Decreto Legislativo Regional 31/2008/A
Regime jurídico que fixa as bases gerais do desenvolvimento rural
A análise da evolução dos principais indicadores que caracterizam o sector agro-florestal dos Açores, nos últimos 10 anos, revela a ocorrência de uma melhoria estrutural, com efeitos claros sobre as condições de produção a par de uma melhor eficácia económica do sector na sua contribuição para o desenvolvimento da Região.
O reforço do ordenamento agrário consumado através de melhores acessibilidades, electrificação e abastecimento de água às explorações agrícolas permitiu melhorar os indicadores de rentabilidade dessas explorações.
Considerando o significativo investimento público e privado afecto à modernização das agro-indústrias regionais, que permitiu dotar a Região de um parque industrial moderno e de qualidade;
Considerando que o papel desempenhado pelos produtores açorianos, especialmente ao longo da última década, conduziu a uma significativa adaptação estrutural e ao aumento da produtividade das suas explorações, a par das opções tomadas pelos VII, VIII e IX Governos Regionais, que canalizaram, para o efeito, os recursos financeiros indispensáveis;
Considerando ainda, e em simultâneo, o investimento privado, da responsabilidade dos produtores açorianos, na modernização das suas explorações e na garantia de melhores níveis de produção, para o qual muito têm contribuído as medidas de apoio existentes;
A evolução registada no sector permite que todos os agentes envolvidos se posicionem doutra forma perante as alterações da política agrícola comum, cuja orientação se destina mais à qualidade que à quantidade.
Considerando que a Lei 86/95, de 1 de Setembro, que dispõe sobre as bases do desenvolvimento agrário, carece de desenvolvimento que estabeleça um regime jurídico em que assente o desenvolvimento rural na Região Autónoma dos Açores, atendendo às suas especificidades;
Considerando que a orientação agrícola contida no Decreto Legislativo Regional 7/86/A, de 25 de Fevereiro, alterado pelos Decretos Legislativos Regionais n.os 28/86/A, de 25 de Novembro, e 11/89/A, de 27 de Julho, reflecte uma realidade sócio-económica e estrutural substancialmente diferente da actual, há que proceder à sua revogação criando novo regime jurídico que enquadre e reflicta a actual realidade.
Considerando que se impõe um novo e moderno enquadramento jurídico do sector agrícola, capaz de contribuir para enfrentar os novos desafios, em articulação com todos os interesses presentes, atendendo designadamente ao regime jurídico do ordenamento do território existente:
Assim, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, a Assembleia Legislativa, decreta o seguinte:
CAPÍTULO I
Orientações para o desenvolvimento rural
SECÇÃO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Objecto
O presente diploma estabelece o regime jurídico em que deve assentar o desenvolvimento sustentável do meio rural na Região Autónoma dos Açores.
Artigo 2.º
Objectivos do desenvolvimento rural
Na aplicação do presente diploma deverá ser prosseguido um conjunto de objectivos estratégicos indispensáveis ao desenvolvimento rural na Região, designadamente:a) Reforçar o rendimento, a produtividade e a competitividade das explorações agro-florestais, através do apoio à reestruturação, ao desenvolvimento e à inovação;
b) Reduzir os custos de produção das explorações agro-florestais, promovendo a sua adaptação agro-ambiental;
c) Reforçar as condições de interactividade entre as vertentes da produção, transformação e comercialização;
d) Promover e preservar a qualidade de vida e os equilíbrios sócio-económicos das zonas rurais, potenciando melhores condições de vida e de trabalho e formação profissional dos empresários e trabalhadores agrícolas e florestais;
e) Incentivar produções agrícolas alternativas e promover a diversificação das actividades económicas nas zonas rurais;
f) Incentivar e apoiar a adopção de medidas específicas de protecção e beneficiação do património florestal.
Artigo 3.º
Definições
Para efeitos do presente diploma considera-se:a) «Desenvolvimento rural» - conjunto de actividades ou iniciativas desenvolvidas em espaço rural que visem a promoção da competitividade das empresas e dos territórios de forma ambientalmente sustentável e socialmente estável e atractiva;
b) «Agricultor» - pessoa singular ou colectiva ou grupo de pessoas singulares ou colectivas, qualquer que seja o estatuto jurídico que o direito nacional confira ao grupo e aos seus membros e que se dediquem à actividade agrícola para fins comerciais;
c) «Exploração» - conjunto de unidades de produção geridas por um agricultor situadas na Região;
d) «Unidade de produção» - conjunto de parcelas contínuas ou não, que constituem uma unidade técnico-económica, caracterizada pela utilização em comum dos meios de produção, submetida a uma gestão única;
e) «Reserva Agrícola Regional» - constituída por conjunto de solos de elevada aptidão agrícola, que foram ou possam vir a ser objecto de estudo para a realização de importantes investimentos, tendo em vista o aumento da sua produtividade e o melhor aproveitamento do seu potencial vocacional, na perspectiva de uma agricultura moderna, racional e sustentável.
