de 30 de Julho
A resolução dos problemas que afectam o ambiente passa hoje em dia pela criação de um conjunto variado de instrumentos financeiros públicos capazes de assegurar a concretização do princípio do poluidor-pagador e a mutualização do risco ecológico. O direito ambiental português tem vindo a assistir ao alargamento e ao aperfeiçoamento de semelhantes mecanismos, que tomam expressão em figuras inovadoras como os tributos ambientais, os mercados de emissões poluentes ou o instituto da responsabilidade civil ambiental. A experiência dos países que nos são próximos mostra-nos que, de entre estes mecanismos, possui particular importância a criação de fundos públicos autónomos, alimentados por receitas próprias, capazes de acorrer às situações de desastre ecológico ou de passivo ambiental mais urgentes. É com estas precisas situações em vista que a Lei 50/2006, de 29 de Agosto, ao estabelecer o regime jurídico das contra-ordenações ambientais, institui, por meio do seu artigo 69.º, o Fundo de Intervenção Ambiental (FIA), concebendo-o como um instrumento público de prevenção e reparação dos danos resultantes de actividades lesivas para o ambiente, nomeadamente nos casos em que os responsáveis não os possam ressarcir em tempo útil.A Lei 50/2006, de 29 de Agosto, determina ainda que a regulamentação do Fundo de Intervenção Ambiental deve ser feita mediante decreto-lei. Em conformidade, o Decreto-Lei 207/2006, de 27 de Outubro, que aprovou a Lei Orgânica do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, veio determinar que o FIA é dotado de autonomia administrativa e financeira e que a sua gestão é assegurada pela Secretaria-Geral desse Ministério, através de um órgão de direcção constituído em regime de inerência. Resta ultimar o enquadramento jurídico do FIA aprovando o respectivo regulamento, tarefa que ora se leva a cabo.
Na substância, as funções do FIA que agora se cria entre nós inspiram-se em boa medida em figuras análogas existentes no plano internacional, como sejam o Fundo Internacional para a Compensação pelos Prejuízos Devidos à Poluição por Hidrocarbonetos e o Fundo Internacional Complementar para Compensação pelos Prejuízos Devidos à Poluição por Hidrocarbonetos, e em diversos ordenamentos jurídicos que nos são próximos, como o Hazardous Substances Superfund norte-americano ou os diferentes fundos ambientais que existem no direito brasileiro. A esta análise somou-se a ponderação dos mais recentes dados e orientações do direito ambiental comunitário e internacional, incluindo a ponderação de textos normativos cuja entrada em vigor neste momento se encontra ainda em preparação.
Assim, o FIA ocupar-se-á primordialmente de danos ambientais que exijam uma intervenção rápida ou para cuja prevenção ou reparação não se encontrem vocacionados outros instrumentos públicos, reforçando com meios de financiamento próprios a actuação de diversas entidades organicamente integradas no Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, que ao FIA poderão agora recorrer nestes casos. O recurso ao FIA admitir-se-á, antes do mais, nos casos em que os danos ambientais em causa se devam a acção humana e não se mostre possível supri-los rapidamente por outro modo, mas também se admite o recurso ao FIA nos casos em que a fonte dos danos ambientais não resulta da acção humana mas das forças da natureza.
O financiamento do FIA assenta na atribuição a este de uma percentagem das coimas provenientes da comissão de contra-ordenações ambientais, solução já prevista pela Lei 50/2006, de 29 de Agosto. A isto acrescem receitas de diversa natureza, como a participação na cobrança de taxas, indemnizações e compensações devidas ao Estado ou a actores populares em virtude da lesão ou perigo de lesão de bens ambientais ou os valores arrecadados em virtude da sub-rogação do FIA perante os agentes causadores dos danos que tenham determinado a sua intervenção.
Espera-se que as receitas próprias do FIA se vão alargando e reforçando progressivamente, à medida que se vá testando também a eficácia da sua acção.
Com o propósito de garantir ao FIA uma intervenção eficaz, estabelece-se a sua articulação com outros fundos nacionais, comunitários e internacionais, obviando a escusadas sobreposições normativas e promovendo uma tutela integrada do meio ambiente.
