de 26 de Dezembro
O direito à protecção da saúde, previsto na Constituição, só terá plena efectivação prática com a implantação do Serviço Nacional de Saúde, também constitucionalmente previsto.Porém, e porque essa implantação se fará, necessariamente, mediante um processo gradual, afigura-se conveniente definir, desde já, um esquema mínimo de protecção da saúde de todos os cidadãos nacionais residentes. Neste sentido, dá-se mais expressiva consagração legal a direitos anteriormente reconhecidos em matéria de assistência médica e medicamentosa e acrescenta-se-lhes o da aleitação em espécie.
A relevância social desta providência é tanto maior quanto é certo que com ela se vão atingir indivíduos presentemente a descoberto de qualquer esquema de protecção.
Por outro lado, o sistema de segurança social unificado, descentralizado e participado que, nos termos constitucionais, incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar vem sendo construído, passo a passo, na linha do reconhecimento da segurança social como uma necessidade básica da população e como aparelho institucionalizado de resposta devida pelo Estado a todos os cidadãos. Também neste domínio urge estabelecer um esquema mínimo universalmente garantido.
Assim, pelo presente diploma concretiza-se uma etapa significativa no sentido de satisfazer as necessidades básicas com a instituição de um esquema mínimo de protecção social que abrange todos os cidadãos nacionais residentes, independentemente do vínculo laboral ou de contribuição prévia, e integra prestações de saúde e de segurança social.
A disciplina do esquema mínimo tem por objectivo a garantia universal do direito às respectivas prestações. Por esse facto, os utentes de qualquer esquema de protecção social têm acesso aos montantes e níveis mínimos assegurados.
A escolha das modalidades integradas no esquema mínimo obedeceu a critérios de prioridade na protecção social dos estratos da população mais carenciados e ainda não abrangidos por qualquer esquema de previdência.
O abono de família é concedido por direito próprio às crianças e jovens que não tenham direito àquela prestação através de um regime de protecção social que abranja os pais ou equiparados.
Desta forma procurou-se abranger por aquela prestação todas as crianças cujos pais não estão abrangidos por qualquer esquema de protecção social, ao mesmo tempo que se supre a lacuna existente em vários regimes no que respeita à modalidade de abono de família, sem, no entanto, alterar os respectivos diplomas legais.
Igualmente se assegura uma pensão aos órfãos que não estejam abrangidos por qualquer esquema de protecção social e se encontrem em situação de carência.
Dada a coordenação prevista no esquema mínimo com o regime de pensão social, não se considera adequado outorgar o direito à pensão de orfandade a maiores na condição de inválidos.
Por último, salienta-se que o esquema mínimo não se sobrepõe aos regimes de protecção social existentes, não obstante contribuir para a unificação da protecção básica assegurada por esses regimes.
Tendo sido ouvidas as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, foi entendido que este decreto-lei teria aplicação nacional, muito embora no que se refere à Região Autónoma da Madeira a sua execução deva depender da publicação de decreto regional regulamentador que proceda à adequação do presente diploma às medidas de protecção social já em vigor na Região.
Nestes termos, o Governo decreta, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
ESQUEMA MÍNIMO DE PROTECÇÃO SOCIAL
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
(Objectivo e âmbito)
1 - É atribuído a todo o cidadão nacional residente no País o direito às prestações do Esquema Mínimo de Protecção Social, nas condições previstas no presente diploma.2 - A aplicação do disposto neste diploma à Região Autónoma da Madeira será regulamentada por decreto regional.
Artigo 2.º
(Constituição)
O Esquema Mínimo de Protecção Social é constituído por:a) Esquema Mínimo de Saúde; e b) Esquema Mínimo de Segurança Social.
CAPÍTULO II
Modalidades de protecção
SECÇÃO I
Esquema Mínimo de Saúde
Artigo 3.º
(Prestações de saúde)
1 - É garantido a todo o cidadão residente não abrangido por qualquer esquema de protecção da saúde o direito a prestações de saúde nos termos do número seguinte.2 - Até à entrada em funcionamento do Serviço Nacional de Saúde, o direito a que se refere o número anterior abrange as seguintes prestações:
a) Consultas de clínica geral e de especialidades, incluindo visitas domiciliárias;
b) Serviços de enfermagem, incluindo domiciliários;
c) Internamento hospitalar;
d) Assistência medicamentosa;
e) Elementos complementares de diagnóstico e tratamentos especializados, com excepção dos termais;
f) Aleitação em espécie, concedida nos termos previstos para o regime geral de previdência.
