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Acórdão 373/2009, de 21 de Setembro

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Sumário

Julga inconstitucional a norma do n.º 3 do artigo 5.º do Estatuto do Direito de Oposição, aprovado pela Lei n.º 24/98, de 26 de Maio, interpretada com o sentido de que apenas os partidos políticos representados na Assembleia Municipal e que não façam parte da Câmara Municipal, ou que nela não assumam pelouros, poderes delegados ou outras formas de responsabilidade directa e imediata pelo exercício de funções executivas, têm o direito de ser ouvidos sobre a proposta de orçamento e de plano de actividades (Processo n.º 607/08).

Texto do documento

Acórdão 373/2009

Processo 607/08

Acordam no Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Por acórdão de 28 de Maio de 2008, o Tribunal Central Administrativo Norte decidiu conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Ministério Público da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga de 12 de Junho de 2007 e julgou procedente a acção administrativa especial instaurada contra o Município de Vizela. Em consequência, o tribunal anulou as impugnadas deliberações da Câmara Municipal de Vizela, de 6 de Dezembro de 2004, que elaborou e remeteu à Assembleia Municipal as opções do plano e orçamento para 2005, e a da Assembleia Municipal de Vizela, de 22 de Dezembro de 2004, que aprovou as opções do plano e orçamento para 2005.

Pode ler-se no texto do acórdão, para o que agora releva, o seguinte:

"[...]

A Lei 24/98, de 26 de MAI, que aprovou o Estatuto do Direito de Oposição, dispõe nos seus artºs 1.º a 5.º, do seguinte modo:

[...]

Para além disso, estabelece o artigo 53.º-2-b) da Lei 169/99, de 18.SET, na redacção dada pela Lei 5-A/02, de 11.JAN, o seguinte:

[...]

Tais disposições legais regulam os termos do exercício dos direitos de oposição, de informação e de consulta prévia, e respectiva titularidade, sendo que o direito de oposição, cujo conteúdo vem enunciado no artigo 2.º, é conferido quer aos partidos políticos quer aos grupos de cidadãos eleitores, nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 3.º; o direito à informação, cujo conteúdo e modo de ser prestado vem desenhado no artigo 4.º, é conferido a todos os titulares do direito de oposição, ou seja aos partidos políticos e aos grupos de cidadãos eleitores; o direito de consulta prévia, respeitante às matérias elencadas no artigo 5.º, designadamente orçamental, é atribuído unicamente aos partidos políticos; e, finalmente, a competência em matéria de aprovação das opções do plano e da proposta de orçamento, bem como as respectivas revisões.

Perante tal enquadramento legal, a sentença recorrida foi do entendimento no sentido de considerar não ter sido atribuído aos grupos de cidadãos eleitores o direito de consulta prévia.

Contra tal entendimento, argumenta o Recorrente, por um lado, com a remissão constante do n.º 4 do artigo 5.º para o n.º 2 do artigo 4.º, daquele lei, a qual visa claramente alargar aos demais titulares do direito de oposição o dever de consulta prévia; por outro lado, que compreendendo o direito de oposição, a possibilidade de crítica das orientações políticas dos órgãos executivos das autarquias locais, fará todo o sentido que a todos os seus titulares seja garantido, de forma objectiva, o exercício daquela actividade, designadamente através da consulta prévia em aspectos essenciais para a vida de cada município, como o são as questões suscitadas em torno dos elementos previsionais mencionados no n.º 3 do artigo 5.º do diploma legal em análise, não podendo justificar-se que, numa situação hipotética, seja de conceder a consulta prévia a um partido que apenas elege um membro da Assembleia Municipal e negá-lo ao grupo de cidadãos que seja em número de mandatos a força mais importante da oposição nesse Município; da mesma forma, não se vê por que razão seria de negar a aplicação deste direito numa situação bipolarizada, em que o grupo de cidadãos eleitores fosse a única força titular do direito de oposição; e, finalmente, que podendo ambos discutir e aprovar o plano de actividades e orçamento no exercício, por parte da assembleia municipal, das competências a este órgão reconhecidas pelo artigo 53.º, n.º 2, alínea b) da Lei 169/99, de 18 de Setembro, não se descortina o motivo, com base no qual, se reconhece a titularidade do direito de consulta prévia aos partidos e não aos grupos de cidadãos.

