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Acórdão 356/2005/T, de 20 de Outubro

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Texto do documento

Acórdão 356/2005/T. Const. - Processo 535/2003. - Acordam no Tribunal Constitucional:

O Ministério Público recorre para este Tribunal ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro (LTC), da decisão proferida no 2.º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa nos autos de processo comum em que é arguido João Paulo Figueiredo Gaspar. Nessa decisão o referido Tribunal recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, da norma decorrente dos artigos 339.º, n.º 4, e 358.º, n.º 3, ambos introduzidos pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, quando interpretada no sentido de que é admissível qualquer alteração desfavorável da qualificação jurídica da acusação na audiência de julgamento que implique o agravamento da moldura penal do crime ou dos crimes imputados ao arguido ou a imputação de novos crimes com base em mera comunicação prévia da alteração ao arguido pelo tribunal e, quando requerido, a concessão de tempo de defesa.

Notificado para o efeito, o Ministério Público apresentou alegações, concluindo:

"1 - A norma que decorre das disposições dos artigos 338.º, n.º 4, e 358.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, concilia a liberdade concedida ao tribunal do julgamento a uma correcta subsunção jurídica dos factos que constam da acusação, com o exercício das garantias de defesa do arguido, que é previamente prevenido da nova qualificação, podendo, querendo, contestá-la e contraditá-la.

2 - Mesmo que possa resultar da nova qualificação jurídica uma condenação criminal mais grave, não há violação de normas ou princípios constitucionais, sempre que os factos que constavam da acusação permaneçam os mesmos, só se alterando a sua integração jurídica penal.

3 - Termos em que deverá a plena conformidade constitucional da norma cuja aplicação foi recusada."

Em contra-alegações o recorrido defendeu a manutenção do decidido.

A decisão recorrida apresenta a seguinte fundamentação:

"O arguido cometeu os ilícitos de que vem acusado na acusação na sua versão inicial.

Com efeito, o arguido injuriou os polícias com os palavrões que lhes dirigiu, sabendo que se tratava de polícias. Depois empurrou-os, pondo em causa a integridade física dos mesmos. Não contente com isto, após lhe ter sido dada voz de detenção, o arguido resistiu à detenção, fugindo e empurrando novamente os polícias. Como é bom de ver, os empurrões antes e depois da voz de detenção têm um significado jurídico distinto, que justifica a imputação diferenciada do crime de ofensas corporais qualificadas em relação aos empurrões anteriores à voz de detenção e do crime de coacção em relação aos empurrões posteriores à voz de detenção.

O arguido cometeu até mais crimes do que aqueles que lhe foram formalmente imputados na acusação na sua versão inicial.

Contudo, destes outros crimes novos, cujo conhecimento o MP pediu na audiência de julgamento, não pode o Tribunal conhecer.

Os presentes autos colocam uma questão magna do direito processual português, que implica o conhecimento da inconstitucionalidade da norma decorrente dos artigos 339.º, n.º 4, e 358.º, n.º 3, ambos introduzidos pela Lei 59/98, de 25 de Agosto. Esta questão concreta não foi ainda objecto da decisão do Tribunal Constitucional nem do Supremo Tribunal de Justiça, sendo certo que as anteriores pronúncias destes tribunais sobre a questão da alteração da qualificação jurídica dos factos da acusação dizem respeito ao Código de Processo Penal (CPP) na versão de 1987 e de 1995.

A norma, que se retira dos artigos 339.º, n.º 4, e 358.º, n.º 3, do CPP, consiste na liberdade de alterar a qualificação jurídica da acusação, desde que essa alteração seja previamente comunicada na audiência ao arguido e lhe seja concedido tempo para defesa, quando requerido.

Esta norma foi já considerada inconstitucional, ponderando o Prof. Germano Marques da Silva que só observaria o estalão constitucional o preceito segundo o qual a alteração da qualificação jurídica dos factos da acusação na fase da audiência de julgamento que implicasse a condenação em crime diverso ou o aumento dos limites máximos da pena aplicável fosse equiparada a uma alteração substancial dos factos, devendo por isso a alteração da qualificação jurídica na fase da audiência de julgamento que implicasse a condenação em crime diverso ou o aumento dos limites máximos da pena aplicável ser submetida ao regime do artigo 359.º do CPP e ficando reservada para o regime do artigo 358.º, n.º 3, do CPP apenas a alteração da qualificação jurídica na fase da audiência de julgamento que não implicasse a condenação em crime diverso ou o aumento dos limites máximos da pena aplicável (Marques da Silva, Do Processo Penal Preliminar, 1990, pp. 305 e 362, 'O Direito de Defesa em Processo Penal', in Direito e Justiça, 1999, p. 288, e, expressamente sobre a inconstitucionalidade do artigo 358.º, n.º 3, do CPP, Curso de Processo Penal, vol. III, 2000, pp. 278, 279 e 283).

