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Acórdão 379/2004/T, de 21 de Julho

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Texto do documento

Acórdão 379/2004/T. Const. - Processo 181/2004. - Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - Rogério Rodrigues Martins, com os sinais dos autos, foi investigado em autos de inquérito em cujo âmbito foram determinadas intercepções e gravações de conversas telefónicas.

O despacho que autorizou as referidas escutas telefónicas refere que por se indiciar "fortemente a prática por um grupo de pessoas organizadas, entre as quais Rogério Rodrigues Martins e [...] de vários crimes, nomeadamente falsificação de documento - p. e p. pelo artigo 256.º, n.os 1, alíneas a) e b), e 3 do CP -, contrafacção de chancela - p. e p. pelo artigo 269.º, n.º 1, do CP -, descaminho de objecto colocado sob o poder público - p. e p. pelo artigo 355.º do CP -, associação criminosa - p. e p. pelo artigo 299.º, n.º 1, do CP - e branqueamento de capitais - p. e p. pelos artigos 1.º e 2.º, n.os 1, alínea a), e 3, do Decreto-Lei 325/95, de 2 de Dezembro -, e ainda vários ilícitos de natureza fiscal e aduaneira, e que, "[c]om tais fundamentos, o MP solicita a intercepção e gravação das conversações e comunicações telefónicas estabelecidas pelos seguintes números [...] autorizo a intercepção e gravação das comunicações efectuadas de e para os telemóveis [...] pelo período de 60 dias" (cf. fls. 48 e 49 dos presentes autos).

O Ministério Público (MP) promoveu a prorrogação das operações de escuta telefónica por mais 30 dias, promoção que, por despacho judicial de 21 de Dezembro de 2000 (cf. fl. 53), foi deferida.

Após nova promoção do Ministério Público no sentido da prorrogação destas operações de escuta por mais 30 dias, o juiz de instrução criminal, por despacho de 17 de Janeiro de 2001, autorizou nova prorrogação por mais 30 dias (cf. fls. 275 e 276 dos presentes autos).

Por despacho judicial de 8 de Fevereiro de 2001 (cf. fl. 54), foi ordenada a transcrição em auto das conversas telefónicas constantes das sessões discriminadas, "ao abrigo do disposto no artigo 188.º, n.º 3, do CPP, por considerar que têm elevada relevância probatória alguns dos elementos recolhidos através da intercepção e gravação dos telemóveis inframencionados, que escutei nas instalações da PJ de Coimbra, onde para o efeito me desloquei no dia 30 de Janeiro de 2001".

Notificado da acusação, o ora recorrente arguiu a nulidade das escutas efectuadas nos autos ao abrigo do artigo 189.º do Código de Processo Penal (CPP).

A arguida nulidade foi apreciada na decisão instrutória nestes termos:

"As escutas telefónicas foram devidamente autorizadas pelo juiz, foram levadas ao seu conhecimento findo que foi o período para a qual estavam autorizadas, e foram transcritas após determinação judicial, quando os meios humanos da Polícia Judiciária o permitiram.

Não foi verificada qualquer desconformidade entre o teor da gravação e a transcrição.

Seria absurdo que, com os modernos meios de efectivação das intercepções telefónicas (início e extinção automática pela operadora, de acordo com o despacho judicial fundamentado), o prazo constituísse fundamento de nulidade de um meio de prova que observou os requisitos substanciais exigidos por lei, tendo sido devidamente autorizada e controlada pelo juiz em tempo útil.

Sobre a invocada inconstitucionalidade material, dir-se-á apenas que foram observadas as normas legais que regulam a intercepção telefónica, sendo certo que a reserva da inviolabilidade das telecomunicações não é absoluta, mas relativa, e só pode ser considerada abusiva a intromissão quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenção judicial.

Não se verifica, pois, qualquer inconstitucionalidade.

Face ao exposto indefiro as requeridas declarações de nulidade e inconstitucionalidade." (Cf. fls. 72 e seguintes dos presentes autos.)

Desta decisão, o arguido recorreu directamente para o Tribunal Constitucional, que, por falta da verificação dos pertinentes pressupostos processuais, não tomou conhecimento do objecto do recurso.

O arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo concluído a sua alegação como segue:

"1.ª A intercepção, gravação e transcrição das conversas telefónicas efectuadas nos presentes autos foram efectuadas em violação frontal do disposto no artigo 188.º, n.os 1 e 3, do CPP, pelo que foi cometida nulidade insuprível, aliás desde logo arguida, a qual a lei expressamente prevê no artigo 189.º daquele mesmo diploma legal.

2.ª Tal violação resulta do facto de não ter havido controlo jurisdicional na efectivação daquelas operações, designadamente por não terem tais elementos sido imediatamente apresentados ao M.mº Juiz de Instrução nem por este proferida imediata decisão sobre a selecção e destruição de tal matéria, nos termos constantes.

3.ª Ora, se bem repararmos, certo é que, por douto despacho de 18 de Fevereiro de 2001 (fl. 1383), o M.mº JIC afirma ter ouvido em 30 de Janeiro de 2001, nas instalações da Polícia Judiciária, todo o material interceptado e gravado, mas só em 18 de Fevereiro de 2001 é que ordena a transcrição do que lhe pareceu relevante, que aliás não concretiza claramente.