Foram ouvidas, a título facultativo, as organizações não governamentais do ambiente.
Assim:
Em desenvolvimento do regime jurídico estabelecido na Lei 50/2006, de 29 de Agosto, e nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objecto
O presente decreto-lei estabelece o regulamento do Fundo de Intervenção Ambiental, abreviadamente designado por FIA, criado pelo n.º 1 do artigo 69.º da Lei 50/2006, de 29 de Agosto.
Artigo 2.º
Natureza jurídica
O FIA é um património autónomo sem personalidade jurídica, com autonomia administrativa e financeira e com personalidade judiciária.
Artigo 3.º
Missão
1 - O FIA tem por missão financiar iniciativas de prevenção e reparação de danos a componentes ambientais naturais ou humanos, sejam eles resultantes da acção humana ou produto das forças da natureza, que exijam uma intervenção rápida ou para os quais se não possam mobilizar outros instrumentos jurídicos e financeiros, nomeadamente respeitantes à:a) Prevenção de ameaças graves e iminentes a componentes ambientais naturais ou humanos;
b) Prevenção e reparação de danos a componentes ambientais naturais ou humanos resultantes de catástrofes ou acidentes naturais;
c) Eliminação de passivos ambientais;
d) Reparação de danos ambientais cuja prevenção ou reparação não possa ser concretizada nos termos do regime de responsabilidade civil ambiental;
e) Actuação em quaisquer outras situações de mora, dificuldade ou impossibilidade de imputação ou ressarcimento de danos a componentes ambientais naturais ou humanos.
2 - O FIA pode estabelecer mecanismos de articulação com outros fundos públicos, de direito nacional, comunitário ou internacional, que tenham como objectivo a prevenção e reparação de danos ambientais ou a concretização de políticas associadas à defesa do ambiente.
Artigo 4.º
Direcção
1 - O FIA é dirigido por um director, coadjuvado por um subdirector, que são, por inerência, o secretário-geral e um secretário-geral-adjunto do ministério responsável pela área do ambiente.2 - Sem prejuízo das competências que lhe sejam conferidas por lei ou que nele sejam delegadas ou subdelegadas, compete ao director dirigir e orientar a acção do FIA, nomeadamente:
a) Elaborar o plano anual de actividades, o relatório de actividades e os documentos plurianuais de planeamento;
b) Elaborar o orçamento anual e assegurar a respectiva execução;
c) Promover a arrecadação de receitas;
d) Autorizar a realização de despesas;
e) Praticar os actos de gestão do património;
f) Decidir da aplicação financeira das receitas;
g) Elaborar o relatório e contas de gerência;
h) Apreciar os projectos de intervenção que lhe sejam submetidos;
i) Acompanhar, avaliar e controlar a execução dos projectos financiados pelo FIA;
j) Zelar pela existência e funcionamento de um sistema de informação relativo à execução dos projectos financiados pelo FIA;
l) Elaborar os regulamentos necessários ao funcionamento do FIA;
m) Exercer as demais competências conferidas pelo presente decreto-lei.
3 - O subdirector exerce as competências que lhe sejam delegadas ou subdelegadas pelo director, competindo-lhe ainda substituir o director nas suas faltas e impedimentos.
Artigo 5.º
Fiscal único
1 - O FIA dispõe de um fiscal único, que é o órgão responsável pelo controlo da legalidade e da regularidade da sua gestão financeira e patrimonial.2 - O fiscal único é nomeado por despacho conjunto dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e do ambiente, para um mandato com a duração de três anos, no qual se fixará a respectiva remuneração.
3 - Compete ao fiscal único:
a) Emitir parecer sobre o relatório de actividades e a conta de gerência;
b) Acompanhar com regularidade a gestão através dos balancetes e mapas demonstrativos da execução orçamental;
c) Manter informado o director e os membros do Governo competentes sobre o resultado de verificações ou de exames a que proceda;
d) Propor a realização de auditorias externas quando as mesmas se revelem necessárias ou convenientes;
e) Pronunciar-se sobre qualquer outra matéria no domínio da gestão económica e financeira sempre que lhe seja solicitado pelos membros do Governo competentes ou pelo director do FIA.
