Resolução do Conselho de Ministros
1. A empresa António Xavier de Lima dirigia essencialmente a sua actividade à especulação imobiliária que tinha como vítimas directas os detentores de pequenas poupanças e, nomeadamente, os emigrantes. Esta actuação, possível e facilitada pela estrutura política, económica e social vigente antes de 25 de Abril de 1974, não encontrou condições propícias à sua continuidade dentro da situação revolucionária que vivemos. Em consequência disso, a situação da empresa foi-se deteriorando progressivamente, assim como as relações entre os trabalhadores e a entidade patronal, ao mesmo tempo que se tornava insustentável o seu funcionamento nos moldes em que tradicionalmente vinha operando, recorrendo a meios claramente lesivos de interesses colectivos.
2. Para além dos compradores e promitentes-compradores de imóveis, foram igualmente vítimas da actuação da empresa os seus trabalhadores, que procuram agora legitimamente assegurar a continuidade de trabalho como empregados, trabalhadores da construção e trabalhadores agrícolas, os quais, na sua grande maioria, em nada contribuíram para a actividade da especulação desenvolvida.
Por outro lado, foi igualmente vítima da actuação de urbanizadores marginais, de que Xavier de Lima é, sem dúvida, o caso mais espectacular pela extensão da área metropolitana que afectou, a Administração - central e, sobretudo, a local - como representante dos interesses das populações. Na verdade, da actividade da empresa resultou o alastramento incontrolado da construção e loteamento clandestinos, sobretudo na área da península de Setúbal.
3. Em face desta situação, tendo chegado ao conhecimento do Governo que a empresa António Xavier de Lima se não encontrava a funcionar em termos de contribuir normalmente para o desenvolvimento económico do País e para a satisfação dos interesses superiores da colectividade nacional, foi nomeada, ao abrigo do Decreto-Lei 660/74, de 25 de Novembro, por despacho conjunto dos Secretários de Estado da Habitação e Urbanismo, do Orçamento e do Trabalho, uma comissão de inquérito com vista a avaliar da real situação da empresa.
4. No relatório apresentado pela comissão de inquérito, em 1 de Março de 1975, conclui-se que o procedimento irregular da empresa, ao longo da sua existência, com desprezo pelo cumprimento das mais elementares disposições legais vigentes - algumas vezes implicando responsabilidade criminal face ao disposto no artigo 30.º do Decreto-Lei 289/73, de 6 de Junho - e da própria ética comercial, as diversas anomalias detectadas, a actuação deliberadamente dolosa para com clientes e terceiros, a ausência de um mínimo de estruturas administrativas, financeiras e técnicas, agravada pela dimensão da sua actividade empresarial, o incumprimento reiterado das suas obrigações fiscais e outras de carácter legal, sugeriam a necessidade de se pensar numa intervenção estatal, em termos a definir cuidadosamente.
5. É preciso, antes de mais, ter em conta que uma empresa com as características de António Xavier de Lima não justificaria uma intervenção do Estado e deveria antes resolver-se num processo de liquidação.
Considerando, todavia, a natureza e a dimensão dos interesses envolvidos e a possibilidade de conseguir novos postos de trabalho, a solução mais adequada será, por conseguinte, responsabilizar o empresário até às últimas consequências jurídicas e económicas pelo passivo criado e irregularidades praticadas e, simultaneamente, assegurar a gestão do património disponível no sentido de reduzir os prejuízos causados à colectividade - ecológicos e económicos e, ainda, aos promitentes-compradores na medida do aceitável e da sua colaboração numa gestão urbanística correcta, ou seja, da reconversão ainda possível do uso do território.
A intervenção na empresa Xavier de Lima tem, pois, e necessariamente, de ter presente a prioridade do interesse público, ao qual se tem de conformar, nos limites convenientes, os interesses particulares em causa.
6. Em ordem a estes objectivos a intervenção imediata que, ao abrigo do Decreto-Lei 660/74, de 25 de Novembro, e do Decreto-Lei 222-B/75, de 12 de Maio, se determina terá carácter transitório - visando o acabamento das obras irreversíveis, a manutenção de culturas, a satisfação de compromissos inadiáveis com alguns credores-fornecedores, a realização de receita pelos bens e serviços produzidos - e preparatório do destino futuro do património fundiário e outros bens, actuação de acordo com a política definida para com as áreas ilegalmente loteadas, esclarecimento e regularização dos negócios entre proprietários rústicos e loteador e entre loteador e compradores, determinação das obrigações destes para com a Administração, estabelecimento de acordos e soluções de compromisso em ordem à resolução de conflitos irremovíveis no seu estado actual.
7. Para concretizar as medidas necessárias à execução dos objectivos enunciados é nomeada uma comissão administrativa para gerir a empresa António Xavier de Lima, e que terá a seguinte composição:
Três representantes do Governo, um a designar por despacho do Secretário de Estado das Finanças, um por despacho do Secretário de Estado da Habitação e Urbanismo e um terceiro a designar por despacho do Secretário de Estado da Estruturação Agrária;
António Francisco Ruivo do Monte e Miguel Augusto Lebre Gonçalves, como representantes dos trabalhadores da empresa.
8. Na sua actuação, a comissão administrativa procurará assegurar a efectivação dos objectivos referidos no n.º 6 - não podendo a sua gestão orientar-se no sentido de visar a expansão patrimonial ou de actuação da empresa - e estudar e propor os termos possíveis da sua reconversão. Entretanto, pela realização imediata das disponibilidades financeiras possíveis, procurará obter os meios necessários ao relançamento das actividades da empresa dentro dos parâmetros atrás definidos, sem, no entanto, agravar de qualquer forma o passivo de ilegalização urbanística a que a empresa já deu origem.
9. Confirmando e alargando a resolução deste Conselho de 19 de Fevereiro de 1975, determina-se, ao abrigo do artigo 8.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 222-B/75, de 12 de Maio, o congelamento de contas bancárias e a proibição de alienação ou oneração de quaisquer bens móveis ou imóveis de:
a) António Xavier de Lima, proprietário, casado, no regime de comunhão de adquiridos, morador na Avenida de 22 de Dezembro, 25, 10.º, em Setúbal;
b) E de sua mulher, Maria de Fátima Pires Ferreira de Lima, chefe de secção, com a mesma morada.
Presidência do Conselho de Ministros, 20 de Maio de 1975. - O Primeiro-Ministro, Vasco dos Santos Gonçalves.