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Acórdão 28/2007, de 6 de Março

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Sumário

Acorda não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 15.º, n.º 2, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, na parte em que prevê que para os funcionários e agentes aposentados a pena disciplinar de aposentação compulsiva seja substituída pela de perda do direito à pensão pelo período de três anos.

Texto do documento

Acórdão 28/2007

Processo 893/2005 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - O Supremo Tribunal Administrativo, por Acórdão de 14 de Junho de 2005, negou provimento ao recurso interposto por Arlindo Freire do acórdão proferido, em 21 de Outubro de 2004, pelo Tribunal Central Administrativo Sul, que, por sua vez, tinha negado provimento ao recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de 13 de Dezembro de 1999, que lhe aplicou a pena disciplinar de perda de pensão de aposentação pelo período de três anos.

Arlindo Freire interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), visando a apreciação da constitucionalidade da norma constante do artigo 15.º, n.º 2, do Decreto-Lei 24/84, de 16 de Janeiro (Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local), por violação do "princípio da dignidade humana, tal como resulta dos artigos 1.º e 63.º, bem como o direito à segurança social, dos artigos 59.º e 72.º da Constituição da República Portuguesa".

O recorrente suscitou a questão de constitucionalidade logo na interposição do recurso contencioso, mas fê-lo, igualmente, nas alegações de recurso perante o Supremo Tribunal Administrativo, tendo afirmado, em conclusão, o seguinte:

"O n.º 2 do artigo 5.º do Estatuto Disciplinar padece de inconstitucionalidade material, pois priva o funcionário aposentado da totalidade da sua pensão mensal por um largo período de tempo, em violação manifesta e intolerável do direito à segurança social e aos princípios do Estado de direito democrático e social e da tutela da dignidade da pessoa humana plasmados na Constituição da República Portuguesa!"

O Supremo Tribunal Administrativo abordou a referida questão de constitucionalidade nos seguintes termos:

"Dispõe o artigo 15.º, n.º 2, do Estatuto Disciplinar: '1 - Para os funcionários e agentes aposentados as penas de suspensão ou inactividade serão substituídas pela perda da pensão por igual tempo de multa, e a de multa não poderá exceder o quantitativo correspondente a 20 dias de pensão. 2 - A pena de aposentação compulsiva será substituída pela perda do direito à pensão pelo período de três anos.' O arguido entende que este dispositivo, que foi aplicado no seu caso, é inconstitucional, por violação do princípio da dignidade humana e do disposto nos artigos 63.º, 59.º e 72.º da Constituição, uma vez que equivale na prática à negação do direito à segurança social. Invoca a seu favor um acórdão do Tribunal Constitucional que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral do artigo 824.º, n.os 1, alínea b), e 2, do Código de Processo Civil, na parte em que permite a penhora até um terço das prestações periódicas, pagas ao executado [...] a título de regalia social ou de pensão, cujo valor global não seja superior ao salário mínimo nacional.

A argumentação do Tribunal Constitucional foi a seguinte: "Este preceito constitucional, como se escreveu no Acórdão 349/91 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19.º vol., p. 515), 'poderá, desde logo, ser interpretado como garantindo a todo o cidadão a percepção de uma prestação proveniente do sistema de segurança social que lhe possibilite uma subsistência condigna em todas as situações de doença, velhice ou outras semelhantes. Mas ainda que não possa ver-se garantido no artigo 63.º da lei fundamental um direito a um mínimo de sobrevivência, é seguro que este direito há-de extrair-se do princípio da dignidade da pessoa humana condensado no artigo 1.º da Constituição' (cf.

Acórdão 232/91, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19.º vol., p. 341).

Pode, assim, configurar-se um conflito de direitos, entre o direito do credor à realização rápida do pagamento do seu crédito e o direito do devedor e pensionista da segurança social ou do Estado à percepção de uma pensão que lhe garanta o mínimo de subsistência condigna com a sua dignidade de pessoa.

