Resolução do Conselho de Ministros
Por despacho do Primeiro-Ministro de 10 de Dezembro de 1974 foi determinada a intervenção do Estado na Torralta - Club Internacional de Férias, S. A. R. L., e em oito empresas que faziam parte integrante do denominado Grupo Torralta.
Essa intervenção, deliberada ao abrigo do Decreto-Lei 660/74, de 25 de Novembro, fundamentou-se na verificação dos índices das alíneas c), d) e h) do artigo 1.º daquele decreto-lei.
No momento desta intervenção a Torralta encontrava-se em grave situação de iliquidez, susceptível de determinar a cessação total de pagamentos e a consequente apresentação à falência.
Nomeadamente, encontravam-se vencidos e não pagos cerca de 85000 contos de rendimentos contratuais dos denominados investidores, não existiam disponibilidades para liquidar créditos por fornecimentos e aceites de letras já vencidas ou em vias de vencimento e ocorria uma manifesta impossibilidade de satisfazer pedidos de reembolso do capital emprestado que os investidores estavam a apresentar com intensidade agravada como fruto da crise geral de confiança que começava a dominar.
A gravidade da situação resultava ainda, claramente, da circunstância de a quase totalidade do passivo, exigível a curto prazo, estar coberta por activo imobilizado, de impossível realização com a necessária rapidez. Basta citar que em valores imobilizados e em participações financeiras (estas, fundamentalmente, em associadas) a Torralta apresentava valores activos que tinham como quase exclusiva contrapartida cerca de 5 milhões de contos de valores aplicados pelos investidores, os quais na sua quase totalidade tinham direito de reembolso com simples pré-aviso de cento e oitenta dias.
Esta situação resultou, fundamentalmente, da utilização em larga escala pela Torralta de um complexo sistema de oferta ao público de contratos de empréstimo, sistema esse que foi utilizado como fonte financeira quase exclusiva dos seus empreendimentos imobiliários e turísticos.
Tais contratos implicavam, genericamente, a obrigação de pagamento antecipado de taxas de rendimento elevadas - para além da obrigação de restituição de capital mediante curtos pré-avisos - e determinaram, na evolução da Torralta, todo um círculo vicioso em que o pagamento daqueles rendimentos e reembolsos era financiado fundamentalmente com a acentuada expansão verificada na realização de novos contratos. Bastou a crise de confiança e a consequente desaceleração no ritmo das vendas dos novos contratos para precipitar a situação prévia de uma autêntica cessação total de pagamentos.
Com a intervenção governamental e a simultânea utilização dos mecanismos, mais tarde ratificados pelo Decreto-Lei 222-B/75, de 12 de Maio - suspensão de acções executivas cautelares e de condenação e consequente permissão da suspensão de pagamentos -, puderam evitar-se as consequências de uma falência da Torralta, que seria ruinosa para o turismo português e para todos os interessados na empresa, em especial os seus trabalhadores e investidores.
A gravidade da referida situação económico-financeira da Torralta e das empresas suas associadas determinou, depois da intervenção governamental, a imediata suspensão do pagamento de quaisquer juros, rendimentos ou reembolsos de capital aos denominados investidores da Torralta e determinou igualmente a suspensão de pagamentos relativamente a todo o passivo exigível à data da intervenção, com excepção dos encargos e reformas de alguns efeitos descontados na banca.
Acresce que a crise dominante no turismo e no mercado imobiliário português se repercutiu virulentamente na exploração económica das citadas empresas sob intervenção, o que, em conjunto com o acentuado aumento dos encargos com o pessoal, provocou a impossibilidade de se evitar uma exploração altamente deficitária, mesmo não considerando os encargos financeiros inerentes aos chamados rendimentos dos investidores.
Com tal prejuízo de exploração, que em 1975 se estima ter ultrapassado os 300000 contos, e com a impossibilidade de recorrer às fontes financeiras que eram tradicionais na empresa, a comissão administrativa viu-se forçada a reduzir os investimentos em curso ao mínimo indispensável à manutenção dos equipamentos e aos acabamentos de maior necessidade e reprodutividade, e foi, por outro lado, forçada a recorrer aos empréstimos bancários com aval do Estado como forma quase exclusiva de suprimento das necessidades de tesouraria.
