Surge assim a necessidade de proceder ao ordenamento agrário do território metropolitano, atribuindo às diferentes culturas as localizações que melhor correspondam às potencialidades naturais. Tal objectivo implica possibilidades de intervenção ou apoio que tornem viável, em prazo não muito longo, o revestimento arbóreo das áreas de capacidade de uso florestal actualmente incultas ou votadas a outras formas de aproveitamento.
2. Em ordem a alcançar estes objectivos impõe-se não só a delimitação mais precisa do âmbito de aplicação da referida Lei 2069, mas ainda o estabelecimento de novos preceitos legais que venham ao encontro das actuais necessidades da lavoura nacional.
Embora a utilidade do revestimento florestal seja sempre múltipla e, portanto, difícil de estabelecer limites rígidos entre os seus diversos aspectos, é hoje internacionalmente aceita a seguinte classificação:
a) Matas de protecção não produtivas. - São aquelas cuja importância das respectivas utilidades indirectas é tal que justifica a interdição de toda a exploração regular em consequência dos inconvenientes que a mesma implicaria.
É, em particular, o caso das zonas em que se impõe a fixação urgente do solo, a regularização do regime hídrico ou a defesa de obras de engenharia, como barragens, albufeiras, etc.
b) Matas de protecção produtivas. - São aquelas que, exercendo funções de protecção, são simultâneamente exploráveis em condições de regularidade desde que se tomem determinadas precauções. É de uso, por vezes, incluir nesta categoria certas arborizações que, apesar de não desempenharem funções importantes de protecção, apresentam utilidade de recreio, turismo ou higiene.
c) Matas produtivas não desempenhando funções de protecção. - São aquelas em que as funções de protecção, não sendo totalmente inexistentes, apresentam importância secundária em relação aos objectivos de ordem exclusivamente económica que se pretender alcançar.
Para além da constituição das matas de protecção não produtivas, pretende-se, com o presente diploma, fomentar a arborização com os fins consignados nas alíneas b) e c).
3. A tarefa assume, portanto, características mais complexas do que aquelas previstas na Lei 2069, em especial no domínio da colaboração com a actividade económica particular e das formas de apoio às entidades privadas.
O ordenamento racional das culturas virá a permitir aos empresários retirar maiores benefícios da terra que exploram ou mesmo - se estes não existem - converter actuais perdas em lucros, com a consequente influência quer no rendimento nacional, quer na estabilidade de um sector de produção.
Por outro lado, do melhor ajustamento das actividades produtivas agrárias às potencialidades edafo-climáticas resultarão, certamente, outras vantagens de ordem geral.
Em primeiro lugar, é legítimo prever não só o acréscimo da produtividade do trabalho, como a possibilidade da sua melhor remuneração. A mais longo prazo será possível, com o recurso a certas indústrias relacionadas com a matéria-prima florestal e apresentando acentuados efeitos de interpenetração económica, criar economias externas, fixar mão-de-obra suficiente para aumentar a produtividade per capita do conjunto de actividades e justificar a instalação de infra-estruturas, elementos basilares para que se processe uma política de desenvolvimento regional em zonas actualmente menos favorecidas.
É sabido como os produtos de origem florestal figuram já hoje em posição de relevo no conjunto das nossas exportações, parecendo ser este, aliás, um dos sectores produtivos em que as perspectivas de mercados externos são animadoras. Caso se consiga acrescentar substancialmente o valor de tais exportações, não só aumentando o seu volume, mas diminuindo progressivamente a percentagem dos quantitativos de saídas de matérias-primas em favor dos bens laborados pela indústria, poderá encontrar-se neste sector contribuição importante para um maior equilíbrio da nossa balança comercial. E na fase actual do desenvolvimento semelhante equilíbrio é indispensável à manutenção, sem quebras, do ritmo do crescimento económico nacional.
4. A possibilidade de se aproveitarem completamente os benefícios tanto directos como indirectos da arborização dos solos de capacidade e de uso florestal encontra-se, porém, dependente da realização de determinadas condições.
Exige-se, antes do mais, uma perfeita coordenação entre o fomento da silvicultura e a instalação de indústrias para aproveitamento das respectivas matérias-primas.
Por certo que tanto uma como outra dessas actividades se têm de ajustar ao nível da procura e às respectivas exigências qualitativas. Como se espera atingir uma elevada taxa de ocupação florestal do território, as produções futuras serão, provàvelmente, bastante superiores às possibilidades de consumo final interno, mesmo levando em conta a elevada elasticidade da procura de produtos de origem florestal relativamente à capitação actual do rendimento nacional.
