2 - No decurso do processo assim iniciado, veio a proceder-se à reestruturação do sector automóvel, pelo Decreto-Lei 351/79, de 30 de Agosto, onde se estabeleceu um programa de transição com vista a dotar Portugal, até 1985, de uma indústria desenvolvida naquele sector, em termos de não necessitar de protecção para se manter em mercado aberto. Prosseguiram, entretanto, as negociações para o estabelecimento do protocolo complementar ao acordo entre a CEE e a República Portuguesa, assinado em 19 de Dezembro de 1979.
3 - As sucessivas etapas das negociações do Projecto Renault foram formalizadas em documentos onde se fixaram as opções já tomadas e os pontos ainda em fase de discussão ou dependentes de nova apreciação. Assim, em 18 de Novembro de 1977, foi assinado o acordo-quadro, substituído em 29 de Julho de 1978 por um acordo de actualização e, finalmente, em 24 de Maio de 1979, por um acordo geral, aprovado por Resolução 160/79, do Conselho de Ministros de 23 de Maio, assinado do lado português pelo Ministro da Indústria e Tecnologia e pelo presidente do conselho de gerência do Instituto das Participações do Estado.
4 - Nesse acordo geral definiram-se os seguintes objectivos fundamentais do empreendimento:
A criação de um complexo industrial rentável e competitivo no quadro da Comunidade Económica Europeia;
A contribuição para a melhoria da balança de pagamentos portuguesa, através de um programa de exportações orientado para as peças, componentes de automóveis e veículos e, sobretudo, para a exportação de motores;
A criação de um número significativo de postos de trabalho;
A contribuição para a existência de uma indústria horizontal válida e competitiva, em termos europeus, como resultado dos elevados graus de incorporação nacional exigidos a nível de veículos e motores;
A introdução de novas tecnologias com programas de formação e níveis elevados de qualificação de pessoal.
5 - O empreendimento assenta na implementação de três actividades verticais:
Actividade comercial - para a colocação de veículos e peças no mercado interno;
Actividade de montagem - para a fabricação e montagem de veículos automóveis destinados aos mercados interno e externo, com uma capacidade de 80000 por ano, no final de 1987, com uma taxa de incorporação nacional média de 60%;
Actividade mecânica - destinada à produção de motores para exportação (220000 por ano) e de caixas de velocidades (80000 por ano, a partir de 1987), com uma incorporação nacional média de 80% e 60%, respectivamente, destinada também à montagem de 80000 jogos de trains por ano. Paralelamente, prevê-se a implementação de uma unidade de produção de dispositivos de travagem e ampliação de uma unidade de fundição já existente.
6 - O investimento em capital fixo atingirá cerca de 23 milhões de contos, a escudos correntes, dos quais 70% constituem a parcela importada. Adicionando-se ao investimento em capital fixo as necessidades de fundo de maneio da exploração, o valor do investimento total situar-se-á entre 28 e 34 milhões de contos, a escudos correntes, excluindo o crédito às vendas locais.
7 - O financiamento externo para cobertura de 85% do valor importado dos novos bens de equipamento, até ao limite previsional de 9 milhões de contos, será coberto pela Coface e, eventualmente, por outras fontes e será garantido pela Régie Renault, a qual garantirá também os financiamentos externos que forem obtidos para cobertura do valor dos equipamentos importados usados. O financiamento interno, até ao limite de 4,5 milhões de contos, destinado à cobertura de 15% dos bens de equipamento importados novos, 100% do investimento local e 100% das necessidades em fundo de maneio, será obtido e garantido pelo Estado.
8 - Os efeitos do empreendimento para a economia nacional serão os seguintes:
Acréscimo significativo do valor acrescentado bruto em cerca de 40 milhões de contos, a preços de Dezembro de 1978, relativamente à hipótese de não realização do projecto.
Criação de cerca de 6000 novos empregos directos no âmbito do empreendimento;
complementarmente, criação de 5300 a 7300 novos empregos na indústria horizontal de componentes.
Melhoria acentuada da balança de pagamentos do sector automóvel, traduzida por saldo positivo na ordem dos 10 milhões de contos, a preços de Dezembro de 1978, e de cerca de 35 milhões de contos, a escudos correntes, em relação à hipótese de não realização do projecto.
9 - Em matéria de repartição dos riscos, cabe à Régie Renault a cobertura de 60% do risco financeiro e de 30% do risco de exploração.
10 - O empreendimento será levado a cabo em estreita associação de interesses entre o Estado Português e a Régie Renault, nos termos do contrato de associação e através do seguinte esquema societário:
A criação da Confranpor - Sociedade Franco-Portuguesa de Contrôle, Lda., uma sociedade holding, cujo capital pertencerá ao Estado Português e à Régie Renault, em partes iguais, e que participará em 10% no capital das outras sociedades, cuja coordenação assegurará;
A criação da Renault Portuguesa - Sociedade Industrial e Comercial, S. A. R. L., cujo capital pertencerá em 65% à Régie Renault e a sociedades do seu grupo, 25% ao Instituto das Participações do Estado e, eventualmente, a investidores portugueses, públicos ou privados, e 10% à sociedade holding; o seu objecto será a realização do programa industrial do empreendimento;
A criação da Renault Gest - Sociedade de Comércio de Automóveis, S. A. R. L., cujo capital será distribuído em termos semelhantes ao da sociedade anterior e que terá como objecto a comercialização de veículos e acessórios, a locação de veículos e a gestão da carteira de efeitos comerciais;
A transformação da já existente Renault Fic - Sociedade de Desenvolvimento Comercial e Industrial, S. A. R. L., com o capital distribuído nos termos indicados para as anteriores e que prosseguirá as tarefas de fomento da indústria horizontal portuguesa.
