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Acórdão 255/2003/T, de 2 de Julho

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Texto do documento

Acórdão 255/2003/T. Const. - Processo 651/2002. - Acordam, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - Fernanda de Oliveira Proença, Lda., identificada nos autos, interpõe recurso para este Tribunal, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, do acórdão proferido pelo STA (pleno), a fls. 173 e seguintes, pedindo a apreciação da constitucionalidade das normas contidas nos artigos 2.º, n.º 2, e 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

Admitido o recurso no tribunal a quo, foi proferido pelo relator do presente recurso despacho (fl. 211) que determinou alegações, limitando o objecto da impugnação à norma do artigo 3.º, n.º 3, do CPC em conjugação com o disposto no artigo 109.º, n.º 2, da LPTA.

Nas alegações que produziu, formulou a recorrente as seguintes conclusões:

"1 - Termos em que ao decidir como decidiu, o acórdão recorrido recusou a aplicação de norma inserta no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, na interpretação e aplicação que deve ter, denegando o conhecimento à recorrente da justificação da decisão de inexistência de oposição de acórdãos, o que preenche o fundamento previsto na alínea a) do n.º 1.

2 - Ao utilizar as normas referidas no processo de oposição de acórdãos - v. artigos 767.º, 768.º e seguintes do Código de Processo Civil e artigo 109.º da LPTA - como forma de denegar a apreciação dessa oposição, violou os princípios consignados nos artigos 203.º e 205.º, n.º 1, alínea a), da CRP, referidos à interpretação e aplicação que devem ter, mormente dando a conhecer a concreta fundamentação de direito da consideração da inexistência da oposição de acórdãos.

3 - Essa mesma utilização constitui mero instrumental para, de novo, denegar e violar o princípio consignado no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, na interpretação e aplicação que deveria ter face ao conteúdo das mesmas normas e princípios da lei fundamental - preenchendo também o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional.

4 - Está em causa, perante o disposto no artigo 249.º, n.º 1, do CPT, a susceptibilidade de consideração de falta de indicação do acto e facto tributário, com todos os caracteres que deve conter o título executivo, no momento em que é dado a conhecer ao recorrente, como modo de constituição da nulidade referida à sua extracção, não corresponde àqueles caracteres, por modo que se evidencie ter sido facultada à recorrente e em pleno a organização da sua defesa e utilização dos meios que a lei lhe confere para garantia dos seus interesses e direitos.

5 - No acórdão proferido pelo STA, fora estabelecida orientação jurisprudencial de impossibilidade dessa sanação em momento posterior à citação do executado.

6 - O Tribunal Central Administrativo, ao não considerar esse vício como fundamento dessa anulação, revogando a decisão de 1.ª instância que a reconhecera, fundou-se em presunção de conhecimento do facto tributário pelo recorrente para momento em que se não mostra evidenciado.

7 - Era para esse momento e não para outro que, nos termos do artigo 224.º do CPT, se pretende reportar o título, como forma de reproduzir com força e prerrogativa executória a reunião de todos os caracteres indispensáveis à constituição de uma quantia certa, líquida e exigível, e esses caracteres não se mostram contidos naquele acto.

8 - A tentativa de eliminação de tal vício, por ofício posterior junto aos autos de execução, após oposição do executado, não reproduz os requisitos do artigo 249.º, n.º 1, alínea d), do CPT, para o momento integrado da previsão normativa, isto é, enquanto efeito de um outro acto que nos termos em que foi comunicado não contém os factos próprios e indispensáveis para liquidação de um imposto não periódico.

9 - O conhecimento ocioso deste vício é poder de quem instrui os autos, perante a falta de caracteres que o título apresenta até à data da citação.

