I - O Banco Mais, S. A., intentou, no dia 26 de Julho de 2006, na 5.ª Vara Cível de Lisboa, 2.ª Secção, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Paulo Joaquim Ventura do Nascimento, residente em Olhão, pedindo a sua condenação no pagamento de (euro) 19 567,62 e juros vincendos e imposto do selo sobre os juros, com fundamento na omissão de pagamento das prestações derivadas de um contrato de mútuo, celebrado no dia 5 de Dezembro de 2005, com vista à aquisição de um veículo automóvel.
O réu, em contestação, invocou a incompetência territorial do tribunal, com fundamento no desconhecimento, ao assinar o contrato, do foro convencional e a sua falta de consciência da celebração do contrato por virtude de doença, e requereu, por isso, a sua anulação.
O autor, na réplica, afirmou estar validamente convencionado para as questões emergentes do contrato o foro da comarca de Lisboa e desconhecer a doença invocada pelo réu.
O juiz, por despacho proferido no termo dos articulados, no dia 19 de Janeiro de 2007, aplicou a lei de processo vigente ao tempo da instauração da acção, julgou verificada a invalidade do pacto de competência, declarou o tribunal incompetente para o conhecimento da acção, afirmou ser competente para o efeito o Tribunal da Comarca de Olhão e ordenou a remessa do processo àquele Tribunal.
Agravou do mencionado despacho o autor, e a Relação, por Acórdão proferido no dia 26 de Abril de 2007, negou provimento ao recurso.
Interpôs o agravante recurso de agravo para este Tribunal, invocando estar aquele acórdão em oposição com outro da mesma Relação sobre a mesma questão fundamental de direito, e formulou, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
O acórdão recorrido, ao aplicar à acção o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 110.º do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 14/2006, de 26 de Abril, apesar de as partes haverem escolhido um foro convencional ao abrigo do disposto no artigo 100.º, n.os 1 a 4, do Código de Processo Civil, violou o disposto nos artigos 5.º e 12.º, n.os 1 e 2, do Código Civil;
Ao não considerar válida e eficaz a escolha do foro convencional constante do contrato, atenta a data da sua celebração e o disposto no artigo 100.º, n.os 1 a 4, do Código de Processo Civil, e o que então se dispunha no artigo 110.º do mesmo normativo legal, maxime na alínea a) do seu n.º 1, o acórdão incorreu na inconstitucionalidade, por violação dos princípios da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade, da não retroactividade, consignados no artigo 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição e dos princípios da segurança jurídica e da confiança, ambos corolários do princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição;
Deve ser revogado e substituído por outro que reconheça a competência territorial da 5.ª Vara Cível de Lisboa, 2.ª Secção, para conhecer da acção.
O Presidente deste Tribunal determinou o julgamento alargado do recurso e o Ministério Público foi de parecer que o conflito fosse resolvido no sentido de que «a nova redacção dos artigos 74.º, n.º 1, e 110.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, operada pelo artigo 1.º da Lei 14/2006, de 26 de Abril, aplica-se a todas as acções interpostas após a sua entrada em vigor, independentemente de nos contratos que constituem o seu objecto ter sido clausulada convenção de foro».
II - É a seguinte a dinâmica processual que releva no recurso:
1 - O documento encimado pela expressão «contrato de mútuo», subscrito no dia 5 de Dezembro de 2005, por representantes do autor e pelo réu, aquele na posição de mutuante e este na posição de mutuário, refere-se ao montante de (euro) 12 500, financiamento da aquisição do veículo automóvel com a matrícula n.º 01-81-XO, fornecido por Luís & Viegas, Lda.
2 - No n.º 16 do instrumento mencionado no n.º 1, sob a epígrafe «Foro convencional», consta que «para todas as questões emergentes do presente contrato estipula-se como competente o foro da comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro».
3 - O autor intentou a acção no dia 26 de Julho de 2006, a que atribuiu o valor de (euro) 19 621,07, e, no dia 19 de Janeiro de 2007, foi proferida a decisão, que declarou a invalidade da cláusula mencionada no n.º 2 e ser competente para conhecer da acção o Tribunal da Comarca de Olhão.
4 - A Relação, por Acórdão proferido no dia 26 de Abril de 2007, confirmou o conteúdo da decisão mencionada no n.º 3.
5 - No Acórdão da Relação de Lisboa de 13 de Fevereiro de 2007, proferido no recurso n.º 10121/2006, 1.ª Secção, cujo recorrente foi o Banco Mais, S. A., e recorrido Paulo Renato Silva de Almeida, com residência em Guimarães, foi declarada válida e em vigor, por não lhe ser aplicável a Lei 14/2006, de 26 de Abril, a cláusula contida no contrato de mútuo invocado pelo primeiro, em que se estipulou a competência territorial da comarca de Lisboa para todas as questões emergentes do aludido contrato, com expressa renúncia a qualquer outro foro, e que, em razão disso, a acção deveria prosseguir os seus termos até final no tribunal onde fora distribuída.
III - A questão essencial decidenda é a de saber se a 5.ª Vara Cível de Lisboa, 2.ª Secção, é ou não territorialmente competente para conhecer da acção em causa.
Considerando o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação formuladas pelo recorrente, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
Contradição de acórdãos sobre a mesma questão fundamental de direito;
Perspectiva da doutrina e da jurisprudência sobre a questão;
Motivação da alteração da lei de competência;
Conteúdo das normas envolvidas pela alteração;
Estrutura em geral do pressuposto processual da competência territorial dos tribunais;
Natureza e efeitos do pactos de aforamento em geral;
Afectou a referida alteração a validade ou a eficácia do pacto de aforamento em causa? As novas normas processuais envolveram ou não eficácia retroactiva? Impõe-se ou não a sua desaplicação por razões de inconstitucionalidade? Síntese da solução para o caso decorrente da dinâmica substantiva e processual envolvente e da lei.
Vejamos, de per se, cada uma das referidas subquestões.
1 - Comecemos pela verificação da contradição jurídica entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento.
A primeira questão a resolver nos recursos ampliados para efeito de uniformização de jurisprudência é a de saber se existe ou não oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.
A identidade da questão de direito ocorre, grosso modo, quando à aplicação normativa concernente está subjacente uma situação de facto essencialmente similar.
O núcleo de factos em causa nos acórdãos recorrido e fundamento é essencialmente idêntico, ou seja, um determinado clausulado de um contrato de mútuo envolvido de uma cláusula de aceitação dos tribunais da comarca de Lisboa para dirimir qualquer litígio daquele emergente.
Face a tal identidade de situações de facto, foi resolvida em sentido diverso a questão de saber se as cláusulas de convenção de foro anteriores ao início da vigência do artigo 1.º da Lei 14/2006, de 26 de Abril, que alterou os artigos 74.º, n.º 1, e 110.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, foram ou não afectadas por tal alteração.
Com efeito, no acórdão recorrido concluiu-se no sentido positivo, enquanto no acórdão fundamento se decidiu em sentido contrário, com a consequência de no primeiro caso se julgar não ser competente para conhecer da acção o tribunal referenciado na convenção de foro, e, no último, se excluí essa competência.
Houve, assim, dois julgamentos contraditórios quanto à validade de convenções sobre a competência territorial relativo a acções sobre o cumprimento de contratos.
A conclusão é, por isso, no sentido de que ocorre, na espécie, a contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, no domínio da vigência da mesma legislação, pressuposto do julgamento alargado do recurso de agravo com vista à uniformização da jurisprudência.
2 - Atentemos, ora, em breve síntese, na perspectiva da doutrina e da jurisprudência sobre a questão.
Não se conhece, naturalmente dada a novidade da questão processual em análise, qualquer opinião da doutrina sobre esta específica problemática.
