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Acórdão do Tribunal Constitucional 185/2009, de 13 de Maio

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Sumário

Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 27.º do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2007/A, de 9 de Julho (aprova o regime jurídico da gestão sustentável dos recursos cinegéticos e os princípios reguladores da actividade cinegética e da administração da caça na Região Autónoma dos Açores) (Proc. nº 807/08).

Texto do documento

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 185/2009

Processo 807/08

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - O Procurador-Geral da República, ao abrigo do artigo 281.º, n.os 1, alínea a), e 2, alínea e), da Constituição da República Portuguesa (CRP), do artigo 51.º, n.º 1, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC) (Lei 28/82, de 15 de Novembro) e do artigo 12.º, n.º 1, alínea c), do Estatuto do Ministério Público (Lei 60/98, de 27 de Agosto), requereu a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 27.º do Decreto Legislativo Regional 17/2007/A, de 9 de Julho.

2 - A norma em causa, cuja epígrafe é «Responsabilidade criminal», dispõe o seguinte:

«Artigo 27.º

Responsabilidade criminal

1 - Em matéria de responsabilidade criminal, aplica-se à Região, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 28.º a 33.º da Lei 173/99, de 21 de Setembro, que aprova a Lei de Bases Gerais da Caça.

2 - Às condutas violadoras da preservação da fauna e das espécies cinegéticas previstas no n.º 1 do artigo 6.º e à utilização de auxiliares com fins diferentes dos estabelecidos no artigo 24.º, ambos da Lei 173/99, de 21 de Setembro, aplica-se, com as necessárias adaptações, respectivamente, o disposto nos n.os 1 do artigo 30.º e 1 do artigo 31.º do citado diploma.» O teor dos dispositivos mencionados no n.º 1 do preceito acabado de referir é o seguinte:

«Artigo 28.º

Exercício perigoso da caça

1 - Quem, no exercício da caça, não estando em condições de o fazer com segurança por se encontrar em estado de embriaguez ou sob a influência de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo ou por deficiência física ou psíquica, criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias.

2 - Se o perigo referido no número anterior for criado por negligência, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.

3 - Se a conduta referida no n.º 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

Artigo 29.º

Exercício da caça sob influência de álcool

Quem, no exercício da caça, apresentar uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave não for aplicável.

Artigo 30.º

Crimes contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas

1 - A infracção ao disposto no n.º 1 do artigo 6.º do presente diploma é punida com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 100 dias.

2 - Na mesma pena incorre quem exercer a caça em terrenos não cinegéticos, nos terrenos de caça condicionada sem consentimento de quem de direito, nas áreas de não caça e nas zonas de caça às quais não se tenha legalmente acesso.

Artigo 31.º

Violação de meios e processos permitidos

1 - A utilização dos auxiliares referidos no n.º 2 do artigo 24.º do presente diploma, fora das condições nele previstas, é punida com a pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 100 dias.

2 - Na mesma pena incorre quem detiver, transportar e usar furão fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo 26.º deste diploma.

Artigo 32.º

Falta de habilitação para o exercício da caça

Quem exercer a caça sem estar habilitado com a carta de caçador, quando exigida, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 90 dias.

Artigo 33.º

Desobediência

1 - A recusa do caçador em descarregar a arma, colocá-la no chão e afastar-se 10 m do local onde a mesma fica colocada, quando tal lhe seja ordenado pelos agentes fiscalizadores, nos termos a regular e quando do acto da fiscalização, é punida com a pena correspondente ao crime de desobediência simples.

2 - A violação da interdição do direito de caçar é punível com a pena correspondente ao crime de desobediência qualificada.» 3 - Para fundamentar o seu pedido, o Procurador-Geral da República alegou o seguinte:

O Decreto Legislativo Regional 17/2007/A veio, por via da remissão contida no n.º 1 do seu artigo 27.º, estender à Região Autónoma dos Açores (RAA), com as devidas adaptações, a Lei de Bases Gerais da Caça (aprovada pela Lei 173/99, de 21 de Setembro), mais concretamente, o regime de responsabilidade criminal relativo às situações previstas do artigo 28.º ao artigo 33.º Tal lei é aplicável no território do continente e, por força do preceituado no seu artigo 47.º (Regiões Autónomas), também à Região Autónoma da Madeira (RAM).