4.ª Sucede porém que não tendo o despacho de junção sido proferido, mas apenas o de transcrição, não se sabe como e quando esta foi feita.

O que sabemos é que ela foi feita sem controlo do M.mº JIC, que ordenou a sua feitura em 18 de Fevereiro de 2001 e só ordenou a sua junção aos autos em 30 de Abril de 2001 (cf. fl. 1829), precisamente quando elas já lá se encontravam por decisão anterior do Ministério Público, de 27 de Abril de 2001 (cf. fl. 1690).

Só então (em 30 de Abril de 2001) o JIC ordena a destruição do material que considerava irrelevante, quando procedeu à respectiva audição em 30 de Janeiro de 2001 (cf. fl. 1383).

5.ª Do mesmo modo, temos de concluir que tal transcrição apenas é feita em 27 de Abril de 2001 (cf. fl. 1690), ou seja, três meses após o termo da chamada operação de recolha e cerca de dois meses e meio após o M.mº JIC a ter ordenado.

E tudo isto feito por mera iniciativa do MP, sem qualquer intervenção do JIC, que, em violação de toda a exigência legal, desde 18 de Fevereiro de 2002 (fl. 1383) que não mais foi ouvido nem achado.

6.ª Se repararmos bem, verificamos mesmo que foi o ilustre representante do MP quem fez uso indevido dos poderes exclusivamente conferidos por lei (artigo 18.º, n.os 1 e 3, do CPP) ao juiz de instrução, e assim é aquele ilustre magistrado do MP quem, em 30 de Abril de 2001 (cf. fl. 1825), isto é, já depois de ter promovido a junção aos autos das transcrições (cf. fl. 1690), que a secretaria executou sem intervenção do JIC, opina sobre o conteúdo de tais (?) transcrições, seleccionando as que, em seu entender, têm importância e as que, ao contrário, são inócuas para o fim pretendido pelo titular da acção penal.

7.ª Finaliza (fl. 1825) por propor a destruição do material considerado irrelevante, citando abusivamente o teor do artigo 188.º, n.º 3, do CPP, preceito que - com o devido respeito - lhe não concede a ele, mas ao juiz, tais poderes.

É só em 30 de Abril de 2001 (cf. fl. 1829) que o M.mº JIC, por douto despacho, ordena a destruição daquilo que, a fl. 1825, o ilustre representante do MP entende não ter interesse.

8.ª Nesse douto despacho, proferido em 30 de Abril de 2001, o M.mº JIC não declara que ouviu ou seleccionou o que quer que seja, mas tão-só se limita a concordar com a selecção efectuada pelo MP.

Para a elaboração do seu douto despacho de 30 de Abril de 2001, o JIC, como se vê, não ouviu as gravações, não foi ele que seleccionou as partes relevantes, nem foi ele que ordenou as destruições das irrelevantes, apenas se tendo limitado a aderir ao que outros lhe propuseram, conforme resulta com clareza transparente do teor dos despachos em questão.

9.ª Foi pois rejeitada a tramitação imperativamente fixada pela lei em matéria de tão grave responsabilidade para os direitos individuais dos cidadãos - cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Março de 2000, proferido no processo 1145/98, in Sumários de Acórdãos, n.º 31, Março de 2000, p. 73, e de 17 de Janeiro de 2001, in Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano IX, t. 1, pp. 210 e segs.

10.ª E se só em 30 de Janeiro de 2001 (cf. fl. 1383) ouviu material interceptado, segue-se que só três meses depois está a cumprir um dever (o de selecção e destruição) que, sob pena de perda total de controlo, teria de ser exercido naquela data ou, na versão que tacitamente sustenta, pelo menos em 18 de Fevereiro de 2002 (cf. fl. 1383).

11.ª De resto, tendo o douto despacho a fl. 1409, proferido em 23 de Outubro de 2000, autorizado apenas as escutas por 60 dias, nunca estas se poderiam ter prorrogado por mais 30 dias, conforme foi feito e despachado, já que tal prorrogação, para ser admissível legalmente, teria de ser precedida de audição integral, efectuada pelo JIC, do objecto do período inicial das escutas, de avaliação ponderada e de despacho fundamentado nessa audição e avaliação, o que não foi feito (cf., para encurtar razões, as que neste sentido são aduzidas no Acórdão 347/2001 do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 9 de Novembro de 2001).

12.ª Termos em que, com o procedimento atrás referido, se encontra violado o disposto nos artigos 188.º, n.os 1 e 3, do CPP, pois, como se demonstrou, não foram respeitadas as exigências legais que nesse preceito se consignam para a intercepção e gravação das escutas telefónicas, sendo que, como avisadamente se pronunciou o Tribunal Constitucional (cf. Acórdão deste Tribunal de 21 de Maio de 1997, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 467, pp. 199 e segs.), sempre aqueles preceitos padecem de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 32.º, n.º 6, da CRP, se interpretados de modo a consentir que as recolhas se pudessem processar do modo como os autos documentam ter-se elas efectivamente processado, ou seja, sem o acompanhamento ou controlo jurisdicional devido." (Cf. fls. 2-27 dos presentes autos.)