10 - A decisão recorrida negou a fundamentação da inexistência de oposição de acórdãos, o que, no caso, reflectida sobre a interpretação que foi feita de normas prevista no CPT -artigo 249.º-, constitui uma dupla negação do exercício do contraditório, não só pela falta de garantia conferida à recorrente para usar os meios que a lei lhe confere para defesa dos seus interesses, atribuindo-lhe indevidamente força executória imediata, como também pela própria negação da sua justificação, em que se mostra emitida pelo tribunal recorrido, violou o princípio do contraditório previsto no artigo 3.º, n.º 3, do Código do Processo Civil, através do exercício jurisdicional que lhe foi peticionado, no âmbito do recurso de oposição de acórdãos, previsto na LPTA e a que subsidiariamente se aplicam as disposições do artigo 767.º do Código de Processo Civil, perante a interpretação e aplicação que deveriam ter, o que não foi feito, face às normas e princípios contidos nos artigos 203.º, 206.º, n.º 1, e artigo 268.º, n.os 3 e 4, da Constituição da República Portuguesa.

11 - Termos em que a decisão recorrida violou por errada interpretação e aplicação o disposto nos preceitos e normas identificados, o que preenche os fundamentos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional.

Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, apreciando-se e reconhecendo-se os vícios de violação à lei fundamental praticados na decisão recorrida, anulando-se esta e remetendo a mesma ao Supremo Tribunal Administrativo para, concretamente e com referência à mesma questão doutrinária, referida à falta de caracteres do título executivo, enquanto vício insanável em momento posterior à citação do executado, referidos a falta de conhecimento dos factos tributários, no confronto do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo perante aqueloutro que o tribunal emitente veio a proferir, e em que o primeiro dos arestos citados não obedece à orientação última identificada, justificar a consideração de que entre ambos, e para o sentido decisório neles estabelecido, inexiste oposição, mediante a concreta fundamentação de facto e de direito que lhe compete, enquanto no exercício da actividade jurisdicional e intralegal que lhe foi peticionada exercer, o que se não mostra realizado."

Contra-alegou o representante da Fazenda Pública, sustentando, depois de salientar a delimitação do objecto do recurso feita no despacho do relator, que:

"Na sua alegação de recurso, a recorrente não imputa qualquer inconstitucionalidade ao artigo 3.º, n.º 3, antes clamando pela sua aplicação, pretendendo que lhe foi negado conhecimento da justificação da oposição de acórdãos.

A recorrente mais não faz do que arguir que a decisão em apreço se reconduziu à violação do contraditório prevista no artigo 3.º, n.º 3, do CPC.

Por a recorrente não ter produzido alegações conforme o douto despacho a fl. 211, ficou inviabilizado o conhecimento do recurso."

Notificada para responder à questão prévia levantada pelo recorrido, disse a recorrente, na parte que interessa:

"3 - Sucede, porém, que a recorrente alegou; julga-se no entanto pretender o Digníssimo Representante da Fazenda Pública reportar-se a sede de oposição de acórdãos, questão esta que, após equívoca redacção do tribunal recorrido, se esclareceu atribuir o indeferimento do mesmo a falta de demonstração na sua oposição.

4 - Ora, é precisamente por uma expressão inócua como a do tipo 'falta de demonstração de oposição de acórdãos' que se reclama, perante um conjunto de normas e de princípios fundamentais, não ter sido dada a conhecer a fundamentação, nem tão-pouco o enquadramento jurídico da questão, o que reconduz a clara violação do contraditório no uso e aplicação que face a princípios e normas fundamentais deveria ter, para além das demais questões invocadas."

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2 - Resulta dos autos:

Inconformada com o acórdão do TCA que concedeu provimento ao recurso interposto pelo representante da Fazenda Pública de sentença do Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa (3.º Juízo) que julgara procedente oposição à execução por si deduzida, a recorrente recorreu para o STA, com fundamento em oposição de acórdãos, nos termos dos artigos 30.º, n.º 1, alínea b), 32.º, n.º 1, alínea a), e 22.º, alínea a), do ETAF, invocando, no respectivo requerimento de interposição de recurso, como acórdão fundamento o acórdão do STA de 10 de Novembro de 1999, processo 23 850, e produzindo logo alegações.

Admitido o recurso e remetidos os autos ao STA, neste, o magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de se julgar findo o recurso, entre outras razões, porque a recorrente não demonstrara a existência da invocada oposição de acórdãos.

