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Acórdão 356/2009, de 17 de Agosto

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Sumário

Não conhece do recurso por a decisão recorrida - despacho de admissão de recurso em que se desaplica, com fundamento em inconstitucionalidade, certas normas jurídicas - ter natureza provisória.

Texto do documento

Acórdão 356/2009

Processo 41/09

Acordam, na 2.ª Secção, do Tribunal Constitucional:

A - Relatório

1 - O Ministério Público, junto do 1.º Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão, recorre para o Tribunal Constitucional do despacho do juiz daquele Tribunal, de 10 de Novembro de 2008, que recusou a aplicação do artigo 219.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei 48/2007, de 29/08, no segmento em que veda ao Ministério Público a possibilidade de recorrer, em prejuízo do arguido, da decisão judicial que não aplicou a medida de coação de prisão preventiva, por si requerida, pretextando que a mesma viola o disposto nos artigos 13.º e 219.º, n.os 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.

2 - A questão de constitucionalidade emergiu da seguinte situação:

2.1 - No Proc. 2024/08.0PAPTM, após o primeiro interrogatório do arguido detido, José João Pereira Tiago, o Ministério Público requereu que lhe fosse aplicada a medida

de coação de prisão preventiva.

O juiz de instrução, após considerar existirem indícios da prática, pelo arguido, de um crime de "simples" homicídio, tentado, p. e p. pelo artigo 131.º do Código Penal e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), com referência aos artigos 2.º, n.º 1, alínea ax), e 3.º, n.º 3, da Lei 5/2005, de 23 de Fevereiro, mas não terem "as medidas de coação finalidade de natureza substantiva, tão pouco de antecipação da tutela jurídico-penal que, ao caso, possa vir a ser aplicada", indeferiu o requerimento do Ministério Público e "nos termos conjugados das disposições dos artigos 191.º, n.º 1, 192.º, n.º 1, 193.º, n.º 1, 194.º, n.os 1 a 3, 196.º, n.º 1, 198.º, n.º 1, e 200.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), todos do CPP decidiu [o] que o arguido aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito às seguintes medidas de

coação:

TIR já prestado;

a) Apresentação diária na esquadra da PSP de Portimão;

b) Proibição de se ausentar para o estrangeiro;

c) Proibição de se ausentar desta cidade de Portimão, excepto se devidamente

autorizado pelo Tribunal; e

d) Proibição de contactar por qualquer meio com o ofendido e ou seus familiares", por se lhe afigurarem ser essas medidas proporcionais, necessárias e suficientes para acautelar a exigência cautelar referida".

2.2 - Afirmando-se inconformado e alegando, no próprio requerimento de interposição do recurso, a inconstitucionalidade material da norma resultante das disposições combinadas dos artigos 219.º, n.os 1 a 3, e 399.º, in fine, do CPP, quando interpretada no sentido de não admitir a recorribilidade da decisão, por violação dos princípios e normas vertidas nos artigos 2.º, 18.º, 20.º, n.º 4, 27.º, n.º 3, 32.º e 219.º, n.os 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, o Ministério Público interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Évora.

Na motivação deste recurso, entregue conjuntamente com o requerimento da sua interposição, o Ministério Público desenvolveu a sua posição quanto à questão de

inconstitucionalidade colocada.

3 - Por despacho de 10 de Novembro de 2008, o tribunal a quo rejeitou, com base na sua inconstitucionalidade material, a referida norma extraída dos artigos 219.º, n.os 1 e 3, e 399.º do CPP, e admitiu o recurso interposto para a Relação.

Para tanto, abonou-se nas seguintes considerações:

"I

Recurso interposto pelo Ministério Público sobre o despacho proferido em 1.º interrogatório judicial, que indeferiu a requerida aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, apresentado a fls. 149 e ss.: visto.

Resposta a este recurso apresentada pelo arguido a fls. 193 e ss., via fax, (originais a

fls. 200 e ss): visto.

1 - Da admissibilidade ou não do recurso interposto pelo Ministério Público.

O Ministério Público entende, em apertada síntese, que o recurso deve ser admitido por a norma que se extrai do artigo 219.º-1 e 3, do CPP, padecer de

inconstitucionalidade.