Posteriormente, o recorrente veio aos autos invocar erro material, pois onde se referia ao artigo 32.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa (CRP) queria referir-se ao artigo 32.º, n.º 8, da Constituição (cf. fl. 282).

Por acórdão proferido em 7 de Janeiro de 2004, o Tribunal da Relação de Coimbra negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida (cf. fls. 349-361).

Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, tendo dito no respectivo requerimento:

"1 - A fl. 3225 dos autos, com reafirmação a fls. 3383, 3449 e 3488 e seguintes, o ora recorrente arguiu a inconstitucionalidade material do artigo 188.º, n.os 1 e 3, do Código de Processo Penal, por violação do princípio constitucional da legalidade e da proporcionalidade consagrado no artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa, na concreta interpretação que daqueles preceitos fora feita nos autos, isto é, de consentir que os actos de intercepção, gravação e transcrição das escutas telefónicas tivessem sido efectuadas sem controlo jurisdicional.

2 - Designadamente por não terem tais elementos sido apresentados imediatamente ao juiz de instrução, por este não ter ouvido em tempo razoável o material escutado, por não ter procedido à posterior selecção e destruição do material espúrio e por ter prorrogado o prazo de efectivação das escutas sem proceder à audição e análise do material recolhido durante o período inicial para as quais elas tinham sido autorizadas.

3 - No momento processualmente correcto, após o debate instrutório, a Sr.ª Juíza de Instrução declarou encerrada a instrução e, conhecendo expressamente do vício de inconstitucionalidade arguido pelo ora recorrente, decidiu não se verificar o vício apontado.

4 - Deste douto despacho interpôs o ora recorrente o competente recurso para fiscalização concreta da constitucionalidade do artigo 188.º, n.os 1 e 3, do CPP, na concreta interpretação que lhe havia sido dada aquele douto despacho, o qual, dirigido então ao Tribunal Constitucional, foi admitido e mandado subir.

5 - Por entender não se encontrarem ainda esgotados os recursos ordinários que no caso caberiam, decidiu aquele Tribunal não poder então conhecer ainda do recurso.

6 - Com respeito integral e escrupuloso pelos prazos consagrados nos artigos 75.º, n.º 1, e 80.º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional, veio então o ora recorrente a interpor o competente recurso para este Tribunal da Relação, o qual foi admitido e mandado subir, para que se conhecesse também dos vícios de inconstitucionalidade do artigo 188.º, n.os 1 e 3, do CPP, que voltaram a ser arguidos nesta instância (cf., por todas, o cabeçalho e a conclusão 12.ª da respectiva motivação).

7 - Por douto acórdão de que ora se recorre, foi decidido negar provimento ao recurso e confirmar integralmente a decisão recorrida.

8 - O que quer dizer que, embora nos pareça - sempre salvo o devido respeito - que a questão de inconstitucionalidade foi no douto acórdão recorrido subalternizada em relação à questão da nulidade stricto sensu, bem certo é que as considerações nele produzidas a p. 13, e sobretudo a decisão de confirmar integralmente a decisão recorrida, a qual, como se sabe, havia expressamente conhecido do vício de inconstitucionalidade arguido, não deixam dúvidas sobre o entendimento do acórdão quanto à não violação, no caso concreto, de qualquer preceito constitucional.

9 - Assim não o entende o ora recorrente, sempre com o devido respeito por opinião contrária, e por isso, esgotados agora os recursos ordinários (artigo 432.º do CPP, a contrario), está o Tribunal Constitucional em condições de conhecer do presente recurso.

10 - O presente recurso, limitado à questão da inconstitucionalidade arguida na instrução e na motivação de recurso e decidida agora no douto acórdão ora recorrido, que decidiu confirmar a decisão do JIC, está a ser interposto em tempo (artigo 75.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional).

11 - E visa obter declaração de inconstitucionalidade material do artigo 188.º, n.os 1 e 3, do CPP, na concreta interpretação que daqueles preceitos fez a decisão instrutória e também, por confirmação da mesma, o douto acórdão da Relação ora recorrido, por violação do princípio da legalidade e da proporcionalidade, consagrado no artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa.

Por que está em tempo (artigo 75.º, n.º 1) e tem legitimidade (artigo 72.º, n.º 2), requer a V. Ex.ª se digne admitir o recurso ora interposto, o qual sobe imediatamente e nos próprios autos." (Cf. fls. 365-367 dos presentes autos.)