Por acórdão de 5 de Dezembro de 2001, o pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA julgou findo o recurso por, nos termos do artigo 765.º, n.º 3, do CPC, a recorrente não ter feito, no prazo legal, contado a partir da notificação do despacho que admitira o recurso, "uma alegação tendente a demonstrar que entre os dois acórdãos existe oposição".

A recorrente arguiu, então, a nulidade daquele acórdão, alegando, no que ao caso importa, ter a decisão recorrida assentado num facto inexistente (a recorrente apresentara alegações em tempo), julgado inexistir oposição de acórdãos sem fundamentação de facto e de direito e sido proferida sem que se tivesse notificado à recorrente o parecer emitido pelo Ministério Público; considerou violados os artigos 2.º, n.º 2, e 3.º do CPC "porquanto, quanto ao primeiro, não observou a forma de processo adequada para acautelar os direitos e interesses da recorrente e, para o segundo preceito, tão-pouco o fez em observância do contraditório, relativamente à matéria de excepção ad finale produzida pelo Dig.mº Delegado do Ministério Público"; entendeu, ainda, que, "[...] ao interpretar e aplicar as normas contidas no artigo 2.º, n.º 2, e no artigo 3.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, e face àqueles que utilizou, violou o princípio constitucional consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP, de onde resultou a denegação à recorrente do direito a ver apreciada a oposição dos acórdãos referidos sobre a mesma questão de direito, referido ao mesmo imposto, em sede de cobrança coerciva, e que lhe foi denegado sem qualquer suporte de facto e de direito".

Por acórdão de 19 de Junho de 2002, o STA indeferiu a arguição de nulidades, com a seguinte fundamentação:

a) Embora o parecer do Ministério Público tivesse sido emitido nos termos do artigo 109.º, n.º 2, da LPTA, é aplicável a jurisprudência do pleno do STA relativo ao parecer final emitido pelo Ministério Público ao abrigo do disposto no artigo 53.º da LPTA no sentido de que ele só carece de ser notificado quando suscite questões novas;

b) No caso, o Ministério Público não suscitou questão nova porquanto ela era a questão a tratar -saber se havia ou não oposição de acórdãos - de acordo com regime processual aplicável, e a recorrente já sobre ela se tinha pronunciado, embora sem sucesso, nas alegações apresentadas;

c) O acórdão reclamado julgou findo o recurso não por a recorrente não ter feito alegações, mas por não ter demonstrado a alegada oposição, não havendo, assim, que julgar a questão de fundo que só teria lugar se tivesse sido ordenado o prosseguimento do recurso.

A recorrente interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, pretendendo, como já se disse, a apreciação da constitucionalidade das normas dos artigos 2.º, n.º 2, e 3.º, n.º 3, do CPC.

Neste Tribunal, o relator proferiu o seguinte despacho (fl. 211):

"Para alegações, ficando, porém, desde já limitado o objecto do recurso à norma do artigo 3.º, n.º 3, do CPC (em conjugação com o disposto no artigo 109.º, n.º 2, da LPTA), única aplicada (implicitamente) no acórdão recorrido."

Este despacho não foi reclamado e a recorrente apresentou alegações com as conclusões supratranscritas.

3 - O âmbito e o tipo do recurso têm a sua primeira delimitação no requerimento de interposição, de acordo com a vontade do recorrente, conforme o disposto no artigo 684.º do CPC.

No caso, a recorrente disse recorrer ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC e indicou as normas cuja constitucionalidade pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional - as que constam dos artigos 2.º, n.º 2, e 3.º, n.º 3, do CPC.

Admitido o recurso sem reservas no tribunal a quo - o que, nos termos do artigo 76.º, n.º 3, da LTC, não vincula o Tribunal Constitucional-, neste Tribunal, no despacho que determinou a produção de alegações, decidiu-se que estas deveriam incidir exclusivamente sobre a norma ínsita no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, por a primeira indicada pelo recorrente não ter sido aplicada no acórdão recorrido; o despacho teve, assim, o sentido de uma admissão condicionada do recurso.