O arguido propende para a inadmissibilidade do presente recurso.

Cumpre apreciar.

Prescreve o artigo 219.º-1 e 3, do CPP (na redacção dada pela Lei 48/2007, de

29/08) o seguinte:

«1 - Só o arguido e o Ministério Público em benefício do arguido podem interpor recurso da decisão que aplicar, mantiver ou substituir medidas previstas no presente

título. [...]

3 - A decisão que indeferir a aplicação, revogar ou declarar extintas as medidas previstas no presente título é irrecorrível».

Extraem-se da conjugação destas disposições da lei processual penal dois comandos

limitativos distintos:

Uma primeira limitação subjectiva ao direito de recurso sobre a decisão relativa a medidas de coacção (quem pode recorrer) e outra, digamos, objectiva ao exercício

desse direito (de que se pode recorrer).

A primeira prende-se com o sujeito processual que pode pedir ao Tribunal Superior, por via do recurso, a apreciação da bondade da decisão de que se recorre: o arguido ou o Ministério Público (apenas) em benefício deste.

A segunda refere-se ao tipo de decisão sobre a medida de coacção que se proferiu:

apenas da decisão que indeferiu a aplicação requerida i), da que revogou a medida de coacção que já havia sido aplicada ii) e daquela outra que a julgou extinta iii).

Em relação à primeira limitação compreende-se que o direito ao recurso esteja previsto para o arguido, pois que este será, sempre, a pessoa concreta afectada pela decisão do Juiz que aplica, mantém ou substitui a medida de coacção.

Em relação ao arguido nada de novo ocorre. De facto, já existia norma que lhe permitia lançar mão do recurso, cf. artigos 219.º, 399.º e 401.º-1, al. b), do CPP, antes da reforma operada pela Lei 48/2007, de 29/08.

Actualmente, continuam os artigos 399.º e 401.º-1, ai. b), do CPP, a manter a mesma redacção, e é redundante, parece-me, a nova redacção dada ao artigo 219.º-1, do

CPP, primeira parte.

A lei anterior, todavia, não limitava subjectivamente o direito à interposição do recurso, cf. o antigo art., 219.º, do CPP, como igualmente não limitava objectivamente o respectivo exercício. Tudo se resolvia, estamos em crer e salvo o devido respeito, pela interpretação conjugada dos artigo 219.º, 399.º e 401.º-1, als. a) e b), do CPP.

A lei nova, artigo 219.º-1, do CPP, agrilhoa em um único sentido a intervenção do Ministério Público em sede de interposição de recurso: só o pode fazer em benefício do arguido (para salvaguarda dos interesses deste) e desde que a decisão de que recorra não caia na previsão do artigo 219.º-3, do CPP.

Proferida decisão que aplique qualquer medida de coacção dela podem recorrer apenas o arguido e o Ministério Público em benefício deste.

Idêntica realidade pode, todavia, consubstanciar uma irritação intra sistemática que emerge da conjugação dos artigos 194.º-2, 219.º-1, 399.º e 401.º-1, al. a), do CPP.

Vejamos!

Por força da redacção do artigo 194.º-2, do CPP, o juiz, durante o inquérito, não pode aplicar medida mais grave do que a requerida pelo Ministério Público.

Indeferida a pretensão do Ministério Público (a aplicação da medida de coacção X) tal situação fica sem remédio à luz das normas dos artigos 219.º-1 e 3 e 399.º, do CPP.

O arguido, por certo, não terá interesse em recorrer.

E o Ministério Público?

Foi o Ministério Público que impulsionou a aplicação da medida, que a requereu, e quando o fez por certo que não agiu em benefício do arguido (não o terá feito para salvaguarda dos interesses deste mas em ordem à defesa de outros interesses) e, assim sendo, não pode recorrer da decisão que lhe indeferiu o requerimento? O problema não se resume a eventual falta de legitimidade formal do Ministério Público - a decisão do juiz ao indeferir nega, desde logo, uma pretensão do Ministério Público, cf. artigo 401.º- 1, al. a), do CPP - mas vai muito mais além.