SECÇÃO II
Esquema Mínimo de Segurança Social
Artigo 4.º
(Esquema de prestações)
O Esquema Mínimo de Segurança Social é integrado pelas seguintes prestações:a) Pensão social;
b) Suplemento de pensão a grandes inválidos;
c) Pensão de orfandade;
d) Abono de família;
e) Subsídio mensal a menores deficientes;
f) Equipamento social.
Artigo 5.º
(Pensão social)
A concessão da pensão social é regulada pela legislação que lhe é aplicável.
Artigo 6.º
(Suplemento de pensão a grandes inválidos)
1 - O suplemento de pensão a grandes inválidos previsto no regime geral de previdência é generalizado aos pensionistas dos seguintes regimes:
a) Regimes de previdência específicos da actividade rural;
2 - Os pensionistas de sobrevivência do regime geral de previdência e os de invalidez, velhice e sobrevivência de outros regimes de protecção não referidos no número anterior têm acesso ao suplemento a grandes inválidos, mediante as condições de recursos estabelecidas para a pensão social, sem prejuízo dos requisitos exigidos para a atribuição daquele suplemento.
Artigo 7.º
(Pensão de orfandade)
1 - O Esquema Mínimo de Segurança Social confere a todo o órfão ou equiparado solteiro o direito a pensão de orfandade:a) Até à maioridade, desde que não exerça actividade remunerada e não esteja abrangido por quaisquer esquemas de protecção social ou tendo sido inscrito em algum não satisfaça os prazos de garantia exigidos e se encontre em situação de carência;
b) Até perfazer 21 ou 24 anos, desde que frequente o ensino médio ou superior, respectivamente, observadas as restantes condições da alínea anterior.
2 - Na verificação da situação de carência, os limites admissíveis para o rendimento líquido anual são os seguintes:
a) Para o agregado constituído por órfãos de pai ou de mãe ou equiparados e pelo cônjuge sobrevivo, treze vezes 7500$00, valor acrescido de 30% desse montante, por cada órfão ou equiparado a cargo, além do primeiro;
b) Sendo órfãos de pai e mãe ou equiparados, seis vezes e meia 7500$00 por cada órfão.
3 - O valor de 7500$00 referido no número anterior deverá ser revisto sempre que o sejam as remunerações mínimas garantidas.
4 - Em cada ano civil, a mensalidade da pensão global é concedida na parte em que multiplicada por treze e adicionada ao rendimento líquido anual não exceda o limite admissível para este rendimento.
5 - Não são atribuídas pensões individuais de quantitativo mensal inferior a 100$00.
6 - A pensão de orfandade não é cumulável com qualquer outra pensão, sem prejuízo da concessão do suplemento a grandes inválidos, sendo caso disso.
7 - Quanto aos aspectos regulamentares de atribuição da pensão, será observado o disposto no Regulamento das Pensões de Sobrevivência da Caixa Nacional de Pensões, tomando-se, todavia, para base de cálculo da pensão global o valor da pensão mínima de invalidez e velhice do regime geral de previdência em vigor à data do requerimento da pensão de orfandade.
8 - As pensões de orfandade são actualizadas nos mesmos termos das pensões concedidas ao abrigo do Regulamento referido no número anterior.
Artigo 8.º
(Abono de família)
1 - O abono de família é atribuído por direito próprio às crianças e aos jovens a quem esse direito não seja reconhecido pelos regimes de protecção social que abranjam os pais ou equiparados.2 - Para efeito de atribuição do abono de família nos termos do disposto no número anterior devem observar-se as demais condições previstas na secção I do capítulo II do Decreto-Lei 197/77, de 17 de Maio, e legislação complementar.
Artigo 9.º
(Subsídio mensal a menores deficientes)
1 - É concedido por direito próprio um subsídio mensal a menores deficientes de idade não superior a 14 anos a quem não seja reconhecido esse direito pelos regimes de protecção social que abranjam os pais ou equiparados, respeitando-se, para o efeito, as condições gerais de atribuição do subsídio mensal vitalício estabelecidas no Decreto-Lei 197/77, de 17 de Maio, e demais legislação complementar.
2 - O subsídio previsto no número anterior é substituído pela pensão social sempre que satisfeitas as condições de atribuição desta.