Os autores, porém, têm-se pronunciado, em geral, sobre as questões da competência territorial dos tribunais, dos pactos de competência, da aplicação das leis processuais no tempo, designadamente, entre outros, José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. i, Coimbra, 1960, p. 298; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1976, pp. 44 e 45; Anselmo de Castro, Direito Processual Declaratório, vol. i, Coimbra, 1981, p. 56; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra, 1984, p. 46; Miguel Teixeira de Sousa, A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, Lisboa, 1994, pp. 31 e 100, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, 1997, p. 128, e A Nova Competência dos Tribunais Civis, Lisboa, 1999, p. 23; João Castro Mendes, Direito Processual Civil, ed. da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1997, pp. 154 a 171, João Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 1.º vol., 1999, p. 185, e Baptista Machado, Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, Coimbra, 1968, p. 114.
Este Tribunal pronunciou-se, no dia 24 de Maio de 2007, pela primeira e última vez, no recurso de agravo n.º 1372/2007, da 2.ª Secção, no sentido da aplicação imediata do regime decorrente da Lei 14/2006, de 26 de Abril, com base no princípio geral da aplicação imediata da lei processual nova, motivado pelo interesse e ordem pública.
Quanto às Relações, pronunciaram-se sobre esta questão, tanto quanto se sabia aquando do recebimento deste recurso, a Relação do Porto em 2 acórdãos, ambos no sentido do acórdão recorrido, e a Relação de Lisboa em 32, 21 no mesmo sentido e 11 em sentido contrário.
3 - Vejamos a motivação da alteração da lei de competência territorial dos tribunais enquadrada nos respectivos trabalhos preparatórios.
O Conselho de Ministros aprovou, em meados de 2005, o designado Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais, por via da Resolução 100/2005, de 30 de Maio, no âmbito do qual programou, com vista a garantir a existência de uma resposta adequada do sistema judicial ao fenómeno da litigância de massa e à protecção do utilizador ocasional do sistema de justiça, a introdução da regra da competência territorial do Tribunal da Comarca do réu para as acções relativas ao cumprimento de obrigações, sem prejuízo das especificidades da litigância característica das grandes áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, expressando, a título de motivação, em tanto quanto releva no caso vertente:
«A multiplicação dos fenómenos de incumprimento no contexto de uma sociedade de massa constitui um dos principais factores de crise da resposta judicial que há anos se instalou entre nós.
No âmbito do consumo de massa, as facilidades de acesso ao crédito e de pagamento concedidas têm propiciado, no quadro de uma situação económica difícil, um nível elevado de incumprimento de obrigações assumidas.
Daí resulta um recurso também massivo aos tribunais por parte de um número limitado de utilizadores, geograficamente concentrados em razão das respectivas sedes sociais. Tal converte aqueles tribunais, durante grande parte do seu tempo de actividade, em verdadeiras instâncias de cobrança de dívidas dedicadas a um número restrito de empresas e sectores económicos, com drástica redução da capacidade sobrante.
O impacte desta procura acrescida, em parte devido às regras de competência vigentes, tende a afectar, sobretudo, a capacidade do sistema judicial das áreas de Lisboa e do Porto, acentuando o grande desequilíbrio territorial na distribuição da litigância. Naqueles dois distritos judiciais concentram-se hoje mais de três quartos de toda a litigância civil.
Enquanto se desenvolvem os trabalhos indispensáveis em vista de soluções mais abrangentes, visa-se produzir efeitos positivos em segmentos que representam uma parte relevante da procura judicial. Desta forma se contribui também para melhorar a capacidade de resposta do sistema ao utilizador ocasional do tribunal que não pode ser prejudicado por uma inaceitável absorção do sistema judicial pelos litígios de massa.» Com o referido escopo, o Governo apresentou à Assembleia da República a proposta de lei 47/X, publicada no Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 69, de 15 de Dezembro de 2005, em cuja exposição de motivos expressou:
«O Programa do XVII Governo Constitucional assumiu como prioridade a melhoria da resposta judicial, a consubstanciar, designadamente, por medidas de descongestionamento processual eficazes e pela gestão racional dos recursos humanos e materiais do sistema judicial.
A necessidade de libertar os meios judiciais, magistrados e oficiais de justiça, para a protecção de bens jurídicos que efectivamente mereçam a tutela judicial, devolvendo os tribunais àquela que deve ser a sua função, constitui um dos objectivos da Resolução do Conselho de Ministros n.º 100/2005, de 30 de Maio, que, aprovando um plano de acção para o descongestionamento dos tribunais, previu, entre outras medidas, a introdução da regra de competência territorial do Tribunal da Comarca do réu para as acções relativas ao cumprimento de obrigações, sem prejuízo das especificidades de litigância característica das grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.
A adopção desta medida assenta na constatação de que grande parte da litigância cível se concentra nos principais centros urbanos de Lisboa e do Porto, onde se situam as sedes dos litigantes de massa, isto é, das empresas que, com vista à recuperação dos seus créditos provenientes de situações de incumprimento contratual, recorrem aos tribunais de forma massiva e geograficamente concentrada.
Ao introduzir a regra da competência territorial da comarca do demandado para este tipo de acções, reforça-se o valor constitucional da defesa do consumidor, porquanto se aproxima a justiça do cidadão, permitindo-lhe um pleno exercício dos seus direitos em juízo, e obtém-se um maior equilíbrio de distribuição territorial da litigância cível.» Previa a referida proposta de lei a alteração do disposto no n.º 1 do artigo 74.º nos termos que vieram a ser aprovados, bem como do que se prescrevia no n.º 1 do artigo 100.º, ambos do Código de Processo Civil, neste último caso quando uma delas seja pessoa singular, o n.º 1 do artigo 74.º e o n.º 1 do artigo 94.º, mas deixava incólume o regime do conhecimento oficioso da incompetência relativa.
Nessa perspectiva, ficavam proibidas as convenções de aforamento contra o disposto nos n.os 1 dos artigos 74.º e 94.º, mas, como se não alterava a alínea a) do n.º 1 do artigo 110.º do Código de Processo Civil no que concerne ao conhecimento oficioso da infracção da nova regra de competência, ficava na disponibilidade das partes a reacção contra a inobservância das novas regras de competência.
Mas na reunião de 1 de Março de 2006 da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, o Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata propôs a não alteração do artigo 100.º e a alteração da alínea a) do n.º 1 do artigo 110.º, ambos do Código de Processo Civil.
As referidas propostas de alteração da proposta de lei apresentada pelo Governo foram aprovadas no dia 2 de Fevereiro de 2006 e, de tudo isso, resultou o actual texto dos artigos 74.º, n.º 1, 94.º, n.º 1, e 110.º, n.º 1, alínea a), todos do Código de Processo Civil (Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, de 4 de Março de 2006).
Assim, visou o legislador salvaguardar interesses de ordem pública, por um lado, por via do descongestionamento dos tribunais, principalmente os dos grandes centros urbanos, mediante uma mais equilibrada distribuição dos processos pelos tribunais do País e a defesa das partes mais fracas, em particular os cidadãos consumidores, que passaram a beneficiar da proximidade em relação aos tribunais no sentido da sua estrutura física.
Foi naturalmente a relevância desse interesse público que levou a lei a fazê-lo prevalecer sobre o interesse particular de não afectação negativa dos efeitos dos pactos de competência, aliás de execução futura e eventual, ainda que celebrados anteriormente ao início da vigência da nova lei, no dia 1 de Maio de 2006.
Na realidade, a referida motivação revela o objectivo prosseguido pelo legislador de fazer prevalecer o novo regime de competência territorial ao interesse das partes veiculado pelos pactos de competência de sentido diverso.
E, no artigo 6.º, concretizou o princípio que já resultaria de outras normas, em jeito de resolução de um conflito derivado da sucessão de leis no tempo, salvaguardando a aplicação da lei de pretérito às acções pendentes, estabelecendo que a nova lei apenas se aplicava às acções instauradas depois da sua entrada em vigor.
4 - Prossigamos, em tanto quanto releva no caso, com a análise do conteúdo das normas envolventes da mencionada alteração.
