços e, ou, nas unidades do seu departamento, ou conjunto de serviços ou unidades;
p) Apoiar o enfermeiro-director, designadamente, na admissão de enfermeiros e na sua distribuição pelos serviços e unidades, na elaboração de proposta referente a mapas de pessoal de enfermagem, no estabelecimento de critérios referentes à mobilidade, na avaliação da qualidade dos cuidados, na definição e regulação de condições e prioridades para projectos de investigação e na definição e avaliação de protocolos e políticas formativas;
q) Participar nos processos de contratualização inerentes aos serviços e, ou, unidades do departamento, ou conjunto de serviços ou unidades;
r) Elaborar o plano de acção e relatório anual referentes à actividade de enfermagem do departamento ou conjunto de serviços ou unidades e participar na elaboração de planos de acção e respectivos relatórios globais do departamento ou conjunto de serviços ou unidades.
2 - O desenvolvimento do conteúdo funcional previsto nas alíneas e) a r) do número anterior cabe, apenas, aos titulares dos órgãos de estrutura intermédia das organizações do Serviço Nacional de Saúde.
Artigo 11.º
Condições de admissão
1 - O exercício de funções no âmbito da carreira especial de enfermagem depende da obtenção do título profissional atribuído pela Ordem dos Enfermeiros.2 - Para admissão à categoria de enfermeiro é exigida a titulação em cédula profissional definitiva, atribuída pela Ordem dos Enfermeiros.
3 - Para admissão à categoria de enfermeiro principal são exigidos, cumulativamente, a detenção do título de enfermeiro especialista, atribuído pela Ordem dos Enfermeiros, e um mínimo de cinco anos de experiência efectiva no exercício da profissão.
Artigo 12.º
Recrutamento
1 - O recrutamento para os postos de trabalho sujeitos ao regime do Código do Trabalho, correspondentes à carreira de enfermagem, incluindo mudança de categoria, é feito mediante processo de selecção com observância do disposto no artigo 11.º do presente decreto-lei.2 - Os requisitos de candidatura e a tramitação do processo de selecção previstos no número anterior são regulados por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
Artigo 13.º
Remunerações e posições remuneratórias
As posições remuneratórias e as remunerações dos trabalhadores integrados na carreira de enfermagem são fixadas em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
Artigo 14.º
Reconhecimento de títulos e categorias
Os títulos atribuídos pela Ordem dos Enfermeiros no âmbito da profissão de enfermagem, bem como as categorias de carreira, são oponíveis para a elegibilidade necessária aos procedimentos de recrutamento e mudança de categoria previstos nas normas aplicáveis.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 30 de Julho de 2009. - José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa - Fernando Teixeira dos Santos - Alberto Bernardes Costa - José António Fonseca Vieira da Silva - Ana Maria Teodoro Jorge.
Promulgado em 14 de Setembro de 2009.
Publique-se.O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Referendado em 15 de Setembro de 2009.
O Primeiro-Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.