Vejamos, então.

Com referência àquela remissão, atentos os termos enunciados pelo n.º 4 do artigo 5.º, somos de considerar que a mesma é feita tão-só quanto ao modo de ser facultado o exercício do direito de consulta prévia, que será o mesmo quanto às informações, no âmbito do direito de informação, sendo que num e noutro caso, tal será efectuado com relação aos titulares dos respectivos direitos, não fazendo sentido que com tal remissão se pretendesse atribuir o direito de consulta prévia aos titulares do direito de informação.

Relativamente à circunstância do direito de oposição compreender a possibilidade de crítica das orientações políticas dos órgãos executivos das autarquias locais, pelo que fará todo o sentido que a todos os seus titulares seja garantido o exercício daquela actividade, designadamente através da consulta prévia em aspectos essenciais para a vida de cada município, como o são as questões suscitadas em torno dos elementos previsionais mencionados no n.º 3 do artigo 5.º do diploma legal em análise, impõe-se referir que uma coisa é o direito de oposição, cujo conteúdo vem desenhado no artigo 2.º e que é conferido quer aos partidos políticos quer aos grupos de cidadãos eleitores, outra coisa é o direito de consulta prévia, sendo verdade também que o exercício daquele direito pode exercitar-se por outras formas sem necessidade do recurso à figura do direito de consulta prévia.

Acrescenta, porém, o Recorrente que, não pode justificar-se que, numa situação hipotética, seja de conceder a consulta prévia a um partido que apenas elege um membro da Assembleia Municipal e negá-lo ao grupo de cidadãos que seja em número de mandatos a força mais importante da oposição nesse Município; da mesma forma, não se vê por que razão seria de negar a aplicação deste direito numa situação bipolarizada, em que o grupo de cidadãos eleitores fosse a única força titular do direito de oposição.

Com relação a tal argumentação pode colocar-se a questão de se saber se a denegação do direito de consulta prévia a grupos de cidadãos eleitores em confronto com os partidos políticos, efectuada pela Lei 24/98, e perante a circunstância de a ambos a lei eleitoral facultar quer o direito de participação política, no que concerne às autarquias locais, quer o direito de oposição, configurará alguma inconstitucionalidade daquele diploma legal, maxime por violação do princípio democrático, do princípio da igualdade, do princípio da liberdade de associação, do princípio da participação na vida pública, consagrados nos artºs 10.º, 13.º, 46.º, 51.º e 48.º da CRP.

Com efeito, dispõem estes normativos constitucionais, o seguinte:

[...]

Do enunciado nestes normativos constitucionais e dos princípios deles decorrentes parece poder inferir-se que os partidos políticos não constituem o monopólio da organização da expressão da vontade política; que a dimensão democrática exige a explícita proibição de discriminações na participação no exercício do poder político, designadamente quanto ao modo, âmbito e conteúdo, do exercício deste no que diz respeito às autarquias locais; e que constituem específicos direitos fundamentais de igualdade, entre outros, os direitos de participação política e de entre estes o direito de igualdade de participação na vida pública. (Cfr. neste sentido Vital Moreira e Gomes Canotilho, in CRP Anotada, 1, pp. 283 e segs.).

Ora, perante o enunciado de tais princípios constitucionais, pode legitimamente colocar-se a questão de se saber se a atribuição do direito de consulta prévia unicamente aos partidos políticos representados nos órgãos deliberativos das autarquias locais sem a concomitante atribuição desse direito aos grupos de cidadãos eleitores e sabido que quer a uns quer a outros é facultado o direito de se constituírem e de participarem na vida política autárquica e designadamente de se submeterem a escrutínio político e em consequência poderem ser eleitos e tomarem assento nos órgãos políticos autárquicos, não configurará violação daqueles princípios constitucionais, maxime do princípio da igualdade de participação na vida pública.