Admitido o recurso neste Tribunal, foram apresentadas alegações, peça processual em que se concluiu como segue:

"1.ª Ao proferir o despacho de 21 de Dezembro de 2000, através do qual, por remissão para os fundamentos do que proferira em 23 de Outubro de 2000, decidiu prorrogar por mais 30 dias as intercepções telefónicas do arguido, inicialmente autorizadas apenas por um período de 60 dias, como ao proferir o despacho de 17 de Janeiro de 2001, prolongando ainda mais por igual período de tempo a referida recolha, sem em qualquer daqueles casos ter procedido à audição (e operações subsequentemente exigíveis) do material recolhido, o que só veio a fazer em 30 de Janeiro de 2001, mais de três meses após o início das mesmas, tudo ao abrigo do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, conforme foi explicitamente acolhido na decisão instrutória e agora no Tribunal da Relação, fizeram aquelas instâncias interpretação daquele preceito contra as normas e princípios constitucionais, que o tornam necessariamente afectado de inconstitucionalidade material, designadamente com violação manifesta do princípio da legalidade, da proporcionalidade e da subsidiariedade consagrado no artigo 32.º, n.º 8, da Constituição, pois que a excepção prevista na última parte do n.º 4 do artigo 34.º da nossa lei fundamental não se compadece com tal desproporcionalidade.

2.ª Na verdade, a excepção concretizada na lei ordinária (artigo 188.º do CPP) estabelece um regime próprio e imperativo de autorização e controlo dessas intromissões na esfera privada dos cidadãos, ordenando que o auto de recolha, juntamente com as fitas gravadas ou elementos análogos, seja imediatamente levado ao conhecimento do juiz, o que não foi feito no caso vertente, em que tais intercepções foram autorizadas em 23 de Outubro de 2000, por um período de 60 dias, prorrogado por duas vezes por novos períodos de 30 dias cada um, e todo o material recolhido durante esses três períodos só foi levado ao conhecimento do juiz mais de três meses após, ou seja, em 30 de Janeiro de 2001.

3.ª Conforme justamente se fez assinalar no recente Acórdão deste Tribunal Constitucional de 31 de Outubro de 2003, a expressão imediatamente constante do texto do preceito (artigo 188.º, n.º 1, do CPP) 'terá de pressupor um efectivo acompanhamento e controlo da escuta pelo juiz que a tiver ordenado, enquanto as operações em que esta se materializa decorrerem', o que nunca poderá suceder quando se verifique, pelos autos, a inexistência desse controlo por largos períodos de tempo, como sucedeu no caso vertente.

4.ª No caso concreto que deu origem àquela decisão do Tribunal Constitucional de 31 de Outubro de 2003, a falta de controlo do juiz demonstra-se durante um período de 38 dias, mas no caso vertente essa ausência de controlo jurisdicional manifestou-se nada mais nada menos do que durante 97 dias (!) - de 23 de Outubro de 2000 a 30 de Janeiro de 2001 -, e isto com sucessivas prorrogações de prazo 'interlocutórias'.

5.ª Tal recolha efectuou-se antes e após a publicação do Decreto-Lei 320-C/2000, de 15 de Dezembro, que alterou a redacção daquele preceito (artigo 188.º, n.º 1, do CPP), sem modificar o conteúdo essencial do mesmo, cuja violação vimos arguindo, ou seja, sem alterar a exigência do imediatismo nele consagrado, antes o reforçando, conforme se vê do seu texto e do respectivo preâmbulo.

6.ª Deve pois este Tribunal Constitucional julgar inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 8, 34.º, n.os 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República, a norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (na redacção anterior e posterior à entrada em vigor do Decreto-Lei 320-C/2000, de 15 de Dezembro), quando interpretada no sentido de não impor que o auto da intercepção e gravação de conversações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz, designadamente quando tal só seja feito 97 dias após o início das mesmas e ultrapassado em 37 dias o período inicial durante o qual elas foram autorizadas.

7.ª Por outro lado, certo é que só em 18 de Fevereiro de 2001, ou seja, quase quatro meses após o início das intercepções, é que a M.mª JIC declara tê-las ouvido em 30 de Janeiro de 2001 e ordena a consequente transcrição, para o efeito invocando o disposto no artigo 188.º, n.º 3, do CPP.

8.ª E só em 30 de Abril de 2001 é que a M.mª JIC ordenou a junção aos autos dessas transcrições, quando, aliás, elas já lá se encontravam por decisão do Ministério Público de 27 de Abril de 2001, tendo aí ordenado então a destruição do material espúrio, sob promoção do titular da acção penal.

9.ª Ora dispõe o n.º 3 do artigo 188.º do CPP que a selecção do material a transcrever ou a destruir e a junção daqueles primeiros elementos ao processo devem ser efectuados pelo JIC aquando da audição do material recolhido, que, no caso vertente, embora tardiamente, sabemos ter sido efectuada em 30 de Janeiro de 2001.

10.ª Trata-se de direito fundamental de o arguido não ver a sua intimidade devassada 'na praça pública', nas mãos da polícia ou de quem quer que seja, por isso a lei ordinária, em consonância com as garantias constitucionais de inviolabilidade de comunicação previstas no artigo 34.º, n.os 1 e 4, da CRP, impõe também, para além da simultaneidade das operações referidas no n.º 3 daquele artigo 188.º, o dever de segredo em relação a todos os participantes nelas.