Antes do início da vigência da alteração do disposto no n.º 1 do artigo 74.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 110.º, ambos do Código de Processo Civil, por via do artigo 1.º da Lei 14/2006, de 26 de Abril, a acção em análise podia ser intentada pelo recorrente contra Paulo Joaquim Ventura do Nascimento no tribunal identificado no pacto de competência, ou seja, num dos órgãos jurisdicionais cíveis da comarca de Lisboa.
Todavia, a nova lei de processo aplicável resultante da mencionada alteração legislativa regulou esta matéria em moldes diversos que importa analisar.
Expressa a lei actual, por um lado, que «a acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e para a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana» (artigo 74.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
E, por outro, que as regras de competência em razão da matéria, da hierarquia, do valor e da forma de processo não podem ser afastadas por vontade das partes, mas ser a estas permitido afastar, por convenção expressa, a aplicação das de competência em razão do território, salvo nos casos a que se refere o artigo 110.º (artigo 100.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
E, finalmente, que «a incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal nas causas a que se refere a primeira parte do n.º 1 do artigo 74.º [artigo 110.º, n.º 1, alínea a)] do Código de Processo Civil, sempre que os autos fornecerem os elementos necessários.
Da conjugação daqueles preceitos legais resulta, como alteração essencial, a impossibilidade, a partir da entrada em vigor da Lei 14/2006, de as partes contraentes acordarem eficazmente a estipulação de foro convencional para as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização por incumprimento ou cumprimento defeituoso ou a resolução do contrato por falta de cumprimento.
As referidas causas passaram a dever ser propostas no tribunal do domicílio do réu, podendo apenas o autor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida quando o réu seja pessoa colectiva ou, situando-se o domicílio do último na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o primeiro tenha domicílio na mesma área metropolitana, sob pena de o tribunal diverso daquele onde venham eventualmente a ser instauradas se declarar territorialmente incompetente para delas conhecer.
Assim, a alteração da alínea a) do n.º 1 do artigo 110.º do Código de Processo Civil, determinando o conhecimento oficioso pelo tribunal da competência territorial em casos como o que está aqui em análise, inviabilizou a possibilidade de afastamento das regras de competência em razão do território previstas na primeira parte do n.º 1 do artigo 100.º daquele diploma.
Decorre, pois, da mencionada solução legal, em termos imperativos, que, em contratos similares ao que é objecto deste processo, o accionamento do sujeito passivo deve ocorrer, desde 1 de Maio de 2006, no tribunal da área jurisdicional do seu domicílio.
A excepção apenas ocorre em duas situações, ou seja, quando do lado passivo esteja uma pessoa colectiva - associação, fundação ou sociedade - ou uma pessoa singular no caso de ela e o credor terem domicílio ou sede nas áreas metropolitanas de Lisboa ou do Porto.
A área metropolitana de Lisboa, única que releva no caso vertente, é integrada pelos municípios de Alcochete, Almada, Amadora, Barreiro, Cascais, Lisboa, Loures, Mafra, Moita, Montijo, Odivelas, Oeiras, Palmela, Sesimbra, Setúbal, Seixal, Sintra e Vila Franca de Xira (artigo 2.º da Lei 10/2003, de 13 de Maio).
Ora, no caso vertente, não se verifica a mencionada excepção porque o réu é uma pessoa singular com domicílio no âmbito da comarca de Olhão, portanto fora da área metropolitana de Lisboa.
Em síntese, dir-se-á, por um lado, que a partir da mencionada data de 1 de Maio de 2006 não podem as partes no contrato convencionar o foro prorrogando, ou seja, é-lhes vedado afastar por convenção as correspondentes regras de competência jurisdicional em razão do território, e que o juiz deve conhecer oficiosamente da competência do tribunal em função do território, no que se inclui a questão da validade lato sensu dos pactos de aforamento.
E, por outro, que de tal não resulta o coarctar às partes o exercício do direito da acção, porque apenas lhe foi afectada negativamente a faculdade de criação, por via da sua vontade, de uma causa de atribuição de competência territorial.
5 - Atentemos na estrutura em geral do pressuposto processual da competência territorial dos tribunais.
A função jurisdicional está atribuída a vários tribunais à luz de um pluralidade de critérios, cada um com a sua medida, espécie e espaço territorial de exercício, tendo em conta o que decorre da lei, da causa de pedir e do pedido formulados nas acções e outros procedimentos e, em alguns casos, a própria qualidade jurídica das partes.
O referido pressuposto processual geral - competência em razão da matéria, da hierarquia, do território, do valor da causa ou da forma de processo - visa, além do mais, sobretudo, a prossecução do interesse da boa administração da justiça, ou seja, as normas que o regulam são, em regra, de interesse e ordem pública.
Autonomizada nesse âmbito, a competência em razão do território dos tribunais, assente na comarca ou no distrito judicial onde o tribunal é sediado e nos elementos de conexão indicados nas acções, decorre da existência de uma pluralidade de tribunais da mesma espécie inseridos em amplos espaços territoriais e de pessoas e constituiu um elemento essencial à equilibrada distribuição das causas pelos vários tribunais da mesma espécie e com o mesmo grau de jurisdição.
É uma asserção alicerçada no nosso ordenamento jurídico que rege sobre a matéria, ou seja, a competência dos tribunais judiciais no âmbito da jurisdição civil, como é o caso vertente, é regulada pelas normas do Código de Processo Civil e pela Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, repartindo-se entre eles segundo a matéria, a hierarquia, o valor da causa, a forma de processo aplicável e o território (artigos 62.º do Código de Processo Civil e 17.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais).
Entre os elementos de conexão que, nos termos da lei, determinam a competência dos tribunais judiciais em função do território, contam-se, em tanto quanto releva no caso em análise, o domicílio do réu e o lugar do cumprimento da obrigação em causa (artigos 74.º, n.º 1, e 85.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Será competente em razão do território para conhecer de determinada causa o tribunal a quem a lei, atendendo aos elementos de conexão indicados na petição inicial, atribui legitimidade para exercer a função jurisdicional em determinada área geográfica e incompetente aquele a quem não tenha sido atribuída.
A competência dos tribunais judiciais fixa-se no momento em que a acções se propõem, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito ocorridas posteriormente, salvo, quanto a estas últimas, se for suprimido o órgão ao qual a causa estava afecta, ou se lhe for atribuída competência de que inicialmente não dispunha para dela conhecer (artigo 22.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais).
Assim, decorre da lei que a competência territorial dos tribunais se fixa no momento da propositura da acção, sendo irrelevantes as posteriores modificações de direito, com excepção dos casos ressalvados na referida disposição da lei de organização judiciária, mas relevando, em princípio, as alterações em geral que ocorram antes da data da instauração das acções.
Por conseguinte, independentemente dos meios de tutela da relação jurídica substantiva existentes no momento em que ela se constituiu, designadamente a previsão legal da relevância de pactos de competência, relevam apenas os que sejam legalmente admitidos ou envolvidos de eficácia na altura da apresentação em juízo das acções concernentes.
Apenas em relação às acções pendentes quedam irrelevantes as modificações de direito, como é o caso, por exemplo, da lei nova sucessiva que altera o pressuposto processual da competência territorial, às quais deve aplicar-se a que vigorava ao tempo da sua instauração.
Conforma-se com este regime legal o que consta no artigo 6.º da Lei 14/2006, de 14 de Abril, que já resultava do ordenamento jurídico, segundo o qual ela só se aplica às acções instauradas depois da sua entrada em vigor.
Não decorre, porém, do exposto a exclusão em absoluto da problemática da retroactividade da lei nova a que acima se fez referência, além do mais para efeito de se determinar a sua conformidade constitucional, que o recorrente suscita, e a que abaixo se fará referência.
6 - Vejamos, agora, em breve síntese, a natureza e os efeitos dos pactos de aforamento em geral.
Os pactos de aforamento são admitidos no nosso ordenamento jurídico desde há longo tempo, embora no início restritivamente quanto à forma, certo que, numa primeira fase, a sua validade dependia de escritura pública (Ordenações, livro 3.º, título 6.º, §§ 2.º e 3.º).