Esse despacho não foi reclamado pelo que se fixou a exclusão da norma do artigo 2.º, n.º 2, do CPC, do âmbito do recurso, podendo, ainda, a secção decidir, oficiosamente ou sobre alegação do recorrido, que, mesmo quanto à norma do artigo 3.º, n.º 3, do CPC, se não verificam os pressupostos de admissibilidade do recurso.

Por outro lado, não pode a recorrente alterar o tipo do recurso que disse interpor no requerimento de interposição, ou seja, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.

Do que resulta que não é de atender à alteração feita nas alegações no sentido de o recurso ser também interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da LTC, bem como a tudo o que exceda a demonstração da inconstitucionalidade da norma do artigo 3.º, n.º 3, do CPC.

4 - Sucede que o representante da Fazenda Pública veio ainda suscitar a questão da inviabilidade do conhecimento do recurso uma vez que as alegações não obedecem ao determinado pelo despacho a fl. 211, não fazendo a recorrente mais do que imputar à decisão a violação do princípio do contraditório previsto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC.

Vejamos se é assim.

Nos termos do artigo 765.º, n.º 3, do CPC, que, embora revogados por força do artigo 3.º do Decreto-Lei 329-A/95, se consideram aplicáveis ao recurso por oposição de julgados na jurisdição administrativa e fiscal, admitido o recurso, deve o recorrente apresentar, no prazo legal, uma alegação tendente a demonstrar que entre os dois acórdãos (o recorrido e o fundamento) existe oposição, sendo o recurso logo julgado deserto se ele o não fizer.

O acórdão agora em recurso julgou findo o recurso com um fundamento muito claro: o de a recorrente não ter feito, nas alegações apresentadas, a demonstração da oposição dos acórdãos em causa; e assim decidiu sem notificar a recorrente do parecer emitido pelo Ministério Público onde se defendia a solução que veio a ser acolhida.

A recorrente arguiu, então, a nulidade do acórdão nos termos supra-referidos, o que foi indeferido pelo acórdão a fl. 195 com os fundamentos já também acima indicados.

O despacho a fl. 211 que limitou o objecto possível das alegações do presente recurso à norma do artigo 3.º, n.º 3, do CPC, resultou do entendimento de que o acórdão recorrido, integrado por aquele que decidiu a arguição de nulidades, fizera apenas aplicação dessa mesma norma e precisamente no plano em que a recorrente a colocara - a não notificação do parecer emitido pelo Ministério Público.

Deveriam, assim, as alegações centrar-se na demonstração da inconstitucionalidade da norma no sentido de que, na situação em causa, ele não exigia a pretendida notificação da recorrente.

A verdade é que as alegações apresentadas se espraiam por considerações que nada têm a ver com o thema decidendum, designadamente sobre a doutrina do acórdão-fundamento e do acórdão do TCA recorrido para o STA, matéria que não foi apreciada (nem tinha de o ser) no acórdão que julgou findo o recurso por não ter sido demonstrada a oposição dos arestos em confronto.

Mais: as alegações pronunciam-se incisivamente sobre uma invocada falta de fundamentação de facto e de direito do acórdão recorrido dizendo a recorrente que "a invocação das normas previstas na lei adjectiva, referidas à forma de tramitação do recurso em análise, não constitui fundamento bastante para dar a conhecer a concreta fundamentação da inexistência de oposição de acórdãos cuja apreciação se peticionara" (sublinhado nosso), o que violaria o disposto no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição.

Ora, para além de o acórdão recorrido não conter pronúncia sobre a existência ou inexistência de oposição de acórdãos (ele pronuncia-se -insiste-se - sobre a falta de alegação tendente a demonstrar a oposição), nada do que se diz neste trecho tem qualquer conexão com a norma do artigo 3.º, n.º 3, do CPC ou sequer configura uma questão de constitucionalidade normativa.