Esta tese não está isolada, tendo agora recebido o apoio do Prof. Damião da Cunha, que entende que só respeita o crivo constitucional a alteração da qualificação jurídica da acusação que seja favorável ao arguido, sendo inconstitucional qualquer entendimento do artigo 358.º, n.º 3, do CPP que permita a imputação de um ou mais crimes novos ou o agravamento dos limites máximos do crime imputado ao arguido na acusação (Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial, Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção num Processo de Estrutura Acusatória, 2002, pp. 233, 234, 445,446 e 450).

A bem do esclarecimento desta questão magna do direito processual português, este Tribunal vai acompanhar a posição crítica destes autores e submeter ao Tribunal Constitucional a questão.

Assim, o Tribunal não vai julgar procedente a acusação com a alteração nela introduzida na audiência de julgamento pelo Ministério Público, com base na inconstitucionalidade da norma decorrente dos artigos 339.º, n.º 4, e 358.º, n.º 3, do CPP, na redacção da Lei 59/98, de 25 de Agosto, quando interpretada no sentido de permitir o conhecimento daqueles novos crimes referidos na douta promoção do Ministério Público em audiência de julgamento, e, consequentemente, o Tribunal vai apenas julgar procedente e condenar o arguido pelos crimes imputados na acusação na sua versão inicial.

[...]

Pelo exposto, declaro a inconstitucionalidade da norma decorrente dos artigos 339.º, n.º 4, e 358.º, n.º 3, ambos introduzidos pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, quando interpretada no sentido de que é admissível qualquer alteração desfavorável da qualificação jurídica da acusação na audiência de julgamento que implique o agravamento da moldura penal do crime ou dos crimes imputados ao arguido ou a imputação de novos crimes com base na mera comunicação prévia da alteração ao arguido pelo tribunal e, quando requerido, a concessão de tempo de defesa, e, em consequência, julgo improcedente a acusação com a alteração nela introduzida na audiência de julgamento pelo MP no que tocante a um crime de injúrias qualificadas e a um crime de ofensas corporais qualificadas.

Mais julgo procedente a acusação na sua versão inicial e condeno o arguido João Paulo pelo crime de injúrias agravadas previsto e punido pelos artigos 181.º, 184.º e 132.º, n.º 2, alínea j), do Código Penal (CP), na pena de 2 meses de prisão, pelo crime de ofensas corporais qualificadas, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, 146.º e 132.º, n.º 2, alínea j), do CP, na pena de 3 meses de prisão e pelo crime de resistência a funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.º do CP, na pena de 4 meses de prisão.

Em cúmulo destas penas, condeno o arguido em 6 meses de prisão, que converto na pena de 180 dias de multa, à razão de Euro 3 por dia."

Saliente-se que, conforme consta da acta de fl. 131 a fl.132, durante a audiência de discussão e julgamento o Ministério Público disse verificar que os factos descritos na acusação consubstanciavam a prática pelo arguido de dois crimes de injúrias agravadas, dois crimes de ofensas à integridade física qualificada e de um crime de resistência a funcionário, tendo requerido que se considerasse alterada a acusação nestes termos. A defensora do arguido referiu nada ter a opor à consideração da nova qualificação jurídica da acusação, prescindindo de prazo para a defesa.

Em seguida, o juiz proferiu o seguinte despacho:

"O Tribunal ponderará em sede de julgamento a nova qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, em alternativa à anterior qualificação jurídica."

A questão da alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação ou da defesa foi objecto de pronúncia pelo Tribunal Constitucional, antes das alterações introduzidas no CPP pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, a propósito, designadamente, da doutrina fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no Assento 2/93, segundo a qual "não constitui alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica (ou convolação), ainda que se traduza na submissão de tais factos a uma figura criminal mais grave".

No seguimento de várias decisões de inconstitucionalidade, o Acórdão 445/97, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 5 de Agosto de 1997, declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, "por violação do princípio constante do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, a norma ínsita na alínea f) do n.º 1 do artigo 1.º do CPP, em conjugação com os artigos 120.º, 284.º, n.º 1, 303.º, n.º 3, 309.º, n.º 2, 359.º, n.os 1 e 2, e 379.º, alínea b), do mesmo Código, quando interpretada, nos termos constantes do acórdão lavrado pelo Supremo Tribunal de Justiça em 27 de Janeiro de 1993 e publicado, sob a designação de Assento 2/93, na 1.ª série-A do Diário da República de 10 de Março de 1993 - aresto esse entretanto revogado pelo Acórdão 279/95 do Tribunal Constitucional -, no sentido de não constituir alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica, mas tão-somente na medida em que, conduzindo a diferente qualificação jurídica dos factos à condenação do arguido em pena mais grave, não se prevê que este seja prevenido da nova qualificação e se lhe dê, quanto a ela, oportunidade de defesa".