Posteriormente, a validade da modificação convencional das regras da competência em razão do valor e do território passou a depender da sua celebração por documento autenticado (artigo 21.º, n.º 1.º e § 5.º, do Código de Processo Civil de 1876).
No domínio da vigência do Código de Processo Civil de 1939 também era permitido às partes, por convenção expressa, modificar as regras de competência em razão do valor e do território, designando a questão e o tribunal que ficava sendo o competente, contanto que fosse reduzida a escrito (artigo 100.º).
Durante a vigência do Código de Processo Civil de 1961, o regime era idêntico ao consignado no Código de Processo Civil de 1939, até que, por força do Decreto-Lei n.º 242/85, de 9 de Julho, alterando-se o disposto no n.º 1 do artigo 100.º, se estabeleceu a limitação decorrente do n.º 2 do artigo 109.º Na reforma da lei de processo que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997, por força do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, voltou a ser alterado o n.º 1 do artigo 100.º, restringindo-se os pactos de aforamento à competência em razão do território e por via da ressalva agora reportada ao artigo 110.º A lei actual expressa, com efeito, relativamente à competência convencional, por um lado, que as regras de competência em razão da matéria, da hierarquia, do valor e da forma de processo não podem ser afastadas por vontade das partes mas que, por convenção expressa, podem afastar a aplicação das regras de competência em razão do território, salvo nos casos a que se reporta o artigo 110.º (artigo 100.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
E, por outro, que o acordo deve satisfazer os requisitos de forma do contrato, fonte da obrigação, contanto que seja reduzido a escrito, e designar as questões a que se refere o critério de determinação do tribunal que fica sendo competente, considerando-se reduzido a escrito, além do mais, o constante de documento assinado pelas partes (artigo 100.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
E, finalmente, que a designação das questões abrangidas pode fazer-se pela especificação do facto jurídico susceptível de as originar e que a competência fundada na estipulação é tão obrigatória como a que deriva da lei (artigo 100.º, n.os 3 e 4, do Código de Processo Civil).
Assim, a lei admitia inicialmente pactos relativamente à competência em função do território e do valor da causa, depois só passou a admitir pactos de competência territorial, e, na evolução, restringiu sucessivamente as situações em que os mesmos são admitidos.
Das mencionadas normas resulta que os pactos de aforamento têm por objecto a escolha pelas partes, em termos vinculativos para elas, dos tribunais de determinada circunscrição jurisdicional para conhecerem de determinadas questões litigiosas, de modo não coincidente com o regime resultante da lei-regra de processo civil.
Ao invés do que acontece em relação à competência em razão da matéria, da hierarquia, do valor da causa e da forma de processo, a vontade das partes pode relevar, verificado determinado circunstancialismo, no estabelecimento de pactos de competência, vinculativos para qualquer delas.
Com efeito, a lei faculta, em alguma medida, que as partes estabeleçam convenções de foro, ou seja, na prática, normas atributivas da competência territorial (artigo 100.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
São susceptíveis de instrumentalizar a realização de relevantes interesses das partes, sobretudo daquelas cuja actividade negocial seja susceptível de potenciar uma pluralidade de acções judiciais, na medida em que, por via deles, podem centralizá-las num único tribunal.
Assumem estrutura contratual porque se traduzem em acordo de vontades tributário do princípio da liberdade contratual que decorre do artigo 405.º do Código Civil, mas nos limites da lei.
Por isso, no que concerne aos requisitos de validade, incluindo o modo de formação da vontade dos outorgantes, é-lhes aplicável, como é natural, o pertinente regime de direito substantivo vigente ao tempo da respectiva outorga.
Todavia, não obstante façam parte de um módulo negocial de natureza predominantemente substantiva, assumem natureza processual, tal como os seus efeitos, por se reportarem a um pressuposto dessa natureza, designadamente a competência jurisdicional em função do território.
O seu objecto imediato consubstancia-se na vinculação das partes ao convencionado e o mediato no seu efeito processual, ou seja, na atribuição de competência a órgãos jurisdicionais que a não tinham ao abrigo da regra da lei de processo civil.
Mas a produção desse efeito é futura e meramente eventual, certo que depende da verificação ulterior de algum litígio decorrente da relação jurídica de direito substantivo em causa e de um dos sujeitos decidir accionar a sua resolução em juízo.
Trata-se, assim, de uma relação jurídica processual de tipo constitutivo, cujo efeito prático só ocorre aquando da instauração da acção tendente à resolução do litígio configurado no pacto de aforamento.
Dir-se-á, em síntese, que os pactos de aforamento se consubstanciam numa particular modalidade de contratos processuais, isto é, de negócios com eficácia constitutiva relativa a acções ou processos futuros, em que a relação jurídica processual concernente envolve três momentos, o da constituição, o da produção de efeitos e o da sua extinção.
7 - Prossigamos com a subquestão de saber se a referida alteração afectou ou não validade ou a eficácia do pacto de aforamento em causa.
Como as leis relativas à competência dos tribunais, incluindo a que decorre da delimitação da respectiva área de jurisdição, são, em regra, de interesse e ordem pública, já foi referido que a validade e a eficácia dos pactos de aforamento dependerão, na data da instauração da acção, da manutenção da estrutura legal existente ao tempo da sua outorga.
Tem sido afirmado que, como se destinam a produzir efeitos práticos no futuro, podem tais factos ser confrontados com normas relativas à definição da competência territorial do tribunal escolhido de sentido diverso daquelas que vigoravam na altura em que foram outorgados e, nessa medida, pelo menos os seus efeitos são susceptíveis de ficar comprometidos.
No caso vertente estamos, por um lado, perante uma convenção de aforamento celebrada no dia 5 de Dezembro de 2005, ou seja, antes do início da vigência da Lei 14/2006, de 26 de Abril, que, conforme resulta do artigo 2.º do Decreto-Lei 74/98, de 11 de Novembro, ocorreu no dia 1 de Maio seguinte.
E, por outro, face a uma lei que altera a estrutura legal relativa aos pactos de aforamento vigente ao tempo em que o recorrente e o recorrido outorgaram a convenção de foro em causa, situação que motiva o conteúdo das alegações do recorrente no confronto com o que foi decidido no acórdão recorrido.
Este quadro de facto e de direito remete-nos para a distinção entre as figuras jurídicas da validade e da eficácia, matéria sobre a qual se têm pronunciado vários autores, designadamente, entre outros, Heinrich Ewald Hörster, Parte Geral do Código Civil Português - Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 1992, pp. 515 e segs.; Rui Alarcão, «Sobre a invalidade do negócio jurídico», separata do número especial do Boletim da Faculdade de Direito, Estudos em Homenagem ao Professor José Joaquim Teixeira Ribeiro, Coimbra, 1983, pp. 609 e segs.; Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. ii, Coimbra, 1992 pp. 411 a 422; João de Castro Mendes, Direito Civil - Teoria Geral, vol. iii, Lisboa, 1979, pp. 663 a 679; Carlos Alberto Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 1996, p. 605; António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português - Parte Geral, t. i, Coimbra, 1999, pp. 566 e 577; Luís A.
Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. ii, Lisboa 2001, pp. 452, 461, 510 e 661, e Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 2007, pp.
752 e 753.
Tendo em conta a referida doutrina, a propósito da figura da ineficácia em sentido lato, tem sido afirmado que ela abrange a invalidade, por um lado, e a ineficácia em sentido estrito, por outro, e que, em sentido jurídico normal, se distinguem aqueles conceitos.
Assim, o conceito de invalidade, nas suas vertentes de nulidade ou de anulabilidade, é entendido como vício do negócio jurídico, enquanto o conceito de ineficácia envolve a não produção dos efeitos jurídicos que lhe são próprios em razão de factores que lhe são extrínsecos, que podem ser supervenientes.
Na realidade, não faz sentido, em regra, a referência a invalidade superveniente de um negócio jurídico porque ela se afere no momento da sua celebração, mas já o tem a referência à ineficácia superveniente.