É a concepção dos poderes-deveres funcionais atribuídos ao Ministério Público implícita (ou que decorre da) na conjugação das normas dos artigos 219.º-1 e 3 (o Ministério Público só pode recorrer em benefício do arguido; a decisão que indeferir é irrecorrível), 399.º (regra geral da recorribilidade) e artigo 401.º-1, al. a), (legitimidade do Ministério Público para recorrer de quaisquer decisões), todos do CPP, que choca,

em meu entender, com a lei Fundamental.

Ao Ministério Público, como decorre do artigo 219.º-1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, compete, para além do mais, exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática.

Ora, o exercício da acção penal com tal teleologia não se coaduna com uma intervenção apenas em função dos interesses de um sujeito processual; coaduna-se, isso sim, por uma intervenção que tenha na sua base a defesa de todos «os interesses em jogo», não só os do arguido. Essa mesma teleologia logo justificou, em sede de lei ordinária, que o Ministério Público dispusesse de legitimidade para recorrer não só de quaisquer decisões mas também daquelas que, em seu entender, prejudicassem o arguido, cf. artigo 219.º, 399.º e 401.º-1, al. a), do CPP, na redacção anterior à da

reforma.

Na redacção actual da conjugação das normas dos artigos 219.º-1 e 3 e 399.º, do CPP, fica vedada a possibilidade de recurso ao Ministério Público em face da decisão que recaiu sobre o seu requerimento para aplicação da concreta medida de coacção, requerimento esse que teve na sua génese, não os interesses do arguido, mas outros e diversos interesses que com aqueles não se confundem e que a Constituição da República Portuguesa prevê como atributos (funções) típicos do Ministério Público.

Assim, uma vez que por força da conjugação das disposições dos artigo 21 9.º-1 e 3 e 399.º, do CPP, nos termos referidos, resulta a violação:

Do princípio da legalidade das medidas de coacção (estas só podem ser aplicadas em função de exigências processuais de natureza cautelar), artigo 191.º-1, do CPP, (i);

Do princípio da igualdade (o Ministério Público não pode recorrer da decisão que indeferiu a aplicação de uma medida de afastamento requerida por se indiciar fortemente o crime de violência doméstica e verificar-se perigo de continuação da actividade criminosa, por exemplo), artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa, quando tal princípio constitui «uma determinante heterónoma da legislação» (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, 4 Edição Revista, págs. 333 e

ss.) (ii);

Da função constitucional do Ministério Público no exercício da acção penal orientada pelo princípio da legalidade e como defensor da legalidade democrática (o Ministério Público actua e deve actuar, sempre, à «charge» ou à «decharge» do arguido, artigo 219.º-1, da CRP, quando se veda ao Ministério Público a possibilidade de interpor recurso de decisão que indeferiu o seu requerimento para aplicação de medida de

coacção decido:

a) Declarar inconstitucionais tais normas nesta dimensão interpretativa;

b) Não as aplicar à luz do disposto no artigo 204.º da Constituição da República

Portuguesa;

c) Repristinar a norma anterior, o artigo 219.º, do CPP, na redacção antecedente à da reforma da Lei 48/2007, de 29/08, e, em consequência, proferir despacho sobre o recurso interposto pelo Ministério Público a esta luz.

2 - Da admissão.

Por se tratar de decisão recorrível, artigos 219.º e 399.º, dispor o recorrente de legitimidade, artigo 401.º-1, al. a), ser a interposição tempestiva, artigo 411.º-1, al. c), estar o Ministério Público isento do pagamento de taxa de justiça, artigo 522.º-1, do CPP, e encontrar-se motivado, artigo 411.º-3, admito o recurso interposto pelo Ministério Público a fls. 149 e ss., artigo 414.º-1, o qual tem subida em separado, artigo 406.º-2, imediata, artigo 407.º-2, alínea c) e com efeito devolutivo, artigo 408.º a

contrario, todos do CPP.

Notifique".