11.ª A excepção constante da parte final do n.º 4 do artigo 34.º da CRP, à luz do disposto no artigo 32.º, n.º 8, da nossa mesma lei fundamental, não se compadece com a interpretação e aplicação segundo a qual a selecção do material a transcrever, a ordem para transcrição dos elementos considerados relevante e a ordem para destruição dos julgados irrelevantes, bem como a ordem de junção aos autos daqueles primeiros elementos, não sejam efectuadas imediatamente após a audição pelo JIC do material das escutas, mas possam sê-lo posteriormente, designadamente a ordem para transcrição - 19 dias após a audição se ter efectuado (18 de Fevereiro de 2001) e quase quatro meses após o início das escutas - e a da destruição dos elementos considerados irrelevantes com ordem de junção dos relevantes - nada mais nada menos do que três meses (30 de Abril de 2001) após a audição se ter efectuado e mais de cinco meses após o início das escutas.

12.ª Na interpretação que aceite ter com tal comportamento sido respeitado o texto e a ratio de tal preceito (artigo 188.º, n.º 3, do CPP), encontrar-se-á ele sempre ferido de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade, da proporcionalidade e da subsidiariedade consagrados nos artigos 32.º, n.º 8, 34.º, n.os 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República.

13.ª Deve pois este Tribunal Constitucional julgar inconstitucional, por violação das disposições conjugadas nos artigos 32.º, n.º 8, 34.º, n.os 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República, a norma constante do artigo 188.º, n.º 3, do CPP, quando interpretada no sentido de não impor que a selecção do material recolhido na intercepção e gravação das comunicações telefónicas, com ordem de transcrição dos elementos considerados relevantes e destruição dos elementos julgados irrelevantes, seja efectuada e determinada imediatamente após a correspondente audição, mas possa sê-lo posteriormente, designadamente 19 dias após (a ordem para transcrição) tal audição ter tido lugar e 90 dias após (a ordem para destruição) a mesma data e, respectivamente, quatro e cinco meses após o início das escutas.

Termos em que se termina com o pedido de declaração de inconstitucionalidade material dos n.os 1 e 3 do artigo 188.º do Código de Processo Penal, nos precisos termos formulados nas conclusões 6.ª e 13.ª das presentes alegações, cujo teor aqui se dá como reproduzido para evitar repetições inúteis, com as consequências legais a retirar pelo Tribunal da Relação de Coimbra, assim se fazendo a habitual e subida justiça." (Cf. fls. 372-386 dos presentes autos.)

O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto em exercício neste Tribunal contra-alegou, tendo firmado as seguintes conclusões:

"1.ª Viola os artigos 32.º, n.º 8, 31.º, n.os 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição uma interpretação normativa do n.º 1 do artigo 188.º do Código de Processo Penal no sentido de que uma intercepção telefónica inicialmente autorizada por 60 dias pode continuar a processar-se, sendo prorrogada por novos períodos, ainda que de menor duração, sem que previamente o juiz de instrução controle e tome conhecimento do conteúdo das gravações.

2.ª Não viola qualquer norma ou princípio constitucional uma interpretação normativa do n.º 3 do mesmo preceito segundo a qual, tendo o juiz de instrução tomado conhecimento do conteúdo das comunicações e determinado quais as que devem ser transcritas e aquelas cujos elementos devem ser destruídos, a concretização processual de tais ordens não venha a ocorrer de forma imediata, nos mesmos termos em que esta expressão deve ser entendida para efeitos do n.º 1 do citado artigo 188.º do Código de Processo Penal.

3.ª Termos em que apenas parcialmente deverá o presente recurso proceder." (Cf. fls. 388-392.)

Cumpre apreciar e decidir.

2 - A parte largamente dominante do acórdão recorrido é composta por extensos excertos de dois outros arestos da Relação de Coimbra, a cuja doutrina expressamente se adere.

No primeiro desses acórdãos, que teria sido proferido sobre o mesmo despacho judicial, o conhecimento do mérito do recurso reporta-se à alegação de que as escutas telefónica tinham sido realizadas por sugestão policial, sem controlo e acompanhamento judicial.

Nele se começa por expor o enquadramento jurídico-constitucional das escutas telefónicas como meio de prova em processo penal, salientando-se que ele colide com bens e interesses de matriz constitucional (direito ao segredo das comunicações privadas, direito à palavra e à intimidade) e que, de acordo com o princípio da ponderação dos interesses em confronto, a lei deve ser objecto de uma interpretação restritiva - tendo presente o princípio da proporcionalidade a restrição dos direitos constitucionalmente consagrados deve limitar-se ao estritamente necessário à salvaguarda do interesse constitucional na descoberta de um concreto crime e punição do seu agente.

Os artigos 187.º e 188.º do CPP consagrariam as soluções que o legislador considerou proporcionadas e adequadas na conciliação, ou no sacrifício recíproco e equilibrado, dos referidos interesses em confronto.

Aprecia-se depois a questão de saber se as escutas podem ter na sua origem uma "sugestão policial", respondendo-se afirmativamente.

Decide-se, depois, que "não pode dizer-se que as escutas em causa se tenham processado sem qualquer controlo e acompanhamento judicial".

