de 24 de Agosto
Consultas directas aos cidadãos eleitores a nível local
A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 164.º, alínea d), 167.º, alínea o), e 169.º, n.º 3, da Constituição, o seguinte:
TÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Consultas locais
Os órgãos autárquicos podem efectuar consultas directas aos cidadãos eleitores a nível local, por voto secreto, nos termos da presente lei.
Artigo 2.º
Conteúdo das consultas
1 - As consultas locais incidem sobre matéria da exclusiva competência dos órgãos autárquicos.2 - Não podem ser objecto de consultas locais questões financeiras nem quaisquer outras que, nos termos da lei, devam ser resolvidas vinculadamente pelos órgãos autárquicos ou que já tenham sido objecto de decisão irrevogável.
Artigo 3.º
Âmbito territorial
1 - As consultas locais podem realizar-se ao nível de freguesia, de município ou de região administrativa.2 - Não se realizam consultas locais nas freguesias em que a assembleia é substituída pelo plenário dos cidadãos eleitores.
Artigo 4.º
Direito de voto
Têm direito de voto nas consultas locais os cidadãos eleitores recenseados na área da autarquia onde se realiza a consulta.
Artigo 5.º
Eficácia
As consultas locais têm eficácia deliberativa.
Artigo 6.º
Competência para determinar a realização de consultas locais
1 - A deliberação sobre a realização de consultas locais compete à assembleia de freguesia, à assembleia municipal ou à assembleia regional, consoante incidam sobre matérias da competência dos órgãos da freguesia, do município ou da região administrativa.
2 - A deliberação referida no número anterior é obrigatoriamente tomada, em sessão ordinária ou extraordinária, no prazo de 15 dias a contar da data da recepção da proposta para realização da consulta.
Artigo 7.º
Formulação das perguntas
1 - As perguntas a submeter aos cidadãos eleitores devem ser formuladas em termos que permitam uma resposta inequívoca pela simples afirmativa ou negativa.2 - As perguntas não podem ser formuladas em termos que sugiram, explícita ou implicitamente, uma resposta, quer de concordância quer de discordância, com a deliberação de um órgão que não seja aquele que determina a realização da consulta.
Processo de consulta
CAPÍTULO I
Deliberação sobre a realização da consulta
Artigo 8.º
Iniciativa
Podem apresentar propostas sobre a realização de consultas locais aos órgãos autárquicos referidos no artigo 6.º:a) As assembleias ou os órgãos executivos da autarquia;
b) Um terço dos membros das assembleias ou dos órgãos executivos da autarquia em efectividade de funções.
Artigo 9.º
Propostas
1 - As propostas apresentadas nos termos do artigo anterior devem conter as perguntas a submeter aos cidadãos eleitores, num máximo de três.2 - A redacção dos textos das propostas pode ser alterada, até ao termo do debate, pelo órgão com competência para as aprovar.
Artigo 10.º
Votações
As deliberações das assembleias de freguesia, das assembleias municipais e das assembleias regionais sobre a realização de consultas locais são tomadas à pluralidade de votos, tendo o presidente voto de qualidade.
CAPÍTULO II
Fiscalização da constitucionalidade e da legalidade da consulta
Artigo 11.º
Envio de requerimento ao Tribunal Constitucional
1 - No prazo de oito dias a contar da deliberação do órgão competente que decidir a realização de uma consulta local, o seu presidente envia ao Tribunal Constitucional, dirigido ao respectivo presidente, requerimento de apreciação da constitucionalidade e da legalidade da consulta.
2 - O requerimento referido no número anterior deve ser acompanhado do texto da deliberação e da cópia da acta da sessão em que tiver sito tomada.
Artigo 12.º
Admissão do requerimento
1 - Autuado pela secretaria e registado no competente livro, é o requerimento imediatamente concluso ao presidente do Tribunal Constitucional, que decide sobre a admissão do requerimento.2 - No caso de se verificar qualquer irregularidade processual, incluindo a ilegitimidade do requerente, o presidente do Tribunal Constitucional notifica o presidente do órgão que tiver tomado a deliberação para, no prazo de oito dias, sanar a irregularidade, após o que o processo volta ao presidente do Tribunal Constitucional para decidir sobre a admissão do requerimento.
3 - Não é admitido o requerimento:
a) Quando a deliberação de realização da consulta for manifestamente inconstitucional ou ilegal;
b) Cujas irregularidades processuais não tenham sido sanadas nos termos do número anterior.
4 - O incumprimento dos prazos previstos no n.º 1 do artigo anterior e no n.º 2 deste artigo não prejudica a admissibilidade do requerimento desde que, neste último caso, a sanação das irregularidades processuais seja feita antes da conferência prevista no número seguinte.