Com efeito, assistindo a ambas as associações o direito de participação política, nos termos referidos, em sede de Estatuto do Direito de Oposição, não se vislumbram razões válidas legitimadoras dum desenho legal divergente do seu direito de oposição, entendido este em sentido lato, de modo a abranger quer o direito de oposição strito sensu quer o direito de informação quer, ainda, o direito de consulta prévia, no que a elas concerne quanto à esfera de actuação política no domínio autárquico.

Doutra forma, e parafraseando a posição do Recorrente não se entende como justificável que, numa situação hipotética, seja de conceder a consulta prévia a um partido que apenas elege um membro da Assembleia Municipal e negá-lo ao grupo de cidadãos que seja em número de mandatos a força mais importante da oposição nesse Município nem se vislumbra razão alguma para negar a aplicação deste direito numa situação bipolarizada, em que o grupo de cidadãos eleitores fosse a única força titular do direito de oposição.

Assim sendo, aceitando tal raciocínio, somos do entendimento de que a denegação do direito de consulta prévia conferida pela Lei 24/98, de 26.MAI, a grupos de cidadãos eleitores, em confronto com a atribuição de tal direito aos partidos políticos, se configura como inconstitucional, porque violadora do princípio da igualdade de participação na vida pública.

Perante tal entendimento, mostra-se prejudicada a apreciação do último fundamento invocado pelo Recorrente nesta sede.

Em todo o caso, sempre se dirá que, quanto à discussão e aprovação o plano de actividades e orçamento no exercício, por parte da assembleia municipal, no âmbito das competências a este órgão reconhecidas pelo artigo 53.º, n.º 2, alínea b) da Lei 169/99, de 18 de Setembro, não se descortina qualquer relação entre o exercício dessa competência por parte daquele órgão e pelos membros dele componentes e o direito de consulta prévia a atribuir a grupos de cidadãos eleitores, sendo certo que a discussão e aprovação daqueles documentos previsionais é efectuada pelos membros eleitos do órgão assembleia municipal e não pelos partidos políticos e ou grupos de cidadãos eleitores.

Perante tudo quanto se deixa sumariamente explanado, somos, pois de concluir, ter sido denegado ao MIV o direito de consulta prévia.

Ora, a violação de tal direito configura, no âmbito da Teoria Geral do Acto Administrativo, um vício de forma, sancionável, em sede de consequências jurídicas, pela anulabilidade - Cfr. Artigo 135.º do CPA.

Assim, padecendo as deliberações impugnáveis do vício de forma que se deixa assinalado, as mesmas são anuláveis.

[...]"

2. Deste acórdão foi interposto pelo Ministério Público recurso obrigatório, nos termos do artigo 70.º n.º 1 alínea a) da lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei 28/82 de 15 de Novembro), por ter sido "recusada, por inconstitucionalidade, a aplicação da norma do artigo 3.º, n.º 3 da Lei 24/98 de 26/05", recurso que foi admitido no tribunal recorrido.

Oportunamente alegou o Ministério Público, concluindo:

"A norma constante do artigo 5.º, n.º 3, da Lei 24/98, de 26 de Maio, interpretada em termos de nela se restringir aos partidos políticos a titularidade do direito de consulta prévia, nomeadamente em matéria de plano e orçamento, aos partidos políticos representados em órgãos meramente deliberativos das autarquias locais, excluindo-o quanto aos grupos de cidadãos eleitores, ainda que naqueles representados, é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade de participação política, decorrente dos artigos 13.º e 48.º da Constituição da República Portuguesa."

Por seu turno, o recorrido Município de Vizela apresentou contra alegação, que concluiu do seguinte modo:

"[...]

1) O Legislador ao conferir expressamente a titularidade do direito de oposição aos grupos de cidadãos eleitores entendeu porém reservar o direito de consulta prévia previsto no artigo 5.º, n.º 3, apenas aos partidos políticos, excluindo por isso os grupos de cidadãos eleitores.

2) Só aos partidos políticos, porque concorrem para a livre formação e pluralismo da expressão da vontade popular e organização do poder político, contribuindo para o esclarecimento plural e exercício das liberdades políticas dos cidadãos, estudando e debatendo os problemas da vida política, económica e social e fazendo a critica da actividade dos órgãos executivos das autarquias, conforme resulta da lei dos Partidos Políticos e em concretização da mesma, é concedido o direito de audiência previsto no artigo 5.º n.º 3 do Estatuto do Direito de Oposição.