Efectivamente, tal preceito dispõe do seguinte modo:

«A presente lei aplica-se à Região Autónoma da Madeira, com as necessárias adaptações a introduzir por decreto legislativo regional.» Deste modo, a opção legislativa que agora se aprecia « - consubstanciada em fazer aplicar à Região Autónoma dos Açores as disposições legais relativas à criminalização de determinadas condutas, previstas na Lei 173/99 - configura-se como inovatória, levando ao sancionamento penal de ilícitos que, quando praticados no território daquela Região Autónoma, eram até então desprovidos de relevância penal».

Efectivamente, até ser editado o Decreto Legislativo Regional 17/2007/A, o regime que vigorava na RAA (nos termos do Decreto Legislativo Regional 11/92/A, de 15 de Abril) «não comportava qualquer criminalização de condutas praticadas no exercício da caça, consubstanciando o respectivo regime sancionatório apenas a previsão de contra-ordenações».

Ao aproveitar os tipos penais definidos na Lei de Bases Gerais da Caça (LBGC) - a qual, como salientado, apenas se aplica ao território do continente e ao da RAM - o legislador regional determinou «um inquestionável alargamento do respectivo âmbito territorial - e, consequentemente, do âmbito subjectivo daquele conjunto de disposições legais incriminadoras».

Assim sendo, assiste-se a uma clara violação da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República (AR), mais concretamente da disposição contida na alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP. Efectivamente, aí se dispõe que está incluída na dita reserva a definição de crimes, penas e respectivos pressupostos, pelo que apenas a Assembleia da República ou o Governo, mediante autorização daquela, poderão legislar sobre a matéria em questão. O preceito em apreço consubstancia um «parâmetro negativo e inderrogável da competência legislativa regional, face ao preceituado no artigo 227.º, n.º 1, alínea b), conjugado com o n.º 1 da alínea c) do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa».

A opção legislativa do legislador regional acarreta, pois, «a inconstitucionalidade orgânico-formal da norma contida no artigo 27.º do Decreto Legislativo Regional 17/2007/A, por violação do preceituado no artigo 227.º, n.º 1, alínea b), conjugado com o n.º 1 da alínea c) do artigo 165.º, da Constituição da República Portuguesa».

4 - Notificado do pedido, nos termos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), veio o Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores responder, invocando os seguintes argumentos:

As regiões autónomas são pessoas colectivas territoriais competentes para, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º CRP, «legislar no âmbito regional em matérias enunciadas no respectivo estatuto político-administrativo e que não estejam reservadas aos órgãos de soberania». De igual modo, e segundo a alínea c) do mesmo n.º 1 do artigo 227.º, para «desenvolver para o âmbito regional os princípios ou as bases gerais dos regimes jurídicos contidos em lei que a eles se circunscrevem».

A Região Autónoma dos Açores (RAA) possui um património cinegético próprio, sendo da sua competência a respectiva gestão. Mais ainda, «a existência de interesse específico regional em matéria de caça nos Açores nunca foi posta em causa, considerando não só a exclusão prevista no artigo 47.º da Lei 173/99, de 2 de Setembro, bem como a existência de legislação regional anterior, entretanto revogada pelo Decreto Legislativo Regional 17/2007/A, de 9 de Julho».

Com base na alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º CRP e na alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º da Lei 61/98, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (ALRAA) aprovou, «no exercício do direito de legislar sobre matéria de interesse específico regional, o regime jurídico da gestão sustentável dos seus recursos cinegéticos, no qual se incluem a sua conservação e fomento, bem como os princípios reguladores da actividade cinegética e de administração da caça na região autónoma dos Açores, no âmbito de competências próprias» - as que decorrem dos dispositivos acima assinalados.

«O Decreto Legislativo Regional 17/2007/A, de 9 de Julho, não fere a reserva relativa de competência legislativa consignada na alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, porquanto não cria nenhum quadro penal novo. Limita-se a trazer para o edifício jurídico regional a aplicação do regime estabelecido pelo legislador nacional, sem qualquer alteração.» Em termos mais específicos, «a definição dos tipos penais de 'exercício perigoso da caça', 'exercício de caça sob a influência do álcool', 'crimes contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas', 'violação de meios e processos permitidos', 'falta de habilitação para o exercício da caça' e 'desobediência' não foram criados pela ALRAA, mas sim pela Assembleia da República, nos termos dos artigos 28.º a 33.º da Lei 173/99, de 21 de Setembro».

Mais ainda se afirma que «a Lei 173/99, de 21 de Setembro - Lei de Bases Gerais da Caça - emanou da Assembleia da República, 'para valer como lei geral da República'».