Acresce que, no trecho final supratranscrito das alegações, onde a recorrente pretende antecipar os efeitos de um julgamento de inconstitucionalidade (remessa "ao Supremo Tribunal Administrativo para [...] justificar a consideração de que entre ambos [os acórdãos], e para o sentido decisório neles estabelecido, inexiste oposição, mediante a concreta fundamentação de facto e de direito que lhe compete", e na resposta que dá à questão suscitada nas contra-alegações do representante da Fazenda Pública, em que afirma "não ter sido dada a conhecer a fundamentação, nem tão-pouco o enquadramento jurídico da questão, o que reconduz a clara violação do contraditório"), a recorrente continua a revelar que a questão de constitucionalidade que pretende ver apreciada não é a que se delimitou no despacho a fl. 211, mas a de uma pretensa falta de fundamentação do acórdão recorrido, ou seja, de uma inconstitucionalidade da própria decisão impugnada, o que está fora dos poderes de cognição do Tribunal Constitucional no âmbito dos recursos previstos no artigo 70.º, n.º 1, da LTC.

Poderá, no entanto, reconhecer-se que, num pequeno passo das alegações, a recorrente alude à falta de notificação do parecer do Ministério Público (embora, ainda aqui, na perspectiva da fundamentação da decisão recorrida), o que geraria violação do princípio do contraditório.

E só por isso se conhecerá da questão da constitucionalidade da norma do artigo 3.º, n.º 3, do CPC, em conjugação com o disposto no artigo 109.º, n.º 2, da LPTA, na interpretação de que se não impõe a notificação ao recorrente do parecer do Ministério Público que se pronuncia no sentido do não seguimento do recurso por oposição de acórdãos.

5 - São as normas contidas no artigo 20.º, n.os 1 e 4, da CRP, os parâmetros adequados para aferir da constitucionalidade das normas em causa, no ponto em que elas asseguram o acesso ao direito e aos tribunais e, a todos os que intervenham numa causa, o direito a um processo equitativo.

Sobre o conteúdo deste direito se pronunciou já, inúmeras vezes, o Tribunal Constitucional.

Disse-se no Acórdão 330/2001, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 50.º vol., pp. 771 e segs.:

"4.1 - Como este Tribunal tem repetidamente sublinhado [cf., por último, o Acórdão 259/2000 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 7 de Novembro de 2000)], o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante um correcto funcionamento das regras do contraditório [cf., o Acórdão 86/88 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11.º, pp. 741 e segs.)].

Tal como se sublinhou no Acórdão 358/98 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 17 de Julho de 1998), repetindo o que se tinha afirmado no Acórdão 249/97 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 17 de Maio de 1997), o processo de um Estado de direito (processo civil incluído) tem, assim, de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem de poder fazer valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em regra, antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, que prescreve que 'a todos é assegurado o acesso [...] aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos'.

A ideia de que, no Estado de direito, a resolução judicial dos litígios tem de fazer-se sempre com observância de um due process of law já, de resto, o Tribunal a tinha posto em relevo no Acórdão 404/87 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 10.º, pp. 391 e segs.). E no Acórdão 62/91 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 18.º, pp. 153 e segs.) sublinhou-se que o princípio da igualdade das partes e o princípio do contraditório 'possuem dignidade constitucional, por derivarem, em última instância, do princípio do Estado de direito'.

As partes num processo têm, pois, direito a que as causas em que intervêm sejam decididas 'mediante um processo equitativo' [cf., o n.º 4 do artigo 20.º da Constituição), o que -tal como se sublinhou no Acórdão 1193/96 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 35.º, pp. 529 e segs.)- exige não apenas um juiz independente e imparcial (um juiz que, ao dizer o direito do caso, o faça mantendo-se alheio, e acima, de influências exteriores, a nada mais obedecendo do que à lei e aos ditames da sua consciência) como também que as partes sejam colocadas em perfeita paridade de condições, por forma a desfrutarem de idênticas possibilidades de obter justiça, pois, criando-se uma situação de indefesa, a sentença só por acaso será justa.