3) A Lei 24/98 não consagra um tratamento idêntico para os partidos e aos movimentos dos cidadãos, mas este tratamento não resulta da violação do principio da igualdade - constitucionalmente consagrado - mas da diferente natureza e fins dos partidos e dos movimentos que justificam a concessão de um tratamento diferenciado.

4) Os partidos políticos gozam de um estatuto constitucional, reconhecendo-lhe um direito fundamental de participação política, enquanto pessoa jurídica (distinta dos seus membros) Aglutinadora de interesses de certas classes e grupos sociais que contribuem para a formação da vontade popular;

5) Resulta da lei que, apesar de se consagrar uma tendencial "igualdade de direitos" entre os movimentos e os partidos, essa equiparação não é total nem lhes são reconhecidos os mesmos direitos e deveres dos partidos políticos.

6) Esta diferença de tratamento encontra-se plasmada no artigo 5.º n.º 3 do Estatuto do Direito de Oposição porque aos movimentos de cidadãos falta a existência de um elemento organizatório com carácter de permanência, distinta dos seus membros e que não se esgota num acto eleitoral que caracteriza exactamente os partidos políticos;

7) A falta de órgãos internos, democraticamente eleitos, representativos do Movimento inviabiliza que lhe seja concedido o direito de audiência conforme o mesmo foi configurado legalmente (o direito de audiência é concedido ao Partido e não os membros que elegeu para a Assembleia Municipal);

8) O princípio da igualdade não impede a existência de tratamentos diferenciados na lei, impede apenas a existência de diferenciações sem fundamento material bastante ou sem qualquer justificação razoável;

9) A razão fundamental para admitir um tratamento diferenciado entre os partidos e os movimentos é porque os últimos, apesar de fomentadores da participação democrática dos cidadãos, não são em termos organizatórios e de direitos e deveres entidades equiparadas aos partidos políticos.

10) O legislador nas várias versões do projecto-lei do Estatuto do Direito de Oposição, apesar de ter alargado a titularidade do direito de oposição aos movimentos de cidadãos eleitores, entendeu sempre reservar o direito de consulta prévia aos partidos políticos;

11) Ou seja, não foi intenção do legislador equiparar totalmente os Movimentos dos Cidadãos aos Partidos Políticos;

[...]"

II. Objecto do recurso

3. Como decorre da conclusão da sua alegação, o recorrente visa a apreciação da norma do n.º 3 do artigo 5.º do Estatuto do Direito de Oposição, aprovado pela Lei 24/98, de 26 de Maio ["Os partidos políticos representados nos órgãos deliberativos das autarquias locais e que não façam parte dos correspondentes órgãos executivos, ou que neles não assumam pelouros, poderes delegados ou outras formas de responsabilidade directa e imediata pelo exercício de funções executivas, têm o direito de ser ouvidos sobre as propostas dos respectivos orçamentos e planos de actividade"] interpretada "em termos de nela se restringir [aos partidos políticos] a titularidade do direito de consulta prévia, nomeadamente em matéria de plano e orçamento, aos partidos políticos representados em órgãos meramente deliberativos das autarquias locais, excluindo-o quanto aos grupos de cidadãos eleitores, ainda que naqueles representados". Com efeito, o Ministério Público rectificou, na sua alegação, o lapso material cometido no requerimento de interposição do recurso, "já que a norma desaplicada pela decisão recorrida é obviamente a que consta do artigo 5.º, n.º 3, da Lei 24/98, enquanto restringe aos partidos políticos, representados em órgãos deliberativos das autarquias locais (sem funções executivas) A titularidade do direito de consulta prévia sobre as propostas orçamentais e planos de actividade - excluindo-o relativamente aos grupos de cidadãos eleitores representados nos mesmos órgãos deliberativos, os quais apenas beneficiariam dos direitos de oposição e informação, nos termos dos artigos 3.º, n.º 3, e 4.º do citado diploma legal". Ora, tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da alínea a) do artigo 70.º da lei do Tribunal Constitucional, constitui seu pressuposto a recusa, pelo tribunal recorrido, de aplicação de norma jurídica, com fundamento na sua inconstitucionalidade.