Dispunha o artigo 112.º, n.º 5, da CRP, no texto aprovado pela revisão de 1997, vigente à data a criação da LBGC, que «são leis gerais da República as leis e os decretos-leis cuja razão de ser envolva a sua aplicação a todo o território nacional e assim o decretem». Deste modo, tratando-se a lei em apreço de uma lei geral da República, ela «aplica-se a todo o território nacional, incluindo as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira».

A referência, no artigo 47.º da LBGC apenas à RAM, «não está necessariamente a excluir a Região Autónoma dos Açores, pois, como Lei Geral da República, aplica-se a todo o território nacional». Por este motivo, «o artigo 47.º da Lei 173/99, de 21 de Setembro, é apenas uma redundância legislativa da Assembleia da República».

Por último, «o Decreto Legislativo Regional 17/2007/A, de 9 de Julho, é apenas a confirmação pelo legislador dos Açores da aplicação de um regime sancionatório (artigos 28.º a 33.º da Lei 173/99) que já existia desde 21 de Setembro de 2000 (data da entrada em vigor da Lei de Bases Gerais da Caça)».

5 - Discutido em plenário o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, da LTC, e fixada a orientação do Tribunal, cumpre agora decidir de harmonia com o que então se estabeleceu.

II - Fundamentação

6 - O primeiro fundamento de inconstitucionalidade invocado pelo requerente é a falta de competência da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores para legislar sobre a matéria constante do artigo 27.º do Decreto Legislativo Regional 17/2007/A, de 9 de Julho, dado que ela se incluiria na reserva de competência legislativa da Assembleia da República.

Vejamos se assim é.

Para aferir da conformidade ou desconformidade constitucional do preceito em apreciação, há que convocar as normas constitucionais em vigor relativas ao exercício do poder legislativo por parte das regiões autónomas.

Como se disse, por último, no Acórdão 26/2009, de 20 de Janeiro, citando o Acórdão 423/2008, de 4 de Agosto, «[o] direito constitucional regional sofreu profundas alterações na revisão constitucional de 2004, que não têm sido ignoradas pela jurisprudência deste Tribunal.

Com efeito, nos Acórdãos n.os 246/2005, de 10 de Maio, 258/2006, de 18 de Abril, e 258/2007, de 17 de Abril, o Tribunal teve oportunidade de salientar que, entre as alterações introduzidas na revisão constitucional de 2004, se devem contar a simplificação dos parâmetros em que o poder legislativo regional se pode exercer, o que tem como consequência o alargamento dos poderes legislativos das regiões autónomas. Mais ainda, o Tribunal verificou o desaparecimento da categoria de leis gerais da República, bem como da submissão dos diplomas regionais aos seus princípios fundamentais (antigo n.º 5 do artigo 112.º da Constituição), e ainda a eliminação da necessidade de existência de interesse específico regional na matéria regulada pelas regiões, enquanto pressuposto ou requisito do exercício da competência legislativa destas últimas (veja-se o n.º 4 do artigo 112.º da CRP, na sua actual redacção).

Além disso, desta jurisprudência do Tribunal decorre ainda que o exercício do poder legislativo das regiões autónomas se continua a enquadrar pelos fundamentos da autonomia das regiões consagrados no artigo 225.º da CRP e que deve, em face do disposto no n.º 4 do artigo 112.º, na alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º e no artigo 228.º, n.º 1, da Constituição, respeitar cumulativamente três requisitos: i) restringir-se ao âmbito regional; ii) estarem em causa as matérias enunciadas no respectivo estatuto político-administrativo; iii) as matérias não estarem reservadas à competência dos órgãos de soberania.» Alegando o requerente que a matéria em causa se enquadra na reserva de competência legislativa da Assembleia da República, comecemos então por este último requisito.

Como vimos, o artigo 27.º do Decreto Legislativo Regional 17/2007/A, de 9 de Julho, determina a aplicação àquela Região Autónoma, com as necessárias adaptações, do disposto nos artigos 28.º a 33.º da Lei de Bases Gerais da Caça (a Lei 173/99, de 21 de Setembro), sendo que estes preceitos tipificam diversas infracções criminais relativas ao exercício perigoso da caça (artigo 28.º), ao exercício da caça sob a influência do álcool (artigo 29.º), ao crime contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas (artigo 30.º), à violação de meios e processos permitidos (artigo 31.º), à falta de habilitação para o exercício da caça (artigo 32.º) e à desobediência (artigo 33.º).

Cumpre pois averiguar se esta matéria está reservada à competência dos órgãos de soberania.

Com efeito, o artigo 165.º, n.º 1, alínea c), da CRP estabelece que é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre a definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal.