Assim, pode um negócio jurídico ser válido por na sua génese inexistir vício que o afecte e, no entanto, ser destituído de eficácia por virtude de algum obstáculo que obste à produção dos efeitos que lhe são próprios.
Não obstante os pactos de competência se traduzirem em definição legalmente consentida, no âmbito da liberdade das partes, de um pressuposto da competência territorial do tribunal, a sua validade propriamente dita não tem de ser apreciada de harmonia com as regras de competência vigentes ao tempo das acções concernentes.
É certo que o pressuposto processual da competência jurisdicional em análise só se fixa no momento do accionamento porque é a esse tempo que devem confrontar-se os elementos de facto constantes da petição inicial com as normas jurídicas pertinentes então vigentes.
Todavia, por virtude da sua autonomia relativa face aos princípios de aplicação da lei no tempo, não tem a validade do pacto de aforamento que ser aferida à luz da lei de processo que nesse momento vigore.
Aplicando os referidos princípios ao caso vertente, como o pacto de aforamento em causa foi celebrado à luz de normas processuais que o permitiam, em conformidade com o que por elas era determinado, sem qualquer vício de formação ou de vontade conhecido, a conclusão é, não obstante a alteração da lei processual que ocorreu por via da Lei 14/2006, de 26 de Abril, no sentido da sua validade.
Mas os seus efeitos práticos e mediatos, ou seja, a sua eficácia, foram afectados por virtude de o mencionado pressuposto processual relativo à competência territorial do tribunal dever ser aferido no momento da propositura da acção à luz das concernentes normas jurídicas que então vigoravam.
8 - Vejamos agora se as normas de alteração em causa são ou não envolvidas de eficácia retroactiva.
Estamos perante uma questão de aplicação da lei no tempo, porque o recorrente e o recorrido convencionaram um determinado foro territorial para os litígios decorrentes de certo contrato de mútuo e, posteriormente, antes do prevenido litígio objecto da mencionada convenção, foi promulgada uma lei que não comporta pactos com esse objecto.
Importa, por isso, que se apure qual é a lei de processo que deverá regular a situação jurídica processual estabelecida pelo recorrente e pelo recorrido derivada do mencionado pacto de aforamento.
Tem sido entendido, por um lado, conforme já resulta do exposto, serem as normas processuais de aplicação imediata, mesmo a situações de pretérito, sob o argumento de não regularem os conflitos de interesses dos sujeitos processuais, não atribuírem nem extinguirem direitos substantivos, só versarem sobre o modo como aqueles devem fazer valer em juízo as faculdades ou os direitos que lhes são concedidos pela lei substantiva, integrando-se num ramo de direito público, estando em causa o interesse público da administração da justiça.
E, por outro, em razão do exposto, que essa aplicação tanto se refere às acções que venham a ser propostas já na vigência da nova lei, como aos actos a realizar em processos iniciados em data anterior, mas que venham a ser praticados já durante a vigência daquela.
Nesta perspectiva, partindo dos referenciais acção lato sensu e momento da entrada em vigor da nova lei processual, tem sido considerado ser esta aplicável às acções futuras e aos actos processuais futuros praticados nas acções pendentes.
Na realidade, porém, todas as leis, sejam elas de estrutura substantiva ou adjectiva, são editadas pelo poder legislativo visando a realização do interesse público, de aplicação imediata, nos termos das normas reguladoras dos conflitos deste tipo, embora, naturalmente, sem afectação do que deva ser regido pela lei de pretérito.
Assim, embora o direito processual seja um ramo de direito público, que se sobrepõe aos interesses particulares dos litigantes, que visa apenas regular o modo como as partes podem exercer os direitos reconhecidos pela lei substantiva, não há no nosso ordenamento jurídico, quanto à aplicação da lei no tempo, diverso regime quanto a uma e outra espécie normativa.
Por conseguinte, a afirmação de que as leis de estrutura adjectiva são em razão desse facto de aplicação imediata, designadamente aos pactos de competência celebrados antes do início da sua vigência, não pode assumir o relevo que lhe tem sido dado.
É que, apesar de a lei adjectiva ser de aplicação imediata, não pode ser aplicada a situações processuais dela excluídas, seja por normas nela própria inseridas seja por normas gerais de direito transitório, como são aquelas a que se reporta o artigo 12.º do Código Civil.
A ideia que preside ao princípio da não retroactividade das leis envolve o princípio da confiança no ordenamento jurídico, em termos de se não poder exigir às pessoas, singulares ou colectivas, a previsão de futuras alterações legislativas susceptíveis de as afectar no âmbito dos contratos que celebrem.
Relembremos estar em causa no caso vertente não a directa aplicação das novas normas processuais nem a sua influência no andamento e na regulação do processo ou dos respectivos actos processuais mas a sua aplicação ao regime de contratos de índole processual outorgados anteriormente à sua vigência.
A lei processual nova inseriu um preceito, o artigo 6.º, que epigrafou de «Aplicação no tempo», tendencialmente uma norma específica de direito transitório, onde estabeleceu que «a presente lei aplica-se apenas às acções e aos requerimentos de injunção instaurados ou apresentados depois da sua entrada em vigor».
Trata-se pois, de uma norma formalmente transitória, cujo referencial são as acções, ou seja, não se reporta directamente aos pactos de aforamento celebrados no domínio da vigência da lei alterada, ou seja, da lei anterior de processo.
Omitindo a referência aos pactos de competência anteriormente celebrados, que o legislador não podia ignorar, certo é não assumir relevante utilidade porque o sentido que exprime já constava no artigo 22.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, a que acima se fez referência.
Com efeito, independentemente da mencionada norma, inserida em tema de direito transitório, as acções propostas em juízo anteriormente ao início da sua vigência, baseadas ou não em pactos de competência, continuariam a reger-se pela velha lei, entretanto revogada pela nova lei.
Trata-se de uma prática que não é rara no quadro legislativo, ou porque se não atenta suficientemente no ordenamento jurídico global, ou porque se pretende enfatizar determinada solução normativa, ou porque se quer evitar alguma dúvida de interpretação.
De qualquer modo, a estrutura do mencionado normativo, nas suas vertentes literal e finalística, não permite a conclusão de que se pretendeu assegurar a sua aplicação a todas as acções instauradas após o início da sua vigência, independentemente do momento da celebração dos contratos onde se inseriram as convenções de competência territorial como aquela que está aqui em causa (artigo 9.º do Código Civil).
Por isso, importa que se resolva esta específica situação de sucessão de leis no tempo à luz das normas gerais de direito transitório que constam do artigo 12.º do Código Civil com a generalidade bastante de aplicação a conflitos de normas do tipo processual aqui em causa.
Certo é, face aos contornos desta situação, que, no concernente às acções, não há aplicação retroactiva da lei processual nova porque esta apenas se aplica às acções propostas depois da sua entrada em vigor.
Todavia, isso não exclui a ocorrência de retroactividade no que concerne ao próprio pacto de competência em causa ou aos seus efeitos, o que não pode deixar de ser verificado à luz do disposto no artigo 12.º do Código Civil.
Decorre do n.º 1 deste artigo, por um lado, que a lei só dispõe para futuro, e, por outro, que, para o caso de lhe ser atribuída eficácia retroactiva, se presume a ressalva dos efeitos já produzidos pelos factos que a lei nova se destina a regular.
Assim, se da interpretação da lei nova resultar dever aplicar-se aos factos constitutivos, modificativos ou extintivos ocorridos no domínio da vigência da lei anterior, deve presumir-se não afectar os efeitos directos ou indirectos por eles produzidos durante aquela vigência.
É este o princípio da não retroactividade das leis, envolvido de alguma moderação, segundo o qual só se aplicam para o futuro, e, aplicando-se para o pretérito, ou seja, tendo eficácia retroactiva, deve presumir-se a intencionalidade de não afectarem os efeitos jurídicos já produzidos.
Assim, decorre do mencionado normativo que a referida presunção não alcança os efeitos directos produzidos pelos mencionados factos posteriormente ao início da vigência da nova lei, ou seja, dos que vierem a produzir-se no futuro.