4 - Alegando, no Tribunal Constitucional, o Procurador-Geral Adjunto concluiu do

seguinte jeito a sua argumentação:

«1 - A norma do n.º 1 do artigo 219.º do Código de Processo Penal, no segmento em que veda ao Ministério Público a possibilidade de recorrer, em prejuízo do arguido, da decisão judicial que não aplicou a medida de coação de prisão preventiva, por si requerida, é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 2.º, 13.º, 20.º, n.º 1, 32.º, 165.º, n.º 1, alínea c) e 219.º da Constituição.

2 - Termos em que não deverá proceder o presente recurso, confirmando-se o juízo de inconstitucionalidade da decisão recorrida».

5 - O recorrido não contra-alegou.

6 - Vindo o processo a julgamento da Secção, foi decidido, pelo Acórdão 165/2009, proferido nos autos, "ordenar a notificação do Ministério Público para se pronunciar, querendo, sobre a questão do eventual não conhecimento do objecto do recurso pela sua irrecorribilidade para o Tribunal Constitucional (cf. Ac. n.º 267/91)".

7 - O Ministério Público não respondeu à questão prévia.

B - Fundamentação

8 - A questão prévia que se suscita nos autos é a de saber se, proferido pelo juiz de instrução despacho de admissão de um recurso interposto pelo Ministério Público para o Tribunal da Relação de uma decisão do mesmo juiz que aplicou ao arguido medida de coação menos grave do que a por ele proposta, com o fundamento em alegada inconstitucionalidade material do artigo 219.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei 48/2007, de 29/08, no segmento em que veda ao Ministério Público a possibilidade de recorrer, em prejuízo do arguido, pode o Tribunal Constitucional conhecer do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea a) do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão.

Trata-se de uma temática sobre a qual se pronunciou já o Tribunal Constitucional no seu Acórdão 267/91, publicado no Diário da República 2.ª série, de 23 de Outubro de 1991, a propósito, então, das normas constantes dos artigos 371.º, 647.º/1.º e seu § 4.º, do Código de Processo Penal de 1929, e no qual tomou posição no sentido do voto de vencido do Conselheiro Vital Moreira, aposto ao Acórdão 92/87, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9.º volume, pp. 625 e segs.

Discreteando sobre ela, assim se discorreu em tal aresto:

«4 - A recorribilidade da decisão.

Esta questão prévia também suscitada pelo Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal, nas suas alegações, vem fundamentada essencialmente no argumento de que «a decisão recorrida - despacho de admissão de recurso ordinário proferido pelo tribunal a quo - é uma decisão provisória, que não vincula o tribunal superior e insusceptível de impugnação autónoma, mediante recurso ou reclamação, pois as partes só a podem impugnar nas alegações do recurso admitido por essa decisão (n.º 4 do artigo 687.º do Código de Processo Civil)», não constituindo assim tal decisão «uma decisão de tribunal» para o efeito de permitir a abertura do recurso de constitucionalidade, invocando neste sentido as razões constantes do voto de vencido do Cons. Vital Moreira no Acórdão 92/87 (in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 365, p. 261),

que transcreve.

Vejamos.

O parâmetro constitucional acerca desta matéria consta do artigo 280.º, n.º 1, alínea a), preceito que a lei do Tribunal Constitucional reproduz com ligeira alteração de redacção, e estabelece que há recurso das «decisões dos tribunais» que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade. Este recurso é obrigatório para o Ministério Público sempre que a norma desaplicada conste de convenção internacional, acto legislativo ou decreto regulamentar.

Mas, deverá admitir-se recurso de constitucionalidade de todas as decisões dos tribunais sem distinção ou deverá aceitar-se que a particular natureza de algumas decisões obsta ao conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto? Propende o Tribunal, decididamente, para esta segunda alternativa.

Os tribunais, de acordo com o preceituado no artigo 208.º da Constituição, proferem decisões que devem ser fundamentadas, são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas, prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades e têm o seu modo de execução regulado na lei. No exercício da função jurisdicional que lhes está cometida, aos tribunais cabe resolver um conflito concreto entre dois sujeitos, pela utilização de critérios previamente definidos nas normas jurídicas.

Porém, para alcançarem a decisão final de tal conflito, torna-se indispensável que se vão proferindo decisões interlocutórias e que mais não visam do que preparar a elaboração da decisão última da questão.