Para assim concluir, e depois de transcrever o artigo 188.º, n.os 1 e 3, do CPP, diz-se que as formalidades ali prescritas foram, "no essencial", cumpridas, salientando-se o facto de as escutas terem sido autorizadas por um período de 60 dias, prorrogado por dois períodos, de 30 dias cada um, tendo-se o juiz de instrução deslocado às instalações da PJ de Coimbra, quando ainda decorria o segundo período de prorrogação, e aí ouvido o resultado das escutas, ordenando, depois, a transcrição em auto das conversas de determinadas sessões.

Conhece, depois, da fundamentação de diversos despachos e, finalmente, do facto de as transcrições não terem sido efectuadas em discurso directo, decidindo não se verificar qualquer ilegalidade.

O segundo acórdão, parcialmente transcrito, começa por referir a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o conceito de "imediatamente" empregue no artigo 188.º, n.º 1, do CPP (Acórdão 407/97), acentuando que, mesmo nas interpretações mais restritivas, "não se chega a uma fixação de um concreto prazo para definir o termo 'imediatamente'", sem deixar, ainda, de aludir ao voto de vencido exarado naquele aresto.

Conhecendo da questão de saber se as escutas podem ser autorizadas sem limitação temporal, responde afirmativamente.

Diz-se, depois, que, no caso de as escutas serem autorizadas sem limitação temporal, está o juiz a conceder às autoridades policiais que iniciem as escutas e as mantenham enquanto for de interesse para a investigação, podendo sempre dar por finda a autorização e exigir às autoridades policiais a apresentação imediata, no mais curto prazo de tempo, do auto e das gravações.

Deverá, ainda, ser dado "algum tempo" para a apresentação do auto e das gravações, "pois que estas devem chegar ao conhecimento do tribunal com a indicação das passagens das gravações ou elementos análogos considerados relevantes para a prova".

No caso, entendeu-se que os elementos em causa tinham sido submetidos à apreciação judicial "imediatamente", mediando dois meses entre o início das intercepções e gravações e a apresentação do auto e gravações ao juiz de instrução.

Decide-se, ainda, que houve controlo judicial das escutas num caso em que o auto com as gravações e passagens tidas como relevantes foi apresentado ao juiz mais de quatro meses depois de iniciadas as escutas, tendo em conta que só tinha havido gravações num período de cerca de mês e meio.

Finalmente, julga-se não ter ocorrido violação do artigo 188.º, n.º 3, do CPP por ter sido a PJ quem seleccionou e transcreveu os excertos das gravações consideradas com interesse.

A estes excertos, o acórdão recorrido apenas adita:

"Nada vemos que se possa considerar para alterar a posição que tem sido mantida por este Tribunal, muito embora o douto parecer junto.

Acresce que se olvida que a direcção do inquérito pertence ao MP, podendo delegar a realização de quaisquer diligências aos órgãos de polícia criminal, pelo que estes só àquelas autoridades judiciárias podem sugerir as diligências que entendam pertinentes à prossecução da investigação que lhes está cometida.

Tal decorre do disposto nos artigos 267.º, 268.º e 269.º do Cód. Proc. Penal.

Na conclusão 8.ª parece que o recorrente labora, salvo o devido respeito, numa confusão de raciocínio, pois basta verificar que o M.mº Juiz se deslocou às instalações da PJ e aí procedeu às escutas (fl. 54). O que significa 'escutar', como consta do despacho? Como se pode dizer que não seleccionou ou ordenou a destruição? Quando no mesmo despacho menciona-se 'ordeno a transcrição em auto das conversas constantes das sessões a seguir discriminadas'.

Extrapolar do constante dos autos, só através de uma interpretação que não é permitida.

[...]"

Toda esta síntese é necessária para apurar quais as interpretações normativas que se fazem no acórdão recorrido e para as compaginar com as que o recorrente pretende ver sindicadas.

A este último propósito não se deixará de dizer que, perante os termos do requerimento de interposição de recurso, deveria o relator convidar o recorrente a precisar as interpretações normativas questionadas, uma vez que, em tal peça, apenas se remete para a "concreta interpretação que daqueles preceitos fez a decisão instrutória e também, por confirmação da mesma, o douto acórdão da Relação ora recorrido".

Não o fez e há, pois, que atender agora às questões que o recorrente identifica nas suas alegações e verificar se elas se adequam ao que, em sede de interpretação normativa, se decidiu no acórdão recorrido.

Tarefa que se reveste de alguma complexidade, fundamentalmente, por duas ordens de razões.

Em primeiro lugar, por os acórdãos transcritos no acórdão recorrido versarem sobre questões em grande parte não coincidentes com as que o recorrente suscitou no recurso para a Relação de Coimbra.

Em segundo lugar, por, nesses mesmo acórdãos, se tecerem considerações de ordem teórica, nem sempre prestáveis para surpreender as interpretações normativas que, apesar daquelas considerações, vieram em concreto a ser adoptadas.

Trata-se, com efeito, de uma matéria em que a suposta aplicação das mesmas considerações teóricas acaba, muitas vezes, por "insinuar" outras interpretações ou, pelo menos, por revelar, com maior precisão, os contornos da teoria sustentada.