Cumpre, por isso, verificar previamente se o tribunal recorrido recusou a aplicação do n.º 3 do artigo 5.º do Estatuto do Direito de Oposição, aprovado pela Lei 24/98, de 26 de Maio, com o sentido normativo que o recorrente submete à apreciação do Tribunal Constitucional.

A decisão recorrida depois de enunciar a questão de se saber se é inconstitucional "a atribuição do direito de consulta prévia unicamente aos partidos políticos representados nos órgãos deliberativos das autarquias locais sem a concomitante atribuição desse direito aos grupos de cidadãos eleitores"

respondeu no sentido de que a "denegação do direito de consulta prévia conferida pela Lei 24/98, de 26.MAI, a grupos de cidadãos eleitores, em confronto com a atribuição de tal direito aos partidos políticos, se configura como inconstitucional, porque violadora do princípio da igualdade de participação na vida pública."

Esta decisão foi proferida no âmbito de uma acção administrativa especial que tem por objecto a impugnação da deliberação da Câmara Municipal de Vizela que elaborou e remeteu, à Assembleia Municipal, as opções do plano e orçamento para 2005, e a deliberação da Assembleia Municipal de Vizela que aprovou as opções do plano e orçamento para 2005. No caso em apreço, estava em causa saber se um grupo de cidadãos eleitores, representado na assembleia municipal, sem integrar a câmara municipal, deveria ser ouvido sobre a proposta de orçamento e de plano de actividades do município.

Atenta a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, deve apreciar-se a conformidade constitucional da norma do n.º 3 do artigo 5.º do Estatuto do Direito de Oposição, aprovado pela Lei 24/98, de 26 de Maio, interpretada com o sentido de que não é obrigatório ouvir um grupo de cidadãos eleitores - unicamente representados na assembleia municipal - sobre a proposta de orçamento e de plano de actividades do município, por se haver considerado que apenas os partidos políticos representados na assembleia municipal e que não façam parte da câmara municipal ou que nela não assumam pelouros, poderes delegados ou outras formas de responsabilidade directa e imediata pelo exercício de funções executivas, têm o direito de ser ouvidos sobre a proposta de orçamento e de plano de actividades do município.

A questão que se coloca no presente recurso é, pois, a de saber se é inconstitucional, por violação princípio constitucional da igualdade de participação na vida pública, como considerou o tribunal recorrido, a norma do n.º 3 do artigo 5.º do Estatuto do Direito de Oposição, aprovado pela Lei n.º 24/98, de 26 de Maio, na interpretação sindicada, na medida em que não confere aos grupos de cidadãos eleitores representados na assembleia municipal e que não façam parte da câmara municipal, o direito de serem ouvidos, tal como os partidos políticos, sobre a proposta de orçamento e de plano de actividades do município.

III. Fundamentos

4. O artigo 48.º da Constituição, que tem como epígrafe "Participação na vida pública", e se insere no capítulo dedicado aos direitos, liberdades e garantias de participação política, estabelece no seu n.º 1 que "[t]odos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos." A participação dos cidadãos na vida política a que se refere esta norma constitucional "exerce-se, desde logo, ao nível da constituição dos órgãos do poder político (órgãos do Estado, em sentido lato), constitucionalmente previstos, e da formação das suas decisões. Ela efectiva-se, quer directamente - a chamada «democracia directa» -, quer através de órgãos representativos, eleitos pelos cidadãos - a chamada «democracia representativa» (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da Republica Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Volume I, em anotação ao n.º 1 do artigo 48.º).

Nas autarquias locais, a participação dos cidadãos na vida política exerce-se designadamente através das assembleias (órgãos do poder político dotados de poderes deliberativos) Eleitas por sufrágio universal, directo e secreto dos cidadãos recenseados na área da respectiva autarquia (n.º 2 do artigo 239.º da Constituição). Por determinação constitucional (n.º 4 do artigo 239.º), concretizada na Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, que regula a eleição de titulares para os órgãos das autarquias locais, as candidaturas para a eleição dos órgãos das autarquias locais podem ser apresentadas por partidos políticos (e coligações de partidos políticos constituídas para fins eleitorais) E por grupos de cidadãos eleitores.