Existindo o referido conflito, o legislador não pode deixar de garantir a tutela do valor supremo da dignidade da pessoa humana - vector axiológico estrutural da própria Constituição - sacrificando o direito do credor na parte que for absolutamente necessária - e que pode ir até à totalidade desse direito - por forma a não deixar que o pagamento ao credor decorra o aniquilamento da mera subsistência do devedor e pensionista. Essencial se torna, pois, a realização de um balanceamento, da utilização de uma adequada proporção na repartição 'dos custos do conflito' (cf. J. C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Almedina, 1987, p. 233). Em consequência, será constitucionalmente aceitável o sacrifício do direito do credor, se o mesmo for necessário e adequado à garantia do direito à existência do devedor com um mínimo de dignidade [...] É certo que o legislador admite a penhora até um terço dos salários auferidos pelo executado, mesmo de salários não superiores ao salário mínimo nacional, tal como admite a penhora de idêntica parte das prestações periódicas recebidas a título de pensão de aposentação ou pensão social, sem qualquer limitação expressa decorrente do respectivo montante.

Porém, assim como o salário mínimo nacional contém em si a ideia de que é a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e que por ter sido concebido como o 'mínimo dos mínimos' não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo, assim também, uma pensão por invalidez, doença, velhice ou viuvez, cujo montante não seja superior ao salário mínimo nacional, não pode deixar de conter em si a ideia de que a sua atribuição corresponde ao montante mínimo considerado necessário para uma subsistência digna do respectivo beneficiário. Em tais hipóteses, o encurtamento através da penhora, mesmo de uma parte dessas pensões - parte essa que em outras circunstâncias seria perfeitamente razoável, como no caso de pensões de valor bem acima do salário mínimo nacional - , constitui um sacrifício excessivo e desproporcionado do direito do devedor e pensionista, na medida em que este vê o seu nível de subsistência básico descer abaixo do mínimo considerado necessário para uma existência com a dignidade humana que a Constituição garante. Nestes termos, considera-se que a norma do artigo 824.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil, na medida em que permite a penhora até um terço quer de vencimentos ou salários auferidos pelo executado, quando estes são de valor não superior ao salário mínimo nacional em vigor naquele momento, quer de pensões de aposentação ou de pensões sociais por doença, velhice, invalidez e viuvez, cujo valor não alcança aquele mínimo remuneratório, é inconstitucional por violação do princípio da dignidade humana, decorrente do princípio do Estado de direito, constante das disposições conjugadas dos artigos 1.º, 59.º, n.º 2, alínea a), e 63.º, n.os 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa."

No Acórdão 62/2002, proferido no recurso n.º 251/2001, em 6 de Fevereiro de 2001, o Tribunal Constitucional considerou também 'inconstitucional por violação do princípio da dignidade humana contido no princípio do Estado de direito, tal como resulta das disposições conjugadas dos artigos 1.º e 63.º, n.os 1 e 3, da Constituição da República, e dos artigos 821.º, n.º 1, e 824.º, n.os 1, alínea b), e 2, do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual são penhoráveis as quantias percebidas a título de rendimento mínimo garantido'.

Julgamos que o artigo 15.º, n.º 2, não põe em causa o direito à segurança social ou o princípio da dignidade humana.

Como se disse nos acórdãos do Tribunal Constitucional citados, há (ou pode haver) uma tensão ou conflito entre os diversos direitos constitucionalmente protegidos. Para a solução de tais conflitos é essencial a realização de um balanceamento da utilização de uma adequada proporção na repartição 'dos custos do conflito'. Em consequência, isto é, na justa repartição dos custos conclui o acórdão, será constitucionalmente aceitável o sacrifício do direito do credor, se o mesmo for necessário e adequado à garantia do direito à existência do devedor com um mínimo de dignidade.

Também será aceitável constitucionalmente o sacrifício do poder disciplinar, quando o arguido se veja privado da parte do seu vencimento que lhe garanta o mínimo de subsistência? Julgamos que não, e por isso julgamos que a doutrina acolhida nos acórdãos do Tribunal Constitucional citados não é transponível. Se assim não fosse, a pena de demissão, por exemplo, deixando um funcionário público sem qualquer vencimento, era sempre inadmissível, pois não lhe garantia o mínimo de subsistência. Do mesmo modo, embora noutro domínio, uma pena de prisão não poderia ser aplicada àqueles que, com o cumprimento de tal pena, deixassem de poder sustentar o seu agregado familiar.