E é aí que os factos tidos em conta como relevantes assumem um particular relevo, sendo certo que o Tribunal Constitucional não pode sindicar, sub specie constitutionis, os juízos formulados no acórdão recorrido com base em factualidade diversa daquela em que assentaram aqueles juízos.

No que concerne à norma do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, o recorrente põe em causa uma interpretação segundo a qual se cumpre aquele comando quando o juiz prorroga o período de intercepção e gravação das escutas sem previamente ouvir as gravações efectuadas, o que violaria o disposto nos artigos 32.º, n.º 8, 34.º, n.os 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da CRP; e também se verificaria esta violação da Constituição quando aquela norma é interpretada em termos de se considerar cumprida a exigência de acompanhamento e controlo judicial das escutas quando entre o início das intercepções e gravações e a sua audição medeiam mais de três meses.

Neste ponto, o acolhimento do que se decidiu no primeiro acórdão transcrito, o qual - repete-se - incidiu sobre o mesmo despacho judicial, não pode deixar de significar que foi adoptada a aludida interpretação normativa: o entendimento de que a audição das escutas, feita pelo juiz em 30 de Janeiro de 2001 (na pendência do segundo período de prorrogação), cumpre a exigência de acompanhamento e controlo judiciais das escutas implica qualquer das duas citadas interpretações.

No que concerne à norma do artigo 188.º, n.º 3, do CPP, o recorrente põe em causa a constitucionalidade de uma interpretação segundo a qual se não exige que a ordem judicial de transcrição das escutas se faça logo que o juiz tem delas conhecimento (no caso, o conhecimento data de 30 de Janeiro de 2001 e a ordem é dada em 18 de Fevereiro de 2001); por outro lado, é, ainda, questionada, na perspectiva da sua constitucionalidade, a interpretação de que as ordens de junção da transcrição a de destruição do material espúrio podem ser proferidas três meses depois de ouvido o resultado das escutas e de seleccionado o material a transcrever (segundo o recorrente, essas ordens só foram dadas em 30 de Abril de 2001, sendo que a junção já fora efectuada em 27 de Abril de 2001 por iniciativa do MP, sem intervenção do juiz de instrução criminal).

Ora, neste aspecto, há que evidenciar uma discrepância fundamental entre o que alega o recorrente, em matéria de facto, e o que se afigura ter sido o suporte fáctico da solução de direito dada no acórdão recorrido.

Com efeito, o recorrente impugna o decidido, sempre tendo em conta que a ordem de junção da transcrição e de destruição do material espúrio se consubstancia num despacho de 30 de Abril de 2001.

A verdade é que em parte alguma dos autos se dá conta desse despacho, supostamente proferido a fl. 1829, isto apesar de o recorrente ter pedido certidão da folha respectiva (requerimento a fl. 10) e de a fl. 1825 (ou fl. 61 dos presentes autos) constar uma promoção do MP (com data de 30 de Abril de 2001) no sentido da destruição de determinados elementos irrelevantes.

Sucede, porém, que, para além de o acórdão recorrido se não referir a esse despacho, dele se colhe - através do que, em forma interrogativa, se diz no último parágrafo supratranscrito - que o aresto aceita que no despacho de 18 de Fevereiro de 2001 o juiz seleccionou o material a transcrever e também ordenou (o que só pode admitir-se como implícito) a sua destruição.

Não pode o Tribunal - como se disse - apreciar a correcção deste juízo em matéria de facto; mas, sendo assim, não é de aceitar que a segunda interpretação questionada do artigo 188.º, n.º 3, do CPP (indissoluvelmente ligada à matéria de facto) tenha sido adoptada no acórdão recorrido.

E que dizer da referida primeira interpretação do mesmo preceito legal ?

Nada no acórdão recorrido se refere, quer nas palavras que dele são próprias quer nos acórdãos nele transcritos, a propósito da questão relativa à diferença temporal entre a data do conhecimento das escutas pelo juiz de instrução e a da ordem de transcrição (questão, aliás, colocada pelo recorrente nas alegações de recurso para a Relação de Coimbra - conclusão 3.ª).

Não pode, assim, o Tribunal aceitar que a norma do artigo 188.º, n.º 3, do CPP, na interpretação em causa, tenha sido aplicada, mesmo implicitamente, no acórdão recorrido.

Fica pois para apreciar a constitucionalidade da norma do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, nas duas interpretações acima referidas.

É o que se passa a fazer.

3 - As questões de constitucionalidade suscitadas não são novas para o Tribunal Constitucional, que já teve ocasião para sobre elas se pronunciar nos Acórdãos n.os 407/97, de 21 de Maio, e 347/2001, de 10 de Julho, e, mais recentemente, no Acórdão 528/2003, de 31 de Outubro, que para aqueles dois primeiros remeteu (cf. www.tribunalconstitucional.pt).

No Acórdão 407/97, este Tribunal decidiu "julgar inconstitucional, por violação do disposto no n.º 6 do artigo 32.º da Constituição, a norma do n.º 1 do artigo 188.º do Código de Processo Penal quando interpretado em termos de não impor que o auto da intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns deles, e bem assim, também atempadamente, a decidir, antes da junção ao processo de novo auto da mesma espécie, sobre a manutenção ou alteração da decisão que ordenou as escutas".