Decorre, assim, do estabelecido nas normas constitucionais supra referidas, bem como do regime consagrado na Lei Orgânica que regula a eleição de titulares para os órgãos das autarquias locais, que os cidadãos recenseados na área do município têm o direito de tomar parte na vida política da autarquia por intermédio de representantes livremente eleitos para a assembleia municipal, órgão representativo do município dotado de poderes deliberativos (artigo 251.º da Constituição), em eleições para as quais podem ser apresentadas listas não só pelos partidos políticos (e coligações de partidos políticos constituídas para esse fim), mas também por grupos de cidadãos eleitores.

5. A participação no poder político nos moldes já referidos efectiva-se não só mediante o exercício das funções políticas em que ficaram investidos os cidadãos eleitos, mas também pelo exercício do chamado direito de oposição democrática. Como sublinham J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da Republica Portuguesa Anotada, 3.ª edição, pág. 526), o direito de oposição democrática é uma concretização de outros princípios e direitos fundamentais da Constituição: o princípio democrático (artigo 2.º e artigo 9.º, alínea b) e direitos, liberdades e garantias de participação política, designadamente o direito de participação na vida pública (artigo 48.º). O direito de oposição democrática, genericamente consagrado no n.º 2 do artigo 114.º da Constituição, concretiza o direito de participação na vida pública das minorias assegurando-lhes o direito a exercer uma oposição democrática ao Governo e aos órgãos executivos das Regiões Autónomas e das autarquias locais de natureza representativa, nos termos da Constituição e da lei, traduzida na actividade de acompanhamento, fiscalização e crítica das orientações políticas (artigo 1.º e n.os 1 do artigo 2.º do Estatuto do Direito de Oposição, aprovado pela Lei 24/98). Este direito de oposição das minorias integra os direitos, poderes e prerrogativas previstos na Constituição e na lei (n.os 2 do artigo 2.º do Estatuto do Direito de Oposição) sendo, no âmbito das autarquias locais, a sua titularidade reconhecida aos partidos políticos e aos grupos de cidadãos eleitores representados nos órgãos deliberativos das autarquias locais, que não estejam representados no correspondente órgão executivo, e aos partidos políticos e grupos de cidadãos eleitores que estejam representados nas câmaras municipais, desde que nenhum dos seus representantes assuma pelouros, poderes delegados ou outras formas de responsabilidade directa e imediata pelo exercício de funções executivas (n.os 1, 2 e 3 do artigo 3.º do Estatuto do Direito de Oposição).

Defendem Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, pág. 294) Que poderes idênticos aos atribuídos pela Constituição às minorias na Assembleia da República são de atribuir às minorias nas Assembleias Legislativas regionais e mutatis mutandis alguns também às minorias nas assembleias das autarquias locais "entendendo-se que abrangem também os grupos de cidadãos nelas representados". Um dos direitos de oposição (poderes específicos atribuídos às minorias, nas palavras destes autores na Constituição Portuguesa Anotada, pág. 292), previstos no Estatuto do Direito de Oposição, aprovado pela Lei 24/98, é o de consulta prévia (artigo 5.º) Que consiste, no que se refere às autarquias locais, no direito de ser ouvido sobre a proposta de orçamento e de plano de actividades (n.º 3).

Porém, a titularidade deste direito, na interpretação normativa sindicada, só foi reconhecida aos partidos políticos representados na assembleia municipal e que não façam parte da câmara municipal, ou que nela não assumam pelouros, poderes delegados ou outras formas de responsabilidade directa e imediata pelo exercício de funções executivas. Com efeito, ao contrário do que se verifica quanto ao direito (geral) de oposição e ao direito à informação (artigo 4.º do Estatuto do Direito de Oposição), o legislador não reconheceu aos grupos de cidadãos eleitores representados na assembleia municipal e que não façam parte da câmara municipal, ou que nela não assumam pelouros, poderes delegados ou outras formas de responsabilidade directa e imediata pelo exercício de funções executivas, o direito de ser ouvidos sobre a proposta do orçamento e do plano de actividades do município; é esta opção legislativa que o tribunal recorrido entendeu que ofende a Constituição «porque violadora do princípio da igualdade de participação na vida pública».