Foi assim o Estado quem, através da garantia prestada a empréstimos bancários contraídos (que atingiram já o montante de 860000 contos), permitiu evitar a falência da Torralta e criar as condições necessárias para prioritariamente se garantirem os empregos criados e se defender o turismo nacional da crise que resultaria daquela falência.
Dentro da mesma orientação, julga-se ter chegado agora o momento de procurar regularizar, na medida do possível, a posição dos diversos credores, de modo a garantir-se a verificação das condições que permitam a cessação da intervenção governamental e o regresso da Torralta e suas associadas a uma situação de normalidade administrativa.
Nestes termos:
Considerando que a cessação da intervenção governamental pressupõe o saneamento económico-financeiro da Torralta, o qual, de acordo com os estudos realizados, só poderá resultar de um vasto conjunto de medidas administrativas, económicas e financeiras, todas de execução demorada e de concretização por fases;
Considerando que o apoio financeiro que o Estado prestou e tem de continuar a prestar à Torralta justifica que assegure de imediato uma posição maioritária na sua gestão e que reserve uma participação no respectivo capital social que poderá vir a ser igualmente maioritária;
Considerando que, sem prejuízo dos interesses da colectividade, que ao Estado compete assegurar, e, também, sem prejuízo do contrôle da gestão pelos trabalhadores, a exercer nos termos que a lei vier a definir, se afigura desejável associar os credores e particularmente os denominados investidores aos riscos próprios da empresa, transformando-os em accionistas, em termos de poderem participar na gestão de empreendimentos de que dependerá o ressarcimento da parte dos seus créditos não convertida em capital;
Considerando a necessidade, por diversas vezes reafirmada, de tutelar os interesses daqueles investidores, que ultrapassam em número os 25000 e se integram no sector da pequena e média poupança nacional, para além de incluírem muitos emigrantes e investidores estrangeiros;
Considerando que o conhecimento do perfil médio desses investidores aconselha um tratamento uniforme para todos eles, já que a eventual distinção entre pequenos e grandes investidores determinaria, no caso concreto, a possibilidade de se desfavorecerem pessoas de posses reduzidas ou médias, mas que tudo investiram na Torralta, em benefício de outras, com elevados recursos, mas que pouco investiram na empresa;
Considerando que esse tratamento uniforme para todos os investidores tem de adequar-se às potencialidades da empresa, o que impede a manutenção de condições de vencimento ou de juro impossíveis de cumprir;
Considerando que a circunstância de o reequilíbrio da empresa ser garantido com o apoio financeiro do Estado justifica a extinção de todos os privilégios que beneficiavam os accionistas fundadores, cujas posições originais ficam, aliás, reduzidas a menos de 1% do capital social que se prevê;
Considerando, finalmente, que a cessação da intervenção governamental só será possível e eficiente depois de executadas algumas das referidas medidas de saneamento;
O Conselho de Ministros delibera:
Exonerar os actuais membros da comissão administrativa, a seu pedido, e proceder à nomeação para a Torralta - Club Internacional de Férias, S. A. R. L., de uma nova comissão administrativa, que assegurará igualmente a gestão das empresas associadas, composta pelos seguintes membros:
Um representante do Ministério das Finanças;
Um representante do Ministério do Comércio Externo;
Um representante do Ministério da Habitação, Urbanismo e Construção;
Dois membros representantes dos investidores da Torralta, escolhidos pelo Ministro do Comércio Externo de entre uma lista de nomes que, para o efeito, lhe deverá ser entregue, no prazo de oito dias, pela respectiva comissão de investidores.
Autorizar a comissão administrativa a praticar os seguintes actos e tomar as seguintes medidas:
1. Proceder à alteração dos estatutos da Torralta nos termos e condições que repute mais convenientes, mas integrando obrigatoriamente os seguintes pontos fundamentais:
1.1 Extinção da diversificação pelos actuais três grupos (fundadores, grupo A e grupo B) das acções do actual capital social da Torralta.
1.2. Extinção dos privilégios de voto e dividendo das acções do grupo A.
1.3. Extinção dos privilégios estatutários das acções do grupo B.
1.4. Proibição da aquisição pela empresa de acções próprias e autorização para emitir obrigações nas condições adiante referidas.