Ora, no caso em apreço, a «decisão» de que se recorre é um despacho de admissão do recurso ordinário interposto por réu não preso nem caucionado - situação em que o regime processual penal aplicável não admitia recurso pelo que o julgador se sentiu na necessidade de, para admitir o recurso, julgar inconstitucionais as normas que o

proibiam.

Estas normas, do Código de Processo Penal de 1929, têm o seguinte teor:

Artigo 371.º

Do despacho de pronúncia podem recorrer o Ministério Público, a parte acusadora e os indiciados, depois de presos ou de haverem prestado caução, e do despacho de não pronúncia podem recorrer o Ministério Público e a parte acusadora.

Artigo 647.º

Podem recorrer:

1.º ...

2.º O réu e a parte acusadora das decisões contra eles proferidas.

§ 4.º O réu não pode recorrer da pronúncia, sem estar preso ou caucionado, nem do despacho que julgar quebrada a caução, sem ter dado entrada na cadeia.

A «decisão» recorrida veio afinal a recusar aplicação a uma norma extraível destes preceitos e aplicável por analogia à situação do réu pronunciado e obrigado a prestar termo de identidade e residência por tal forma que só seria admissível recurso do despacho de pronúncia por parte desse réu depois dele haver cumprido tais obrigações fixadas no referido despacho - situação que se considerou violadora das garantias de defesa do arguido (artigo 32.º, n.º 1, da CRP).

Nos termos do artigo 687.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (CPC), «a decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie ou determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior, e as partes só a podem impugnar nas suas alegações».

Valem aqui, pertinentemente, as considerações feitas a este propósito pelo Conselheiro Vital Moreira na declaração de voto que apôs ao Acórdão 92/87 (in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 365, pp. 261 e segs.) e que se transcrevem:

Nos termos do direito processual comum (civil e penal), os despachos de admissão de recurso proferidos pelo tribunal a quo possuem as seguintes características: (a) não fazem caso julgado; (b) não são susceptíveis de impugnação autónoma, mediante recurso ou reclamação; (c) não carecem de ser impugnadas pelas partes; (d) são necessariamente consumidas pela decisão do tribunal ad quem, o qual, ele sim, decide afinal da admissão do recurso. O mínimo que se pode dizer de tais despachos é que eles, afinal, não decidem da admissão dos recursos (pois decidir significa resolver uma

questão).

Com efeito, acerca do mesmo tema escreve o Prof. Castro Mendes (in Recursos, AAFDL, 1980, p. 44): «Há decisões que se destinam necessariamente a ser substituídas por outras ou nelas integradas, ou pelo menos podem sê-lo se as partes o solicitarem. A lei então só permite o recurso da decisão substituta ou absorvente; as primeiras são irrecorríveis, como não definitivas». E, mais adiante (p. 46), refere este ilustre processualista como dela não cabendo recurso, «a decisão que admite um recurso, fixa a sua espécie ou determina o seu efeito».

Tem, assim, de se concluir que o despacho de admissão de recurso não tem qualquer autonomia, porquanto a decisão final sobre tal matéria cabe sempre ao tribunal de recurso que, independentemente de qualquer requerimento das partes, tem o dever de se pronunciar sobre se o recurso deve ou não ser admitido, em definitivo (artigo 701.º

do CPC).

A decisão do juiz recorrido mais não é do que, como certeiramente a qualifica Vital Moreira (voto de vencido citado) «uma pré-decisão, quando muito uma decisão provisória, que nunca subsiste por si mesma [...]».

Não sendo estas decisões passíveis de recurso processual comum, será legítimo e correcto admitir-se que possam ser susceptíveis de recurso de constitucionalidade, designadamente, como no caso dos autos, de recurso obrigatório de

constitucionalidade?

Os recursos são um pedido de reponderação sobre certa decisão judicial, apresentado a um órgão judiciariamente superior (Castro Mendes, ibidem, p. 3) e têm como finalidade impugnar decisões judiciais que, sem a interposição do recurso, se tornariam

definitivas, formando caso julgado.