6. O princípio da igualdade (de participação na vida política) Não proíbe todas as distinções, mas apenas aquelas que se afiguram destituídas de fundamento razoável ou de qualquer justificação objectiva e racional. Dito de outro modo: o legislador tem margem de livre conformação legislativa, permitindo-lhe a Constituição efectuar diferenciações desde que estas não sejam material e racionalmente infundadas.

Mas há que reconhecer aos partidos políticos um papel especial na vida política do País. Conforme o Tribunal já afirmou (Acórdão 304/2003, publicado na I-A série do DR de 19 de Julho de 2003), «os partidos são associações de natureza privada de interesse constitucional e uma peça fundamental do sistema político (é o próprio Estado a estimular a sua actividade, suportando parte do respectivo financiamento), pois se lhes atribui - por vezes em exclusivo - a tarefa de "concorrerem para a organização e para a expressão da vontade popular"». Daí que a própria Constituição (artigo 51.º) «prevê que as exigências que o princípio democrático traz ao sistema político se estendam às associações privadas de interesse constitucional, como são os partidos. A vigência prática do princípio democrático nos partidos apresenta uma dupla vertente: tem uma dimensão material, que concerne aos direitos fundamentais dos seus filiados e uma dimensão estrutural, organizativa ou procedimental». É o papel que a Constituição reserva aos partidos na organização política que impõe significativas exigências (por exemplo, quanto ao financiamento e fiscalização de contas, quanto a responsabilidade dos dirigentes, quanto a regras de organização interna e de funcionamento, para além da personalidade jurídica, da capacidade adequada à realização dos seus fins e de serem constituídos por tempo indeterminado) das quais dispensa os simples grupos de cidadãos eleitores.

Seguindo a fórmula sintética proposta por Jorge Miranda, "por partido entende-se uma associação de cidadãos, constituída a título permanente, para a realização de objectivos de modelação do Estado e da sociedade através do acesso aos órgãos de poder, seja este nacional, regional ou local" a qual se distingue dos grupos de cidadãos que apresentem candidaturas para os órgãos das autarquias locais "porque estes só subsistem durante os mandatos dos titulares que consigam fazer eleger" (Manual de Direito Constitucional, Tomo VII, Coimbra, 2007, pág. 160 e 161). Com efeito, os grupos de cidadãos eleitores que apresentem candidaturas a órgãos das autarquias locais são destinados a durar apenas por certo período - o da duração dos mandatos dos titulares eleitos - e embora dêem origem a uma "individualidade distinta", esta é destituída de personalidade jurídica por "faltarem todos os necessários elementos de substrato e por causa da existência muito contingente" (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo VII, Coimbra, 2007, pág. 197 e 198).

Ora, a substancial diferença que distingue os grupos de cidadãos eleitores dos partidos políticos justifica uma diferenciação no seu tratamento legal. Na realidade, é aceitável que a lei reserve a essas associações de natureza privada e de interesse constitucional, que são uma peça fundamental do sistema político, um estatuto próprio, distinto das demais organizações, no que respeita ao funcionamento dos órgãos politicamente eleitos.

Não é, por conseguinte, em razão da acutilância do princípio da igualdade, ainda que especialmente dirigida à igualdade de participação na vida pública, que pode verificar-se uma desconformidade constitucional da norma em análise.

Com efeito, como defendem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da Republica Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Volume I, pág. 343) o artigo 48.º da Constituição ao garantir a igualdade de participação na vida pública reafirma o princípio geral de igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição. Para estes autores (Constituição da Republica Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Volume I, pág. 337) o que o princípio da igualdade na sua "dimensão democrática" exige é a "explícita proibição de discriminações (positivas e negativas) Na participação no exercício do poder político, seja no acesso a ele (sufrágio censitário, etc.), seja na relevância dele (desigualdade de voto), bem como no acesso a cargos públicos (cf. artigos 10.º n.º 1, 48.º e 50.º)".