Ou seja, a matéria da definição de ilícitos de natureza criminal está, sem qualquer margem para dúvidas, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, pelo que a legislação que a ela respeite insere-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, estando excluída da competência legislativa das regiões autónomas.

É verdade que a alínea b) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição permite à Assembleia da República, em algumas matérias da sua competência de reserva relativa, autorizar as regiões autónomas a legislar sobre elas. Porém, as matérias referidas no artigo 165.º, n.º 1, alínea c), da Constituição encontram-se excluídas dessa possibilidade, pelo que nem sequer seriam susceptíveis de autorização legislativa às regiões autónomas.

Assim sendo, não restam dúvidas de que a norma constante do artigo 27.º do Decreto Legislativo Regional 17/2007/A, de 9 de Julho, está ferida de inconstitucionalidade, uma vez que a intervenção legislativa da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores se encontra desprovida de fundamento constitucional.

E nem se invoque o eventual carácter não inovatório da norma contra este juízo de inconstitucionalidade.

Subjacente a esta invocação parece estar a tentativa de transposição da jurisprudência deste Tribunal relativa às relações entre a Assembleia da República e o Governo para o caso sub judice, o que, diga-se, desde já, não faz qualquer sentido.

É verdade que o Tribunal Constitucional já disse inúmeras vezes que a falta de lei de autorização legislativa, em matéria de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, não obsta a que o Governo possa legislar, desde que a normação adoptada não se revista de conteúdo inovatório face à anteriormente vigente. O que importa é que se demonstre que as normas em causa não criaram um regime jurídico materialmente diverso daquele que até essa nova normação vigorava, limitando-se a retomar e a reproduzir substancialmente o que já constava de textos legais anteriores emanados do órgão de soberania competente (ver os Acórdãos n.os 502/97, 589/99, 377/2002, 414/2002, 450/2002, 416/2003, 340/2005 e 114/2008, de 20 de Fevereiro de 2008, estes tirados em Secção e publicados no Diário da República, 2.ª série, de 4 de Novembro de 1998, de 20 de Março de 2000, de 14 de Fevereiro de 2002, de 17 de Dezembro de 2002, de 12 de Dezembro de 2002, de 6 de Abril de 2004, de 29 de Julho de 2005 e de 10 de Abril de 2008, bem como o Acórdão 123/2004 (plenário), publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 30 de Março de 2004.

Mas esta jurisprudência aplica-se nas relações entre a Assembleia da República e o Governo - que são ambos órgãos de soberania - não fazendo sentido deslocá-la para as relações em que, de um lado, está a República e, do outro, as regiões autónomas (as quais apenas detém autonomia político-administrativa e não soberania).

Ao contrário do que sucede entre a lei e o decreto-lei, que têm igual valor (artigo 112.º, n.º 2, da CRP), os decretos legislativos regionais situam-se num outro plano, pelo que a apropriação da lei da República pela legislação regional conduziria à sua desnaturação.

Além disso, o artigo 228.º, n.º 2, CRP, ao estabelecer que, na falta de legislação regional própria sobre matéria não reservada à competência dos órgãos de soberania, aplicam-se nas regiões autónomas as normas legais em vigor, consagra o princípio da prioridade da legislação regional, com a consequente subsidiariedade da legislação nacional. Ora, se se admitisse a apropriação da legislação nacional pela legislação regional, isso poria em causa estes princípios.

Embora num contexto diferente (não transponível para a actualidade), este Tribunal respondeu negativamente à questão de saber se deve ser consentida ao legislador regional a possibilidade de confirmar a aplicação numa região autónoma de preceitos constantes de leis da República, limitando-se a reproduzir os seus comandos em actos regionais, como que transformando a legislação nacional (aí já vigente) em legislação regional. O Tribunal salientou, no Acórdão 246/90, na esteira do já afirmado pelo Acórdão 333/86, que «quando um diploma regional se limita a reproduzir [...] as normas constantes de uma lei geral da república, tal diploma é inconstitucional. E é-o porque ele não representa o exercício do poder normativo regional [...] Tal diploma mais não faz, na verdade, do que 'apropriar' a legislação nacional e, 'transformá-la' em legislação regional.» Apesar das modificações que o texto constitucional, entretanto, sofreu, esta jurisprudência continua a ter sentido. Carecendo o legislador regional de poderes de criação de ilícitos penais, o artigo 27.º do Decreto Legislativo Regional 17/2007/A é inconstitucional por dispor sobre matéria constitucionalmente reservada à Assembleia da República, constituindo assim um limite à intervenção do poder normativo regional [cf. artigo 227.º, n.º 1, alínea a) da Constituição].