3 - Não se concretizando, nos termos do número anterior, a atribuição da pensão social, é mantido o direito ao subsídio mensal até à maioridade, satisfeitos os restantes condicionalismos deste subsídio.
Artigo 10.º
(Equipamento social)
Dentro das disponibilidades do equipamento social existente, ou a implementar, os beneficiários do Esquema Mínimo de Protecção Social têm acesso às prestações desta modalidade de prestação.
CAPÍTULO III
Gestão
Artigo 11.º
(Serviços Médico-Sociais)
A concessão das prestações previstas no artigo 4.º do presente diploma compete aos Serviços Médico-Sociais.
Artigo 12.º
(Caixa Nacional de Pensões)
A concessão das prestações previstas nos artigos 6.º, 7.º e 8.º do presente diploma compete à Caixa Nacional de Pensões ou a outras instituições através das quais o beneficiário recebe a respectiva pensão de invalidez, velhice ou sobrevivência.
Artigo 13.º
(Outros organismos)
1 - São responsáveis pela gestão administrativa das prestações previstas nos artigos 9.º e 10.º do presente diploma as seguintes caixas de previdência:a) Relativamente aos inscritos na Previdência, a última caixa de previdência que os abrangeu;
b) Quanto aos não inscritos, a caixa de previdência e abono de família do distrito da sua residência; em Lisboa e no Porto, as respectivas caixas de previdência e abono de família dos serviços.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a competência conferida a outros organismos na concessão de prestações integradas no Esquema Mínimo de Segurança Social.
CAPÍTULO IV
Disposições finais e transitórias
Artigo 14.º
(Garantia universal de direitos)
1 - São elevadas para os quantitativos assegurados pelo Esquema Mínimo de Segurança Social, satisfeitas as condições de recursos, as prestações pecuniárias de quantitativo inferior atribuídas por outros regimes de protecção social.2 - As diferenças decorrentes da aplicação do número anterior são suportadas pelo Esquema Mínimo de Segurança Social.
Artigo 15.º
(Cumulação de prestações)
1 - As prestações do Esquema Mínimo de Segurança Social não são cumuláveis com prestações da mesma modalidade concedidas por outros regimes de protecção social, sem prejuízo do disposto no artigo anterior.2 - A pensão social não é cumulável com outras prestações pecuniárias do Esquema Mínimo de Segurança Social, com excepção do suplemento de pensão a grandes inválidos.
Artigo 16.º
(Subsídio mensal vitalício)
1 - O subsídio a menores deficientes substitui o subsídio mensal vitalício, salvo o disposto nos números seguintes.2 - Os subsídios mensais vitalícios em curso de concessão à data do início da vigência do presente diploma são convertidos em pensões sociais, com observância das condições gerais para a atribuição destas.
3 - É mantido o direito ao subsídio mensal vitalício, verificado o respectivo condicionalismo, nos casos em que, por força do disposto no número anterior, não haja lugar à concessão de pensão social.
Artigo 17.º
(Abono de família a deficientes)
1 - A partir da data do início da vigência do presente diploma, o abono de família apenas é atribuível, na condição de deficiente, a menores.2 - É mantido o direito aos abonos de família em curso de concessão à data do início da vigência do presente diploma aos deficientes maiores que não confiram direito a pensão social.
Artigo 18.º
(Pensão social a inválidos)
Aos titulares de prestações pecuniárias do Esquema Mínimo de Segurança Social que sejam inválidos é concedida pensão social logo que satisfeitas as condições de atribuição desta.
Artigo 19.º
(Interpretação e integração)
1 - As normas vigentes para o regime geral de previdência aplicam-se, com as necessárias adaptações, em tudo o que não se encontre estabelecido no presente diploma.2 - As dúvidas e omissões suscitadas na aplicação deste decreto-lei são resolvidas por despachos do Ministro da Coordenação Social e dos Assuntos Sociais e do membro do Governo que tenha a seu cargo a Administração Pública, conjuntamente com o Ministro das Finanças nos casos em que haja implicações financeiras.
Artigo 20.º
(Entrada em vigor)
O presente decreto-lei produz efeitos a partir de 1 de Dezembro de 1979.Maria de Lourdes Ruivo da Silva Matos Pintasilgo - Manuel da Costa Brás - António Luciano Pacheco de Sousa Franco - Alfredo Bruto da Costa.
Promulgado em 20 de Dezembro de 1979.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.