A garantia a uma existência condigna - a que alude o artigo 59.º, alínea a), da Constituição -, ao referir-se ao direito à retribuição do trabalho não pode ter o alcance pretendido pelo recorrente de o isentar de cumprir determinadas penas disciplinares. Cabe no poder de conformação do legislador ordinário a ponderação dos valores em conflito (direito à segurança social e punição disciplinar), e a escolha que entenda adequada. A nosso ver só uma manifesta desadequação entre o motivo invocado pelo legislador ordinário e a privação da pensão é inconstitucional. Não é o caso da punição de faltas disciplinares, onde tal punição se justifica por razões retributivas e preventivas. Trata-se, a nosso ver, de um dos casos em que para assegurar um valor comunitário - a disciplina funcional na relação de emprego público - se exige a compressão do direito a uma certa parte da pensão de reforma.

Quando a lei admite a punição de infracções disciplinares, puníveis com a perda de pensão, não está a descaracterizar o regime de segurança social. A haver necessidade de protecção social de quem pela prática de actos ilícitos se vê economicamente constrangido, não nos parece viável considerar inconstitucionais as penas, nem limitá-las à possibilidade económica dos arguidos [...] A solução há-de ser encontrada pelo legislador, num outro plano normativo, garantido um mínimo de subsistência nos termos em que o puder fazer, mas sem nunca pôr em causa a aplicação das penas legalmente previstas.

Não é, finalmente, igual a situação de conflito entre o devedor e o credor e entre o arguido que praticou um ilícito e a Administração, podendo o legislador, nestes casos, tratar diferentemente as situações. A tensão entre a regulamentação das sanções disciplinares e as implicações de tais penas no mínimo de subsistência é diferente da tensão entre o direito do credor à rápida satisfação do seu crédito e esse mínimo de subsistência. O Tribunal Constitucional considerou desproporcional um pagamento mais rápido - isto é, uma penhora em montante mais elevado -, quando dessa maior rapidez se ponha em causa o mínimo de subsistência. Mas não podemos inferir daí, sem mais, a intangibilidade do direito à pensão (ou de parte dela) como consequência de uma sanção disciplinar.

Julgamos assim que andou bem o acórdão recorrido ao não declarar a inconstitucionalidade do artigo 15.º, n.º 2, do Estatuto Disciplinar.

Improcedem, deste modo, todas as conclusões do recorrente."

2 - No Tribunal Constitucional, o recorrente produziu alegações que concluiu do seguinte modo:

"1.ª O presente recurso tem efeito suspensivo ex vi do disposto no artigo 78.º, n.º 3, da Lei 28/82 e nos artigos 102.º e 105.º da LPTA, pelo que deve ser corrigido o efeito não suspensivo atribuído pelo STA no despacho de admissão do recurso de constitucionalidade.

2.ª O n.º 2 do artigo 15.º do Decreto-Lei 24/84 é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da dignidade humana, do direito fundamental à retribuição e do direito à segurança social e à protecção na velhice, consagrados nos artigos 1.º, 59.º e 63.º da lei fundamental, quando interpretado no sentido de permitir a privação da totalidade da pensão de aposentação concedida a um funcionário ou agente em consequência de punição disciplinar".

A entidade recorrida contra-alegou, concluindo o seguinte:

"O n.º 2 do artigo 15.º do Estatuto Disciplinar, aprovado pelo Decreto-Lei 24/84, de 16 de Janeiro, norma em que se fundamentou o despacho punitivo, ao impor a substituição da pena de aposentação compulsiva pela de perda do direito à pensão pelo período de três anos não ofende os preceitos constitucionais indicados pelo recorrente."