11 - A Régie Renault, dada a sua situação maioritária nas referidas sociedades, à excepção da holding, e a sua qualidade de detentora do know-how necessário, fica directamente vinculada perante o Estado à realização dos objectivos fundamentais do empreendimento.
12 - O empreendimento vai ser implementado pela assinatura e execução dos seguintes documentos:
a) Contrato de licença de fabricação e venda de veículos Renault;
b) Contrato de venda de colecções CKD;
c) Condições gerais de engineering;
d) Condições gerais de assistência técnica;
e) Contrato de compra de veículos BU;
f) Contrato de compra de motores;
g) Condições gerais de fornecimento de bens de equipamento;
h) Contrato de comercialização entre a Renault Portuguesa e a Renault Gest;
i) Contrato de distribuição em Portugal;
j) Projecto de reestruturação da indústria automóvel portuguesa;
l) Plano de desenvolvimento da indústria horizontal portuguesa;
m) Plano de formação de pessoal.
13 - Em contrapartida da realização dos objectivos do empreendimento por parte das sociedades referidas e da Régie Renault, o Estado concederá os seguintes benefícios:
a) Os incentivos fiscais da classe E do quadro anexo ao Decreto-Lei 74/74, de 28 de Fevereiro;
b) Uma subvenção não reembolsável, até ao limite de 473000 contos, para cobertura das despesas a efectuar com a formação de pessoal português, no quadro do empreendimento e nos termos dos planos anuais aprovados;
c) A assunção, perante as instituições de crédito nacionais, do encargo do pagamento dos juros de empréstimos a longo prazo, devidos pela Renault Portuguesa até 31 de Dezembro de 1983 e até ao montante máximo de 1,4 milhões de contos, pagamento reembolsável a partir do momento em que a sociedade consiga a reconstituição total dos fundos próprios;
d) A cobertura das perdas cambiais sofridas pela Renault Portuguesa no serviço da dívida em francos franceses, resultante de financiamentos externos dos investimentos importados, apenas na medida em que essas perdas forem superiores à variação normal da paridade, definida pela relação entre as taxas de inflação portuguesa e francesa;
e) A classificação do empreendimento, nos termos do artigo 11.º do Decreto-Lei 351/79, de 30 de Agosto, para efeito da atribuição de contingentes suplementares de importação de colecções CKD, até 31 de Dezembro de 1984 e eventualmente por mais um ano, se for oportunamente obtido o acordo da CEE;
f) O estabelecimento de um regime de compensações a favor da Renault Portuguesa, no caso de, entre 1980 e 1984, se verificar uma baixa do mercado de todas as marcas (MTM) superior a 8%, em relação à previsão do mercado estabelecido no protocolo com a CEE, em consequência de medidas de agravamento fiscal que atinjam os automóveis, ou de medidas restritivas do crédito à venda de automóveis ou de medidas que afectem selectivamente os automóveis produzidos pela sociedade;
g) A garantia de que o Estado e o IPE não utilizarão a faculdade de nomear delegados do Governo ou administradores por parte do Estado para as sociedades do empreendimento, nos termos do Decreto-Lei 40833, de 29 de Outubro de 1956.
14 - Ainda atendendo à especial natureza do empreendimento - estreita associação entre o Estado, o IPE e a Régie Renault - foi criado um mecanismo de conciliação e arbitragem para o esclarecimento de dúvidas e solução de diferendos e conflitos, baseado na intervenção da sociedade holding (onde o Estado e a Régie Renault comparticipam em partes iguais) e, eventualmente, no recurso a arbitragem internacional, segundo as regras da Câmara de Comércio Internacional. Procurou-se, desse modo, que os interessados resolvessem os seus problemas, quanto possível, ao nível interno do empreendimento, excluindo-se a intervenção dos tribunais ou a aplicação de soluções administrativas, manifestamente desaconselháveis, num projecto em que o próprio Estado é parte.
15 - Sem prejuízo das funções de tutela ministerial do sector, competirá ao Instituto do Investimento Estrangeiro acompanhar a execução do empreendimento, por via da solicitação dos elementos informativos necessários, aos departamentos públicos competentes e às sociedades contratantes, neste caso através da holding.
16 - O investimento foi avaliado pelo Instituto do Investimento Estrangeiro, que, nos termos do artigo 5.º do Decreto-Lei 348/77 e do artigo 9.º do Decreto Regulamentar n.º 54/77, ambos de 24 de Agosto, propôs que o mesmo seja autorizado no regime contratual.
17 - Considerando o especial interesse que o investimento em causa reveste para a economia portuguesa, e no uso da competência conferida pelas citadas disposições legais, o Conselho de Ministros, reunido em 7 de Fevereiro de 1980, resolveu:
a) Autorizar o investimento, em regime contratual;
b) Aprovar as minutas e demais elementos constantes do processo;
c) Garantir a concessão dos benefícios acima mencionados, bem como o aval do Estado às operações de financiamento interno do empreendimento;
d) Designar o Secretário de Estado das Finanças para representar o Estado Português na assinatura do contrato de associação mencionado em 10;
e) Designar o director-geral do Tesouro para representar o Estado Português na escritura de constituição da sociedade holding e nas respectivas assembleias gerais, até que sejam designados os órgãos sociais.
18 - O Conselho de Ministros, como orientação genérica, estabelece e confirma que os benefícios concedidos pelo Estado ao presente projecto são extensíveis a quaisquer outros projectos futuros que apresentem idênticas vantagens em termos de criação de emprego, de inovação tecnológica, de valor acrescentado e de contributo para a balança de pagamentos.
Presidência do Conselho de Ministros, 7 de Fevereiro de 1980. - O Primeiro-Ministro, Francisco Sá Carneiro.