SECÇÃO II
Do empresário agrícola e das suas organizações
Artigo 4.º
Objectivo
As políticas agrícolas terão como objectivo primeiro a valorização do empresário agrícola e da sua actividade, como pilar estruturante do desenvolvimento rural, e das organizações agrícolas, como pressupostos do desenvolvimento da agricultura.
Artigo 5.º
Habilitação profissional
As políticas agrícolas promoverão a formação profissional e acções de informação, incluindo a divulgação de conhecimentos científicos e práticas inovadoras, nos sectores agro-alimentar e florestal.
Artigo 6.º
Rejuvenescimento dos activos agrícolas
As políticas agrícolas promoverão a instalação de jovens agricultores, como forma privilegiada de revitalização e rejuvenescimento dos activos agrícolas e implementação de medidas incentivadoras à reforma antecipada dos agricultores e trabalhadores agrícolas.
Serviços de aconselhamento agrícola
As políticas agrícolas incentivarão a criação e utilização de serviços de aconselhamento, apoio e gestão agrícola e florestal aos agricultores.
Artigo 8.º
Protecção social
O sistema de protecção social dos trabalhadores rurais é regulado por diploma próprio.
Artigo 9.º
Organizações agrícolas
O Governo Regional incentivará todas as formas de agrupamento e associativismo agrícola que, numa perspectiva sócio-económica e profissional, promovam os objectivos consagrados no presente decreto, no respeito integral pelas vocações próprias que os norteiam.
Artigo 10.º
Acordos de colaboração
O Governo Regional poderá celebrar protocolos de colaboração com agrupamentos de produtores e organizações de carácter agro-florestal, no âmbito das atribuições que lhes são próprias, possibilitando o desempenho de funções que estejam cometidas à Região.
Artigo 11.º
Acordos interprofissionais
O Governo Regional poderá incentivar, reconhecer e apoiar acordos interprofissionais como instrumento de concertação de interesses entre a produção, a transformação e a comercialização no âmbito das actividades agro-florestais.
Artigo 12.º
Acompanhamento e avaliação
O departamento do Governo Regional com competência em matéria agro-florestal deve acompanhar e avaliar a aplicação dos recursos públicos postos à disposição das organizações de produtores e das de carácter agro-florestal.
SECÇÃO III
Dos recursos naturais
Artigo 13.º
Princípios gerais
1 - O desenvolvimento sustentado dos sistemas produtivos agrícolas depende da salvaguarda da capacidade produtiva dos solos, da disponibilidade e qualidade dos recursos hídricos e da conservação da biodiversidade associada à fauna e à flora.2 - Os métodos de produção agro-florestal utilizados devem ser compatíveis com uma utilização económica e ecologicamente racional dos recursos naturais que lhe servem de suporte, bem como assegurar o cumprimento de todos os princípios e regras inerentes às boas práticas agrícolas e ambientais.
Artigo 14.º
Património florestal
1 - O desenvolvimento rural sustentável deverá atender à conservação e valorização do património florestal regional como bem essencial ao ordenamento do território e da paisagem.2 - Considerando a sua especificidade, a política florestal regional é objecto de regulamentação específica, atendendo à necessidade de compatibilizar as diferentes funções da floresta com a necessidade de protecção ambiental e a sua complementaridade nos sistemas agro-florestais.
SECÇÃO IV
Dos mercados agrícolas
Organização dos mercados agrícolas
O funcionamento dos mercados agrícolas rege-se pelas regras gerais da economia de mercado, sem prejuízo da legislação e dos mecanismos de regularização previstos nas respectivas organizações comuns de mercado e das medidas estruturais de apoio à melhoria da fluidez e da transparência dos circuitos de comercialização.
Artigo 16.º
Valorização comercial dos produtos
1 - Em cada fileira agro-florestal deverá prosseguir-se uma política no sentido da valorização comercial dos produtos agrícolas, através do apoio à modernização das estruturas de transformação e comercialização e a acções promocionais visando a acreditação dos produtos alimentares junto do consumidor.2 - O Governo Regional poderá afectar recursos a programas de promoção agro-florestal, com o objectivo da promoção da qualidade e da imagem dos produtos dos Açores.
Artigo 17.º
Parcerias comerciais
No âmbito das parcerias comerciais o Governo Regional poderá:a) Incentivar as parcerias de raiz cooperativa bem como estratégias empresariais integradas;
b) Incentivar o estabelecimento de parcerias no âmbito dos planos de marketing e respectivos circuitos de comercialização;
c) Apoiar a celebração de acordos interprofissionais, visando a orientação da produção agrícola para o mercado, designadamente pela melhoria da qualidade, pela promoção comercial e pela inovação.