Inscrito o processo em tabela, e após mudança de relator, cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentos. - 3 - A norma que o recorrente submete à apreciação do Tribunal Constitucional - a norma do artigo 15.º, n.º 2, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei 24/84, de 16 de Janeiro - prevê que para funcionários e agentes aposentados a pena disciplinar de aposentação compulsiva (a segunda mais grave prevista nesse Estatuto) seja substituída pela de perda do direito à pensão pelo período de três anos.

Ora, o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre questão semelhante. Fê-lo recentemente, no Acórdão 442/2006, tirado na 3.ª Secção (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 20 de Setembro de 2006, e disponível em www.tribunalconstitucional.pt), no qual, depois de se referir (tal como a decisão ora recorrida) à jurisprudência do Tribunal sobre a inconstitucionalidade de normas que permitem a penhora de rendimentos provenientes de pensões sociais ou rendimentos do trabalho de montante não superior ao salário mínimo nacional, afirmou o seguinte:

"[...] 10 - A questão de constitucionalidade que está colocada nos presentes autos é, porém, diferente da que foi objecto daqueles arestos. É que, neste caso, a afectação da pensão de aposentação não resulta de um acto de penhora, visando a satisfação coerciva de um direito de crédito não satisfeito voluntariamente pelo devedor, traduzindo-se antes numa forma de pena disciplinar que visa punir uma infracção da mesma natureza praticada pelo titular da pensão. Cabe, porém, perguntar: uma vez que a aplicação da pena disciplinar de perda da pensão é também ela susceptível de pôr em causa a possibilidade de satisfação das necessidades básicas do respectivo titular, não valerão igualmente, não obstante a diferença que se apontou no início, as razões que conduziram ao juízo de inconstitucionalidade que naqueles arestos se formulou? A esta questão há que responder negativamente. Com efeito, como se verá já de seguida, além da diferença já assinalada entre as duas situações, outras existem ainda que impedem que o juízo de inconstitucionalidade que se formulou em alguns dos arestos supra referidos seja directamente transponível para a situação que agora nos ocupa.

Vejamos.

10.1 - Em primeiro lugar, verifica-se que, enquanto que a finalidade que a penhora visa alcançar - a satisfação integral de um crédito não voluntariamente satisfeito - não é, em circunstâncias normais, afectada, de modo definitivo, pela impossibilidade de atingir uma parte - considerada necessária à garantia de uma sobrevivência minimamente condigna - da pensão do respectivo titular -, uma vez que, em princípio, o crédito poderá ser ainda integralmente satisfeito, embora ao longo de um período de tempo mais dilatado - , as legítimas finalidades de natureza repressiva e preventiva que fundamentam a pena disciplinar, ao invés, seriam sempre, ao menos em parte, definitivamente prejudicadas pela inaplicabilidade, decorrente de um eventual juízo de inconstitucionalidade da norma que agora vem questionada [...] 10.3 - Acresce, finalmente, que mesmo naquelas hipóteses em que isso aconteça - isto é, nos casos em que da aplicação do preceito cuja constitucionalidade vem questionada resulte a privação do mínimo considerado indispensável à garantia de uma sobrevivência minimamente condigna do pensionista - sempre este poderá recorrer aos mecanismos assistenciais normais, previstos no ordenamento jurídico português, para fazer face a situações de inaceitável carência social, fazendo aí a prova da alegada situação de necessidade. Ora, estando disponíveis no sistema mecanismos que visam, no limite, assegurar uma sobrevivência minimamente condigna do pensionista, não se poderá concluir, no caso, ponderados os diversos valores em presença, que fica violado o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana - 'vector axiológico estrutural da própria Constituição', como se escreveu no Acórdão 306/2005, já citado.

11 - Nestas circunstâncias, em face do que se expôs, resta apenas concluir, no presente caso, pela não desconformidade constitucional da norma constante do artigo 15.º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei 24/84, de 16 de Janeiro, na parte em que permite que aos funcionários e agentes aposentados abrangidos por esse Estatuto possa ser aplicada, em caso de infracção disciplinar, a pena de perda da pensão por tempo igual à pena de inactividade que seria de aplicar não fora a situação de aposentação [...]"