Prevê, por seu turno, da primeira parte do n.º 2 deste artigo, para o caso de a lei nova dispor sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, e estatui dever entender-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos e não os efeitos da sua validade.
Finalmente, prevê a segunda parte do n.º 2 a circunstância de a lei nova dispor directamente sobre o conteúdo de alguma relação jurídica, abstraindo dos factos que a originaram, e estatui dever entender-se abranger as constituídas no domínio da lei de pretérito e que subsistam à data da sua entrada em vigor.
Assim, este normativo diferencia dos factos de pretérito as relações jurídicas que eles originaram e que perduram no tempo, como é o caso da relação jurídica de locação e da relação jurídica laboral, e estatui dever entender-se que a lei nova as abrange.
Está nele implícito, pois, que a lei possa dispor sobre as situações jurídicas constituídas, mas sem abstrair dos factos que as originaram, como é o caso, por exemplo, das leis interpretativas.
Daqui decorre que a lei nova só poderá sem retroactividade reger os efeitos futuros dos contratos em curso quando eles possam ser dissociados dos factos em que se traduzem as declarações negociais dos outorgantes.
Dir-se-á, em síntese, que a lei distingue, por um lado, as normas relativas à validade de quaisquer factos ou dos seus efeitos, os imediatos e o conteúdo de alguma situação jurídica por eles definida, e, por outro, as normas que dispõem directamente sobre o conteúdo das situações jurídicas em quadro de abstracção dos factos que lhes deram origem.
As primeiras só se aplicam aos factos novos; as últimas, porém, também se aplicam às situações jurídicas constituídas antes delas, mas que subsistam ao tempo do início da respectiva vigência.
A aplicação destas normas aos contratos em geral, sejam de natureza substantiva ou adjectiva, acarreta a consequência de as condições da sua validade substancial ou formal, bem como os seus efeitos directos ou indirectos, serem regidos pela lei que vigorava ao tempo da sua celebração.
Resulta dos factos assentes que o objecto imediato do referido contrato foi a vinculação das partes nos termos convencionados e o mediato a atribuição da competência em razão do território para julgar os litígios resultantes do concernente contrato de mútuo aos órgãos jurisdicionais cíveis da comarca de Lisboa.
Mas a atribuição de competência em razão do território aos órgãos jurisdicionais cíveis da comarca de Lisboa por via do pacto de competência em análise foi negativamente afectada por virtude da lei nova, na medida em que obstou à produção desse efeito.
É que, por força da nova lei de processo, deixou o referido pacto de competência de ser legalmente reconhecido como causa de afastamento da competência legal, ou seja, já não tem a virtualidade de assumir eficácia no sentido do afastamento da aplicação da lei processual reguladora da competência em razão do território.
Certo é, como já se referiu, dever ser em relação ao momento da propositura da acção que se deve determinar a competência do tribunal em razão do território, independentemente do momento em que foi celebrado o pacto de competência em causa, que não tem a virtualidade de antecipar o primeiro dos referidos momentos.
Acresce, como também já resulta do exposto, não ter fundamento legal a afirmação de que a consideração da data da propositura da acção para efeito de determinar a competência territorial para conhecer da causa implica a prévia declaração da nulidade do pacto de competência.
Confrontado com o regime legal que vigorava ao tempo da respectiva outorga, porque respeitou as respectivas condições de validade, não está o referido pacto de competência afectado de nulidade.
Embora a nova lei processual em causa seja insusceptível de implicar a nulidade, inicial ou superveniente, do mencionado pacto de competência, certo é que, por virtude do novo regime de competência territorial, foram afectados os seus efeitos, ou seja, foi obstada, contra a expectativa do recorrente e do recorrido, a sua concretização aquando da instauração da acção.
Assim, o mencionado pacto de competência só produziu após a sua outorga os concernentes efeitos imediatos, ou seja, a vinculação das partes outorgantes ao convencionado, mas não logrou produzir os seus efeitos práticos mediatos próprios, isto é, o julgamento da causa por um órgão jurisdicional cível da comarca de Lisboa, no concreto a 5.ª Vara Cível de Lisboa, em que a acção foi distribuída.
Assim, como a lei processual nova em análise afectou negativamente a produção dos mencionados efeitos práticos mediatos pelo pacto de competência em causa, ela envolveu eficácia retroactiva, enquadrável no n.º 1 do artigo 12.º do Código Civil.
Mas como se trata da mera competência territorial do tribunal, questão de natureza adjectiva, sem influência sobre o mérito da causa relativa ao cumprimento ou incumprimento pelo recorrido do contrato de mútuo, a retroactividade referida não é legalmente proibida, a não ser que deva considerar-se inadmissível face à Constituição, incluindo os princípios que dela decorrem.
Conclui-se, assim, perante a situação de facto envolvente e as normas jurídicas analisadas, na medida em que a lei nova de processo alterou o disposto nos artigos 74.º, n.º 1, e 110.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código de Processo Civil, que estamos perante uma situação de retroactividade da Lei 14/2006, de 26 de Abril.
9 - Atentemos, ora, na questão da desaplicação ao caso-espécie das referidas normas da lei nova em razão da sua não conformidade com a Constituição.
Apesar de o juízo de constitucionalidade normativa caber, em última ratio, ao Tribunal Constitucional, temos que, a montante, em qualquer dos litígios submetidos a julgamento, não podem os tribunais de qualquer das ordens respectivas aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição, designadamente os princípios nela consignados (artigo 204.º da Constituição).
O artigo 1.º da Lei 14/2006, de 26 de Abril, na medida em que alterou os preceitos dos artigos 74.º, n.º 1, e 110.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código de Processo Civil, restringiu significativamente o âmbito da relevância da vontade das partes no afastamento das normas jurídicas reguladoras da competência territorial do tribunal.
Assente que estamos perante uma situação de retroactividade da lei no que concerne aos efeitos mediatos ou práticos do mencionado pacto de competência, importa determinar se há ou não fundamento para a sua desaplicação em termos de se salvaguardarem, na acção em causa, aqueles efeitos.
Cabe, assim, verificar, para o mencionado efeito, a conformidade ou não da interpretação das normas do n.º 1 do artigo 74.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 110.º, ambos do Código de Processo Civil, segundo a redacção resultante do artigo 1.º da Lei 14/2006, de 26 de Abril, por um lado, com os princípios da adequação, da exigibilidade, da proporcionalidade e da não retroactividade, consignados no artigo 18.º, n.os 2 e 3, e, por outro, com os princípios da confiança e da segurança jurídica ínsitos no princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º, ambos da Constituição.
O recorrente refere que as referidas normas processuais infringiram os princípios da adequação, da exigibilidade, da proporcionalidade e da não retroactividade consignados no artigo 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição, cujo âmbito normativo importa, por isso, aqui determinar.
Ora, resulta, por um lado, do n.º 1 do mencionado artigo que os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
E, decorre, por outro, do seu n.º 2 que a lei só pode restringir os referidos direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição e que, nesse caso, as restrições devem limitar-se ao necessário para a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Finalmente, prescreve o n.º 3 daquele artigo que as leis restritivas daqueles direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e que não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
As referidas normas constitucionais reportam-se, conforme resulta da sua letra e escopo finalístico, às leis restritivas de direitos, liberdades e garantias.
Todavia, o direito processual de convencionar o foro territorialmente competente para a resolução jurisdicional dos litígios eventualmente resultantes de contratos de direito substantivo que celebrem, dada a sua estrutura, é insusceptível de ser integrado no grupo dos direitos, liberdades e garantias.
Por isso, a interpretação das normas dos artigos 74.º, n.º 1, e 110.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código de Processo Civil, segundo a alteração implementada pelo artigo 1.º da Lei 14/2006, de 26 de Abril, no sentido de afectarem negativamente o pacto de competência a que se reporta esta acção, é insusceptível de infringir o artigo 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição.