5 - Se o presidente do Tribunal Constitucional entender que o requerimento não deve ser admitido, submete os autos à conferência, mandando simultaneamente entregar cópia do requerimento aos restantes juízes.
6 - O Tribunal Constitucional decide no prazo de oito dias.
7 - O presidente do Tribunal Constitucional admite o requerimento, usa da faculdade prevista no n.º 2 deste artigo ou submete os autos à conferência no prazo de cinco dias contados da data em que o processo lhe é concluso.
8 - A decisão de admissão do requerimento não preclude a possibilidade de o Tribunal vir, em definitivo, a considerar a consulta inconstitucional ou ilegal.
9 - A decisão da não admissão do requerimento é notificada ao presidente do órgão que deliberou a realização da consulta.
Artigo 13.º
Distribuição
1 - A distribuição é feita no prazo de um dia contado da data da decisão de admissão do requerimento.2 - O processo é imediatamente concluso ao relator, a fim de elaborar o projecto de acórdão no prazo de oito dias.
3 - Distribuído o processo, são entregues cópias a todos os juízes, do mesmo modo se procedendo com o projecto de acórdão logo que recebido pela secretaria.
Artigo 14.º
Formação da decisão
1 - Com a entrega ao presidente do Tribunal Constitucional da cópia do projecto de acórdão, é-lhe concluso o respectivo processo para o inscrever na ordem do dia da sessão plenária a realizar no prazo de 15 dias a contar da data da distribuição.2 - A decisão não deve ser proferida antes de decorridos dois dias sobre a entrega da cópia do projecto de acórdão a todos os juízes.
Artigo 15.º
Notificação da decisão
Proferida a decisão, o presidente do Tribunal Constitucional manda notificar imediatamente o presidente do órgão que deliberou a realização da consulta.
Artigo 16.º
Notificações
1 - As notificações referidas nos artigos anteriores são efectuadas mediante protocolo ou por via postal, telegráfica ou telex, consoante as circunstâncias.2 - As notificações são acompanhadas de cópia do despacho ou da decisão, com os respectivos fundamentos.
Artigo 17.º
Prazos
1 - Aos prazos referidos nos artigos anteriores é aplicável o disposto no artigo 144.º do Código de Processo Civil.2 - Aos mesmos prazos acresce a dilação de cinco dias, quando os actos devam ser praticados por entidades sediadas fora do continente.
CAPÍTULO III
Marcação da data da consulta
Artigo 18.º
Marcação da data das consultas
Notificado da decisão do Tribunal Constitucional que não se pronuncie pela inconstitucionalidade ou ilegalidade da consulta local, o presidente da assembleia de freguesia, da assembleia municipal ou da assembleia regional que tiver deliberado notificará, no prazo de dois dias, o presidente do órgão executivo da respectiva autarquia para, no prazo de oito dias, marcar a data da realização da consulta.
Artigo 19.º
Data da consulta
1 - A consulta local deve realizar-se no prazo mínimo de 70 dias e máximo de 90 dias a contar da data da sua marcação.2 - A consulta realiza-se num domingo ou num dia feriado.
3 - Depois de marcada, a data da consulta local não pode ser alterada, salvo o disposto no número seguinte.
4 - Em caso de declaração de estado de sítio ou de estado de emergência, a data da realização da consulta pode ser diferida pelo órgão competente para a sua marcação por prazo não superior ao da duração daquela declaração, acrescido de 30 dias.
5 - Se a consulta não se realizar, total ou parcialmente, em virtude de graves tumultos, calamidades ou outro motivo semelhante, são marcadas, para se realizarem no mesmo dia da semana seguinte, as votações necessárias para a realizar ou completar.
Artigo 20.º
Publicidade
1 - A publicação da data e do conteúdo da consulta é feita por editais a afixar nos locais de estilo da área da autarquia a que diga respeito e por anúncio em dois jornais diários de grande circulação na totalidade dessa mesma área.2 - A publicação é feita no prazo de três dias a contar da data da marcação da consulta.
CAPÍTULO IV
Designação de mandatários
Artigo 21.º
Designação de mandatários
1 - Os partidos políticos designam de entre os eleitores inscritos na área da autarquia a que respeita a consulta um mandatário e um suplente que os representem em todas as operações a ela referentes.2 - Do mesmo modo devem proceder as entidades a que se refere o artigo 8.º, n.º 1, alínea b), da presente lei.
3 - A designação faz-se por escrito e é enviada ao órgão que marcou a data da consulta.