No Acórdão 518/2006 (igualmente disponível em www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional teve ocasião de reiterar tal entendimento, concluindo, após remissão para os fundamentos do citado Acórdão 442/2006, o seguinte:

"[...] Na verdade, o julgamento desta questão distancia-se da solução encontrada quanto à satisfação de um direito de crédito. Aqui, estamos em presença de uma pena disciplinar que visa, dando satisfação a um interesse público, punir uma infracção violadora de determinados deveres funcionais, ainda que praticada numa situação de aposentação, na execução da qual é admissível que o arguido suporte um incómodo que se repercuta nas suas condições de vida.

Por outro lado, mesmo no caso em que da aplicação da norma resulte a privação do mínimo considerado indispensável à garantia de uma sobrevivência condigna, sempre o interessado poderá recorrer aos mecanismos assistenciais previstos no ordenamento jurídico, destinados a fazer face a situações de carência económica. Havendo mecanismos que visam assegurar uma sobrevivência minimamente condigna do cidadão, não poderá, com efeito, concluir-se que pela aplicação da questionada norma fica violado o princípio da dignidade da pessoa humana, ou qualquer outro previsto nos artigos 1.º, 19.º, 26.º, n.º 3, 59.º, n.os 1, alínea f), e 2, alínea a), e 63.º da Constituição, como alega o recorrente.

Nestes termos, resta concluir pela não desconformidade constitucional da norma constante do artigo 26.º, n.º 1, alínea c), do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública (RDPSP), aprovado pelo artigo 1.º da Lei 7/90, de 20 de Fevereiro, na parte em que permite que aos funcionários e agentes aposentados a pena de demissão seja substituída pela perda do direito à pensão pelo período de quatro anos."

As considerações ora e supratranscritas são inteiramente aplicáveis ao presente caso e, como tal, de observar (sendo, aliás, independentes da concordância que possa ou não merecer a jurisprudência a que se referem, na medida em que remete como limite para a penhorabilidade para o limiar do salário). Cumpre, na verdade, frisar que a substituição da pena disciplinar de aposentação compulsiva pela de perda do direito à pensão pelo período de três anos só poderia provocar a privação do "mínimo de sobrevivência" caso o funcionário punido não disponha de outros rendimentos que lhe assegurem esse mínimo, e que mesmo então não fica privado de recorrer aos mecanismos assistenciais gerais.

Nestas circunstâncias, apenas resta concluir pela que a norma constante do artigo 15.º, n.º 2, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei 24/84, de 16 de Janeiro, na parte em que prevê que para funcionários e agentes aposentados a pena disciplinar de aposentação compulsiva seja substituída pela de perda do direito à pensão pelo período de três anos não é inconstitucional, por conseguinte se negando provimento ao recurso.

III - Decisão. - Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide:

a) Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 15.º, n.º 2, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei 24/84, de 16 de Janeiro, na parte em que prevê que para os funcionários e agentes aposentados a pena disciplinar de aposentação compulsiva seja substituída pela de perda do direito à pensão pelo período de três anos;

b) Por conseguinte, negar provimento ao presente recurso e confirmar a decisão recorrida, no que à questão de constitucionalidade respeita;

c) Condenar o recorrente em custas, com 20 unidades de conta de taxa de justiça.

Lisboa, 17 de Janeiro de 2007. - Paulo Mota Pinto (relator) - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Rodrigues (vencido nos termos da declaração anexa) - Maria Fernanda Palma (vencida nos termos de declaração de voto junta) - Rui Manuel Moura Ramos. Declaração de voto. - Embora com dúvidas, resolvi-as contra a tese que fez vencimento. Não que não admita, em sede de princípio, como constitucional a solução legal de substituição da pena disciplinar de aposentação compulsiva pela de perda do direito à pensão pelo período de três anos, constante do n.º 2 do artigo 15.º do Decreto-Lei 24/84, de 16 de Janeiro.

Ela justifica-se pelo interesse público do acautelamento do cumprimento dos deveres funcionais dos trabalhadores, no caso dos trabalhadores da função pública, sem o que não se torna possível o estabelecimento de qualquer relação de emprego e de subordinação jurídica.