Mas o recorrente também suscita a questão da inconstitucionalidade da interpretação daquelas normas da lei de processo no referido sentido por violação do artigo 2.º da Constituição, invocando a violação do princípio da proporcionalidade, como limitação geral ao exercício do poder público.
Expressa o mencionado artigo, epigrafado Estado de direito democrático, que a República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão, na organização política democrática, no respeito e garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.
O referido princípio envolve, conforme tem sido entendido pelo Tribunal Constitucional, a ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, do que decorre, naturalmente, o mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas.
É susceptível de ser afectado pelas leis de eficácia retroactiva, se elas implicarem, em relação às situações jurídicas anteriormente constituídas, uma alteração inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa ou inconsistente, com que as pessoas não possam razoavelmente contar.
Ora, a Constituição não proíbe a generalidade das leis infraconstitucionais retroactivas, certo que só o faz relativamente às restritivas de direitos, liberdades e garantias e às penais e de criação de impostos mais desfavoráveis para os arguidos e para os contribuintes, respectivamente (artigos 18.º, n.º 3, 29.º, n.os 1 e 4, e 103.º, n.º 3).
Assim, fora das mencionadas matérias, pode o Estado, no cumprimento da sua obrigação de prosseguir em cada momento o interesse da comunidade, emitir normas de eficácia retroactiva, desde que elas não afectem aquele mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas ou as expectativas que lhes são juridicamente criadas.
À expectativa do recorrente de manutenção da eficácia da cláusula de aforamento para o caso de eventual necessidade de recurso ao tribunal em virtude do aludido contrato do mútuo, em que ela estava inserida, não podia, em termos de razoabilidade, ser-lhe alheia a eventual reorganização judiciária e a afectação dos seus efeitos com vista à melhoria do serviço de administração de justiça.
O carácter instrumental do processo implica, em regra, que às partes não possa ser reconhecida a expectativa de que os pressupostos processuais legalmente previstos no momento da constituição da relação jurídica substantiva potencialmente litigiosa se mantenham aquando da verificação do litígio justificativo do accionamento ou no próprio momento em que ele realmente opera.
Assim, porque a competência territorial dos tribunais em geral é fixada de harmonia com a pertinente lei processual em vigor à data do accionamento, não era razoável a configuração pelo recorrente, no momento da celebração do contrato de mútuo com cláusula de competência, que os efeitos desta se mantivessem quando surgisse algum litígio dele decorrente e, por via dele, intentasse a acção declarativa de condenação em análise.
É que se trata de normas relativas ao pressuposto processual da competência territorial dos tribunais, de interesse e ordem pública, integrantes do direito processual, ramo do direito público, sem a virtualidade de afectarem alguma relação jurídica substantiva ou os contratos de que tenham derivado.
Nesta matéria da competência dos tribunais em razão do território, porque mero pressuposto processual de interesse e ordem pública, não se pode suscitar, pois, uma expectativa de inalterabilidade cuja frustração suscite a infracção do princípio do Estado de Direito democrático que decorre do artigo 2.º da Constituição.
Por isso, não podia o recorrente, na altura da celebração do pacto de competência, alimentar a expectativa jurídica juridicamente fundada de que qualquer litígio decorrente do contrato de mútuo com cláusula processual atributiva de competência em razão do território viesse a ser julgado, em razão da mesma, nos órgãos jurisdicionais cíveis da comarca de Lisboa.
Uma palavra ainda sobre o princípio da proporcionalidade que o recorrente referiu ter sido infringido pelo autor da lei processual em causa, ou seja, da Lei 14/2006, de 26 de Abril.
Decorre do princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, em si ou nos seus corolários da adequação e da exigibilidade, por um lado, que as restrições legalmente previstas devem adequar-se à prossecução dos fins legalmente visados, tendo em conta outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos, e, por outro, que tais restrições devem revelar-se necessárias por falta de outros meios menos onerosos para os direitos das pessoas.
Dir-se-á, pois, que o princípio da proporcionalidade exige a adequação da lei, ou seja, a sua não manifesta excessividade, no confronto com os concernentes fins, e a impossibilidade de os obter por meios menos onerosos.
A solução da lei, considerando o seu escopo finalístico essencial de reorganizar o sistema de distribuição da pendência processual pelos vários tribunais do País, em ordem à melhor administração da justiça, sobretudo tendo em conta o interesse dos consumidores, não se revela arbitrária e prossegue um interesse público particularmente relevante.
Ora, confrontando os termos da lei nova com os fins por ela pretendidos de melhoramento do sistema de administração da justiça, não se vislumbra que ela seja manifestamente inadequada, por excessiva ou desnecessária.
Tem sido esta, essencialmente, a posição do Tribunal Constitucional nos casos conhecidos em que foi chamado a pronunciar-se sobre tal problemática em recursos interpostos pelo próprio recorrente de decisões da Relação com o mesmo sentido da que é objecto do acórdão ora recorrido.
Com efeito, tem aquele Tribunal julgado que a interpretação da lei processual nova no sentido da sua aplicação imediata às acções baseadas em pactos de competência anteriores ao início da sua vigência e instauradas depois disso, mesmo a entender-se tratar-se de aplicação retroactiva, não consubstancia algum dos vícios de inconstitucionalidade invocado pelo recorrente (Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 691/2006, de 19 de Dezembro, 41/2007, de 23 de Janeiro, e 53/2007 e 60/2007, ambos de 30 de Janeiro).
Conclui-se, por isso, por um lado, no sentido de que a aplicação retroactiva das normas do n.º 1 do artigo 74.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 110.º Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 1.º da Lei 14/2006, de 26 de Abril, em termos de afectação dos efeitos mediatos ou práticos do pacto de aforamento em causa, celebrado anteriormente ao início da sua vigência, não envolve violação inadmissível, intolerável ou arbitrária dos direitos ou expectativas fundadas do recorrente a que se reporta o princípio do Estado de direito democrático.
10 - Finalmente, a breve síntese da solução para o caso-espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei.
Estamos perante uma situação de contradição de acórdãos das relações, e de alguns destes com um acórdão deste Tribunal, no domínio da vigência da mesma legislação, sobre a mesma questão fundamental de direito.
Essa questão é a de saber se as normas dos artigos 74.º, n.º 1, e 110.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, resultantes da alteração decorrente do artigo 1.º da Lei 14/2006, de 26 de Abril, se aplicam ou não às acções instauradas depois do início da sua vigência relativas a litígios decorrentes de contratos anteriores com cláusula de convenção de atribuição de competência territorial.
A alteração dos pressupostos da competência do tribunal em função do território decorrente do artigo 1.º da Lei 14/2006, de 26 de Abril, foi motivada por razões de interesse e ordem pública, designadamente a melhoria do sistema de administração da justiça por via da melhor divisão das causas a que se reporta pelos vários tribunais do País e o desiderato de reforçar a defesa dos interesses dos consumidores.
O pressuposto processual concernente à competência territorial dos tribunais deve ser fixado à luz da lei processual vigente ao tempo do accionamento, independentemente de outorga anterior de convenção de foro ao abrigo de lei que a permitia em termos diversos da primeira das referidas leis.
A partir da entrada em vigor da Lei 14/2006, de 26 de Abril, não podem as partes contraentes acordar eficazmente o foro territorial para as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso, bem como a resolução do contrato por falta de cumprimento.
As referidas causas passaram, em regra, a dever ser propostas no tribunal do domicílio do réu, embora o autor possa optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, se o primeiro for uma pessoa colectiva ou, situando-se o domicílio do autor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana.
Embora inserido em contrato de mútuo, o pacto de competência, pela sua natureza e efeitos de natureza processual, foi validamente celebrado, porque respeitou o preceituado na lei de processo aplicável e não foi afectado por alguma invalidade ou nulidade superveniente.
A alínea a) do n.º 1 do artigo 110.º do Código de Processo Civil, segundo a redacção dada pela Lei 14/2006, de 26 de Abril, aplica-se retroactivamente aos efeitos práticos mediatos dos pactos de preferência celebrados antes da sua entrada em vigor.