Teremos, assim, de contar em grande parte com a viabilidade de colocação no estrangeiro e de jogar com o perfeito conhecimento dos mercados externos. A previsão em matéria florestal tem, no entanto, de exercer-se a longo prazo e bem podem calcular-se as dificuldades que semelhante tarefa apresenta, sobretudo numa época em que a evolução técnica se processa aceleradamente.
Os problemas das compatibilidades e das prioridades - estas últimas não só relativamente a outros empreendimentos, mas também quanto aos projectos de arborização entre si - merecem igualmente cuidada análise, devendo dar-se no seu estudo a devida atenção às consequências indirectas das diversas iniciativas.
5. Compreende-se, deste modo, como é de fundamental importância o cuidadoso planeamento dos trabalhos de arborização a que se refere o presente decreto-lei e como esse planeamento se tem de realizar na mais íntima colaboração com os organismos de planeamento económico nacional e regional.
Compreende-se também o interesse de uma actuação rápida e eficaz no sector em causa, já que este é susceptível de dar uma contribuição apreciável para a tarefa de desenvolvimento do País em que nos encontramos empenhados. É este o pensamento que presidiu à elaboração do presente diploma, com o qual se prevê, mediante a criação e ampliação de meios de actuação rápida, um surto de arborização nos terrenos particulares compatível com as exigências de um programa de florestação que abarca uma área da ordem dos 2000000 ha.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º É considerada de utilidade pública urgente a arborização com fins produtivos dos terrenos cuja capacidade de uso seja predominantemente florestal, particularmente nos casos onde importe assegurar a fixação e conservação dos solos.
Art. 2.º A arborização de tais terrenos poderá ser auxiliada ou executada pelo Fundo de Fomento Florestal e Aquícola nos termos do presente diploma.
Art. 3.º Para auxiliar a execução dos objectivos deste diploma compete ao Fundo de Fomento Florestal e Aquícola:
a) Promover, apoiar e executar todas as operações necessárias à arborização dos terrenos referidos no artigo 1.º sempre que se venha a exercer a acção do Estado;
b) Conceder subsídios - em espécies, serviços e dinheiro - e empréstimos aos proprietários de terrenos que tendo aptidão florestal recorram ao seu auxílio.
§ único. Este auxílio poderá ser também concedido às sociedades de fomento florestal legalmente constituídas e em que os proprietários participem ou a quem arrendem os seus terrenos.
Art. 4.º O Fundo de Fomento Florestal e Aquícola goza de todos os direitos necessários à realização dos seus fins, podendo, nomeadamente e nos termos da legislação aplicável:
a) Adquirir, a título gratuito ou oneroso, tomar e dar de arrendamento, administrar e alienar terrenos, edifícios, bens móveis e produtos de donativos ou subsídios;
b) Praticar todos os actos de gestão e administração do seu património nos termos do presente diploma e seus regulamentos.
Art. 5.º São órgãos do Fundo de Fomento Florestal e Aquícola o conselho administrativo e a comissão consultiva.
§ 1.º O conselho administrativo será constituído por um presidente e três vogais, representantes, respectivamente, do Ministério das Finanças, da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas e do Fundo de Melhoramentos Agrícolas.
Os membros do conselho administrativo serão nomeados pelo Ministro da Economia, sob designação, quanto ao primeiro dos vogais, do Ministro das Finanças e, quanto aos restantes, do Secretário de Estado da Agricultura.
§ 2.º A comissão consultiva, sob a mesma presidência, será constituída por:
a) Os vogais do conselho administrativo;
b) Um professor do Instituto Superior de Agronomia, a designar pelo Ministro da Educação Nacional;
c) Um representante dos organismos de coordenação económica, a designar pelo Secretário de Estado do Comércio;
d) Um representante da Corporação da Lavoura;
e) Um representante da Corporação da Indústria.
§ 3.º O secretário de Estado da Agricultura poderá convidar, convocar ou requisitar, segundo os casos, para tomar parte nas reuniões da comissão consultiva, quaisquer pessoas cuja colaboração considere de interesse para os trabalhos do Fundo.
§ 4.º A orgânica e o funcionamento do Fundo e dos seus órgãos serão regulados em diploma referendado pelo Ministro das Finanças.