CAPÍTULO V
Constituição das assembleias de voto
Artigo 22.º
Regime aplicável
1 - É aplicável às consultas locais o disposto na legislação sobre a constituição das assembleias de voto para as eleições autárquicas, com as devidas adaptações.2 - As referências feitas na legislação mencionada no número anterior às listas de candidatos são entendidas como feitas aos partidos políticos e aos grupos de membros de órgãos.
CAPÍTULO VI
Campanha de propaganda e respectivas finanças
Artigo 23.º
Campanha de propaganda
1 - À campanha de propaganda para a realização de uma consulta local, incluindo as respectivas finanças, aplicam-se as disposições legais relativas à campanha eleitoral para as eleições autárquicas, com as necessárias adaptações.2 - É aplicável o disposto no n.º 2 do artigo anterior.
Artigo 24.º
Despesas da campanha
Cada partido político, ou qualquer outra entidade proponente, não pode gastar com a campanha de propaganda mais do que a importância global correspondente:a) Ao número de cidadãos eleitores recenseados na área da freguesia multiplicado pelo salário mínimo nacional e dividido por 1000, no caso de consulta a nível de freguesia;
b) Ao número de cidadãos eleitores recenseados na área do município ou da região multiplicado pelo salário mínimo nacional e dividido por 500, nos restantes casos.
TÍTULO III
Consulta
CAPÍTULO I
Capacidade de voto
Artigo 25.º
Capacidade de voto
Têm capacidade de voto nas consultas locais os cidadãos eleitores que possam votar nas eleições para os órgãos da autarquia em cujo âmbito se realiza a consulta.
CAPÍTULO II
Sufrágio e apuramento
Artigo 26.º
Regime aplicável
1 - São aplicáveis às consultas locais as disposições legais relativas ao sufrágio e ao apuramento das eleições para as autarquias locais, com as necessárias adaptações.2 - É também aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 22.º da presente lei.
Artigo 27.º
Competência para marcação da data
Cabe ao órgão que marca a data de realização da consulta o exercício das competências conferidas ao governador civil nas disposições referidas no artigo anterior.
Artigo 28.º
Boletins de voto
Nos boletins de voto são impressas as perguntas formuladas aos cidadãos eleitores, bem como as palavras «Sim» e «Não», em linhas sucessivas, seguidas a cada pergunta, figurando na linha correspondente a cada uma daquelas duas palavras um quadrado em branco, destinado a ser assinalado com a escolha do votante.
TÍTULO IV
Contencioso da consulta
Artigo 29.º
Interposição de recurso
1 - As irregularidades ocorridas no decurso da votação e no apuramento parcial e geral podem ser apreciadas em recurso contencioso, desde que hajam sido objecto de reclamação ou protesto apresentado no acto em que se verificaram.2 - Da decisão sobre a reclamação ou o protesto podem recorrer, além do apresentante da reclamação, protesto ou contraprotesto, os mandatários designados nos termos do artigo 22.º da presente lei.
3 - A petição deve especificar os fundamentos, de facto e de direito, do recurso e ser acompanhada de todos os elementos de prova, incluindo cópia ou fotocópia da acta da assembleia em que a irregularidade tiver ocorrido.
4 - O recurso deve ser interposto para o Tribunal Constitucional, dirigido ao respectivo presidente, no prazo de dois dias a contar da data da afixação do edital contendo os resultados do apuramento.
5 - A interposição de recurso relativo a autarquias das regiões autónomas pode ser feita por via telegráfica, sem prejuízo de posterior envio de todos os elementos de prova no prazo de três dias a contar do fim do prazo referido no número anterior.
Artigo 30.º
Processo ao Tribunal Constitucional
1 - Autuado pela secretaria e registado no competente livro no próprio dia da sua recepção, é o recurso imediatamente concluso ao presidente do Tribunal Constitucional, que no prazo de um dia convoca o Tribunal para, em sessão plenária, decidir do recurso.2 - Nos casos previstos no n.º 5 do artigo anterior, o prazo do número anterior conta-se a partir da data da recepção dos elementos de prova.
3 - A sessão plenária referida no n.º 1 realiza-se no prazo de dois dias a contar da data da sua convocação.
Artigo 31.º
Decisão do Tribunal Constitucional
A decisão do Tribunal Constitucional é definitiva.
Artigo 32.º
Notificação da decisão
A decisão do Tribunal Constitucional é imediatamente notificada à Comissão Nacional de Eleições, ao órgão que marcou a data da realização da consulta e à entidade que interpôs o recurso e publicada na 2.ª série do Diário da República.