No caso do recurso de constitucionalidade, podem observar-se as mesmas natureza e finalidades referidas aos recursos em geral, só que agora restritas à questão de constitucionalidade. No caso de se tratar de um recurso obrigatório para o Ministério Público (n.º 3 do artigo 280.º da CRP), a sua razão de ser é a de obviar a que subsistam quaisquer decisões dos tribunais que desapliquem normas com fundamento na sua inconstitucionalidade sem que o Tribunal Constitucional seja chamado a reponderar a questão, uma vez que é o órgão a quem «[c]ompete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional» (artigo 223.º da

CRP).

Ora, destinando-se o despacho de admissão recorrido a ser substituído por outro - este sim, definitivo - e não sendo passível de recurso comum e não podendo sobre ele formar-se caso julgado, admitir que dele se possa interpor recurso de constitucionalidade é, afinal, retirar ao tribunal de recurso a possibilidade de decidir dentro da sua competência sobre a questão da admissibilidade ou inadmissibilidade do recurso, tornando desde logo definitiva a questão (a constitucionalidade) quando a decisão em que ela se insere é meramente provisória, pois ainda não está tomada por forma a que sobre ela se venha a formar caso julgado.

A decisão que viesse a ser proferida pelo Tribunal Constitucional - que faz, esta sim, caso julgado e se impõe aos outros tribunais - iria condicionar por forma radical a decisão do tribunal de recurso que era, afinal, o tribunal ao qual verdadeiramente competiria definir a questão da admissibilidade do recurso.

De qualquer modo, a não admissibilidade, neste momento, do recurso de constitucionalidade em nada prejudicará a finalidade do respectivo recurso.

Com efeito, ou o Tribunal da Relação decide não admitir o recurso e, então, as normas em causa serão aplicadas pois se modificou o julgamento sobre a sua conformidade constitucional - o que obviará à interposição de qualquer recurso obrigatório de constitucionalidade, embora tal decisão pudesse gerar outro tipo de recurso, ou então, a Relação confirma a decisão recorrida e a consequente desaplicação das normas e, então, desta decisão definitiva, caberá recurso de constitucionalidade, a interpor obrigatoriamente pelo Ministério Público do acórdão da Relação, mesmo que nele a confirmação da decisão de 1.ª instância não fosse expressa, porquanto, só de tal decisão poderia decorrer - se sobre ela viesse a formar-se caso julgado - a violação da integridade da ordem jurídica cuja defesa é uma das razões porque a lei confere ao Ministério Público legitimidade para o recurso obrigatório de constitucionalidade (cf.

Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo II, 2.ª ed., Coimbra, 1988, pp.

376-377).

Entende o Tribunal que o princípio decorrente do artigo 687.º, n.º 4, do CPC - as decisões de admissão de recursos que necessariamente têm de ser substituídas por outras ou que nelas vêm a ser integradas, são enquanto tais não definitivas e por isso irrecorríveis - é um princípio também válido em processo constitucional (artigo 76.º, n.º

3, da LOTC).

Neste sentido - isto é, de que os recursos previstos no n.º 1 do artigo 280.º da CRP só serão de admitir de decisões definitivas e não meramente provisórias - decidiu, embora num contexto totalmente diferenciado, o Acórdão deste Tribunal n.º 151/85 (in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 360 (suplemento), p. 710).

O que significa que é inteiramente procedente a questão prévia suscitada pelo Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal quanto a irrecorribilidade da

decisão em apreço».

Esta argumentação, cuja bondade se sufraga, é completamente transponível para o

caso dos autos.

Assim sendo, impõe-se concluir pelo não conhecimento do recurso de

constitucionalidade.

C - Decisão

9 - Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade.

Sem custas.

Lisboa, 8 de Julho de 2009. - Benjamim Rodrigues - Mário Torres - Joaquim de Sousa Ribeiro - João Cura Mariano - Rui Manuel Moura Ramos.

202164169

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/08/17/plain-259316.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/259316.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 2005-01-26 - Lei 5/2005 - Assembleia da República

    Eleva a vila de Reguengos de Monsaraz à categoria de cidade.

  • Tem documento Em vigor 2007-08-29 - Lei 48/2007 - Assembleia da República

    Altera (15.º alteração) e republica o Código de Processo Penal.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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