Neste mesmo acórdão, o Tribunal ponderou:

"Como tem sido enfatizado pelas doutrina e jurisprudência constitucionais, as 'garantias de defesa não podem deixar de incluir a possibilidade de contrariar ou contestar todos os elementos carreados pela acusação' (palavras do Acórdão 54/87 deste Tribunal, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 17 de Março de 1987), sendo um dos significados jurídico-constitucionais do princípio do contraditório 'o direito de o arguido [...] se pronunciar e contraditar [...] argumentos jurídicos trazidos ao processo' (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., p. 206).

Pois bem:

Sendo facilmente admissível perante a realidade das coisas que diferente pode ser a estratégia da defesa consoante a qualificação jurídico-criminal dos factos cujo cometimento é imputado ao arguido, há-de reconhecer-se que - independentemente da liberdade que deve ser concedida ao tribunal do julgamento para proceder a uma correcta subsunção jurídica - uma alteração da qualificação que foi acolhida na acusação ou na pronúncia pode vir a ter, e até por vezes acentuadamente, repercussão nos objectivos pelos quais aquela estratégia foi delineada.

Para obstar a um tal inconveniente não é forçoso que a porventura incorrecta qualificação jurídico-penal levada a efeito na acusação ou na pronúncia venha a subsistir na decisão do julgamento. Bastará que a perspectiva assumida pelo tribunal do julgamento seja transmitida ao arguido e lhe seja dada oportunidade de, quanto a ela e caso o deseje, se defender."

E no Acórdão 518/98, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 11 de Novembro de 1998, foi fixado o sentido e alcance daquela declaração de inconstitucionalidade, afirmando-se:

"O sentido e alcance da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do mencionado Acórdão 445/97, é, pois, o seguinte: o tribunal que proceda a uma diferente qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, que importe a condenação do arguido em pena mais grave, antes de a ela proceder, deve prevenir o arguido da tal possibilidade, dando-lhe, quanto a ela, oportunidade de defesa."

O aditamento do n.º 3 ao artigo 358.º do CPP efectuado pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, veio expressamente impor, no seguimento daquela jurisprudência, a audição do arguido quando o tribunal altera a qualificação dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.

No caso concreto em análise, foi comunicada ao arguido a alteração da qualificação jurídica e foi-lhe dada oportunidade para dela se defen der. Assim, seguindo o entendimento perfilhado nos citados arestos, conclui-se que não foram postas em causa as garantias de defesa e que nenhuma norma ou princípio constitucional se mostra violado pelas normas em causa.

Pelo exposto, decide-se dar provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformulada em conformidade com o juízo de não inconstitucionalidade agora formulado.

Lisboa, 6 de Julho de 2005. - Carlos Pamplona de Oliveira - Maria João Antunes - Rui Manuel Moura Ramos - Maria Helena Brito - Artur Maurício.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2346279.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1987-03-17 - Acórdão 54/87 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 2 do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 437/75, de 16 de Agosto, na parte em que estabelece a ordem de intervenção do extraditando e do Ministério Público para alegações, por violação dos n.os 1 e 5 do artigo 32.º da Constituição.

  • Tem documento Em vigor 1997-08-05 - Acórdão 445/97 - Tribunal Constitucional

    Declara inconstitucional, com força obrigatória geral - por violação do príncipio constante do n.º 1 do artigo 32º da Constituição (Garantias de Defesa no processo criminal) -, a norma ínsita na alínea f) do n.º 1 do artigo 1º do Código de Processo Penal - Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro -, em conjugação com os artigos 120º, 284º, n.º 1, 303º, n.º 3, 309º, n.º 2, 359º, n.ºs 1 e 2, e 379º, alínea b), do mesmo Código, quando interpretada, nos termos constantes do Acórdão lavrado pelo S (...)

  • Tem documento Em vigor 1998-08-25 - Lei 59/98 - Assembleia da República

    Altera o Código do Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 78/87 de 17 de Fevereiro, na redacção introduzida pelos Decretos-Leis 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho e 317/95, de 28 de Novembro. Republicado na integra, o referido código, com as alterações resultantes deste diploma.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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