No Acórdão 347/2001, em que se trouxe também à colação a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre a problemática das escutas telefónicas, escreveu-se que "'cobrir' situações como a de o auto de transcrição ser apresentado ao juiz meses depois de efectuadas a intercepção e gravação das comunicações telefónicas, mesmo tendo em conta a gravidade do crime investigado e a necessidade daquele meio de obtenção de prova, restringe despropositadamente o direito à inviolabilidade de um meio de comunicação privada e faculta uma ingerência neste meio para além do que se considera ser constitucionalmente admissível.

Ficar no desconhecimento do juiz, durante tal lapso de tempo, o teor das comunicações interceptadas, significa o desacompanhamento próximo e o controlo judiciais do modo como a escuta se desenvolve.

[...]

Por outro lado, autorizar novos períodos de escuta, a mero requerimento do Ministério Público, sem que a autorização seja precedida do conhecimento judicial do resultado da intercepção anterior, continua a significar a mesma ausência de acompanhamento e de controlo por parte do juiz".

No Acórdão 528/2003, salientando a evolução da jurisprudência mais recente do TEDH, o Tribunal Constitucional considerou "inconstitucional a interpretação do n.º 1 do artigo 188.º do Código de Processo Penal, na redacção anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 320-C/2000, de 15 de Dezembro, que foi acolhida pela decisão recorrida. Com efeito, entender que situações como as que ocorreram no presente processo - em que os autos de intercepção e gravação de conversações telefónicas que tinham sido entretanto autorizadas só foram levados ao conhecimento do juiz que as ordenou 38 dias depois de elas terem tido início - são ainda abrangidas pela expressão imediatamente, colide frontalmente com os interesses que se pretendem acautelar com aquela exigência, na medida em que impede o seu acompanhamento próximo pelo juiz".

Ora, verifica-se que esta jurisprudência do Tribunal Constitucional, para cuja fundamentação se remete e se dá aqui por reproduzida, mantém inteira validade para o caso em apreço, o que leva que se considere inconstitucional a norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de a intercepção telefónica, inicialmente autorizada por 60 dias, poder continuar a processar-se, sendo prorrogada por dois novos períodos (de 30 dias cada um), sem que previamente o juiz de instrução controle e tome conhecimento do conteúdo das conversações, por violação dos artigos 32.º, n.º 8, 34.º, n.os 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição, bem como a mesma norma, na interpretação segundo a qual a primeira audição da gravação das escutas telefónicas pelo juiz de instrução pode ocorrer durante o aludido segundo período de prorrogação.

5 - Decisão:

Pelo exposto e em conclusão, decide-se:

a) Não conhecer do objecto do recurso, relativamente à norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal;

b) Julgar inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 8, 43.º, n.os 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, quer na redacção anterior quer na posterior à que foi dada pelo Decreto-Lei 320-C/2000, de 15 de Dezembro, quando interpretada no sentido de uma intercepção telefónica, inicialmente autorizada por 60 dias, poder continuar a processar-se, sendo prorrogada por novos períodos, ainda que de menor duração, sem que previamente o juiz de instrução tome conhecimento do conteúdo das conversações;

c) Julgar inconstitucional, por violação dos mesmos preceitos da Constituição da República Portuguesa, a citada norma na interpretação segundo a qual a primeira audição, pelo juiz de instrução criminal, das gravações efectuadas pode ocorrer mais de três meses após o início da intercepção e gravação das comunicações telefónicas.

Consequentemente, concede-se provimento ao recurso, devendo o acórdão recorrido ser reformulado de acordo com o presente juízo de constitucionalidade.

Sem custas.

Lisboa, 1 de Junho de 2004. - Artur Maurício (relator) - Rui Moura Ramos - Pamplona de Oliveira - Maria Helena Brito - Luís Nunes de Almeida.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2230781.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1995-12-02 - Decreto-Lei 325/95 - Ministério da Justiça

    ESTABELECE MEDIDAS DE NATUREZA PREVENTIVA E REPRESSIVA CONTRA O BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS E DE OUTROS BENS PROVENIENTES DOS CRIMES NELE INDICADOS, PARA ALEM DO QUE JÁ SE ENCONTRA ESTIPULADO, NA MESMA MATÉRIA, QUANTO AOS BENS PROVENIENTES DO TRÁFICO DE DROGA E PRECURSORES. ALARGA, DESTE MODO, O ÂMBITO DAS ACTIVIDADES SUSCEPTÍVEIS DE UTILIZAÇÃO PARA BRANQUEAMENTO, DESIGNADAMENTE, NO QUE SE REFERE AS PRÁTICAS DE JOGO, MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, COMPRA E REVENDA DE IMÓVEIS, PAGAMENTOS DE BILHETES OU TÍTULOS AO PORTA (...)

  • Tem documento Em vigor 2000-12-15 - Decreto-Lei 320-C/2000 - Ministério da Justiça

    Altera o Código de Processo Penal, estabelecendo medidas de simplificação e combate à morosidade processual.

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