4 - O fiscal único exerce as suas funções com independência técnica e funcional e no estrito respeito dos deveres de imparcialidade, isenção e sigilo sobre os factos de que tenha conhecimento no exercício ou por causa dessas funções.
Artigo 6.º
Receitas
1 - O FIA dispõe das seguintes receitas:a) As dotações que lhe sejam atribuídas pelo Orçamento do Estado;
b) O produto das taxas, contribuições ou impostos que lhe sejam afectos;
c) A parcela do produto das coimas que lhe seja afecta nos termos da lei;
d) O montante das indemnizações e compensações que lhe sejam devidas em virtude do financiamento de medidas ou acções de prevenção ou reparação de danos ou de perigos de danos ambientais, bem como as multas que lhe sejam afectas;
e) O reembolso dos montantes e despesas avançados, por intermédio do mecanismo da sub-rogação ou do direito de regresso;
f) Os rendimentos provenientes da aplicação financeira dos seus capitais;
g) Os rendimentos provenientes da alienação, oneração ou cedência temporária do seu património;
h) O produto das heranças, legados, doações ou contribuições mecenáticas que lhe sejam destinadas;
i) Quaisquer outras receitas que lhe venham a ser atribuídas ou consignadas por lei ou por negócio jurídico.
2 - Os saldos que vierem a ser apurados no fim de cada ano económico transitam para o ano seguinte, nos termos do decreto de execução orçamental em vigor.
Artigo 7.º
Despesas
1 - Constituem despesas do FIA as resultantes dos encargos e responsabilidades decorrentes da prossecução das suas actividades.2 - A remuneração do subdirector é integralmente suportada pelo orçamento do FIA.
Artigo 8.º
Gestão financeira
1 - Os serviços contabilísticos, orçamentais e de secretariado necessários ao funcionamento do FIA são prestados pela secretaria-geral do ministério responsável pela área do ambiente.2 - A gestão financeira do FIA realiza-se de acordo com os princípios e instrumentos de gestão aplicáveis aos fundos e serviços autónomos.
Artigo 9.º
Gestão técnica
1 - A gestão técnica do FIA é assegurada pelo subdirector, considerando-se nele delegadas as competências referidas nas alíneas a) e g) a j) do n.º 2 do artigo 4.º do presente decreto-lei.2 - A gestão técnica do FIA é realizada, na definição da planificação anual e plurianual da sua actividade e na selecção dos projectos a financiar, de acordo com a seguinte ordem decrescente de prioridades:
a) Prevenção, remoção e minimização de situações extremas para pessoas e bens;
b) Restabelecimento do funcionamento de infra-estruturas ambientais básicas;
c) Requalificação e valorização de componentes ambientais naturais e humanos;
d) Fomento de utilizações ambiental e economicamente equilibradas, racionais e sustentáveis de recursos naturais.
3 - O apoio técnico é prestado por trabalhadores em funções públicas, através de modalidade de mobilidade interna nos termos da lei, no âmbito dos serviços integrados no ministério responsável pela área do ambiente, sendo a sua remuneração integralmente suportada pelo orçamento do FIA.
Artigo 10.º
Financiamento de projectos e iniciativas
1 - São susceptíveis de ser objecto de financiamento os projectos apresentados por entidades públicas cuja execução se enquadre no âmbito da missão do FIA.
2 - O FIA suporta ainda os encargos do Estado decorrentes da aplicação do regime de responsabilidade ambiental, aprovado pelo Decreto-Lei 147/2008, de 29 de Julho.
3 - O FIA pode promover a apresentação de projectos pelas entidades referidas no n.º 1, elaborando e fornecendo às mesmas estudos preliminares técnicos e financeiros.