Artigo 18.º
Qualidade alimentar
1 - O Governo Regional deverá centrar a sua actuação numa aposta virada para o reforço da qualidade, salvaguardando os valores culturais associados à produção.2 - A qualidade dos produtos alimentares revela-se como uma opção estratégica essencial ao desenvolvimento agro-florestal e à melhoria dos rendimentos no sector, através do seu controlo, promoção e qualificação.
3 - Na prossecução do disposto nos números anteriores, o Governo Regional deverá:
a) Incentivar a promoção e certificação de produtos como forma de reforçar os mecanismos de valorização da qualidade;
b) Fomentar o desenvolvimento da produção de produtos agrícolas segundo métodos tradicionais ou biológicos.
Artigo 19.º
Defesa da saúde pública
A defesa da saúde pública no domínio alimentar será prosseguida pelo rigoroso controlo da observância da regulamentação específica relativa às práticas de produção e transformação dos produtos agro-florestais.
SECÇÃO V
Modernização das estruturas agrícolas
Artigo 20.º
Objectivo
1 - O objectivo da política de modernização das estruturas agrícolas deverá ser alcançado pelo incentivo ao investimento na modernização e racionalização infra-estrutural e tecnológica e bem assim pelo reforço da formação e do conhecimento.2 - As acções a desenvolver são as que derivam da aplicação à Região da regulamentação comunitária, bem como das medidas regionais subsidiárias e que sejam compatíveis com o direito comunitário.
Artigo 21.º
Apoios à modernização agrícola
1 - As políticas de modernização e racionalização das estruturas traduzem-se, fundamentalmente, na concessão de incentivos a empresas agrícolas, agro-industriais e agro-comerciais e à criação de infra-estruturas colectivas.2 - A modernização contínua das estruturas de transformação e comercialização será orientada para a melhoria da competitividade dos produtos, privilegiando a concentração dentro de cada fileira agro-florestal, atendendo à importância do factor qualidade, à inovação e à protecção ambiental.
CAPÍTULO II
Ordenamento agrário
Artigo 22.º
Ordenamento agrário
O ordenamento agrário na Região integrará um conjunto de acções tendentes a aumentar a área dos prédios e das explorações agrícolas, articuladas com a promoção do aproveitamento racional dos recursos naturais, a salvaguarda da sua capacidade de renovação e a manutenção da estabilidade ecológica, bem como acções tendentes à infra-estruturação ao nível das acessibilidades, electrificação e abastecimento de água.
Artigo 23.º
Acções
1 - Constituem acções de ordenamento agrário:a) As acções de emparcelamento;
b) A infra-estruturação ao nível das acessibilidades, electrificação e abastecimento de água;
c) As medidas de incentivo à aquisição de terras e de fomento do rejuvenescimento de tecido empresarial agrícola;
d) A existência de um regime jurídico dissuasor do fraccionamento de prédios rústicos, quando dele resultarem unidades de área inferior à unidade de cultura mínima;
e) A existência de reservas de terras.
2 - O emparcelamento e as medidas de incentivo à aquisição de terras são objecto de diploma próprio.
CAPÍTULO III
Regimes específicos
Artigo 24.º
Arrendamento rural
1 - O regime de arrendamento rural deve garantir ao proprietário a rentabilidade do capital fundiário e assegurar ao rendeiro a estabilidade necessária ao exercício da actividade agrícola.2 - O regime de arrendamento rural na Região é objecto de legislação específica.
Artigo 25.º
Arrendamento de baldios
O regime jurídico do arrendamento de baldios e da prestação de serviços de pastoreio na Região é objecto de diploma próprio.
Artigo 26.º
Reserva Agrícola Regional
O regime jurídico da Reserva Agrícola Regional é objecto de legislação específica.
Artigo 27.º
Incentivos ao sector
O Governo Regional promoverá a regulamentação necessária ao estabelecimento de incentivos específicos ao sector, nomeadamente no que respeita ao regime de instalação de jovens agricultores, às organizações de agricultores e às acções que visem ganhos de produtividade e acréscimos de competitividade.
Artigo 28.º
Norma revogatória
São revogados:a) O Decreto Legislativo Regional 7/86/A, de 25 de Fevereiro;
b) O Decreto Legislativo Regional 28/86/A, de 25 de Novembro;
c) O Decreto Legislativo Regional 11/89/A, de 27 de Julho.
Artigo 29.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.Aprovado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, na Horta, em 19 de Junho de 2008.
O Presidente da Assembleia Legislativa, Fernando Manuel Machado Menezes.
Assinado em Angra do Heroísmo em 16 de Julho de 2008.
Publique-se.
O Representante da República para a Região Autónoma dos Açores, José António Mesquita.