Art. 6.º Constituem recursos financeiros do Fundo:
a) As receitas previstas em diplomas anteriores;
b) As dotações ou subsídios que lhe sejam atribuídos quer no orçamento geral, quer através de organismos e serviços dependentes do Estado ou com ele relacionados;
c) Quaisquer outros recursos financeiros que por lei, contrato ou outro título legítimo lhe sejam facultados ou atribuídos.
Art. 7.º As arborizações fomentadas pelo Fundo serão normalmente realizadas de acordo com projectos enquadrados em planos de arborização, elaborados pelos respectivos serviços ou por outras entidades técnicas para o efeito contratadas.
§ único. O Fundo poderá auxiliar a arborização de terrenos de capacidade de uso florestal não incluídos em zonas servidas por planos de arborização, após a aprovação pelo Fundo dos correspondentes projectos, elaborados por engenheiros silvicultores para o efeito nele inscritos.
Art. 8.º Os planos de arborização por zonas serão elaborados em íntima colaboração com os órgãos de planeamento nacional e regional, existentes ou a criar, com os órgãos consultivos da agricultura regional e segundo as normas gerais da política florestal.
Art. 9.º Os proprietários dos terrenos arborizados ao abrigo do presente decreto-lei poderão requerer a isenção de contribuição predial rústica por um prazo de vinte anos, nos termos dos artigos 12.º, n.º 4.º, e 16.º do Código da Contribuição Predial.
Art. 10.º Os terrenos arborizados ao abrigo do presente decreto-lei que se encontrem em zonas servidas por planos de arborização serão submetidos ao regime florestal parcial obrigatório, por toda a vigência do contrato de empréstimo firmado entre o proprietário, ou o possuidor ou representante a qualquer título, e o Fundo de Fomento Florestal e Aquícola, durante a qual este Fundo mantém direitos de orientação técnica e de fiscalização das diferentes operações de cultura e de exploração.
§ único. Os terrenos arborizados ao abrigo do disposto no § único do artigo 3.º poderão beneficiar desde logo da concessão do regime florestal parcial facultativo.
Art. 11.º Os proprietários ou possuidores a qualquer título de terrenos de capacidade de uso florestal abrangidos por um plano de arborização poderão, durante os primeiros quatro anos após a aprovação deste, proceder directamente aos trabalhos de arborização, beneficiando das subvenções e empréstimos concedidos pelo Fundo.
Art. 12.º Os empréstimos concedidos pelo Fundo de Fomento Florestal e Aquícola ou as despesas por este realizadas nos trabalhos executados directamente são reembolsáveis num período máximo de 30 anos, mediante amortizações vencidas aquando da realização das produções. A quota de amortização será de 50 por cento dos rendimentos brutos auferidos nas matas constituídas ao abrigo deste diploma, até completo reembolso.
Art. 13.º A arborização dos terrenos carecidos de beneficiação pela cultura florestal por motivos de fixação e conservação do solo poderá ser realizada, estimulada, orientada ou fiscalizada pelo Fundo de Fomento Florestal e Aquícola na medida em que os proprietários ou possuidores a qualquer título o requeiram ou o Secretário de Estado da Agricultura assim o determine.
Art. 14.º Para efeitos do pronto cumprimento do que se contém neste diploma, no regulamento do Fundo será prevista a coordenação dos meios humanos e materiais dependentes dos diferentes serviços e organismos do Ministério da Economia, em particular quanto a técnicos, pessoal auxiliar, viveiros e estudos.
Art. 15.º Poderão ser abrangidos no âmbito da acção do Fundo de Fomento Florestal e Aquícola os trabalhos decorrentes do ordenamento silvo-pastoril do património particular.
Art. 16.º O Fundo de Fomento Florestal e Aquícola poderá contratar ou assalariar pessoal mediante despacho do Secretário de Estado da Agricultura e o acordo, no primeiro caso, do Ministro das Finanças.
Publique-se e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 16 de Dezembro de 1963. - AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ - António de Oliveira Salazar - José Gonçalo da Cunha Sottomayor Correia de Oliveira - Manuel Gomes de Araújo - Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior - João de Matos Antunes Varela - António Manuel Pinto Barbosa - Joaquim da Luz Cunha - Fernando Quintanilha Mendonça Dias - Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira - Eduardo de Arantes e Oliveira - António Augusto Peixoto Correia - Inocêncio Galvão Teles - Luís Maria Teixeira Pinto - Carlos Gomes da Silva Ribeiro - José João Gonçalves de Proença - Francisco Pereira Neto de Carvalho - Luís Le Cocq de Albuquerque de Azevedo Coutinho.
Para ser presente à Assembleia Nacional.