O processo civil tem uma estrutura dialéctica ou polémica: ele reveste a forma de um debate ou discussão entre as partes (audiatur et altera pars), sendo o juiz uma instância passiva. Nele -insiste-se-, o juiz não pode tomar qualquer providência contra determinada pessoa sem que ela seja ouvida. E mais: essa audição tem, em regra, que preceder o decretamento da providência. Só excepcionalmente, quando haja razões de eficácia e de celeridade que imponham o seu diferimento e que este não limite ou restrinja, de forma intolerável, o direito de defesa, ela pode ser diferida para momento ulterior, pois só então se justifica que a audição da parte não seja prévia."

A norma contida no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, resulta, assim, de uma imposição constitucional, conferindo às partes num processo o direito de se pronunciarem previamente sobre as questões -suscitadas pela parte contrária ou de conhecimento oficioso - que o tribunal vier a decidir.

Sem necessidade de fazer apelo à especial configuração da intervenção do Ministério Público no contencioso administrativo, o que, no caso, desde logo se impõe é saber se, numa fase processual do recurso por oposição de acórdãos previsto no artigo 30.º, n.º 1, alínea b), do ETAF, em que a lei impõe que, admitido o recurso, o recorrente ofereça uma alegação tendente a demonstrar a invocada oposição, o direito constitucional a um processo equitativo, na vertente do respeito pelo princípio do contraditório, obriga a que se dê conhecimento ao recorrente do que a contra-parte (ou o Ministério Público) alegar no sentido de não ter sido feita essa demonstração.

Seguramente que não.

Na verdade, sendo o thema decidendum na referida fase, precisamente o da demonstração da invocada oposição, a cargo do recorrente, a expressão do que a contra-parte (ou o Ministério Público) entende sobre o cumprimento daquele ónus corresponde ao fecho da dialéctica (a dialéctica constitucionalmente exigível) sobre a questão, sem que o recorrente possa invocar qualquer surpresa relativamente a uma decisão do tribunal -legalmente prevista para pronúncia sobre aquele tema - que vier a julgar no sentido proposto pela contra-parte.

A questão colocar-se-ia, aliás, nos mesmos termos, se não houvesse contra-parte, sendo absurdo que, antes da decisão judicial, o tribunal tivesse de advertir o recorrente de uma possível ou plausível decisão no sentido de ele não ter demonstrado a oposição de acórdãos.

Não se configura, assim, como questão nova a que, no confronto das partes, e em cumprimento do princípio da igualdade como componente essencial de um processo equitativo, o recorrido (particular ou público) ou o Ministério Público suscitam sobre a decisão a proferir, em termos de obrigar à subsequente notificação do recorrente.

Recorde-se, a propósito, e numa situação paralela, que o Tribunal Constitucional não tem julgado inconstitucional a não notificação do parecer final do Ministério Público emitido no recurso contencioso quando ele não suscita questões novas que levam à rejeição do recurso (cf. Acórdãos n.os 185/2001, 277/2001 e 337/2001 a 341/2001).

Não se mostra assim inquinada de inconstitucionalidade a norma do artigo 3.º, n.º 3, do CPC, em conjugação com o disposto no artigo 109.º, n.º 2, da LPTA, interpretada em termos de se não exigir a notificação ao recorrente do parecer emitido pelo Ministério Público no sentido da não demonstração da invocada oposição de acórdãos.

6 - Decisão. - Pelo exposto e em conclusão, decide-se negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta.

Lisboa, 21 Maio de 2003. - Artur Maurício - Maria Helena Brito - Pamplona de Oliveira - Rui Manuel Moura Ramos - Luís Nunes de Almeida.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2131442.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1991-04-19 - Acórdão 62/91 - Tribunal Constitucional

    DECLARA A INCONSTITUCIONALIDADE, COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL, DO ARTIGO 9 DO DECRETO REGIONAL NUMERO 16/79/M, DE 14 DE SETEMBRO, COM A REDACÇÃO QUE LHE FOI DADA PELO DECRETO LEGISLATIVO REGIONAL NUMERO 1/83/M, DE 5 DE MARCO (REGULAMENTO DO REGIME DE EXTINÇÃO DE COLONIA).

  • Tem documento Em vigor 1995-12-12 - Decreto-Lei 329-A/95 - Ministério da Justiça

    Revê o Código de Processo Civil. Altera o Código Civil e a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais

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NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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