A referida alteração da lei de processo está envolvida de eficácia retroactiva porque afecta a eficácia, ou seja, a produção de efeitos práticos e mediatos pelos pactos de competência validamente celebrados no pretérito, designadamente o que aqui está em análise.
Em resultado da mencionada ineficácia superveniente dos efeitos do pacto de competência em causa, a 5.ª Vara Cível de Lisboa, 2.ª Secção, é incompetente em razão do território para conhecer da acção em causa.
O acórdão recorrido, ao confirmar o que foi decidido no tribunal da 1.ª instância, não infringiu, antes cumpriu, à margem de interpretação contrária à Constituição ou aos princípios nela consignados, o disposto nos artigos 6.º da Lei 14/2006, de 26 de Abril, 110.º, n.os 1, 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil e 5.º, n.º 1, e 12.º, n.os 1 e 2, do Código Civil.
Improcede, por isso, o recurso.
Vencido, é o recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil).
IV - Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, condena-se o recorrente no pagamento das custas respectivas e uniformiza-se a jurisprudência relativa ao conflito em causa nos termos seguintes:
«As normas dos artigos 74.º, n.º 1, e 110.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código de Processo Civil, resultantes da alteração decorrente do artigo 1.º da Lei 14/2006, de 26 de Abril, aplicam-se às acções instauradas após a sua entrada em vigor, ainda que reportadas a litígios derivados de contratos celebrados antes desse início de vigência com cláusula de convenção de foro de sentido diverso.» 18 de Outubro de 2007. - Salvador Pereira Nunes da Costa - Manuel Maria Duarte Soares - Fernando de Azevedo Ramos - Manuel José da Silva Salazar - Eduardo Jorge de Faria Antunes - António Manuel Machado Moreira Alves - José Ferreira de Sousa - António Cardoso dos Santos Bernardino - Nuno Pedro de Melo e Vasconcelos Cameira - António Alberto Moreira Alves Velho - Camilo Moreira Camilo - Armindo Ribeiro Luís - João Mendonça Pires da Rosa (com declaração de voto que junto) - Carlos Alberto de Andrade Bettencourt de Faria - José Joaquim de Sousa Leite - Custódio Pinto Montes - Joaquim Manuel Cabral e Pereira da Silva (não está presente mas deixou voto escrito de conformidade) - José Rodrigues dos Santos - João Luís Marques Bernardo - Urbano Aquiles Lopes Dias - João Moreira Camilo - Paulo Armínio e Oliveira e Sá - Artur José Alves da Mota Miranda - Alberto de Jesus Sobrinho - Arlindo de Oliveira Rocha (não está presente mas deixou voto escrito de conformidade) - Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza (com declaração de voto) - José Gil de Jesus Roque - Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos - António José Pinto da Fonseca Ramos - Mário de Sousa Cruz - Rui Hilário Maurício - Luís António Noronha Nascimento.
Declaração de voto
Votei o acórdão, mas afasto-me em alguma medida da respectiva fundamentação pelas razões que sucintamente indico:Quanto à verificação da contradição de jurisprudência, não considero relevante, nem tratar-se, em todos os casos, de cláusulas inseridas em contratos de mútuo, nem de designarem sempre como competente o tribunal de Lisboa. Penso que o que é essencial, para este efeito, é ter havido julgamentos contraditórios quanto à validade de convenções sobre competência territorial para acções relativas a cumprimento de contratos;
Não creio que se deva dizer, sem fazer distinções, que todas as regras de competência são ditadas por razões de interesse e ordem pública. A admissibilidade de alteração convencional das regras de competência territorial (que, como o acórdão dá nota, só começou a ser limitada em 1985 e fundamentalmente por razões de descongestionamento de certos tribunais) é habitualmente explicada justamente por se entender que essas regras não prosseguem esse interesse, sendo indiferente, do ponto de vista da boa administração da justiça, a localização do tribunal que julga.
Estão, por isso, na disponibilidade das partes, em excepção à natureza imperativa das normas processuais;
O princípio da liberdade contratual não vale no domínio do processo. As normas de processo são, por regra, imperativas; é preciso que a lei o preveja especialmente para que possam ser afastadas por vontade das partes. As convenções que apenas regulam a competência não podem ser avaliadas à luz da lei substantiva, porque são convenções puramente processuais, nem sequer se podendo dizer tratar-se de «negócios de duplo efeito»;
Independentemente do sentido com que se utilizem os termos validade ou eficácia, vícios que, aliás, não são restritos aos negócios jurídicos, não acompanho a conclusão que o acórdão retira quanto a esta questão, desde logo porque, relativamente a negócios puramente processuais, não é o momento da celebração do acordo que, em regra, releva. No domínio processual, para determinar a escolha da lei aplicável e a validade ou invalidade de um acto, o que normalmente interessa é o momento da sua prática, mesmo que em acções pendentes; no domínio da competência, e devido aos inconvenientes decorrentes da mudança de tribunal quanto às acções pendentes, releva em regra a lei vigente à data da propositura da acção, não valendo, portanto, o princípio da aplicação imediata. Processualmente, a data do acordo, se anterior à propositura da acção, é irrelevante (pela autonomia da relação processual face à relação substantiva, pelas características da lei de processo, em particular a sua instrumentalidade);
Finalmente, discordo da aproximação entre aplicação imediata da lei de processo e aplicação dessa mesma lei «a situações de pretérito», porque aquele princípio não implica a aplicação retroactiva da lei nova. E discordo absolutamente de que se trate esta hipótese à luz do artigo 12.º do Código Civil. Trata-se de uma disposição de direito transitório geral que não é chamada para resolver um caso em que a própria lei nova tem uma disposição de direito transitório, o artigo 6.º, que regula a sua aplicação no tempo (e sempre teríamos a norma sectorial de aplicação no tempo do artigo 22.º da Lei 3/99).
Ou seja: à luz do direito ordinário, só há que chamar à colação o artigo 6.º da Lei 14/2006. Só sustentando a inconstitucionalidade da solução desenhada pelo legislador, especificamente, para a regra de competência contida na primeira parte do artigo 74.º do Código de Processo Civil (quanto à possibilidade do seu afastamento por convenção) é que se poderia não considerar inválido o pacto, no momento relevante: o da propositura da acção. A questão já foi tratada pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão 691/06 (e por outros que para ele remetem), como se diz no acórdão, em termos que subscrevo. - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza.
Declaração de voto Entendo que o n.º 4 do artigo 111.º do Código de Processo Civil é taxativo e dele só um comando se retira: o de que não há recurso em caso algum para o Supremo Tribunal de Justiça. Se a lei quisesse ter aberto a brecha de admissibilidade teria dito, como diz noutras situações, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível.
Mas a lei não reconhece à questão dignidade ou interesse que a faça chegar ao Supremo Tribunal de Justiça. O que a lei quer é que se diga às partes, sem delongas, qual o tribunal que vai conhecer da sua causa.
Vencido nesta questão, declaro agora: estou inteiramente de acordo com a solução a que chegou o acórdão ... imposta, aliás, pelo artigo 6.º da Lei 14/2006, de 26 de Abril. - Pires da Rosa.
Transcrição do voto a fl. 327
Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça:Joaquim Manuel Cabral e Pereira da Silva, juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, ausente, em serviço oficial, a 18 de Outubro de 2007, declara o seguinte:
Voto, favoravelmente, o projecto de agravo ampliado;
Voto, desfavoravelmente, o projecto de revista ampliada.
Lisboa, 17 de Outubro de 2007. - Joaquim Manuel C. Pereira da Silva.
Transcrição do voto a fl. 328
Exmo. Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça:Declaro para os devidos efeitos que, na próxima sessão do dia 18 de Outubro, voto desfavoravelmente o projecto de revista ampliada e favoravelmente o agravo ampliado.
Consigna-se que esta declaração decorre do facto de me encontrar ausente, mas em serviço oficial.
Lisboa, 17 de Outubro de 2007. - Arlindo de Oliveira Rocha.