4 - Compete às entidades que solicitem o financiamento do FIA:
a) Identificar, examinar e diagnosticar os danos ambientais ocorridos ou iminentes;
b) Elaborar os projectos de prevenção ou reconstituição dos bens ambientais em causa a apreciar pelo FIA;
c) Aplicar os meios disponibilizados pelo FIA na prevenção dos danos ambientais, na reconstituição dos bens ambientais lesados ou no estabelecimento de situações ecologicamente equivalentes às preexistentes a qualquer evento danoso para o meio ambiente quando a reconstituição não se mostre praticável.
5 - O procedimento de apresentação e selecção de projectos consta do regulamento de gestão do FIA, aprovado por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e do ambiente.
6 - Nenhum projecto pode beneficiar de mais de 20 % das verbas anuais do FIA, excepto se devidamente autorizado por despacho do membro do Governo responsável pela área do ambiente.
Artigo 11.º
Disponibilização de financiamentos
1 - A disponibilização dos montantes correspondentes aos financiamentos aprovados pelo FIA deve ser preferencialmente realizada de forma faseada, à medida da execução dos projectos.2 - As regras de pagamento dos montantes de financiamento constam do regulamento de gestão do FIA.
Artigo 12.º
Execução e fiscalização dos projectos
1 - Os projectos financiados pelo FIA são executados nos termos, condições e prazos estabelecidos na decisão de financiamento.
2 - A execução de projectos em incumprimento do disposto no número anterior determina a imediata restituição integral dos montantes objecto de financiamento, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar, financeira, civil ou outra a que haja lugar.
3 - A execução dos projectos é fiscalizada pelo FIA, assegurando o cumprimento das condições que determinaram o financiamento bem como a eficácia e a eficiência das medidas adoptadas.
Artigo 13.º
Reembolso de financiamentos
1 - Os financiamentos atribuídos pelo FIA devem ser preferencialmente objecto de reembolso, devendo as condições de recuperação do investimento constar da decisão de financiamento.2 - Os financiamentos concedidos pelo FIA podem ser por este recuperados através da sua participação em receitas que sejam geradas em resultado da execução dos projectos, proporcionalmente ao seu investimento.
3 - Os montantes de financiamento podem ser objecto de remuneração.
4 - As regras de reembolso e remuneração dos montantes de financiamento constam do regulamento de gestão do FIA.
Artigo 14.º
Colaboração com outras entidades
O FIA pode requerer a todos os organismos públicos a colaboração e as informações que julgue necessárias à prossecução dos seus objectivos, nomeadamente na área técnico-pericial, podendo estabelecer convénios com outras entidades com o objectivo de melhor acompanhar os projectos de prevenção ou de reconstituição de bens ambientais.
Artigo 15.º
Alteração ao Decreto-Lei 207/2006, de 27 de Outubro
O n.º 3 do artigo 12.º do Decreto-Lei 207/2006, de 27 de Outubro, passa a ter a seguinte redacção:
«Artigo 12.º
[...]
1 - ...........................................................................2 - ...........................................................................
3 - A SG é dirigida por um secretário-geral, coadjuvado por dois secretários-gerais-adjuntos.»
Artigo 16.º
Alteração ao Decreto Regulamentar 52/2007, de 27 de Abril
O artigo 3.º e o n.º 2 do artigo 4.º do Decreto Regulamentar 52/2007, de 27 de Abril, passam a ter a seguinte redacção:
«Artigo 3.º
A SG é dirigida por um secretário-geral, coadjuvado por dois secretários-gerais-adjuntos.
Artigo 4.º
[...]
1 - ...........................................................................2 - Os secretários-gerais-adjuntos exercem as competências que o secretário-geral neles delegar ou subdelegar, sendo um deles exclusivamente afecto às tarefas respeitantes à direcção do Fundo de Intervenção Ambiental e de outros fundos cuja administração esteja confiada à Secretaria-Geral.»
Artigo 17.º
Entrada em vigor
O presente decreto-lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 5 de Junho de 2008. - José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa - Fernando Teixeira dos Santos - Francisco Carlos da Graça Nunes Correia.
Promulgado em 16 de Julho de 2008.
Publique-se.O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Referendado em 18 de Julho de 2008.
O Primeiro-Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.