III - Decisão

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 27.º do Decreto Legislativo Regional 17/2007/A, de 9 de Julho, por violação dos artigos 165.º, n.º 1, alínea c), e 227.º, n.º 1, alínea a), da CRP.

Lisboa, 21 de Abril de 2009. - Ana Maria Guerra Martins - Mário José de Araújo Torres - Gil Galvão - Joaquim de Sousa Ribeiro - Maria Lúcia Amaral - José Borges Soeiro - João Cura Mariano - Vítor Gomes - Maria João Antunes - Benjamim Rodrigues - Carlos Fernandes Cadilha - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/05/13/plain-251859.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/251859.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1986-12-19 - Acórdão 333/86 - Tribunal Constitucional

    Declara inconstitucionais as normas constantes dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 8.º, n.º 2, e 17.º, por violação do artigo 229.º, alínea a), da Constituição, dos artigos 5.º, 13.º e 14.º, por violação dos artigos 232.º, n.os 2 e 3, e 275.º, n.º 3, da Constituição, do artigo 10.º, por violação dos artigos 229.º, alínea a), e 232.º, n.os 2 e 3, da Constituição e do artigo 16.º, na parte em que se refere aos Serviços do Estado na Região, por violação dos artigos 229.º, alínea a), e 232.º, n.º 3, da Constituição (...)

  • Tem documento Em vigor 1990-08-03 - Acórdão 246/90 - Tribunal Constitucional

    Declara, com força obrigatória geral, por violação da alínea a) do nº1 do art. 229º, conjugado com a alínea h) do nº1 do art. 168º da CRP, a inconstitucionalidade do art. 2º do Decreto Legislativo Regional n.º 26/83/A, de 19 de Agosto, bem como das normas dos arts. 1º a 6º e 8º a 12º do Decreto Legislativo Regional n.º 26/86/A, de 25 de Novembro, e, consequentemente, da norma do art. 7º do mesmo diploma regional e limita alguns efeitos da declaração de inconstitucionalidade. (Processo n.º 335/88)

  • Tem documento Em vigor 1992-04-15 - Decreto Legislativo Regional 11/92/A - Região Autónoma dos Açores - Assembleia Legislativa Regional

    Revê o regime jurídico do exercício da caça na Região Autónoma dos Açores.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-27 - Lei 61/98 - Assembleia da República

    Altera (segunda alteração) o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, aprovado pela Lei 39/80 de 5 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei 9/87, de 26 de Março, e procede à sua republicação.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-27 - Lei 60/98 - Assembleia da República

    Altera a orgânica do Ministério Público, aprovada pela Lei nº 47/86 de 15 de Outubro passando a denominar-se Estatuto, e procede à sua republicação.

  • Tem documento Em vigor 1999-09-21 - Lei 173/99 - Assembleia da República

    Estabele a Lei de Bases Gerais da Caça.

  • Tem documento Em vigor 2004-03-30 - Acórdão 123/2004 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 7.º(Competência Territorial) do Decreto-Lei n.º 218/99, de 15 de Junho, que estabelece o regime de cobrança de dívidas pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde em virtude dos cuidados de saúde prestados. (Proc. nº 923/03)

  • Tem documento Em vigor 2007-07-09 - Decreto Legislativo Regional 17/2007/A - Região Autónoma dos Açores - Assembleia Legislativa

    Aprova o regime jurídico da gestão sustentável dos recursos cinegéticos e os princípios reguladores da actividade cinegética e da administração da caça na Região Autónoma dos Açores.

  • Tem documento Em vigor 2008-09-17 - Acórdão do Tribunal Constitucional 423/2008 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade [fiscalização preventiva] da norma constante do n.º 1 do artigo 2.º do decreto que «[a]dapta à Região Autónoma da Madeira a Lei n.º 37/2007, de 14 de Agosto, que aprova normas para a protecção dos cidadãos da exposição involuntária ao fumo do tabaco e medidas de redução da procura relacionadas com a dependência e a cessação do seu consumo», aprovado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, em 18 de Junho de 2008, para vigorar como decreto legislativo (...)

  • Tem documento Em vigor 2009-02-13 - Acórdão do Tribunal Constitucional 26/2009 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade [fiscalização preventiva], por violação do disposto no artigo 227º, nº 1, alínea a) da Constituição, das normas contidas nos artigos 1.º e 2.º do decreto legislativo regional, aprovado na sessão plenária de 16 de Dezembro de 2008, da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, intitulado «Alteração à Lei Orgânica da Assembleia Legislativa». (Proc. nº 1030/08)

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