7. Todavia, não se vislumbram razões que possam levar a não atribuir aos grupos de cidadãos eleitores, quando representados na assembleia municipal, mas que não façam parte da câmara municipal, o direito de ser ouvidos sobre a proposta de orçamento e plano de actividades do município (n.º 3 do artigo 5.º do Estatuto do Direito de Oposição).

Com efeito, as características próprias deste tipo de grupos, designadamente a falta de personalidade ou a duração por tempo determinado, não impediram o legislador de lhe atribuir o direito (geral) de oposição (n.º 3 do artigo 3.º do Estatuto do Direito de Oposição) e até o direito à informação, ou seja, o direito de ser informado regular e directamente pela câmara municipal sobre o andamento dos principais assuntos de interesse público relacionados com a sua actividade, informações estas que, nos termos do artigo 4.º do Estatuto do Direito de Oposição, devem ser prestadas directamente e em prazo razoável às suas estruturas representativas. Tendo os grupos de cidadãos eleitores representados na assembleia municipal, que não façam parte da câmara municipal, o direito de acompanhar, fiscalizar e criticar as orientações políticas da câmara municipal, não há razão para não lhes conceder o específico direito de serem ouvidos sobre os documentos de gestão previsional anual, que é, sem dúvida, essencial para o exercício da oposição democrática. Na verdade, contendo o orçamento a previsão das receitas e das despesas e o plano de actividades (grandes opções do plano) o projecto de investimentos e das actividades a realizar pelo município em determinado ano, a audição sobre as respectivas propostas é o momento adequado a que a oposição se pronuncie sobre as orientações políticas do órgão executivo da autarquia. É, assim, este o momento para os ditos grupos, tal como os partidos que não integram a câmara, tentarem influenciar a elaboração do documento, ou seja, a elaboração da proposta a submeter a aprovação. Aliás, é a própria lei que reconhece ser esse o momento decisivo, quando concede aos partidos políticos, que não integram a câmara, aquele direito.

Pode, assim, concluir-se que negando aos grupos de cidadãos eleitores o direito de consulta prévia, nas circunstâncias já referidas, a norma aqui impugnada restringe de forma intolerável o exercício do direito de oposição democrática que, conforme se viu já, a Constituição confere a tais grupos, quando minoritários nos órgãos das autarquias locais, nos termos das conjugadas disposições do n.º 2 do artigo 114.º e n.º 4 do artigo 239.º da Constituição.

Em suma, a norma do n.º 3 do artigo 5.º do Estatuto do Direito de Oposição, aprovado pela Lei 24/98 de 26 de Maio, interpretada com o sentido de que apenas os partidos políticos representados na assembleia municipal e que não façam parte da câmara municipal, ou que nela não assumam pelouros, poderes delegados ou outras formas de responsabilidade directa e imediata pelo exercício de funções executivas, têm o direito de ser ouvidos sobre a proposta de orçamento e de plano de actividades é inconstitucional, por restringir desrazoável e injustificadamente o direito de oposição democrática dos grupos de cidadãos eleitores quando minoritários nos órgãos das autarquias locais, direito esse que resulta das disposições conjugadas do n.º 2 do artigo 114.º e o n.º 4 do artigo 239.º da Constituição.

IV. Decisão

8. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso.

Sem custas.

Lisboa, 23 de Julho de 2009. - Carlos Pamplona de Oliveira - Gil Galvão - José Borges Soeiro - Maria João Antunes - Rui Manuel Moura Ramos.

202311012

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/09/21/plain-260800.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/260800.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1998-05-26 - Lei 24/98 - Assembleia da República

    Aprova o Estatuto do Direito de Oposição. Dispõe sobre a titularidade desse Direito e as formas de como o mesmo poderá ser exercido.

  • Tem documento Em vigor 1999-09-18 - Lei 169/99 - Assembleia da República

    Estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos orgãos dos municípios e das freguesias.

  • Tem documento Em vigor 2001-08-14 - Lei Orgânica 1/2001 - Assembleia da República

    Aprova a lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais. Altera o regime de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2003-07-19 - Acórdão 304/2003 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade das normas do artigo 18º, n.º 1, alínea c), e do artigo 32º, n.º 1, do decreto da Assembleia da República n.º 50/IX, que aprova a Lei dos Partidos Políticos. (Processo nº 381/2003).

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