1.5. Autorização para o conselho de administração aumentar o capital social até 3 milhões de contos, a subscrever e realizar nos termos adiante referidos.
1.6. Organização e composição dos corpos gerentes da Torralta em termos adequados aos de uma empresa de economia mista, estipulando-se que a presidência e a maioria dos membros do conselho de administração competirá a administradores por parte do Estado, como caberá a este escolher o presidente da mesa da assembleia geral.
1.7. Faculdade reconhecida ao Estado de aumentar a sua participação no capital social para 51%.
2. Proceder ao aumento imediato do capital social para o montante, até ao limite de três milhões de contos, que resultar das seguintes medidas indispensáveis ao saneamento económico-financeiro:
2.1. Conversão obrigatória, em acções desse aumento de capital, de 20% dos montantes aplicados por cada investidor, reportados a 31 de Dezembro de 1974.
Quanto aos portadores de títulos de férias, a conversão obrigatória apenas terá lugar na medida necessária para cobrir a eventual diferença entre aqueles 20% e o valor nominal das acções representadas em tais títulos.
2.2. Conversão obrigatória em capital social dos créditos da banca nacionalizada sobre a Torralta, reportadores a 31 de Dezembro de 1975, assumindo o Estado a posição accionista resultante desta conversão em termos a definir por despacho do Ministro das Finanças.
3. Fixar a situação dos denominados investidores e as condições do respectivo reembolso nos seguintes termos:
3.1. A posição credora de cada investidor é reportada a 31 de Dezembro de 1974.
3.2. Os juros contratuais vencidos mas não pagos até àquela data serão integrados no montante do crédito. Os juros já pagos, na parte em que respeitem a períodos posteriores a 31 de Dezembro de 1974, serão abatidos ao montante do crédito a considerar.
3.3. 20% da posição credora de cada investidor, assim determinada, será obrigatoriamente convertida em acções do capital social da Torralta nos termos referidos em 2.1.
3.4. Na parte excedente os investidores poderão recorrer ao aumento de capital atrás autorizado à empresa, subscrição esta que, se necessário, será sujeita a rateio.
3.5. O montante dos créditos não convertido em acções será titulado em obrigações - a fim de se unificarem todos os títulos de dívida da empresa para com os actuais investidores -, as quais vencerão um juro anual de 6% desde 31 de Dezembro de 1974, terão um período de espera de amortização de quatro anos a contar daquela data e serão amortizadas em cinco sorteios anuais iguais. A partir de 31 de Dezembro de 1978 as obrigações não sorteadas vencerão um juro anual de 10%.
3.6. Todas essas obrigações poderão caucionar empréstimos bancários de crédito pessoal até 75% do seu valor, em casos de reconhecida necessidade do seu titular ou em casos de afectação do crédito solicitado a investimento produtivo.
4. Fixar as condições de reembolso do restante passivo exigível nos seguintes termos:
4.1. Reconhecimento aos seus titulares da faculdade de conversão dos seus créditos em capital social, como no caso dos investidores.
4.2. Imposição de moratória até 31 de Dezembro de 1978 quanto à parte não convertida, com direito a juros de mora à taxa anual de 6% (quaisquer que sejam os encargos bancários do desconto dos títulos que incorporem tais créditos).
4.3. Com excepção dos credores por operações imobiliárias ou sobre participações financeiras, poderá a Torralta antecipar a liquidação dos seus débitos a fornecedores desde que os meios financeiros disponíveis o permitam.
5. Fixar as condições do cumprimento dos contratos-promessas de venda de unidades habitacionais nas seguintes condições:
5.1. Moratória até 31 de Dezembro de 1978.
5.2. Redução do juro dos sinais a 6%.
6. Apoio financeiro do Estado.
O Estado concederá à empresa o apoio financeiro indispensável à cobertura do deficit temporário previsto no programa financeiro elaborado e que se estima limitar-se a cerca de 1 milhão de contos em 1976.
Presidência do Conselho de Ministros, 26 de Junho de 1976. - O Primeiro-Ministro Interino, Vasco Fernando Leote de Almeida e Costa.