Em causa está, todavia, uma específica dimensão desse preceito, nos termos da qual a aplicação dessa pena disciplinar, na relação de emprego pública, é ainda permitida, mesmo que o trabalhador não tenha outros meios de subsistência para além da pensão cuja perda é imposta por três anos.

Ora, nesta situação, não pode deixar de considerar-se que o princípio da dignidade humana, erigido a elemento fundante do Estado de direito democrático, que a República Portuguesa é (artigo 1.º da Constituição), e o princípio da proporcionalidade apontam no sentido de não poder ser decretada a perda da pensão na parte que vai além do mínimo para se sobreviver condignamente.

Pela sua radicalidade axiológica, estes princípios demandam que o trabalhador, ainda por cima normalmente depauperado da sua capacidade física de ganho em razão da idade pressuposta para a aposentação voluntária (cf. artigo 37.º do Estatuto da Aposentação), não seja privado do mínimo de subsistência.

Dir-se-á, com o acórdão, que existem outros mecanismos assistenciais, de segurança social, previstos no ordenamento jurídico que poderão acautelar esse direito fundamental.

Mas este argumento esquece que a diferenciação do Estado entre Estado empregador (artigo 47.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), Estado garante do direito de pensão consequente do tempo de trabalho prestado (artigo 63.º, n.os 2 e 4, da Constituição da República Portuguesa) e Estado subsidiariamente assistencial (n.º 3 do mesmo artigo 63.º) corresponde a uma construção jurídica que assenta numa ficção de divisão da pessoa Estado em função dos diferentes interesses, deveres ou funções materiais que prossegue.

Verificando-se uma situação em que o cidadão (funcionário aposentado do Estado) fique sem meios de subsistência por força da aplicação da pena de perda de pensão e sabido como é que o tempo de reacção ou de funcionamento da dimensão assistencial do Estado não é coetâneo do momento da aplicação da pena disciplinar, acaba por existir um lapso de tempo em que o trabalhador fica totalmente desprotegido e sem meios de subsistência.

Em tal lapso de tempo de total carência, a pena de perda da pensão, na parte que seja reclamada pela subsistência humana condigna, é patentemente uma medida desproporcionada e como tal proibida pelo princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa).

De resto, nem se vê que essa separação material das funções do Estado se afigure como necessária ou adequada para prosseguir aquele interesse público que subjaz à previsão da pena disciplinar, com quebra deste outro dever do Estado. - Benjamim Rodrigues.

Declaração de voto. - Tendo sido a primeira relatora, propugnei a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 15.º do Decreto-Lei 24/84, de 16 de Janeiro, que determina a substituição da pena disciplinar de aposentação compulsiva pela de perda do direito à pensão pelo período de três anos, tomando em atenção o seguinte:

1 - O recorrente sustenta a inconstitucionalidade da norma, por violação do princípio da dignidade humana, do direito à retribuição e do direito à segurança social e à protecção na velhice, consagrada nos artigos 1.º, 59.º e 63.º da Constituição.

O Tribunal Constitucional apreciou, em diversos arestos, a conformidade à Constituição de normas relativas à penhorabilidade de parte da pensão de reforma, tendo concluído pela inconstitucionalidade da dimensão normativa que não salvaguarde um mínimo de subsistência digna (cf. os Acórdãos n.os 232/91, 319/99, 449/91 e 177/2002, entre outros). Tal orientação é, sem dúvida, relevante para os presentes autos. Porém, nestes, não está em causa a penhorabilidade da pensão, mas sim a sua supressão, supressão que consubstancia uma sanção disciplinar.

Trata-se, portanto, de um outro plano - o dos limites constitucionais dos efeitos das sanções disciplinares.

A questão de constitucionalidade suscitada traduz-se, assim, em saber se a Constituição admite uma sanção disciplinar que se traduza na supressão total da pensão de reforma por um período de três anos.

A sanção disciplinar pode, naturalmente, assumir uma dimensão patrimonial.