Artigo 33.º
Anulação da votação
1 - A votação em qualquer assembleia de voto só é anulada se se tiverem verificado ilegalidades que possam influir no resultado da consulta.2 - Para os efeitos da parte final do número anterior, considera-se o conjunto dos recursos interpostos em relação à mesma consulta.
3 - A votação anulada é repetida no segundo domingo posterior à decisão do Tribunal Constitucional, a convocação do órgão que marcou a data de realização da consulta.
4 - Em caso de repetição de votação, há lugar a uma nova assembleia de apuramento geral.
TÍTULO V
Ilícitos penais
CAPÍTULO I
Princípios gerais
Artigo 34.º
Concurso de infracções
1 - As sanções cominadas nesta lei são aplicadas sempre que os factos puníveis não integrem ilícitos penais punidos de forma mais grave noutros diplomas.2 - Os ilícitos penais previstos nesta lei constituem também ilícitos disciplinares quando cometidos por pessoas sujeitas a essa responsabilidade.
Artigo 35.º
Circunstâncias agravantes gerais
Para além das previstas na lei penal comum, constituem circunstâncias agravantes gerais do ilícito relativo a consultas locais:a) O facto de a infracção influir no resultado da cotação;
b) O facto de a infracção ser cometida por qualquer pessoa que participe a título oficial no processo da consulta.
Artigo 36.º
Punição da tentativa
A tentativa é punida da mesma forma que o crime consumado.
Artigo 37.º
Não suspensão ou substituição das penas
As penas aplicadas por infracções penais previstas na presente lei não podem ser suspensas nem substituídas por qualquer outra pena.
Artigo 38.º
Suspensão de direitos políticos
1 - A condenação a pena de prisão por infracção penal prevista na presente lei pode ser acompanhada da condenação em suspensão de um a cinco anos do direito de ser eleito ou de votar nas eleições para qualquer órgão de soberania, de região autónoma ou de poder local e de votar em consultas locais.2 - No caso de o agente ser titular de qualquer dos órgãos previstos no número anterior, a suspensão aí prevista abrangerá a referida titularidade.
Artigo 39.º
Prescrição
O procedimento por infracções penais previstas nesta lei prescreve no prazo de um ano.
Artigo 40.º
Constituição como assistentes
Qualquer cidadão, bem como qualquer entidade que, nos termos do artigo 8.º, tenha tomado a iniciativa da consulta, pode constituir-se assistente nos processos por infracções penais previstas nesta lei.
CAPÍTULO II
Infracções relativas à campanha de propaganda e à consulta
Artigo 41.º
Regime aplicável
É aplicável às consultas locais o disposto na legislação sobre eleições para os órgãos autárquicos.
TÍTULO VI
Disposições finais e transitórias
Artigo 42.º
Certidões
As certidões de apuramento geral são obrigatoriamente passadas, no prazo de cinco dias, a requerimento de qualquer interessado.
Artigo 43.º
Isenções
São isentos de quaisquer taxas ou emolumentos, imposto do selo e imposto de justiça, conforme os casos:a) As certidões a que se refere o artigo anterior;
b) Todos os documentos destinados a instruírem quaisquer reclamações, protestos ou contraprotestos nas assembleias de voto ou de apuramento geral, bem como quaisquer reclamações ou recursos previstos na lei;
c) As procurações forenses a utilizar em quaisquer actos previstos na presente lei, devendo as mesmas especificar os processos a que se destinam;
d) Quaisquer requerimentos relativos ao processo de consulta.
Artigo 44.º
Termo dos prazos
Quando qualquer acto processual previsto na presente lei envolva intervenção de entidades ou serviços públicos, o termo dos prazos respectivos considera-se referido ao termo do horário normal das competentes repartições ou serviços.
Artigo 45.º
Registo de consultas
O Tribunal Constitucional deve dispor de um registo próprio das consultas locais realizadas, bem como dos respectivos resultados.
Artigo 46.º
Direito subsidiário
A todas as questões não reguladas nesta lei aplica-se, como direito subsidiário e com as devidas adaptações:a) Ao processo de deliberação e de marcação da consulta, o disposto na legislação sobre competência e funcionamento dos órgãos autárquicos;
b) À fiscalização da constitucionalidade e da legalidade da consulta, o disposto na legislação sobre fiscalização preventiva da constitucionalidade;
c) Ao contencioso da consulta, o disposto na legislação aplicável às eleições para os órgãos autárquicos.
Artigo 47.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.
Aprovada em 24 de Maio de 1990.
O Presidente da Assembleia da República, Vítor Pereira Crespo.
Promulgada em 31 de Julho de 1990.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendada em 3 de Agosto de 1990.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.