Com efeito, nenhum princípio ou norma constitucional impede que a consequência de uma infracção disciplinar se repercuta directamente no património do infractor.

No entanto, se da sanção puder resultar que os meios de subsistência essenciais não sejam assegurados, a sanção afectará directamente as condições de subsistência individual e familiar.

Deste modo, a característica essencial da sanção em causa, isto é, tratar-se de uma sanção que se traduz na privação da totalidade da pensão de aposentação por um período contínuo de três anos (três anos, sublinhe-se, fixos, sem qualquer possibilidade de graduação em função da culpa ou das circunstâncias do caso), assume uma dimensão pessoal que ultrapassa a natureza estritamente pecuniária que à partida ostenta, afectando, como se disse, as condições mínimas de subsistência do destinatário.

É verdade que o aposentado pode ser titular de outros rendimentos. No entanto, não tendo sido considerada nos autos tal circunstância pelo Tribunal recorrido, o Tribunal Constitucional não pode deixar de considerar a natureza da pensão de aposentação e a sua função normal.

Assim, produzindo a sanção em causa um efeito nas condições básicas de vida do condenado especialmente lesivo, a sua supressão por um período de três anos coloca o aposentado numa situação de privação, numa fase em que, em princípio, já não tem condições para assegurar de outro modo a sua subsistência.

2 - Por outro lado, a norma em causa visa substituir uma sanção de aposentação compulsiva, quando o visado já adquiriu, entretanto, o estatuto de aposentado.

Desta sorte, ela ultrapassa desproporcionalmente, pela sua dimensão patrimonial e pessoal, a sanção que substitui, pois, diferentemente da aposentação compulsiva, retira ao seu destinatário o direito à totalidade da pensão.

3 - O tribunal a quo e a entidade recorrida invocam, porém, a sanção de demissão para demonstrar que a sanção de suspensão em causa é legítima.

Não está em causa, no entanto, nos presentes autos, a apreciação da conformidade à Constituição de uma qualquer norma que consagre a sanção de demissão. Mas sempre se dirá que os efeitos patrimoniais da sanção de demissão, ainda que graves, resultam da verificação da extinção dos pressupostos de confiança e de adequação do funcionário para o exercício da respectiva função que permitem a subsistência do vínculo laboral. A demissão apenas se aplica com essa justificação, sendo a supressão do vencimento pura consequência da extinção da relação laboral. A suspensão da pensão aplica-se a outro tipo de casos, como um efeito patrimonial grave que visa prevenir ou reparar o dano disciplinar, em que não está em causa a extinção de uma relação jurídica laboral. O sacrifício patrimonial é a essência da sanção e o seu fim primordial, como meio de reparação do dano provocado pelo ilícito. Deste modo, a afectação do mínimo das condições de sobrevivência, em face da natureza da sanção (alternativa à aposentação compulsiva), é excessivo, desproporcionado e desnecessário.

4 - Em conclusão, consagrando a Constituição o princípio do respeito pela dignidade da pessoa humana (artigo 1.º) e o direito à segurança social (artigo 63.º), é incompatível com aquele princípio e com este direito a sanção que suprime integralmente a pensão pelo período de três anos. Tal sanção permite, contraproducentemente, a concretização plena dos efeitos que os dispositivos constitucionais referidos visam evitar, já que nenhuma sanção (nem mesmo penal - cf. a proibição de penas desumanas, constante do artigo 25.º, n.º 2, da Constituição) pode traduzir-se na condenação à sobrevivência sem meios económicos.

Para além disso, sendo sanção alternativa à aposentação compulsiva, que não tem essa intensidade patrimonial e pessoal, é desproporcionada e viola, no meu parecer, o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição. - Maria Fernanda Palma.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2007/03/06/plain-207499.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/207499.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1984-01-16 - Decreto-Lei 24/84 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério da Administração Interna

    Aprova o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local.

  • Tem documento Em vigor 1990-02-20 - Lei 7/90 - Assembleia da República

    Aprova o Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública (RDPSP), publicado em anexo.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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